Você está na página 1de 6

Saúde da pessoa com deficiência

na vida adulta

unidades especializadas que demandam


intervenções específicas à sua condição de
O cuidado integral à saúde da pessoa deficiência, mas também em suas
com deficiência na vida adulta necessidades de saúde nos serviços da atenção
básica que envolvem intervenções de
 A Política Nacional de Saúde da Pessoa com prevenção e cura dos demais agravos e
Deficiência definiu como uma das diretrizes a doenças comuns nos diversos ciclos de vida,
assistência integral à saúde. Isso significa que por exemplo, os cuidados odontológicos e
a pessoa com deficiência deve ser acolhida ginecológicos.
não somente nos serviços de reabilitação em
 As necessidades de saúde devem considerar a retrátil e encosto reclinável, variando entre
história singular da pessoa adulta com maca e cadeira. Preferencialmente o
deficiência, o tipo de deficiência, o gênero e o equipamento deve possuir braços e apoios de
contexto familiar em que ela se insere, dentre coxas reguláveis em sentido vertical e
outras componentes sociais envolvidas nesse horizontal, além de apoios para os pés e
encosto de cabeça igualmente reguláveis.
processo.
 A deficiência está presente em uma parcela
significativa da população brasileira,
Pessoas com deficiência e suas
manifestando-se em diferentes graus e de
necessidades de saúde
diferentes maneiras em ambos os sexos, em
todos os estratos sociais e faixas etárias.
 Pessoas com deficiência compõem um dos
 Quando envolve a vida adulta, o cuidado segmentos da população brasileira que têm
integral à saúde implica a capacidade de os seus direitos humanos violados em função da
serviços de saúde oferecerem respostas sexualidade.
adequadas às necessidades de saúde de cada
pessoa com deficiência no território,  A representação da pessoa com deficiência
procurando articular a dimensão da cura à como um ser assexuado ou dotado de uma
prevenção e à promoção da saúde, inclusive à hiperssexualidade reforçou o surgimento de
saúde sexual e reprodutiva mitos e estereótipos quanto às suas
 A transição para a vida adulta é marcada pelas possibilidades como sujeito. No caso de
expectativas sociais em torno de eventos mulheres com deficiência, essa opressão se
como a constituição de uma família através torna mais evidente
do casamento e do nascimento do primeiro
 Em geral pessoas com deficiência costumam
filho, o trabalho que implique sucesso
receber menos serviços de avaliação e
profissional e estabilidade financeira, a prevenção de DCNT (Doenças Crônicas Não
garantia de uma moradia digna e a segurança Transmissíveis). Pesquisas apontam que
financeira para sustentar uma família, dentre mulheres com limitações funcionais realizam
outros. menos exames para a detecção do câncer de
mama e câncer de colo uterino e são menos
 A vida adulta nem sempre é estável porque
questionadas nas consultas médicas sobre o
vivemos em meio a uma revolução digital,
uso de métodos contraceptivos que aquelas
econômica, tecnológica, de condições de
sem deficiência e os homens com deficiência
saúde etc., que afeta e é afetada pelo aumento
são menos propensos a receber triagem para
da escolaridade e pelas transformações no
câncer de próstata.
mercado de trabalho, refletindo-se nos
modelos de relações afetivas e modificando,
 Os serviços de assistência integral à saúde
inclusive, os arranjos familiares.
sexual e reprodutiva das mulheres na Atenção
Primária incluem planejamento familiar,
 Uma questão que conforma de um modo
atenção à maternidade, prevenção e gestão da
muito particular as expectativas sociais em
violência sexual e de DCNT, além da
torno da vida adulta das pessoas com
prevenção e tratamento de infecções
deficiência e que você talvez já tenha
sexualmente transmissíveis, incluindo
vivenciado em sua prática profissional diz
HIV/AIDS, a partir do uso de medicamentos.
respeito a questões que envolvem
necessidades de saúde sexual e reprodutiva
 Há, ainda, as situações de disfunções
das mulheres com deficiência.
sexuais apresentadas por pessoas com lesão
medular de ambos os sexos que, por
 Modos à mesa ginecológica
envolverem múltiplas componentes e
 No Brasil, poucos são os estabelecimentos particularidades, devem ser analisadas caso a
que possuem um mamógrafo adaptado para caso.
mulheres com deficiência física.
 No geral, recomenda-se que a mesa
ginecológica apresente perneira motorizada
 Assim, todo esse quadro implica Necessidades de saúde sexual,
considerar a funcionalidade da pessoa, o tipo reprodutiva e de acessibilidade: a
e grau de deficiência, se a deficiência é pessoa com deficiência adulta por tipo
congênita ou adquirida, o gênero, a raça, bem
como o contexto socioeconômico e cultural de deficiência
no qual ela está inserida.
 A reabilitação visa reduzir o impacto de uma
ampla gama de condições de saúde, evitando
Flexibilidade de comportamento quanto
sequelas e melhorando a qualidade de vida
à presença de deficiência congênita ou da pessoa. O relatório mundial sobre a
adquirida deficiência define reabilitação como um
conjunto de medidas que ajudam pessoas
 A Deficiência Congênita é aquela que existe com deficiência ou prestes a adquirir uma
no indivíduo ao nascer e, mais comumente, deficiência a terem e manterem uma
antes de nascer, isto é, durante a fase funcionalidade ideal na interação com o
intrauterina. Já a Deficiência Adquirida, é ambiente.
aquela que ocorre depois do nascimento, em
virtude de infecções, traumatismos,  Pontua ainda a distinção entre habilitação e
intoxicações. reabilitação ao afirmar que:

 Rezende, por exemplo, sustenta que enquanto A habilitação visa ajudar aqueles que
pessoas com deficiência congênita geralmente possuem deficiência congênita ou
vivenciam um processo de desenvolvimento adquirida na primeira infância a
da autopercepção e da identidade de modo desenvolver sua funcionalidade tanto
semelhante a crianças sem deficiência, as que quanto possível.
têm deficiência adquirida, especialmente se  Reabilitação tem o foco nas pessoas que
for decorrente de uma lesão medular, tendem tiveram perdas funcionais após a primeira
a experimentar maiores desafios relacionados infância e são auxiliadas a readquiri-las,
à autoimagem, mudanças nos papeis sociais, por exemplo, melhorando a capacidade de
nas relações sociais, familiares e conjugais, comer e beber sem o auxílio de outra
inclusive na vida sexual e, ao mesmo tempo, pessoa. Inclui também intervenções no
angústias psicológicas, dores físicas, ambiente de uso pessoal do indivíduo,
tratamento médico prolongado e restrições no como a instalação de uma barra de apoio
desempenho de atividades da vida cotidiana. no banheiro
 O estudo sugere que os traumas que  A habilitação e a reabilitação visam a
provocaram lesões impuseram aos indivíduos promover a autonomia e independência da
mudanças dramáticas em sua vida cotidiana, pessoa com deficiência na realização de
inclusive no que se refere ao acesso às atividades básicas da vida cotidiana.
oportunidades ambientais para a ação.
 As necessidades de saúde sexual e
 No entanto, os indivíduos ou podem
reprodutiva afetam, significativamente, o
desenvolver estratégias compensatórias para
continuar executando atividades que grupo de pessoas com deficiência adquirida,
desempenhavam anteriormente ou, o que é especialmente do tipo física, pois a lesão
bastante comum, identificarão novas opções medular implica a perda das funções motoras
de engajamento, muitas vezes diferentes de e sensitivas se o grau da lesão for completo,
seus interesses prévios. ou quando a lesão for incompleta, alguma
 Por isso, a flexibilidade de comportamento função motora e/ou sensitiva abaixo do nível
emerge como um fator interveniente lesionado está preservada.
importante para a adaptação a um ambiente  Em ambos os casos, o quadro clínico faz com
em contínua mudança, permitindo que a que a pessoa com lesão medular manifeste,
pessoa com uma deficiência adquirida busque em maior ou menor grau, dependência
e invista em novos projetos de vida, apesar
funcional para a locomoção e a realização de
dos impedimentos corporais.
atividades da vida cotidiana e, ainda,
desenvolva complicações de saúde, como
ulcerações cutâneas e infecções urinárias, “Dependendo do médico eu sou obrigada a
dentre outras. Consequentemente, os aspectos chamar minha mãe ou minha sogra para me
psicossexuais presentes em relações afetivas acompanhar e traduzir o que o médico fala,
anteriores à lesão precisam ser reestruturados, contudo com alguns médicos me viro sozinha,
a fim de se adaptar à nova realidade corporal. pois já estou acostumada com a sua
 Os autores ponderam que somente com uma articulação e tenho boa habilidade de leitura
orientação e tratamento adequados a pessoa labial, mas vale lembrar que essa habilidade
que tenha sofrido uma lesão medular será não acontece com todos os sujeitos surdos.
capaz de voltar a ter relações sexuais Por exemplo, ir ao consultório de ginecologia,
satisfatórias, assim como aceitar com vou sozinha numa boa porque a comunicação
tranquilidade a possibilidade da maternidade entre eu e a médica é boa, no caso de não
ou paternidade, e com maior autonomia e conseguir me comunicar é muito
independência. constrangedor que alguém me acompanhe
 No campo da deficiência, autonomia é a numa situação onde me exponho falando de
possibilidade de controlar o próprio corpo em coisas íntimas e muito pessoais.” (Vanessa,
torno do ambiente mais próximo, enquanto pessoa surda, 36 anos).
que independência é a faculdade de tomar
decisões. Em outras palavras Melo diz:  No caso de pessoas com deficiência
intelectual, Duarte e Velloso alertam que,
“Uma pessoa com tetraplegia severa pode não muitas vezes, elas não poderão se valer da
ser, por exemplo, capaz de se vestir sozinha fala de modo usual para conseguir uma
(por restrição de autonomia), mas ela tem comunicação funcional.
independência para decidir e escolher que
tipo de roupa quer vestir. A autonomia  Em vez disso, indicam o uso de formas
(controle sobre o próprio corpo e sobre o alternativas de comunicação para ampliar sua
ambiente mais próximo) e a independência fala e linguagem, a fim de que possam
(faculdade de decidir por si mesma) são os expressar suas necessidades e estabelecer
dois lados da mesma moeda, interações sociais.
fundamentalmente importantes na vida das
pessoas com deficiência”.  Nesse sentido, sugere-se recorrer a recursos
de comunicação alternativa, baseados em uma
 Há relatos de usuárias de diferentes linguagem apropriada ao nível de
deficiências reportando suas dificuldades de compreensão cognitiva, com a possibilidade
acesso aos serviços da Atenção Primária, de incluir imagens e figuras, conforme
devido à falta de transporte, a barreiras indicam os depoimentos de pessoas com
síndrome de Down:
arquitetônicas, barreiras na comunicação,
além das barreiras atitudinais advindas dos
“Quero reforçar que, para nós, pessoas com
preconceitos e atitudes pouco acolhedoras de
deficiência intelectual, para entender as
alguns profissionais da saúde.
palestras, é muito importante ter imagens e
 Para as pessoas surdas alfabetizadas em desenhos, porque muitas vezes a gente precisa
português, a prioridade para alcançar a pensar. Como é que a gente vai entender um
autonomia e independência está no acesso à slide se não tem imagem, se não tem a foto, se
informação e à comunicação sobre saúde não tem um desenho? Não dá pra gente
sexual e reprodutiva por meio da leitura labial entender. Então, eu gostaria que vocês
e da escrita. pensassem numa forma de possibilitar que a
 Para os surdos que usam a Língua Brasileira pessoa com deficiência intelectual entenda,
de Sinais (Libras), incentiva-se a presença de porque entender as palestras em forma de
intérpretes de Libras na Unidade Básica de imagens fica mais fácil pra gente entender.”
Saúde (UBS) ou sugere-se que os (Depoimento sem identificação).
profissionais da saúde realizem capacitação
em Libras.  Para pessoas cegas, prioriza-se o acesso à
informação por meio do sistema de escrita
Braille, materiais gravados ou em formato As mulheres com deficiência também
digital; para as pessoas com baixa visão, experimentam maior rejeição social quando
sugere-se textos com letra ampliada ou, não correspondem às expectativas sociais de
novamente, materiais gravados ou gênero que incluem o exercício dos papéis de
digitalizados. mãe, esposa, cuidadora e objeto sexual.
 Um problema sério de muitas políticas da
O recorte de gênero na saúde sexual e deficiência se refere à ausência do recorte de
reprodutiva da pessoa com deficiência gênero. Muitas das diretrizes e
na vida adulta recomendações presentes nessas políticas
tendem a responder a uma concepção neutra
 As mudanças no processo de transição à vida de deficiência, no sentido de homogeneizar as
adulta se devem a duas ordens de fatores que demandas e necessidades de saúde das
se dão nas dimensões da escola, do trabalho e pessoas com deficiência, não considerando as
da família: A primeira é de ordem pública e especificidades de gênero.
envolve o aumento da escolarização e as  Mesmo políticas aparentemente não
dificuldades crescentes de inserção dos jovens discriminatórias e não sexistas afetam de
no mercado de trabalho e a segunda é de maneira distinta mulheres e homens, porque
ordem privada e diz respeito à desvinculação existem diferenças substanciais relativas aos
entre atividade sexual e casamento e entre papéis de gênero atribuídos a homens e
casamento e parentalidade, o que anuncia mulheres. Por isso a avaliação do impacto de
uma flexibilização nos padrões de gênero nas políticas é importante, a fim de se
relacionamentos afetivos e familiares. evitar consequências negativas e não
 Camarano e Mello apontam para a existência intencionais de sua implementação,
de um forte componente de gênero na melhorando sua qualidade e eficácia.
transição para a vida adulta, quando afirmam
que “o casamento e a constituição de  Outra questão sobre gênero e deficiência na
domicílio quase sempre ocorrem mais tarde interface com o campo da saúde diz respeito
para homens do que para mulheres por causa às violências de gênero contra mulheres com
de sua participação nas atividades deficiência.
econômicas, enquanto que para estas a
 Conforme Mello, quando mulheres em
constituição de domicílio se dá via casamento
situação ou com histórico de violência
e nascimento do primeiro filho”. Se o homem
tornam-se pessoas com deficiência, há uma
tiver uma deficiência, as chances de estar fora intersecção entre gênero, violência e
do mercado de trabalho são maiores, deficiência que precisa ser considerada
enquanto as mulheres com deficiência têm também pelo campo da saúde, visto que a
mais dificuldades de casarem-se e categoria lesão e a possibilidade de dados
constituírem família. sobre o perfil socioeconômico da mulher em
 Nicolau pondera que: Dentro do universo das situação de violência podem sugerir
pessoas com deficiência, cabe ressaltar que as informações sobre a deficiência.
iniquidades de gênero também são um fato.
Nos países mais pobres o quadro se agrava  Isso porque violências que resultam em lesões
pelo fato de a mulher ocupar uma posição corporais graves ou gravíssimas podem
subordinada ao homem em virtude de produzir deficiências, respectivamente
temporárias ou permanentes, contribuindo
determinadas tradições socioculturais. Nestes
para aumentar o contingente de novas pessoas
países as mulheres também têm menos acesso com deficiência no Brasil.
a serviços de reabilitação, a oportunidades de
estudo e qualificação profissional do que os  Outra questão a acrescentar diz respeito às
homens nessa condição. Há sociedades em violências perpetradas contra pessoas com
que a mulher possui pouquíssima autonomia deficiência em contextos permeados
para circular na esfera pública, não podendo, por relações de cuidado,como vemos nos
por exemplo, escolher com quem se casará. seguintes relatos de Karina, mulher
cadeirante, com deficiência física em
decorrência de síndrome de Guillain-Barré
desde a infância, sobre o assédio sexual que
sofreu de um médico ginecologista durante
uma consulta médica de rotina:

Ele chegou [e] tirou, tirou o pano de cima,


pegou na minha parte pubiana, apertou com a
mão assim: “Vamos ver essa coisinha linda
aqui como é que ela está.” Eu fiquei azul, eu
fiquei roxa. Eu fiquei, falei: “Pronto, agora
estou ferrada! Esse homem pode fazer
qualquer coisa comigo. Porque eu com
deficiência, eu não tenho como sair correndo
daqui.” (Karina, 47 anos).

Você também pode gostar