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contexto da Educação a
Distância
Alessandra Menezes dos Santos Serafini1
Resumo
O presente artigo traz um estudo sobre a autonomia do aluno
adulto em EaD. A questão a ser discutida é: a partir da prática
real dos atores da EaD, será que o aluno concreto da educação
a distância corresponde a essa imagem que é esperada dele? O
trabalho objetiva apresentar esta questão, compreendendo,
inicialmente, o sentido epistemológico de autonomia e, em
seguida, dialogando com autores que investigam e discorrem
sobre o ensino a distância. Pretende-se apresentar evidências
de que a representação do aluno autônomo em EaD está em
desacordo com o perfil dos alunos reais, que se encontram
no curso; ainda, contextualizar esta discussão, inserindo-a
na questão mais amp la das metodologias possíveis em
EaD, a partir das potencialidades dos recursos interativos
das novas tecnologias digitais. Com essa reflexão, pre
tendemos contribuir para a discussão sobre o universo da
EaD tal como ele se configura hoje, focando, portanto, num
elemento que tem sido recorrente nas representações sobre
os processos de educação mediatizados por tecnologias: o
aluno autônomo.
Palavras-chave: autonomia; aluno; ensino a distância; novas
tecnologias digitais.
1 Introdução
de autonomia por esses teóricos, será feita uma análise da v. 17, n. 2, p. 61-82
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Alessandra Menezes concepção de autonomia por autores atuais e de como a
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autonomia do aluno vem se manifestando nos cursos de EaD,
questionando-se, a partir da prática real dos atores da EaD,
se o aluno concreto da educação a distância corresponde a
essa imagem que é esperada dele – o aluno autônomo.
O trabalho objetiva apresentar esta questão, apre
sentando uma discussão com base nos estudos de autores
atuais que investigam a realidade da EaD e, ao final,
contextualizar esta discussão, inserindo-a na questão mais
ampla das metodologias possíveis em Ead, a partir das
potencialidades dos recursos interativos das novas tecnologias
digitais, como um meio de promoção da autonomia do aluno.
processo de aprendizagem.
v. 17, n. 2, p. 61-82
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Mas o que vem a ser autonomia no contexto dos pro A autonomia do aluno
no contexto da Educação
cessos de ensino e aprendizagem? Como este conceito era a Distância
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Nessa tendência liberal renovada, o papel da escola é mais incidente na forma
ção de atitudes, razão pela qual deve estar mais preocupada com os problemas
psicológicos do que com os pedagógicos ou sociais. Todo o esforço deve visar
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Para Durkheim, existem “fatos sociais” que são o assunto da sociologia e que
influenciam e condicionam as atitudes e os comportamentos dos indivíduos
na sociedade. Esses fatos sociais são reais, objetivos, sólidos, sui generis, isto
é, não reduzíveis a realidades biológicas, psicológicas, climáticas... Esses fatos
sociais são relações sociais exteriores aos indivíduos que perduram no tempo,
enquanto indivíduos particulares morrem e são substituídos por outros
(ARANHA, 2006).
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O curso sobre a educação moral é o primeiro curso sobre a Ciência da Educação
ministrado por Durkheim na Sorbonne, no ano letivo de 1902-1903. No
livro Educação e Moral, traduzido por Raquel Weiss (2008), são apresentadas
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dezenove aulas de Durkheim, que as redigia por extenso. jul. / out. 2012
Alessandra Menezes te no reconhecimento pessoal da necessidade de cumprir as
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normas morais da sociedade. Pode-se dizer que essa é uma
visão que reduz a educação moral a um processo de adaptação,
que não deixa de priorizar, muitas vezes, o comportamento
heterônomo. Sabe-se que o pertencimento à coletividade
pressupõe práticas morais e éticas e, às vezes, torna-se difícil
perceber os processos de participação e cooperação, os quais
constroem e reconstroem a coletividade, permitindo a forma
ção de um sentimento crítico de pertencer a um determinado
grupo social. Portanto, entendemos que a moral requer
autonomia da personalidade do sujeito, não apenas como
descoberta ou cumprimento das normas sociais, mas, acima
de tudo, supõe consciência e criatividade pessoal e moral.
Para Durkheim (2008), entretanto, as diferentes cama
das e grupos sociais constituíam um organismo chamado
sociedade e, para mantê-la unida, controlada e regulada,
era preciso, através da educação, definir os caminhos que
esta sociedade deveria seguir e qual papel cada indivíduo
deveria ter dentro dela, onde o coletivo prevalecia sobre o
individual. O autor usou a expressão “consciência coletiva”
para expressar essa solidariedade comum que molda as cons
ciências individuais. A família, o trabalho, os sindicatos, a
educação, a religião, o controle social e até a punição do
crime são alguns mecanismos que criam e mantêm viva a
integração e a partilha da consciência coletiva.
Durkheim julgava que a sociedade industrial, marcada
por uma ampla divisão social do trabalho, precisava, com
urgência, de um conjunto de valores comuns a todos os in
divíduos, isto é, de solidariedade para superar seus muitos
conflitos. Entretanto, Durkheim, sendo um liberal, não pen
sava no uso da força ou de ações repressivas. Alegava que a
solidariedade social haveria de surgir da autonomia individual
da conduta dos indivíduos, já que a crescente divisão social
do trabalho criava um saudável individualismo. O conven
cimento pela educação e pela religião deveria ser a função
principal da família, da escola, das associações e do Estado.
Falar de autonomia perpassa pelo campo da moral,
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mostra em que ponto Piaget (1896-1980), da corrente cons A autonomia do aluno
no contexto da Educação
trutivista, contrapõe-se às idéias de Durkheim: a Distância
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Um processo interpessoal transforma-se num processo intrapessoal. No
desenvolvimento da criança, todas as funções aparecem duas vezes no ciclo
do desenvolvimento humano: primeiro, no nível social, e, depois, no nível
individual; primeiro, entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior
da criança (intrapsicológica). Isso se aplica igualmente para a atenção volun
tária, para a memória lógica e para a formação de conceitos. Segundo Vygotsky
(1998, p. 75), todas as estruturas mentais superiores originam-se das relações
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reais entre indivíduos humanos. jul. / out. 2012
Alessandra Menezes tação coletiva ao “faça você mesmo”, num ambiente baseado na
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liberdade, na diversidade e na cooperação. Para tanto, discorda
do pensamento de Durkheim, que trata de uma socialização
cultivada pela escola-fábrica baseada no falar-ditar do mestre e
nas lições-padrão que deveriam formar o “ser social” capaz de
acatar normas e regras comuns a todos, sacrificando interes
ses individuais e subordinando-os a outros mais elevados. Ao
contrário, Silva (2010, p. 201) acredita em algo diferente disso,
“é a socialização baseada na comunicação e no conhecimento
em confrontação coletiva. É a possibilidade do sujeito, diluído
na subjetividade de suas escolhas, descobrir-se como ser social
na confrontação coletiva e não a partir de lições-padrão”. E
chama atenção ao cuidado que se deve ter com essas lições-
padrão, que podem levar a uma socialização em massa.
Silva (ibidem) esclarece que a confrontação coletiva
própria da sala de aula interativa socializa “quando há liberdade
e diversidade fundamentando a atitude do comunicar e conhe
cer, garantidas pelo professor que promove o diálogo criativo
entre as competências individuais”. Assim, o sujeito aprende a
respeitar e acatar normas comuns a todos, a considerar outros
interesses além dos seus e a ser tolerante com o diferente,
confrontando outras subjetividades no ambiente presencial e a
distância. E dessa forma, a promoção da autonomia do sujeito,
bem como a sua formação, se dá à medida que participa na
construção coletiva do conhecimento e da comunicação.
Monique Linard6 (2000), ao escrever sobre a auto
nomia do aluno, retrata as diversas “distâncias” que ocorrem
em EaD mediatizada pelas TIC, compreendendo a distância
geográfica, a socioeconômica e uma terceira, que ela revela ser
mais sutil, a distância do tipo cognitivo. Essa última a autora
julga ser paradoxal:
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Monique Linard é professora de Ciências da Educação na Universidade
PARIS X – Nanterre. Refere-se a palestra apresentada no IIº Rencontres
Réseaux Humains/Réseaux Technologiques, organizado pelo Centro
audiovisual da Universidade de Poitiers, França. In. Réseaux Humains/
Réseaux Technologiques: présence à distance. Paris, Centre National de
Doccumentation Pédagpgique, 2000. Tradução de Maria Luiza Belloni.
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jul. / out. 2012 Revisão: Grupo Comunic.
(...) mais que distância é uma ausência de capacidade de se A autonomia do aluno
no contexto da Educação
distanciar. Ela é muitas vezes uma consequência da distância a Distância
socioeconômica, mas ela pode também vir de características
estritamente individuais (forma e nível de inteligência).
Esta ausência de capacidade mental de distanciamento
em relação a si mesmo impede de distanciar-se da própria
ação, ou seja, de tomar consciência dos mecanismos de seu
próprio pensamento e, pois, de melhorá-los e de pilotá-los
de modo autônomo.
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Segundo Primo, (2005, p. 2), “ao contrário do que possa transparecer, a pa
lavra “interação”, segundo os estudos em lingüística histórica de Starobinski
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(2002), não apresenta antecedentes da língua latina clássica. O autor relata jul. / out. 2012
Alessandra Menezes transição, sempre difícil para os não-especialistas, do pen
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samento natural ao pensamento conceitual (Vigotski), da
abstração empírica à abstração formal (Piaget).
4 Considerações finais
Referências
Abstract
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