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na vida adulta
Rezende, por exemplo, sustenta que enquanto A habilitação visa ajudar aqueles que
pessoas com deficiência congênita geralmente possuem deficiência congênita ou
vivenciam um processo de desenvolvimento adquirida na primeira infância a
da autopercepção e da identidade de modo desenvolver sua funcionalidade tanto
semelhante a crianças sem deficiência, as que quanto possível.
têm deficiência adquirida, especialmente se Reabilitação tem o foco nas pessoas que
for decorrente de uma lesão medular, tendem tiveram perdas funcionais após a primeira
a experimentar maiores desafios relacionados infância e são auxiliadas a readquiri-las,
à autoimagem, mudanças nos papeis sociais, por exemplo, melhorando a capacidade de
nas relações sociais, familiares e conjugais, comer e beber sem o auxílio de outra
inclusive na vida sexual e, ao mesmo tempo, pessoa. Inclui também intervenções no
angústias psicológicas, dores físicas, ambiente de uso pessoal do indivíduo,
tratamento médico prolongado e restrições no como a instalação de uma barra de apoio
desempenho de atividades da vida cotidiana. no banheiro
O estudo sugere que os traumas que A habilitação e a reabilitação visam a
provocaram lesões impuseram aos indivíduos promover a autonomia e independência da
mudanças dramáticas em sua vida cotidiana, pessoa com deficiência na realização de
inclusive no que se refere ao acesso às atividades básicas da vida cotidiana.
oportunidades ambientais para a ação.
As necessidades de saúde sexual e
No entanto, os indivíduos ou podem
reprodutiva afetam, significativamente, o
desenvolver estratégias compensatórias para
continuar executando atividades que grupo de pessoas com deficiência adquirida,
desempenhavam anteriormente ou, o que é especialmente do tipo física, pois a lesão
bastante comum, identificarão novas opções medular implica a perda das funções motoras
de engajamento, muitas vezes diferentes de e sensitivas se o grau da lesão for completo,
seus interesses prévios. ou quando a lesão for incompleta, alguma
Por isso, a flexibilidade de comportamento função motora e/ou sensitiva abaixo do nível
emerge como um fator interveniente lesionado está preservada.
importante para a adaptação a um ambiente Em ambos os casos, o quadro clínico faz com
em contínua mudança, permitindo que a que a pessoa com lesão medular manifeste,
pessoa com uma deficiência adquirida busque em maior ou menor grau, dependência
e invista em novos projetos de vida, apesar
funcional para a locomoção e a realização de
dos impedimentos corporais.
atividades da vida cotidiana e, ainda,
desenvolva complicações de saúde, como
ulcerações cutâneas e infecções urinárias, “Dependendo do médico eu sou obrigada a
dentre outras. Consequentemente, os aspectos chamar minha mãe ou minha sogra para me
psicossexuais presentes em relações afetivas acompanhar e traduzir o que o médico fala,
anteriores à lesão precisam ser reestruturados, contudo com alguns médicos me viro sozinha,
a fim de se adaptar à nova realidade corporal. pois já estou acostumada com a sua
Os autores ponderam que somente com uma articulação e tenho boa habilidade de leitura
orientação e tratamento adequados a pessoa labial, mas vale lembrar que essa habilidade
que tenha sofrido uma lesão medular será não acontece com todos os sujeitos surdos.
capaz de voltar a ter relações sexuais Por exemplo, ir ao consultório de ginecologia,
satisfatórias, assim como aceitar com vou sozinha numa boa porque a comunicação
tranquilidade a possibilidade da maternidade entre eu e a médica é boa, no caso de não
ou paternidade, e com maior autonomia e conseguir me comunicar é muito
independência. constrangedor que alguém me acompanhe
No campo da deficiência, autonomia é a numa situação onde me exponho falando de
possibilidade de controlar o próprio corpo em coisas íntimas e muito pessoais.” (Vanessa,
torno do ambiente mais próximo, enquanto pessoa surda, 36 anos).
que independência é a faculdade de tomar
decisões. Em outras palavras Melo diz: No caso de pessoas com deficiência
intelectual, Duarte e Velloso alertam que,
“Uma pessoa com tetraplegia severa pode não muitas vezes, elas não poderão se valer da
ser, por exemplo, capaz de se vestir sozinha fala de modo usual para conseguir uma
(por restrição de autonomia), mas ela tem comunicação funcional.
independência para decidir e escolher que
tipo de roupa quer vestir. A autonomia Em vez disso, indicam o uso de formas
(controle sobre o próprio corpo e sobre o alternativas de comunicação para ampliar sua
ambiente mais próximo) e a independência fala e linguagem, a fim de que possam
(faculdade de decidir por si mesma) são os expressar suas necessidades e estabelecer
dois lados da mesma moeda, interações sociais.
fundamentalmente importantes na vida das
pessoas com deficiência”. Nesse sentido, sugere-se recorrer a recursos
de comunicação alternativa, baseados em uma
Há relatos de usuárias de diferentes linguagem apropriada ao nível de
deficiências reportando suas dificuldades de compreensão cognitiva, com a possibilidade
acesso aos serviços da Atenção Primária, de incluir imagens e figuras, conforme
devido à falta de transporte, a barreiras indicam os depoimentos de pessoas com
síndrome de Down:
arquitetônicas, barreiras na comunicação,
além das barreiras atitudinais advindas dos
“Quero reforçar que, para nós, pessoas com
preconceitos e atitudes pouco acolhedoras de
deficiência intelectual, para entender as
alguns profissionais da saúde.
palestras, é muito importante ter imagens e
Para as pessoas surdas alfabetizadas em desenhos, porque muitas vezes a gente precisa
português, a prioridade para alcançar a pensar. Como é que a gente vai entender um
autonomia e independência está no acesso à slide se não tem imagem, se não tem a foto, se
informação e à comunicação sobre saúde não tem um desenho? Não dá pra gente
sexual e reprodutiva por meio da leitura labial entender. Então, eu gostaria que vocês
e da escrita. pensassem numa forma de possibilitar que a
Para os surdos que usam a Língua Brasileira pessoa com deficiência intelectual entenda,
de Sinais (Libras), incentiva-se a presença de porque entender as palestras em forma de
intérpretes de Libras na Unidade Básica de imagens fica mais fácil pra gente entender.”
Saúde (UBS) ou sugere-se que os (Depoimento sem identificação).
profissionais da saúde realizem capacitação
em Libras. Para pessoas cegas, prioriza-se o acesso à
informação por meio do sistema de escrita
Braille, materiais gravados ou em formato As mulheres com deficiência também
digital; para as pessoas com baixa visão, experimentam maior rejeição social quando
sugere-se textos com letra ampliada ou, não correspondem às expectativas sociais de
novamente, materiais gravados ou gênero que incluem o exercício dos papéis de
digitalizados. mãe, esposa, cuidadora e objeto sexual.
Um problema sério de muitas políticas da
O recorte de gênero na saúde sexual e deficiência se refere à ausência do recorte de
reprodutiva da pessoa com deficiência gênero. Muitas das diretrizes e
na vida adulta recomendações presentes nessas políticas
tendem a responder a uma concepção neutra
As mudanças no processo de transição à vida de deficiência, no sentido de homogeneizar as
adulta se devem a duas ordens de fatores que demandas e necessidades de saúde das
se dão nas dimensões da escola, do trabalho e pessoas com deficiência, não considerando as
da família: A primeira é de ordem pública e especificidades de gênero.
envolve o aumento da escolarização e as Mesmo políticas aparentemente não
dificuldades crescentes de inserção dos jovens discriminatórias e não sexistas afetam de
no mercado de trabalho e a segunda é de maneira distinta mulheres e homens, porque
ordem privada e diz respeito à desvinculação existem diferenças substanciais relativas aos
entre atividade sexual e casamento e entre papéis de gênero atribuídos a homens e
casamento e parentalidade, o que anuncia mulheres. Por isso a avaliação do impacto de
uma flexibilização nos padrões de gênero nas políticas é importante, a fim de se
relacionamentos afetivos e familiares. evitar consequências negativas e não
Camarano e Mello apontam para a existência intencionais de sua implementação,
de um forte componente de gênero na melhorando sua qualidade e eficácia.
transição para a vida adulta, quando afirmam
que “o casamento e a constituição de Outra questão sobre gênero e deficiência na
domicílio quase sempre ocorrem mais tarde interface com o campo da saúde diz respeito
para homens do que para mulheres por causa às violências de gênero contra mulheres com
de sua participação nas atividades deficiência.
econômicas, enquanto que para estas a
Conforme Mello, quando mulheres em
constituição de domicílio se dá via casamento
situação ou com histórico de violência
e nascimento do primeiro filho”. Se o homem
tornam-se pessoas com deficiência, há uma
tiver uma deficiência, as chances de estar fora intersecção entre gênero, violência e
do mercado de trabalho são maiores, deficiência que precisa ser considerada
enquanto as mulheres com deficiência têm também pelo campo da saúde, visto que a
mais dificuldades de casarem-se e categoria lesão e a possibilidade de dados
constituírem família. sobre o perfil socioeconômico da mulher em
Nicolau pondera que: Dentro do universo das situação de violência podem sugerir
pessoas com deficiência, cabe ressaltar que as informações sobre a deficiência.
iniquidades de gênero também são um fato.
Nos países mais pobres o quadro se agrava Isso porque violências que resultam em lesões
pelo fato de a mulher ocupar uma posição corporais graves ou gravíssimas podem
subordinada ao homem em virtude de produzir deficiências, respectivamente
temporárias ou permanentes, contribuindo
determinadas tradições socioculturais. Nestes
para aumentar o contingente de novas pessoas
países as mulheres também têm menos acesso com deficiência no Brasil.
a serviços de reabilitação, a oportunidades de
estudo e qualificação profissional do que os Outra questão a acrescentar diz respeito às
homens nessa condição. Há sociedades em violências perpetradas contra pessoas com
que a mulher possui pouquíssima autonomia deficiência em contextos permeados
para circular na esfera pública, não podendo, por relações de cuidado,como vemos nos
por exemplo, escolher com quem se casará. seguintes relatos de Karina, mulher
cadeirante, com deficiência física em
decorrência de síndrome de Guillain-Barré
desde a infância, sobre o assédio sexual que
sofreu de um médico ginecologista durante
uma consulta médica de rotina: