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ARTIGO

Desafios da produção e
inovações tecnológicas para
cultura do alho no Brasil
Francisco Vilela Resende

O alho (Allium sativum L.) é uma espécie altamente competitivos, por isso, com base
que teve sua origem em regiões de clima em regras de proteção comercial estabelecidas
temperado da Ásia Central e é uma das pela OMC, tem sido cobrada pelo Brasil uma
plantas com relatos mais antigos de uso tarifa antidumping para evitar a concorrência
na alimentação humana, inicialmente mais desleal do produto importado.
por suas propriedades medicinais do que Apesar de o Brasil suprir apenas parte da
condimentares. Introduzido no Brasil pela sua demanda interna de consumo de alho, a
colonização portuguesa, ganhou importância autossuficiência de produção é possível em
socioeconômica, sendo cultivado por função do grande potencial de expansão da
pequenos, médios e grandes agricultores. cultura para as mais diversas regiões do país.
Devido à elevada dependência de mão de obra Além das regiões produtoras tradicionais
e ao alto rendimento em pequenas áreas é do Sul, Sudeste e Centro-Oeste, áreas de
uma excelente opção de geração de renda microclimas de altitude da região Nordeste
para a agricultura familiar. e, até mesmo do Norte do país, podem ser
O alho é a sexta hortaliça em valor da utilizadas para exploração comercial da
produção nacional. Nos últimos anos, cultura. Porém, são regiões com características
o consumo anual de alho no Brasil tem edafoclimáticas bastante distintas entre si,
se mantido estável em torno de 300 sendo necessários estudos específicos para
mil toneladas, que corresponde a um cada situação, visando obter maior eficiência
consumo médio de 1,5 kg por habitante/ produtiva e sustentabilidade. Nesse sentido,
ano. É importante destacar a preferência dos pesquisas envolvendo adaptação de cultivares,
brasileiros pelo consumo de alho in natura, nutrição mineral, manejo da irrigação,
que corresponde a 95% do consumo total do vernalização, qualidade de alho-semente e
país. conservação pós-colheita são indispensáveis.
A produção brasileira de alho não é O acesso às inovações tecnológicas
suficiente para atender a demanda interna, geradas pelas instituições de pesquisa é uma
sendo necessárias constantes importações. deficiência que precisa ser superada pela
Em 2017, o Brasil produziu 125 mil toneladas cadeia de valor do alho, uma vez que em
de alho que atenderam apenas 45% do muitas situações as informações disponíveis
consumo nacional. O restante do produto não estão acessíveis a todos as categorias de
consumido - 160 mil toneladas - foi importado agricultores. Muitas regiões tradicionais de
de países como Argentina, China e Espanha. pequenos produtores, envolvidos há várias
O alho importado chega ao país com preços décadas com a cultura do alho, deixaram de

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Principais tecnologias de
produção da cultura do alho
Cultivares de alho nobre: As cultivares de alho
são divididas em dois grupos: os alhos nobres
e os alhos comuns (semi-nobres). O alho
nobre apresenta maior aceitação comercial,
pois produzem bulbos arredondados e com
aspecto visual atrativo para o consumidor,
com bulbilhos grandes. Os bulbos desse grupo
têm túnica branca e bulbilhos com película
produzir ou encolheram significativamente as de cor roxa intensa. As cultivares do grupo
áreas de plantio devido ao atraso tecnológico, semi-nobre caracterizam-se por possuírem
bulbos ovalados, túnica branca ou levemente
degenerescência do alho-semente e ao
arroxeada e bulbilhos com película branca a
aumento das importações de alho pelo Brasil. levemente rósea. Algumas cultivares desse
Esses pequenos agricultores são os mais grupo apresentam número excessivo de
prejudicados pelas deficiências do sistema bulbilhos, com tamanho reduzido por bulbo
público de extensão rural, geralmente os que e, portanto, apresentam baixa aceitação
mais necessitam das inovações tecnológicas no mercado formal, embora ainda sejam
comercializadas em mercados regionais em
e da assistência técnica. Dessa forma, a réstias.
estruturação de um modelo de difusão
e transferência de tecnologia inclusivo é Vernalização: A técnica consiste em armazenar
fundamental para que o pequeno produtor os bulbos inteiros ou bulbilhos que serão
de alho recupere a capacidade de competir utilizados para o plantio em câmaras frias
para possibilitar o plantio em regiões com
no mercado formal e as regiões tradicionais
temperaturas mais elevadas (12 a 24ºC) e
de produção voltem a contribuir para que de fotoperíodo curto. Algumas pesquisas
o Brasil efetivamente caminhe em direção à mostram que a vernalização auxilia na quebra
autossuficiência. de dormência dos bulbilhos, uniformizando
Entretanto, é importante ressaltar que a emergência, antecipando a formação do
apenas a revitalização e a expansão das áreas bulbo e reduzindo o ciclo. Por possibilitar
precocidade nas colheitas, essa técnica tem
de produção e aumentos de produtividade diminuído o período de entressafra, melhorado
e da qualidade do alho nacional não o abastecimento do mercado interno e
são suficientes para que se reduzam as diminuído as necessidades de importações.
importações. Os produtores têm se esforçado
inutilmente ao longo dos anos para aumentar Alho-semente livre de vírus: A adoção do alho-
semente livre de vírus em lavouras comerciais
a produção nacional de alho, com intuito de
tem proporcionado aumentos de produtividade
diminuir a forte presença do alho importado bastante expressivos quando comparado ao
no mercado interno, e por anos consecutivos alho propagado pelo método convencional.
acumulam prejuízos pela entrada Dependendo do nível de infecção, a
descontrolada do produto importado no país. produtividade do clone livre de vírus pode
Os produtores brasileiros de alho têm lutado aumentar entre 30 e 50% em relação ao
alho infectado. Para as cultivares de alho
por políticas de governo que estabeleçam semi-nobres, o processo de degenerescência
quotas de importação nos períodos de tem sido mais drástico do que nas cultivares
maior concentração da comercialização do nobres. Com frequência, clones livres de
alho nacional, mas muitas vezes decisões vírus dessas variedades apresentam 100%
equivocadas das autoridades ignoram os de aumento de produtividade em relação
ao mesmo material multiplicado de forma
níveis de produção interna e autorizam a
convencional.
importação do produto. Outra dificuldade são
as liminares judiciais concedidas às empresas
importadoras para o não cumprimento de
regras de mercado, que estabelece o direito
antidumping a uma taxa de US$ 7,80 por caixa Francisco Vilela Resende
de 10 kg do produto importado da China - sem Engenheiro Agrônomo
a taxa antidumping o custo da caixa de alho
Fitotecnia
importado cairia para 70% do preço de custo
Pesquisador da Embrapa Hortaliças
do alho nacional.

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