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Abordagem das síndromes geriátricas e cuidados paliativos na

Atenção Primária à Saúde

 Aplicando a avaliação multidimensional da pessoa idosa


E então, com essas informações, em sua opinião, quem seria mais saudável? O que você
considerou para responder a essa pergunta?
Segundo O Relatório Mundial sobre Envelhecimento e Saúde da OMS, o
envelhecimento saudável seria “o processo de desenvolvimento e manutenção da
capacidade funcional que permite o bem-estar na idade avançada”, caracterizado pela
interação dos recursos físicos e mentais do próprio indivíduo (capacidade intrínseca) e
dos recursos ambientais aos quais o indivíduo está inserido (capacidade extrínseca)
Dessa maneira, o idoso é considerado saudável quando é capaz de realizar atividades
sozinho, de maneira independente e autônoma, mesmo que tenha doenças. (MORAES,
2012). Ou seja, saudável é o idoso cuja funcionalidade está preservada.
Assim, concluímos algo muito importante, que norteará todo o nosso raciocínio clínico
em relação ao cuidado da pessoa idosa: a saúde do idoso está diretamente relacionada a
sua FUNCIONALIDADE.

E O QUE SERIA FUNCIONALIDADE?


Funcionalidade é a capacidade de realizar as atividades de vida diária, ou seja, as tarefas
do cotidiano que todos nós precisamos desempenhar para gerir a própria vida. Assim, ao
avaliarmos a funcionalidade do idoso, precisamos avaliar se ele desempenha sozinho
tais atividades. São elas as atividades:

a) Instrumentais de vida diária (AIVD), como:


✥ tomar suas medicações;
✥ manipular dinheiro;
✥ fazer compras;
✥ utilizar o telefone;
✥ realizar atividades domésticas, entre outras que são avaliadas pelas escalas de
Lawton Brody.

b) Básicas de vida diária (ABVD), como:


✥ alimentar-se;
✥ tomar banho;
✥ realizar transferências;
✥ vestir-se sem auxílio, avaliadas pelo índice de Katz.

✥ Um dos marcadores/indicadores de saúde em idosos relaciona-se a sua qualidade de


vida, que por sua vez está estreitamente relacionada à manutenção de sua autonomia e
independência. Podemos dizer que a pessoa idosa precisa ter sua funcionalidade
preservada, ou seja, desempenhar as atividades de vida diária sem dificuldades.
✥ Para realizar esta avaliação deve-se adotar uma compreensão multidimensional,
avaliando e identificando as necessidades e especificidades de cada pessoa idosa, do
ponto de vista clínico, psicossocial e funcional.
A perda funcional nunca será “normal da idade”. Se o idoso deixou de fazer algo que
ele fazia antes, é preciso investigar qual ou quais dimensões foram responsáveis por
essa perda funcional a fim de intervir, na tentativa de melhorar sua funcionalidade ou,
pelo menos, evitar sua piora, evitando as incapacidades.
Para nortear tanto nossas intervenções quanto decisões clínicas, bem como realizar uma
gestão adequada de cuidados ao idoso, é muito importante aprender a estratificá-lo de
acordo com sua funcionalidade. O MS propõe na Linha de Cuidado para Atenção
Integral à Saúde da Pessoa Idosa a avaliação das seguintes dimensões de saúde:
 Dimensão Clínica
Avaliação do histórico pessoal e familiar de saúde e adoecimento, e seu estado
clínico atual, avaliando comorbidades crônicas e agudas, intervenções médicas
realizadas, uso de medicamentos, hábitos de vida e qualidade de vida.
 Dimensão Psicossocial
Avaliação ampla da saúde mental e cognição, domínios que afetam diretamente a
autonomia da pessoa idosa; compreensão da dinâmica familiar e suporte familiar e
social incluindo questões econômicas, culturais, ambientais, etnicorraciais e de
gênero.
 Dimensão funcional
Avaliação pormenorizada das atividades de vida diárias (básicas e instrumentais)
identificando o grau das limitações ou se há perda de função, necessitando de
auxílio de outras pessoas para a realização das atividades. Observação do
ambiente físico em que a pessoa está inserida (residência, instituição,
comunidade) o qual pode impor obstáculos ou deter recursos para auxiliar nas
ABVD e AIVD.

Através da abordagem dessas três dimensões (clínica, psicossocial e funcional)


podemos identificar comprometimentos da autonomia e da independência,
relacionados à cognição, ao humor, à mobilidade ou à comunicação, além de
também conseguirmos identificar a insuficiência familiar para o cuidado da
pessoa idosa.
O comprometimento dos principais sistemas funcionais gera as incapacidades e,
por conseguinte, as grandes síndromes geriátricas: a incapacidade cognitiva, a
instabilidade postural, a imobilidade, a incontinência e a incapacidade
comunicativa. Além disso, o desconhecimento das particularidades do processo
de envelhecimento pode gerar intervenções capazes de piorar a saúde do idoso,
conhecidas como iatrogenias.

Segundo Moraes (2012), a família é uma instituição de apoio capaz de modular


o funcionamento do indivíduo, reduzindo ou exacerbando suas incapacidades.
As limitações dessa família geram o que chamamos de insuficiência familiar.

A partir da avaliação das dimensões clínica, psicossocial e funcional podemos


estratificar a pessoa idosa em 3 perfis distintos, que irão guiar nosso raciocínio clínico e
tomadas de decisão, são eles:

 PERFIL 1 - Pessoas idosas independentes e autônomas para realizar as AVDs.


Incluem-se neste grupo as pessoas idosas que realizam suas atividades de forma
independente e autônoma, sem necessidade de ajuda de terceiros e de nenhum
tipo de adaptação ou modificação.
 PERFIL 2 - Pessoas idosas com necessidade de adaptação ou supervisão de
terceiros para realizar AVDs. Incluem-se nesse grupo as pessoas idosas que:
a) Realizam as atividades de forma adaptada: as atividades são realizadas com
algum tipo de modificação ou de forma diferente da habitual ou mais
lentamente. Para realizar as atividades da vida diária necessitam de algum tipo
de modificação/adaptação do ambiente ou do mobiliário ou, ainda, da forma de
execução, como por exemplo, passar a fazer sentada uma atividade que antes
realizava em pé. Também são incluídas neste perfil pessoas que necessitam de
alguma adaptação que permita a execução das atividades, como o uso de lentes
ou de lupas para leitura, de um aparelho auditivo ou de outros tipos de órteses e
próteses. Com as adaptações e modificações, a pessoa idosa não depende de
terceiros para realizar as AVDs, isto é, tem uma independência modificada.

b) Realizam as atividades com auxílio de terceiros: nesses casos, as pessoas


idosas conseguem realizar as AVDs com algum preparo ou alguma supervisão
de terceiros. Há necessidade do auxílio de outra pessoa para a atividade ser
realizada, mas a própria pessoa idosa a realiza, isto é, outra pessoa participa em
alguma etapa, realiza algum preparo ou supervisiona a atividade. Na supervisão,
há a presença de terceiros sem a necessidade de contato físico, como por
exemplo: a pessoa necessita de incentivo, de pistas para completar uma atividade
ou a presença de outra pessoa é necessária como medida de segurança. Em
algumas situações há necessidade de um preparo prévio para a atividade ser
realizada, como por exemplo, a colocação de uma adaptação para alimentação,
colocar pasta na escova de dentes etc. Sendo assim, embora apresentem declínio
funcional e dificuldades para a realização de AVDs de forma independente,
conseguem realizá-las com adaptação ou auxílio/supervisão de terceiros; são
consideradas pessoas em risco de se tornarem totalmente dependentes, dada a
condição de saúde apresentada e as intervenções realizadas. Nesse sentido, o
cuidado deve ter como foco a manutenção das funções ainda preservadas e a
reabilitação dos aspectos comprometidos.
 Perfil 3. Pessoas idosas dependentes de terceiros para realizar as atividades da
vida diária
Incluem-se neste grupo aquelas pessoas idosas que não realizam as AVDs
sozinhas e encontram-se totalmente dependentes de terceiros para realizá-las.
Elas não participam de nenhuma etapa da atividade e há a presença de terceiros
com a necessidade de contato físico para realizá-las, como por exemplo, dar
banho, vestir, alimentar, mudar de decúbito, fazer a transferência da cama para a
cadeira ou vice-versa, entre outras. Essas pessoas idosas apresentam declínio
funcional estabelecido, com necessidade de acompanhamento contínuo para a
realização das atividades básicas da vida diária; trata-se de pessoas que têm sua
capacidade funcional mais comprometida, que já perderam a capacidade para a
realização das atividades mais complexas da vida e apresentam
comprometimento também para a realização das atividades mais simples para o
próprio cuidado. Para essas pessoas, o foco do cuidado deve estar na prevenção
terciária e quaternária, gerenciando as condições crônicas e ofertando cuidados
prolongados. O acompanhamento domiciliar deve ser planejado, visando à
reabilitação possível, os cuidados paliativos e o suporte à família e aos
cuidadores.

De acordo com o perfil identificado e as especificidades de cada pessoa idosa,


teremos funções específicas de cuidado, veja na tabela a seguir:

Dentre os principais eventos preditores de declínio funcional, que podem levar a


uma evolução nos perfis funcionais e que devemos ficar atentos, temos:
✥ multimorbidades (≥ 5 diagnósticos);
✥ polifarmácia (≥ 5 medicamentos/dia);
✥ internações recentes (mais de duas internações nos últimos seis meses);
✥ incontinência esfincteriana (urinária e/ou fecal);
✥ quedas recorrentes (duas ou mais nos últimos 12 meses);
✥ alteração de marcha e equilíbrio;
✥ comprometimento cognitivo (perda de memória, desorientação espacial e
temporal...);
✥ comprometimento sensorial (visão, audição);
✥ dificuldades de comunicação;
✥ isolamento social;
✥ insuficiência familiar;
✥ sinais e sintomas de transtorno de humor (depressão, ansiedade);
✥ perda de peso não intencional (mínimo 4,5 kg ou 5% do seu peso corporal) no
último ano;
✥ suspeitas de violência.;
✥ dificuldade de mastigação e/ou deglutição, engasgos e/ou tosses recorrentes.

 Identificando as grandes síndromes geriátricas


A avaliação de saúde das pessoas idosas assume maior complexidade por
diversos fatores. Nessa população, são mais comuns a ocorrência da
multimorbidade e da polifarmácia, bem como das apresentações atípicas de
doenças. Além disso, o risco de perda funcional e da ocorrência das grandes
síndromes geriátricas exige que a avaliação seja mais abrangente.

“A avaliação multidimensional é um processo diagnóstico estruturado de


múltiplas dimensões, de caráter interdisciplinar, que serve para identificar as
necessidades de saúde da pessoa idosa, suas vulnerabilidades ou habilidades dos
pontos de vista clínico, psicossocial e funcional, com o objetivo de formular o
Projeto Terapêutico Singular, coordenado e integrado, a curto, médio e longo
prazos, visando especialmente à recuperação e/ou a manutenção da capacidade
funcional da pessoa idosa. Difere do exame clínico padrão por enfatizar a
avaliação das capacidades cognitiva e funcional e dos aspectos psicossociais da
vida das pessoas idosas e pela possibilidade de utilizar escalas e testes que
permitem quantificar o grau de incapacidade. Esta avaliação é realizada por
equipe multiprofissional.” (BRASIL, 2017)

COMO AVALIAR O IDOSO EM UMA PERSPECTIVA MULTIDIMENSIONAL?

A avaliação multidimensional deve avaliar a saúde das pessoas idosas e a


influência de diferentes fatores na sua condição de saúde, contemplando as
diferentes dimensões da vida dos idosos. Aborda, portanto, não somente a
dimensão clínica, mas também as dimensões funcional e psicossocial.
São incluídos, portanto, na Avaliação Multidimensional da Pessoa Idosa:
autonomia e independência, representada pela funcionalidade global (AVDs:
instrumentais e básicas);

✥ sistemas funcionais, (cognição, humor, mobilidade e comunicação);


✥ sistemas fisiológicos;
✥ medicamentos;
✥ história pregressa;
✥ fatores contextuais;
✥ fatores psicossociais..

A avaliação multidimensional começa pela funcionalidade. É importante avaliar


as AVDs instrumentais e básicas. Como você viu, a causa do declínio funcional
sempre estará associada a uma das 4 funções:
✥ cognição,
✥ humor,
✥ mobilidade
✥ e comunicação.
Por exemplo: a idosa pode deixar de cozinhar porque não enxerga mais e estava
errando os temperos ou pode parar de cozinhar porque não se lembra mais de
como executar a receita. Pode, ainda, desistir da tarefa ou porque está deprimida
e perdeu a vontade ou porque está sentindo muita tontura e não consegue ficar
em pé no fogão, bem como pela conjunção de mais de um desses fatores.
Esse declínio funcional pode ser estabelecido – em um idoso com limitação
funcional por algum/alguns dos domínios afetados – ou iminente, que ocorre no
idoso em risco de declínio funcional, o que envolve: sarcopenia, comorbidades
múltiplas, comprometimento cognitivo leve, polifarmácia, história de internação
recente etc.
Ressalta-se que, para que as tarefas do cotidiano sejam executadas de forma
plena, é necessário que os sistemas funcionais estejam íntegros.
Quando existe suspeita de comprometimento de um desses sistemas, geralmente
identificado a partir do acompanhamento de saúde da pessoa idosa pela
Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa, torna-se necessário aprofundar a avaliação.

AVALIANDO A COGNIÇÃO

Perguntas-chave:
1- Existe esquecimento? A percepção do familiar e do idoso é diferente?
2- Esse esquecimento vem piorando com o tempo?
3- Por causa da memória o idoso deixou de fazer atividades que desempenhava
anteriormente?
4- Qual o tipo de esquecimento? Qual memória está sendo afetada: memória de
trabalho (tarefas/atividades) ou memória episódica (fatos/acontecimentos)?
Memória de trabalho é um esquecimento da memória atual. Muito frequente em
pessoas ansiosas, deprimidas, que não dormem bem ou que fazem várias coisas
ao mesmo tempo. Já o esquecimento da memória episódica tem a ver com fatos,
com memórias de episódios da vida da pessoa. São esquecimentos do quando. A
pessoa esquece o que comeu, aonde foi no dia anterior, recados que recebeu etc.
Um esquecimento percebido mais pelo familiar que pelo paciente, que piora com
o tempo, com comprometimento de memória episódica e que piora a
funcionalidade precisa ser mais bem investigado, pois essas são as
características do esquecimento por um quadro demencial. Assim, será preciso
aplicar testes mais apurados para melhor avaliação.

O diagnóstico de incapacidade cognitiva deve ser feito na presença de declínio


funcional associado a declínio cognitivo.
Nem sempre a causa da incapacidade cognitiva é uma demência. A alteração do
humor pode gerar uma incapacidade cognitiva capaz de ser revertida com
medicação antidepressiva correta. Nesse caso, a memória afetada é a memória
de trabalho e não a episódica.
Também pode alterar a cognição quadro de doença mental ou um delirium (que
é a alteração do nível de consciência por infecção ou desconforto).

E QUAIS OS TESTES UTILIZADOS PARA AVALIAÇÃO COGNITIVA ?


Existem diversos testes para a avaliação cognitiva. O ideal é que sejam
utilizados testes mais simples, rápidos e de fácil aplicação, que possam ser
aplicados rotineiramente no consultório.
Os testes mais utilizados são:

✥ Miniexame do Estado Mental (FOLSTEIN et al., 1975; BRUCKI, 2003).


✥ Triagem cognitiva de 10 pontos (APOLINARIO et al., 2016)
✥ Lista de palavras do CERAD (BERTOLUCCI, 1998, 2001 ; NITRINI et al.,
2004 ).
✥ Teste de reconhecimento de figuras (NITRINI et al., 1994).
✥ Teste de fluência verbal (BRUCKI, 1997).
✥ Teste do relógio (MORAES ; LANNA, 2010).

Tais testes são úteis para o diagnóstico de declínio cognitivo, não sendo
específicos para o diagnóstico de demência. Podem estar alterados nas outras
causas de incapacidade cognitiva, como na depressão, delirium e doença mental,
como vimos acima.

Diante de um rastreio positivo, é importante seguir com a investigação do


quadro de declínio cognitivo. A figura abaixo apresenta de forma didática os
principais diagnósticos diferenciais que devem ser considerados.
A Atenção Primária à Saúde tem um papel fundamental na prevenção do
declínio cognitivo. Dos principais fatores de risco, apenas o genético não é
possível modificar ou influenciar na APS.
O estímulo à prática de exercícios físicos regulares, à alimentação saudável e ao
envolvimento social e afetivo significativos, bem como a identificação e
controle dos principais fatores de risco cardiovasculares podem reduzir de forma
significativa a ocorrência dessa condição.
Mas quando a prevenção não é alcançada, é também da APS a função primordial
de identificação precoce do quadro. Diante de um esquecimento, é importante
avaliar se há declínio cognitivo. Confirmado o declínio cognitivo, é preciso
definir sua causa: demência, depressão, delirium ou doença mental.

Havendo a suspeita de demência, é preciso avaliar se é irreversível (95%) ou


reversível (5%). Afastada as causas reversíveis, é importante afastar as causas
não Alzheimer (40%). Diante da suspeita de demência irreversível, é importante
considerar a demência de Alzheimer (responsável por 50-60% das demências
irreversíveis), mas é preciso excluir outras causas, que são as chamadas
demências não Alzheimer (demência vascular, demência frontotemporal,
demência por corpos de Lewy e outras, menos frequentes).

A demência reversível representa menos de 5% das demências e, como o próprio


nome diz, o tratamento pode reverter o quadro. Pode ocorrer por causas tóxicas,
infecciosas, metabólicas ou estruturais (“TIME”).Dentre as causas:

a) tóxicas, podemos citar o uso de benzodiazepínicos, demência alcoólica.

b) infecciosas, a neurossífilis e a encefalopatia pelo HIV (por isso, pedimos na


suspeita de demência o VDRL e anti-HIV).

c) metabólicas, hipotireoidismo, (como o caso da dona Terezinha, por exemplo),


deficiência de B12 e encefalopatia hepática.

d) estruturais, hidrocefalia de pressão normal, hematoma subdural, tumor, TCE.

Veja que o diagnóstico de demência de Alzheimer é um diagnóstico de exclusão.


Os exames complementares que pedimos na suspeita de demência são para
afastar essas causas reversíveis.

AVALIANDO O HUMOR

Como você viu anteriormente, o humor e a cognição são domínios


indispensáveis para a manutenção da autonomia do idoso, que é sua capacidade
de tomar decisões.
Na avaliação do humor temos que considerar não só a presença de depressão,
mas também sintomas comportamentais que podem estar associados à demência
(Behavioral and Psychological Symptoms of Dementia - BPSD).

A escala de depressão geriátrica (GDS - Geriatric Depression Scale) é


mais sensível e pode ser aplicada aos idosos que não pontuarem no
DSM-V. A seguir, será disponibilizada essa escala:
Identificar as principais síndromes geriátricas por meio da avaliação multidimensional da
pessoa idosa.
A GDS oferece medidas válidas e confiáveis para a avaliação dos transtornos
depressivos e pode ser utilizada nas versões simplificadas (GDS 1, 4, 5, 10, 15 e 20
questões). Na GDS 15, seis ou mais pontos são sugestivos de um quadro de
depressão. Na GDS 5, suspeita-se do transtorno com dois ou mais pontos.
Observe no Caderno de Atenção Básica 19, no anexo V, página 142: hiperlink do CAB
19: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/evelhecimento_saude_pessoa_idosa.pd
f
O paciente com demência também pode apresentar, além da alteração da memória,
mudanças na sua personalidade, no comportamento ou nas funções sociais. O
controle dos sintomas comportamentais é muito importante, pois é uma grande causa
de sobrecarga e estresse do cuidador.
O Inventário Neuropsiquiátrico - INPI nos auxilia na avaliação da gravidade desses
sintomas e grau de prejuízo ao cuidador ou familiares. A demência pode afetar outras
funções cognitivas que não a memória/cognição:

✥ alteração de senso/percepção (alucinação);

✥ avaliação do pensamento (delírios);

✥ humor (depressão associada à demência).


Instrumentos disponíveis e respectivas funções:

Avaliação da Mobilidade
A mobilidade é fundamental para a execução das decisões tomadas (independência),
sendo responsável pelo deslocamento do indivíduo e manipulação do meio.
No modelo multidimensional do idoso, a mobilidade é constituída de quatro
subsistemas:

 alcance;
 preensão e pinça-marcha;
 postura e transferência-capacidade aeróbica/muscular;
 continência esfincteriana.

Marcha, postura e transferência


A avaliação da marcha deve ser feita rotineiramente em todo o idoso, com
objetivo de prevenção de quedas e manutenção e/ou recuperação da
independência.
Quando o idoso vai da sala de espera até o consultório, por exemplo, podemos
avaliar sua marcha, observar se desequilibra ao longo do trajeto, se os pés se
levantam adequadamente e um ultrapassa o outro, bem como se o tronco está
ereto ou pendente e se a marcha está muito lenta.
Existem testes capazes de avaliar a marcha e risco de quedas, como o
Time Up and Go (TUG), que é o tempo que o idoso gasta para levantar e
andar 3 metros, de fácil aplicação.

Também é fundamental perguntar a respeito da ocorrência de quedas do idoso


e sobre número dessas quedas no último ano.
Na Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa, o item 2.9 avalia especificamente
esse tópico.
O Caderno de Atenção Básica nº 19 – Envelhecimento e saúde da
pessoa idosa (BRASIL, 2007) propõe a escala de Tinneti como
instrumento de avaliação do equilíbrio e da marcha da pessoa idosa,
apresentado abaixo.
Faz parte da avaliação da mobilidade, a avaliação da função muscular. Assim,
a avaliação de sarcopenia é de extrema importância.
Circunferência de Panturrilha (CP): a medida da circunferência de panturrilha
pode ser feita nas posições sentada ou de pé, preferencialmente na panturrilha
esquerda, com os pés apoiados em uma superfície plana. No idoso acamado,
devemos flexionar a perna, de modo que o pé fique completamente apoiado no
colchão. A medida é realizada com uma fita métrica aplicada ao redor da região
de maior perímetro da panturrilha. Devemos evitar medir no membro que
apresente alguma alteração, como edema, atrofia muscular, celulite, trombose
etc. Veja a imagem a seguir:
Continência - incteriana
Você tem o hábito de perguntar ao seu paciente idoso sobre incontinência? De
fato, às vezes nos esquecemos desse item tão importante. Você sabia que a
incontinência urinária (IU) é a queixa mais negligenciada no exame clínico de
rotina?
Ela é uma importante causa de perda funcional. A vergonha e/ou o
incômodo pelo mau cheiro do escape de fezes e de urina frequentemente
resulta no isolamento social da pessoa. Por vezes, as equipes de saúde
podem não perceber de pronto as graves repercussões nas demais
dimensões da vida da pessoa idosa, sobretudo a psicossocial, de
sintomas considerados inadequadamente como “simples” ou
“naturalizados”, devido o avanço da idade. Por isso, a presença de
incontinência urinária deve ser prontamente reconhecida com
investigação de possíveis causas.

A incontinência urinária pode ser:


✥ transitória (decorrente de medicações em uso, infecção urinária ou
fecaloma); e
✥ permanente e é classificada como: de urgência, de esforço, de
transbordamento ou mista, dependendo da causa subjacente.

A imobilidade pode ser classificada como completa ou parcial (ou grau V),
tendo a imobilidade parcial vários graus (I, II, III, IV). A descrição dos
respectivos graus de imobilidade são apresentados na Figura abaixo.
(Moraes e Moraes, 2016)
A avaliação da marcha e postura deve ser realizada rotineiramente no idoso
com o objetivo de prevenção de quedas e manutenção ou recuperação da sua
independência.
Diante de um idoso com relato de quedas, é essencial avaliar os fatores de
risco para quedas, com vistas à resolução ou pelo menos redução do risco de
novas quedas.
Fatores de risco:
✥ fraqueza muscular;
✥ déficit visual;
✥ limitação da mobilidade por doença musculoesquelética;
✥ incapacidade cognitiva: demência ou depressão;
✥ presença de hipotensão ortostática;
✥ comprometimento em AVDs;
✥ interação medicamentosa.

Neste tópico, é importante também avaliar a segurança ambiental. Por


exemplo, se na casa do idoso existe iluminação adequada, escadas, tapetes,
áreas de difícil acesso etc.
A Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa apresenta um item específico (2.8)
para essa avaliação do ambiente, sendo essencial para a prevenção de
quedas.
Identificando as grandes síndromes geriátricas
 Comunicação: A comunicação é a possibilidade de estabelecer um
relacionamento produtivo com o meio, trocar informações, manifestar desejos,
ideias, sentimentos. É através dela que o indivíduo compreende e expressa seu
mundo. Engloba visão, audição e fala.
 Visão: A triagem da acuidade visual deve ser feita em todo idoso. O Caderno de
Atenção Básica 19, em seu anexo I, recomenda a utilização do Cartão de Jaeger,
colocado a uma distância de 35 cm da pessoa idosa. Cada olho é avaliado
separadamente e, para quem utiliza óculos, estes devem ser mantidos na
avaliação. As pessoas que lerem até o nível 20/40 serão consideradas sem
disfunção. Em caso de alterações, a equipe de APS deve encaminhar o paciente
para avaliação com o oftalmologista. Sempre que exista alteração da mobilidade
é essencial que haja avaliação da visão e, quando necessário, encaminhamento
ao oftalmologista, pois o prejuízo da visão altera diretamente a mobilidade e
aumenta o risco de cair.
 Audição: A perda auditiva pode ser relacionada a um comprometimento
neurossensorial, de condução ou ambos. Dentre as causas de comprometimentos
da condução está a rolha de cerume, extremamente comum nos idosos. Por isso,
a otoscopia é fundamental no idoso com queixa de hipoacusia, pois a remoção
do cerume pode melhorar esse domínio.

 Teste do Sussuro
O teste do sussurro avalia a compreensão de sons de baixa intensidade (30 dB) e alta
frequência.
O examinador deve permanecer de pé, fora do alcance do campo visual do paciente, a
uma distância equivalente ao comprimento do braço do paciente estendido (30 cm), a
fim de evitar a leitura labial.
O examinador sussurra, enquanto, gentilmente, comprime e massageia o trágus da
orelha contralateral. Após uma expiração completa, o examinador sussurra um conjunto
de três letras/números (“5, B, 6”), selecionados aleatoriamente, ou alternativamente
perguntas aleatórias.
Cada ouvido é testado individualmente e com combinações diferentes. O teste é
considerado positivo caso o paciente não consiga repetir corretamente o conjunto de três
letras/números ou responder adequadamente às perguntas realizadas.
Caso positivo, excluída a possibilidade de tampão de cerúmen pela otoscopia, o paciente
deverá ser submetido à audiometria, exceto se não concordar com o uso de prótese
auditiva.
 Fala: Neste item, avaliamos a voz, a produção linguística (fala, escrita e gestos)
e a deglutição/mastigação. Nesse contexto, é importante avaliar a presença de
disfagia/engasgos. O comprometimento da visão, audição ou fala capaz de
prejudicar a interação do indivíduo com o meio é chamado de incapacidade
comunicativa.

 Sistemas fisiológicos
Após a avaliação dos sistemas funcionais, é necessário fazer a avaliação dos
sistemas fisiológicos.
 Avaliação Nutricional
Para a triagem de risco nutricional no idoso, a Caderneta de Saúde da Pessoa
Idosa traz além do acompanhamento dos dados antropométricos (item 2.5), uma
questão específica sobre perda de peso não intencional e questões
complementares sobre hábitos alimentares da pessoa (item 2.11).
A triagem do risco nutricional e seu adequado registro na Caderneta de Saúde
da Pessoa Idosa é fundamental para a prevenção ou identificação/manejo
precoces de estados nutricionais alterados.
Alguns aspectos comumente encontrados no acompanhamento de pessoas
idosas podem contribuir para o seu risco nutricional, demandando atenção dos
profissionais de saúde:
✥ perda da autonomia para comprar os alimentos, inclusive financeira;
✥ perda da capacidade/autonomia para preparar os alimentos e para
alimentar-se;
✥ perda de apetite e diminuição da sensação de sede e da percepção
da temperatura dos alimento;
✥ perda parcial ou total da visão que dificulte a seleção, preparo e
consumo dos alimentos;
✥ perda ou redução da capacidade olfativa, interferindo no seu apetite;
✥ algum motivo que a faça restringir determinados tipos de alimentos,
como dietas para perda de peso, diabetes, hipertensão,
hipercolesterolemia;
✥ alterações de peso recentes;
✥ dificuldade de mastigação por lesão oral, uso de prótese dentária ou
problemas digestivos.

De forma complementar, podemos usar como recurso a miniavaliação


nutricional (MAN – Mini Nutritional Assessment) reduzida. (GUIGOZ et al,
1994) Esse protocolo foi desenvolvido para a população idosa,
apresentando prognóstico significante para morbidade, mortalidade e
outros desfechos adversos. Ela é composta por uma seção de Triagem,
com 6 (seis) perguntas (A a F), seguida de uma seção de Avaliação
Global com mais 12(doze) perguntas (G a R).

É interessante avaliar a sarcopenia e consumo alimentar do idoso, visando a uma


intervenção mais eficaz. A sarcopenia tem uma relação direta com o risco de quedas e a
imobilidade nas pessoas idosas. Portanto, a sua prevenção ou reabilitação são
fundamentais para a manutenção ou recuperação de sua funcionalidade.
A Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa apresenta os Dez Passos para Uma Alimentação
Saudável. apresentados a seguir:

1º passo: faça três refeições ao dia (café da manhã, almoço e jantar) e, caso necessite de mais,
faça outras refeições nos intervalos.

2º passo: dê preferência aos grãos integrais e aos alimentos em sua forma mais natural.
3º passo: inclua frutas, legumes e verduras em todas as refeições ao longo do dia.

4º passo: coma feijão com arroz, de preferência no almoço ou jantar.

5º passo: lembre-se de incluir carnes, aves, peixes ou ovos e leite e derivados em pelo menos
uma refeição durante o dia.

6º passo: use pouca quantidade de óleos, gorduras, açúcar e sal no preparo dos alimentos.

7º passo: beba água mesmo sem sentir sede, de preferência nos intervalos entre as refeições.

8º passo: evite bebidas açucaradas (refrigerantes, sucos e chás industrializados), bolos e


biscoitos recheados, doces e outras guloseimas como regra da alimentação.

9º passo: fique atento(a) às informações nutricionais disponíveis nos rótulos dos produtos
processados e ultraprocessados para favorecer a escolha de produtos alimentícios mais
saudáveis.

10º passo: sempre que possível, coma em companhia.

Na avaliação da saúde bucal, é importante pesquisar a presença de úlcera, trauma ou


infecção, além de avaliar se há edentulismo e, em caso de uso de prótese, verificar se
está bem ajustada. Essa avaliação é importante, pois a deterioração da saúde bucal
compromete a alimentação e contribui para a sarcopenia.
A saúde bucal deve estar incluída na rotina dos profissionais de saúde, que muitas vezes
minimizam os impactos da saúde bucal prejudicada na autoestima e na socialização da
pessoa idosa. A pessoa idosa deve acompanhar regularmente com a equipe de Saúde
Bucal de referência da equipe de APS.
Avaliação do sono:
Avaliação do sono: o sono do idoso é mais superficial, o que facilita despertares. É importante
avaliar a presença de distúrbios do sono (sonolência excessiva - hipersonia), dificuldade em
iniciar ou manter o sono (insônia) e comportamentos estranhos ou não usuais durante o sono
(parassonias). Além de contribuir para redução da qualidade de vida e aumento do risco de
quedas, alterações do sono podem indicar condições subjacentes, como depressão ou quadro
demencial.

Sempre pergunte a hora que o idoso se deita, pois muitos idosos possuem o hábito de
dormir muito cedo, o que faz com que acordem bem mais cedo também. Isso pode levar
a família a pensar em insônia, quando, na verdade, o tempo de sono está normal. Por
exemplo, um idoso que se deita às 20 h e acorda às 2h da manhã teve 6h de sono.
Lembre-se de que situações de ansiedade, depressão e acontecimentos importantes da
vida comumente afetam os hábitos ou a higiene do sono.
Todos os sistemas fisiológicos deverão ser avaliados, principalmente para reconhecer as
doenças mais frequentes nos idosos.
É importante que essa avaliação seja feita de maneira integral, considerando o paciente
e não somente suas comorbidades. A avaliação multidimensional é, por essência, uma
avaliação integral, que considera as mais diferentes dimensões da vida das pessoas
idosas, reconhecendo que a saúde é um conceito muito mais amplo que o controle de
doenças.
Por último, precisamos estar sempre atentos à iatrogenia, que muitas vezes é a grande
causa das incapacidades do idoso. Muitas vezes, a simples retirada de medicação
indevida pode resultar em melhora da funcionalidade.

 Abordando as grandes síndromes geriátricas


SÍNDROMES GERIÁTRICAS
Como você viu até aqui, o cuidado da saúde da pessoa idosa inclui a avaliação de
diversas dimensões da vida, fatores e sistemas que podem impactar em sua
funcionalidade, seja através de impactos em sua autonomia ou em sua independência, de
forma a prejudicar a realização das atividades de vida diária. Visto isso, uma abordagem
integral é imprescindível para o reconhecimento das síndromes geriátricas e seu manejo
adequado.
Em um primeiro momento, entrar em contato com todas estas informações,
instrumentos avaliativos e diagnósticos de síndromes geriátricas pode gerar uma
insegurança na abordagem da saúde do idoso, no entanto, é importante lembrar que nós,
profissionais de saúde da Atenção Primária à Saúde, temos a longitudinalidade ao
nosso favor. Ou seja, podemos acompanhar esse idoso ao longo do tempo e dividir esta
avaliação, acompanhando as demandas prioritárias em uma primeira consulta e dar
seguimento às demais avaliações nas próximas consultas.
De forma a ilustrar os conhecimentos abordados neste recurso, trazemos alguns casos
clínicos acompanhados na Atenção Primária à Saúde em que o cuidado integral da
saúde da pessoa idosa foi explorado utilizando o modelo multidimensional proposto.

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