Cuidado à pessoa com Também é sabido que a prevalência da
multimorbidade vem aumentando (STARFIELD,
2011). Esse aumento pode ser atribuído a diversos multimorbidade ou poli Desafios fatores, entre eles: as mudanças nos
medicamentosa → Unidade I: Trabalho em equipe e coordenação de cuidados para pessoas com multimorbidade
Introdução Critérios que definem determinadas doenças
crônicas, com redução do limiar para os Multimorbidade: duas ou mais doenças Crônicas diagnósticos; a inclusão de novos diagnósticos; e como definidor de multimorbidade. mudanças sociodemográficas que levam ao As pessoas com multiborbidades, em decorrência envelhecimento populacional e ao aumento de da complexidade de seus problemas de saúde, de alguns fatores de risco para as doenças crônicas sua fragilidade e do caráter multicausal de suas não transmissíveis. doenças, impõe um desafio aos serviços de saúde. Exige-se dos serviços de saúde um padrão de resposta à situação que não é o que estão → Unidade 2: Manejo clínico – habituados a oferecer. Cuidado a pessoa com Diferentes competências e saberes precisam multimorbidade integrar-se para fazer frente à complexidade dos problemas de saúde dessas pessoas. A noção de O acompanhamento clínico das pessoas com que um serviço de saúde pode centrar-se miltimorbidade exige grande habilidade dos meramente no saber médico é completamente profissionais de saúde. Uma abordagem clínica inadequada nesse cenário. que seja mais centrada nas doenças do que nos Deve-se entender por recurso o conceito mais aspectos particulares de uma determinada pessoa abrangente possível, que inclui recursos pode não contribuir para um melhor controle de financeiros e materiais, familiares e sociais, duas doenças, além de criar mais rótulos, muitas cognitivos ou físicos, estilo de vida e motivação vezes agravando problemas associados, como a para cuidar, entre outros. polifarmácia.
A coordenação de cuidados Uma abordagem adequada deve ter como
A Atenção Básica à Saúde tem como atributos princípio estratégias sistemáticas de identificação essenciais: e avaliação das pessoas com multimorbidade, pois não é raro que a multimorbidade se passe como Acesso: é preferencialmente o primeiro ponto de um fenômeno invisível nos serviços de saúde. A contato das pessoas com o sistema de saúde avaliação também é relevante para definir qual a Integralidade: é capaz de resolver a vasta maioria necessidade de se adotarem determinadas dos problemas de saúde das pessoas; Longitudinalidade: é normalmente responsável condutas no cuidado do paciente (por exemplo, pelo cuidado à saúde das pessoas por longos quais exames devem ser solicitados períodos de suas vidas; periodicamente para a segurança do tratamento ou Coordenação de cuidados: é responsável pelo quais medicamentos precisam ser substituídos e gerenciamento das ações e dos recursos em qual ordem de prioridade). utilizados pelas pessoas no sistema de saúde. A abordagem centrada na pessoa, como veremos, A multimorbidade está associada com um é uma das ferramentas que devemos utilizar para aumento na necessidade de utilização de outros oferecer um cuidado adequado a essas pessoas. serviços de saúde além da Atenção Básica à Nesse sentido, atitudes simples como a pactuação Saúde, em particular mais consultas com médicos de uma lista de prioridades e ponderações sobre especialistas focais (STARFIELD, 2011). quais ideias, sentimentos, medos e expectativas da pessoa em relação ao seu estado de saúde podem envolvidos com o adoecimento e o quanto isso ser de grande valia. impacta as suas funções cotidianas. 2. Compreender a pessoa como um todo – Conceito e epidemiologia da entender que o indivíduo é parte de um multimorbidade determinado contexto, que inclui suas relações Existem estudos que caracterizam a mais próximas, em seu núcleo familiar, até multimorbidade quando o indivíduo apresenta aspectos mais distantes, em certo sentido, como a duas ou mais doenças crônicas, porém alguns economia e o meio ambiente. Envolve também estudiosos defendem que a contagem de doenças estar ligado a um conjunto de normas e valores não deveria ser a principal definidora da socioculturais, religiosos e legais. multimorbidade, mas sim o comprometimento 3. Encontrar um terreno comum – esse é o funcional. Outra forma defendida é que a elemento central desse modelo de relação, pois, ao contagem seja feita pela contagem de contrário dos outros, que podem ser unilaterais, medicamentos em uso e não pela contagem da tem um caráter fundamentalmente dialógico. É doença. sempre importante encontrar um entendimento A prevalência de diversas doenças crônicas mútuo no que tange à natureza ou à causa do aumenta com a idade, a prevalência da problema, a definição de quais são os problemas e multimorbidade também vai apresentar esse quais deles são prioritários, a definição de comportamento. Entretanto, a multimorbidade não objetivos, as metas que se pretende alcançar e o deve ser vista necessariamente como um papel de cada um nesse processo. fenômeno do idoso. Mais de metade das pessoas 4. Incorporar prevenção e promoção – considerar com um quadro de multimorbidade tem menos de o que é viável, adequado ao contexto do indivíduo 65 anos de idade. e com fundamentação científica robusta, a fim de evitar a medicalização e a promoção da doença em função de exames desnecessários. Definindo prioridades no cuidado à pessoa com multimorbidade 5. Incrementar a relação médico-paciente – deve- se levar em conta elementos que são atributos dos Uma das primeiras e mais importantes tarefas no serviços de atenção primária, como a cuidado é a definição de prioridades. Oferecer o longitudinalidade e o acesso, o compromisso cuidado adequado às metas e prioridades daa inerente à ética profissional e o modelo de relação pessoa com multimorbidade, levando em baseado nesses preceitos. consideração a complexidade de suas diferentes doenças e tratamentos. Ser realista – levar em consideração que existem sempre limites de recursos, limites de tempo, Essa definição é um processo dinâmico, pois as limites biológicos e mesmo limite no campo das pessoas com multimorbidaade geralmente relações; uma obstinação para além desses limites, experimentam um estado de saúde flutuante, de em qualquer desses campos, normalmente traz modo que a doença ou o problema que era mais dano do que benefício. prioridade em uma determinada consulta pode não ser a prioridade na consulta seguinte. Por isso é O cuidado às pessoas com multimorbidade importante a flexibilidade no tratamento. demanda uma reorganização do processo cuidado, da maneira como os serviços de saúde se organizam e atuam para responder às demandas de Entende-se que uma abordagem saúde das pessoas. centrda na pessoa é um modelo de relação que, para fins didáticos pode No modelo tradicional de organização do processo ser explicada em seis componentes: de cuidado, as doenças são consideradas 1. Compreender simultaneamente a doença e o isoladamente, sem que se leve em consideração a adoecimento - a perspectiva da doença é ligadaa interação entre essas doenças ou o que essas ao conhecimento e a técnica no campo da doenças significam na perspectiva do paciente. medicina, e a perspectiva do adoecimento, a Tal modelo produz uma fragmentação no cuidado experiência do indivúduo com a doença em dentro dos serviços de saúde e dentro do próprio particular, as ideias, expectativas e os sentimentos serviço de atenção primária. O impacto das doenças na qualidade de vida e o impacto do A polifarmácia, frequentemente, está associada a tratamento na qualidade de vida também não são aumento de morbidade, seja por efeitos adversos vistos de forma integrada, dependem de cada diretos de uma droga (por exemplo, uma doença. hiperpotassemia relacionada ao uso de espironolactona), seja porque a ação de uma droga As decisões são majoritariamente baseadas em utilizada no tratamento de uma doença representa evidências científicas e diretrizes/guidelines que um problema para outra doença do paciente (por não contemplam peculiaridades da exemplo, uma pessoa com diabetes mellitus e multimorbidade, normalmente ensaios clínicos asma, que esteja precisando utilizar corticoides que incluem paciente que tem apenas a doença do sistêmicos com frequência), ou seja, por estudo em questão, excluindo pacientes com problemas relacionados à interação entre os multimorbidade. As conclusões de estudos como medicamentos utilizados. esses naturalmente não têm validade externa, aplicabilidade, no contexto da multimorbidade. O Há que se levar em consideração também que é resultado é uma somatória de intervenções que limitado o conhecimento a respeito da ação de leva à polifarmácia a ao uso inapropriado, em uma droga – mesmo que a farmacocinética trate geral excessivo, de propedêutica. apenas do uso concomitante com outras drogas –, pois essas situações extrapolam as condições No modelo de organização do processo de controladas das pesquisas clínicas. cuidado apropriado às pessoas com multimorbidade há o paciente, e não cada uma de Princípios gerais para o manejo da suas doenças, como elemento central. O modo polifarmácia como se inter-relacionam suas doenças e como elas afetam a qualidade de vida é levado em Buscar um uso de não mais do que cinco consideração. A partir disso, são definidas as fármacos e discutir medicamentos e problemas necessidades individuais, as prioridades e os prioritários para o paciente, ou seja, o que é objetivos. São ponderados os riscos e benefícios mais importante para manter a qualidade de de se implementarem recomendações de vida daquela pessoa, entendendo sua própria diretrizes/guidelines que não sejam apropriados à experiência da doença. multimorbidade. Busca-se uma melhora na Revisar regularmente a possibilidade de qualidade de vida evitando-se a medicalização suspensão ou redução de dose de pessoas que excessiva, com atenção aos efeitos adversos. A utilizam cinco ou mais fármacos. coordenação de cuidados entre os serviços e no próprio serviço é colocada como uma prioridade Reavaliar uso de fármacos preventivos em pacientes que alcançarem uma estimativa de vida média, analisando se estes ainda → Unidade 3: Cuidado à pessoa oferecem benefício real para populações idosas, seguido de benefício para esta pessoa com polifarmácia particularmente, conforme circunstância, preferências e evidência científica confiável. Polifarmácia ou polimedicação, trata-se de um fenômeno muitas vezes (mas nem sempre) Sempre tentar usar um único medicamento que inevitável, ao qual os profissionais de saúde sirva para dois propósitos naquelas pessoas devem ficar atento, uma vez que o fenômeno em que apresentam dois ou mais problemas de si pode ser entendido como uma comorbidade. saúde. Polifarmácia Registrar, no plano terapêutico, a data Basicamente é definida de duas formas: como o preferencial de revisão de medicação prescrita uso concomitante de fármacos, medido por e pactuar desde então com o paciente o contagem simples dos medicamentos ou como a período desejado de tratamento. administração de um maior número de medicamentos do que os clinicamente indicados, Reduzir gradualmente a dose de fármacos até avaliados nas revisões clínicas, usando critérios a dose mínima necessária para controle dos específicos. sintomas quando o problema tiver sido solucionado. Dessa forma, cada critério STOPP apresenta uma justificativa de se considerar inadequada a Cascata de prescrição prescrição, baseada na avaliação das interações entre medicamentos e entre medicamentos e O termo "cascata de prescrição" é utilizado para enfermidades. Já os critérios START avaliam descrever a situação em que o efeito adverso de erros por omissão de prescrição que, uma droga é interpretado como uma nova provavelmente, traria benefícios aos pacientes. condição médica que exige nova prescrição. Coloca-se, assim, o paciente em risco de desenvolver efeitos prejudiciais adicionais relacionados a tratamento potencialmente desnecessário que tende a se agravar com a adição progressiva de novas medicações desnecessárias. Essa "cascata de prescrição” provoca a polifarmácia e aumenta o risco de eventos adversos às medicações.
Critérios de Beers
Os critérios de Beers para medicações
potencialmente inapropriadas (MPI) em adultos mais velhos, propostos pela Sociedade Americana de Geriatria, são uma lista de MPIs que devem ser evitados nessa população mais idosa em geral e naquelas pessoas com certas doenças ou síndromes, sendo que, no caso de não poderem ser evitados, sejam prescritos em dose reduzida e com cautela, cuidadosamente monitorados.
Assim, evitar essas medicações em pacientes
idosos é uma excelente maneira de se evitarem reações adversas. Além disso, as intervenções nas prescrições realizadas usando os critérios de Beers têm sido consideradas um componente importante das estratégias para reduzir o uso inadequado de medicamentos.
Ferramenta STOPP/START
A ferramenta STOPP/START (Screening Tool of
Older Person's Prescriptions) / (Screening Tool to Alert doctors to Right Treatment) foi desenvolvida levando-se em consideração pontos que não são contemplados pelos critérios de Beers.
A ferramenta é baseada em uma relação de
medicamentos considerados potencialmente inapropriados (MPI), que correspondem ao STOPP, e uma relação de medicamentos potencialmente omitidos (MPO), que correspondem ao START.
Medicamentos potencialmente omitidos ou MPO
são aqueles considerados essenciais para o sucesso do tratamento e preservação da saúde da pessoa.