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A autonomia do aluno no

contexto da Educação a
Distância
Alessandra Menezes dos Santos Serafini1

Resumo
O presente artigo traz um estudo sobre a autonomia do aluno
adulto em EaD. A questão a ser discutida é: a partir da prática
real dos atores da EaD, será que o aluno concreto da educação
a distância cor­respon­de a essa imagem que é esperada dele? O
trabalho objetiva apresentar esta questão, compreendendo,
inicialmente, o sentido epistemológico de autonomia e, em
seguida, dialogando com autores que inves­­tigam e discorrem
sobre o ensino a distância. Pretende-se apresentar evidên­­cias
de que a representação do aluno autônomo em EaD está em
desacor­do com o perfil dos alunos reais, que se encontram
no curso; ainda, contextualizar esta discussão, inserindo-a
na questão mais am­p la das metodologias possíveis em
EaD, a partir das poten­cialidades dos recur­­sos interativos
das novas tecnologias digitais. Com essa refle­xão, pre­
tendemos contribuir para a discussão sobre o universo da
EaD tal como ele se configura hoje, focando, portanto, num
elemento que tem sido recorrente nas repre­sentações sobre
os processos de edu­cação mediatizados por tecnologias: o
aluno autônomo.
Palavras-chave: autonomia; aluno; ensino a distância; novas
tecnologias digitais.

1 Introdução

Cada vez mais as pessoas passaram a empregar, no dia-


a-dia, as facilidades e recursos que as tecnologias oferecem.
Na educação, estão sendo desenvolvidos cur­sos a distância
em diferentes abordagens, visando atender deman­das de
1
Mestre em Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Contato em: alems99@
hotmail.com.
Alessandra Menezes formação profissional e de conhecimentos novos que
dos Santos Serafini
navegam no mar de informações do ciberespaço. O presente
trabalho é um recorte da minha dissertação de mestrado, em
construção, sobre o perfil do aluno e suas necessidades e
perspectivas na sua formação no ensino a distância, trazen­do
um estudo sobre a autonomia do aluno adulto no contexto
da Educação a Distância (EaD).
Ao longo da história da humanidade, mudanças vêm
acontecendo em diversos setores da nossa sociedade, inclusive
no educacional. Tais mudanças, intensificadas pelo processo
de globalização e pelo avanço tecnológico, segundo Belloni,
(2009, p. 3) exigem transformações nos sistemas educacionais,
os quais vêm sendo confrontados com novas funções e novos
desafios. Com isso, o papel da educação se transforma e suas
estratégias se modificam para atender as novas demandas
educativas da sociedade do saber ou da informação.

Nas sociedades “radicalmente modernas” (GIDDENS,


1991 e 1997), as mudanças sociais ocorreram em ritmo
acelerado, sendo especialmente visíveis no espantoso avan­
ço das tecnologias de informação e comunicação (TIC),
e provocando, senão mudanças profundas, pelo menos
desequilíbrios estruturais no campo da educação. Nesta
fase de “modernidade tardia”, a intensificação do processo
de globalização gera mudanças em todos os níveis e esferas
da sociedade (e não apenas nos mercados), criando novos
estilos de vida e de consumo, e novas maneiras de ver o
mundo e de aprender (ibidem).

Não se pode mais negar o caráter socializador das


mídias, pois, hoje, as tecnologias de informação e comu­
nicação assumem um perfil de onipresença em to­dos os se­
tores sociais, inclusive, no da educação. Os meios técnicos
utilizados pelos sistemas de informação e comunicação são
os mes­mos que encontramos na escola. Porém, não basta
a­pe­nas saber manipulá-los: é preciso torná-los objeto de
es­tudo, descobrindo suas potencialidades comunicacionais
e pedagógicas de forma que possam promover a autono­mia
do su­jeito em sua maneira de ser e de aprender, como afir­ma
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Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 17, n. 2, p. 61-82
jul. / out. 2012 Belloni (2002, p. 33-34):
A tecnificação é um fenômeno geral típico de nossas A autonomia do aluno
no contexto da Educação
sociedades contemporâneas, já tendo transformado o a Distância
mundo do trabalho, os sistemas de comunicação e o
mundo vivido do indivíduo. Vai entrando agora, com a
força da informática e das redes telemáticas, nos sistemas
de educação, mais especificamente no espaço escolar.

Quando pensamos a Educação a Distancia (EaD),


mergulhamos em um universo de questionamentos que,
embora já tenham sido discutidos por teóricos de dife­rentes
áreas do conhecimento e em diferentes épocas, eles con­
tinuam presentes nos grandes debates acadêmicos desta nova
moda­lidade de ensino. Percebe-se que estas in­quie­­tações, que
pare­cem inaugurais, próprias dessa nova era da edu­cação dos
am­­bientes virtuais de aprendizagem, são simila­res às de ou­
trora, em que grandes clássicos teoricizaram, deixando-nos
gran­­des legados que se mantiveram atuais, ainda ho­je, em
nosso contexto educacional, seja ele presencial ou vir­­tual,
po­rém com as especificidades de um mundo infor­­matizado
e midia­tizado. A Educação a Distância envol­ve uma sé­
rie de fatores complexos que requer um olhar espe­cífico,
tanto quan­to um olhar global, no intuito de entendê-los em
profun­­didade. São fatores que se referem aos recursos tecno­
lógicos e físi­cos (meio utilizado, materiais, etc.), bem co­mo
aos recur­sos humanos envolvidos no processo (profes­­sores,
alunos, tutores, técnicos).
A proposta deste artigo remete-se a uma bre­ve reflexão
a respeito do aluno num contexto de EaD, particu­larmente,
da autonomia dele esperada, uma visão cons­truída sobre as
habilidades necessárias ao aluno adulto dessa modalidade de
ensino. Dessa forma, considero mister ana­lisar a concepção
de autonomia a partir de algumas cor­ren­tes epistemo­lógicas
clássicas da filosofia e da socio­logia, bem co­mo da apren­
dizagem, à luz de grandes pensa­dores co­mo Rous­seau,
Durkheim, Piaget e Paulo Freire, repre­sen­tantes des­de o
iluminismo, positivismo, construtivismo à teo­ria libertadora,
respectivamente.
A partir desta reflexão e da compreensão do con­ceito
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Educ. foco, Juiz de Fora,

de autonomia por esses teóricos, será feita uma análise da v. 17, n. 2, p. 61-82
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Alessandra Menezes con­cepção de auto­nomia por autores atuais e de co­mo a
dos Santos Serafini
auto­nomia do aluno vem se manifestando nos cursos de EaD,
ques­tionando-se, a partir da prática real dos ato­res da EaD,
se o alu­no concreto da educação a distância corres­ponde a
essa ima­gem que é esperada dele – o aluno autônomo.
O trabalho objetiva apresentar esta questão, apre­
sentando uma discussão com base nos estudos de autores
atuais que investigam a realidade da EaD e, ao final,
contextualizar esta discussão, inserindo-a na questão mais
ampla das meto­dologias possíveis em Ead, a partir das
potencialidades dos recursos interativos das novas tecnologias
digitais, como um meio de promo­ção da autonomia do aluno.

2 Legado das concepções iluminista, moderna


e contemporânea de autonomia

Com relação à educação a distância, é recor­rente a


refe­rência, em estudos e pro­jetos de cursos, à neces­­sidade
de um perfil de um aluno autôno­mo, capaz de bus­car seus
pró­prios conhe­cimentos. De acordo com Silva (2003), es­sa
autonomia refere-se ao desenvolvimento de compe­tências
espe­cíficas como a apren­dizagem que ocorre em regi­me de
maior solidão que a do ensino presencial; e, devido à neces­
sidade de utilizar de forma racional os meios de comuni­cação
e ao desenvolvimento de estratégias pessoais de aces­so ao
conhe­cimento, ocorre também o desenvolvi­mento de ca­
paci­dades de leitu­ra, escrita, fala e escuta.
Sabe-se que, hoje, o público de adul­tos tem se destinado
cada vez mais aos programas de EaD e, por­tanto, é para
eles que se voltam as atenções e tam­bém as reco­men­dações
para que possam obter suces­so nes­­ta mo­da­lidade de en­sino,
entre as quais estão relacio­­­nadas habi­lida­des essenciais para o
aprendiz a distância, tais co­mo autodis­ciplina, automotivação,
responsabilidade e capa­cidade de ge­ren­­ciar bem o seu próprio
tempo. Discute-se também como o lei­tor pode se tornar
esse aprendiz bem sucedido que, em última instân­cia, pode-
se traduzir como autônomo, capaz de gerir e regu­lar seu
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processo de aprendizagem.
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jul. / out. 2012
Mas o que vem a ser autonomia no contexto dos pro­­­ A autonomia do aluno
no contexto da Educação
ces­sos de ensino e apren­dizagem? Como este con­­­­­­­ceito era a Distância

enten­­­­dido por teóricos iluministas e da moder­­­nidade, e como


vem sendo ressignificado nos dias de ho­je?
Se em EaD falamos de uma relativização do tempo e
espaço, sem fronteiras dessas duas categorias para o aluno na
sua formação e construção do conhecimento, então, é jus­­to
que relativizemos esse tempo da construção do conhecimento
ao logo de sua história, deixando as fronteiras do pas­­
sado e trazendo, para o presente, pensamentos de grandes
teóricos, presentes nas redes de conhecimentos tecidas ao
longo desse tempo, que ainda hoje são contemporâneos
para a compreensão da natureza humana e da soci­e­dade
atual, habitando não apenas os espaços físicos dos livros
nas prateleiras, mas também preenchendo as diversas
páginas virtuais do ciberespaço, que lhes concede uma certa
imortalidade e acessabilidade, que outrora caminhava a pas­
sos lentos. Ideias que nasceram em outras épo­cas, mas que
sobreviveram até atualidade, talvez com novas “roupagens”,
estabelecendo uma relação de autoria e co-autoria das
grandes ideias elaboradas por teóricos clássicos e atuais. Eis
a razão de buscarmos um entendimento para a autonomia
dos educandos de hoje à luz de renomados pensadores de
momentos históricos diferentes.
Iniciarei o estudo da autonomia a partir de uma bre­ve
análise do pensa­mento iluminista de Rousseau (1712-1778).
Crítico do absolutismo, cujo pensamento se fun­dava na
doutrina liberal, possuia uma visão mais democrática de
poder de sua época. Com relação à concepção pedagógica
de Rousseau, esta não é centralizadora, pois não é o pro­
fessor que se encontra no centro do processo educativo,
mas esse lugar é reservado ao aluno. Naquela época, o pen­
samento revolucionário de Rousseau, tal como expres­so em
sua obra Emílio (1995), dizia que a educação se inicia pelo
desenvolvimento das sensações, dos sentimentos, não pre­
cisando abafar os instintos, os sentidos, as emo­ções, os senti­
mentos que são anteriores ao próprio pensamento elaborado.
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Educ. foco, Juiz de Fora,

Deve-se valorizar a espontaneidade sem dar castigos, pois v. 17, n. 2, p. 61-82


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Alessandra Menezes é a experiência a melhor conselheira, dessa forma a criança
dos Santos Serafini
começa a pensar por si própria. A educação deveria levar o
homem a agir por interesses naturais e não por imposição de
regras exteriores artificiais, pois só assim o homem poderia
ser dono de si próprio; o que já nos remete a uma busca pelo
desenvolvimento da autonomia do sujeito desde a infância.
No contexto de sua época, Rousseau revolucionou
com seus princípios educacionais que permanecem até os
nossos dias, colocando o aluno no centro do processo da
apren­dizagem, e não o professor, sendo que a verdadeira
finalidade da educação era ensinar a criança a viver e aprender
a exercer a liberdade. Preocupava-se com o objetivo de optar
entre formar o homem ou o cidadão, na impossibilidade
de haver os dois ao mesmo tempo, já que, a seu ver, seriam
antagônicos. Na verdade, o sujeito não seria nem um nem
outro, pois a educação da sociedade não formaria nenhum
deles, mas sim um ser misto. Seria necessário o conhecimento
do homem natural, para se obter a conciliação destes dois
seres, e assim, o cidadão somente poderá existir a partir deste
ho­mem na­tural, o qual será originado pela natureza e, para
percebê-lo, a história individual será o caminho a seguir.
Embora tenha sofrido diversas críticas à sua pedagogia,
pois alguns a consideravam elitista, uma vez que Emílio é
acompanhado por um preceptor, enquanto ou­tros a decla­
ravam individualista por afastar o aluno da sociedade, pode-
se dizer que as ideias de Rousseau influenciaram diferentes
correntes pedagógicas, principalmente as tendências não-
diretivas2, no século XX. Aranha (2006) faz referência às
obras Do contrato social e Emílio ou da educação (1762), nas
quais se defende a democracia e a formação de um

cidadão ativo e soberano, capaz de autonomia, na qual a


liberdade e a obediência são pólos complementares na vida

2
Nessa tendência liberal renovada, o papel da es­cola é mais incidente na forma­
ção de ati­tudes, razão pela qual deve estar mais preocupada com os problemas
psicoló­gicos do que com os pedagógicos ou sociais. Todo o esforço deve visar

66 a uma mu­dança dentro do indivíduo, ou seja, a uma adequação pessoal às


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jul. / out. 2012 solicitações do ambiente (LIBÂNEO, 1990).
do sujeito social e político. E a partir disso, podemos prever A autonomia do aluno
no contexto da Educação
a importância que Rousseau depositou na educação, como a Distância
preparadora dessa soberania popular (ARANHA, 2006, p.
208, grifou-se)

Tratar do cidadão ativo e soberano, imerso na vida so­


cial e política, é falar da autonomia que tanto se espera do
sujeito/aluno jovem ou adulto, mas que não se limita ape­
nas ao seu campo pessoal de ação e vivência, pois também
en­volve, no perfil desse sujeito, a construção de uma auto­
nomia do pensar, e não apenas do ser. Veremos, mais à
frente, co­mo es­sa visão de autonomia se transpõe para os
dias de hoje, quando Pau­lo Freire (1921-1997) traz uma
abordagem atua­lizada do sujeito autônomo dentro de um
novo contexto so­cial das últi­mas déca­das, em Peda­gogia da
autonomia (1997).
Sob uma ótica diferente de Rousseau, já no final do
século XIX, influenciado pelo positivismo e fazendo parte
de outro contexto histórico, Emile Durkheim (1858-1917)3,
em A educação moral4, apresenta os elementos da mora­lidade,
apon­­tando como terceiro elemento a autonomia da von­tade.
Propôs uma moral leiga, na qual instrumento para apren­der
a agir de acordo com as normas sociais era a disciplina mo­­­ral.
Em seus trabalhos, destacou os processos de socia­lização e
interna­­lização individual como responsáveis pela aqui­sição,
por parte dos indivíduos, de valores, crenças e nor­­mas so­
ciais que mantêm os grupos e as sociedades integra­dos. O
con­trole social reforça o domínio da sociedade sobre os
indiví­duos, uma vez que para ele a autonomia moral consis­

3
Para Durkheim, existem “fatos sociais” que são o assunto da sociologia e que
influenciam e condicionam as atitudes e os comportamentos dos indivíduos
na sociedade. Esses fatos sociais são reais, objetivos, sólidos, sui generis, isto
é, não reduzíveis a realidades biológicas, psicológicas, climáticas... Esses fatos
sociais são relações sociais exteriores aos indivíduos que perduram no tempo,
enquanto indivíduos particulares morrem e são substituídos por outros
(ARANHA, 2006).
4
O curso sobre a educação moral é o primeiro curso sobre a Ciência da Educação
ministrado por Durkheim na Sorbonne, no ano letivo de 1902-1903. No
livro Educação e Moral, traduzido por Raquel Weiss (2008), são apresentadas
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dezenove aulas de Durkheim, que as redigia por extenso. jul. / out. 2012
Alessandra Menezes te no reconhecimento pessoal da necessidade de cumprir as
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normas morais da sociedade. Pode-se dizer que essa é uma
vi­são que reduz a educação moral a um processo de adaptação,
que não deixa de priorizar, muitas vezes, o compor­tamento
he­terônomo. Sabe-se que o pertencimento à coletivi­dade
pres­supõe práticas morais e éticas e, às vezes, torna-se difí­cil
per­ceber os processos de participação e cooperação, os quais
constroem e reconstroem a coletividade, permi­­tindo a forma­
ção de um sentimento crítico de pertencer a um determinado
grupo social. Portanto, entendemos que a mo­ral requer
autonomia da personalidade do sujeito, não ape­nas como
des­coberta ou cumprimento das normas so­ciais, mas, acima
de tudo, supõe consciência e criatividade pes­soal e moral.
Para Durkheim (2008), entretanto, as diferentes cama­
das e grupos sociais constituíam um organismo chamado
sociedade e, para mantê-la unida, con­trolada e regu­lada,
era preciso, através da educação, definir os caminhos que
esta sociedade deveria seguir e qual papel cada indiví­duo
de­­veria ter dentro dela, onde o coletivo prevalecia sobre o
in­dividual. O autor usou a expressão “consciência cole­tiva”
para expressar essa solidariedade comum que molda as cons­
ciências individuais. A família, o trabalho, os sindi­catos, a
educação, a religião, o controle social e até a punição do
crime são al­guns mecanismos que criam e mantêm viva a
integração e a partilha da consciência coletiva.
Durkheim julgava que a sociedade industrial, marcada
por uma ampla divisão social do trabalho, precisava, com
urgência, de um conjunto de valores comuns a todos os in­
divíduos, isto é, de solidariedade para superar seus mui­tos
conflitos. Entretanto, Durkheim, sendo um liberal, não pen­
sava no uso da força ou de ações repressivas. Ale­gava que a
solidariedade social haveria de surgir da auto­nomia in­dividual
da conduta dos indivíduos, já que a crescente divi­são social
do trabalho criava um saudável individualismo. O conven­
cimento pela educação e pela religião de­veria ser a função
principal da família, da escola, das associações e do Estado.
Falar de autonomia perpassa pelo campo da mo­ral,
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jul. / out. 2012 con­forme visto anteriormente com Durkheim. Taille (1992)
mostra em que ponto Piaget (1896-1980), da corrente cons­ A autonomia do aluno
no contexto da Educação
trutivista, contrapõe-se às idéias de Durkheim: a Distância

Antes de mais nada é preciso frisar que Piaget concorda


com Durkheim num ponto essencial: a moral é um fato
social, e, portanto, uma consciência puramente individual
não seria capaz de elaborar e respeitar regras morais.
Todavia, Piaget recusa-se a considerar, sem mais, como o
faz Durkheim, a sociedade como um “ser” (“ser coletivo”).
Para ele, assim como não existe O Indivíduo, pensando
como unidade isolada, também não há A Sociedade,
pensada como um todo ou um ente ao qual uma só palavra
pode remeter. Existem, isto sim, relações interindividuais,
que podem ser diferentes entre si e, decorrentemente,
produzir efeitos psicológicos diversos (TAILLE, et al,
1992, p. 58).

Taille (ibidem) afirma que, em relação ao aspecto mo­


ral, segundo Piaget, a criança passa por uma fase pré-moral,
carac­terizada pela anomia, coincidindo com o “egocen­trismo”
infan­til e que vai até aproximadamente 4 ou 5 anos. De­pois,
ela vai entrando na fase da moral heterônoma, gradualmente,
e da mesma forma caminha para a fase autônoma. Piaget
também afirma que essas fases se sucedem sem cons­ti­tuir
estágios propriamente ditos. Podemos encon­trar adul­­tos em
plena fase de anomia e muitos ainda na fase de hetero­nomia.
Poucos conseguem pensar e agir pela sua pró­pria cabe­ça, se­
guindo sua consciência interior.
Contrapõe-se ainda a ideia positivista de educação na
visão de Durkheim à pedagogia de Paulo Freire (1921-1997),
que traz uma abordagem atualizada do su­jeito autôno­mo
dentro de um novo contexto social das últimas déca­das, em
Pedagogia da autonomia (1997). A pedagogia liber­tadora
freireana supõe um ensino voltado ao diálogo, à liber­dade e a
uma busca constante do conhecimento partici­pativo e trans­
formador, em que o ser humano é entendido como sujeito de
sua pró­pria aprendizagem, e não como mero objeto pas­sivo
e hete­rônomo diante do saber. Devem ser levadas em conta
a expe­riência e a forma de ver o mundo do edu­cando pa­ra
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Educ. foco, Juiz de Fora,
que esta aprendizagem seja efetiva. A educação, hoje, não se v. 17, n. 2, p. 61-82
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Alessandra Menezes caracteriza por mero dever de transmitir infor­mação, mas visa
dos Santos Serafini
fo­mentar e resgatar as potencialidades individuais do su­jei­to
apren­­dente, obje­tivando a construção de um conheci­mento
co­letivo, onde a experiência de um se correlaciona com a
vivência de outro.
É conhecido de uma grande maioria de educadores,
que, diante dessa nova sociedade do conhecimento que vem
se formando nos últimos tempos, emergem novas práticas
pa­ra uma educação popular moderna, no sentido de atual.
Faz-se necessário, então, construir e talvez recons­truir os
novos rumos dessa educação cidadã, dinâmica, libertadora,
au­tônoma, consciente e popular, respaldando o apren­dizado
para a vida, procurando orientar o aluno para uma via de pro­
dução coletiva, mas desenvolvendo a autonomia em cada um.
Autonomia de saber escolher para tomar decisões, ser capaz
de criar e co-criar, respeitando a ética em meio à cole­tividade.
Au­tonomia que não se percebe na concepção “bancária” da
educação, mas que exerce papel essencial na con­cep­ção pro­
ble­matizadora, na qual o ato de aprender não é pas­sivo, e nem
o ato de ensinar se resume em depositar informações, mas
um pro­cesso que acontece no contato do educando com o
mundo vivido, o qual está em constante transformação.
Analisando mais profundamente as reiteradas refe­
rências, em textos sobre EaD, à necessidade de uma postura
específica própria ao aluno da educação a dis­tância, na qual se
anseia por uma autonomia do aluno, pró­pria dessa modalidade,
tem-se verificado, ao con­trário, uma heteronomia presente
em algumas situações como, por exemplo, numa (inter)
dependência do aluno com o professor/tutor, na espera de
instruções para a realização das ativi­dades, e numa au­sência
de autonomia intelectual que o per­mita ser mais criativo e
participativo no ambiente virtual de aprendizagem (AVA).
Uma vez elucidadas tais concepções epistemológicas
de autonomia, parte-se para a análise desse conceito nessa
nova realidade da educação a distância, hoje em crescente
evidência. Visto que a litera­tura atual sobre EaD costuma
apre­sentar a neces­­sidade de um perfil de um aluno autônomo,
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Educ. foco, Juiz de Fora,
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jul. / out. 2012 capaz de buscar os conhecimentos dos quais neces­sita e
conhecer o que os teóricos atuais discutem a respeito da A autonomia do aluno
no contexto da Educação
autonomia nesse con­texto educacional. a Distância

3 A autonomia do aluno no contexto da


Educação a Distância
A questão que nos mobiliza a ser discutida é: a par­tir
da prática real dos atores da EaD, será que o aluno con­creto
da edu­cação a distância corresponde a essa imagem que é
esperada dele – um aluno autônomo? A educação, em sen­
tido geral, vem buscando um desenvolvimento peda­­gógico
ao longo do tempo, saindo dos moldes tecnicistas para
che­gar ao sociointeracionismo5 de hoje. E, no entanto, a
e­ducação a distância chega nesse cenário atual da edu­ca­­ção
com parâ­metros tecnicistas de massificação, criando, des­­­­sa
for­ma, uma contradição com a realidade da educação atual,
gerando “conflitos pedagógicos”. Diante disso, torna-se
complexo com­preender o sentido de auto­nomia no ensino
a dis­­tân­­cia, uma vez que é o que já se espera, a priori: um
alu­no au­­tônomo. E essa ideia preconcebida da autonomia
pró­­pria do aluno em EaD pode existir para justificar, dentre
ou­tros fatores, a ausência do papel mediador do pro­fessor,
característica dos projetos de cursos mais massificadores ou
industriais (BELLONI, 2009, p. 17).
Marco Silva (2010), em Sala de aula interativa, trata da
construção da autonomia do sujeito no processo de socia­
lização que ocorre presencial e a distância, ques­tionando:
como socializar o sujeito em nosso tempo e prepará-lo
para ocu­par o velho e o novo espaço público? E ainda, como
prepará-lo para se comunicar e conhecer nesses espa­ços? Se­­
gundo o autor, isso acontecerá ao propor­cionar uma con­fron­

5
Um processo interpessoal transforma-se num processo intrapessoal. No
desenvolvimento da criança, todas as funções aparecem duas vezes no ciclo
do desen­volvimento humano: primeiro, no nível social, e, depois, no nível
indivi­dual; primeiro, entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior
da criança (intrapsicológica). Isso se aplica igualmente para a atenção volun­
tária, para a me­mória lógica e para a formação de conceitos. Segundo Vygotsky
(1998, p. 75), todas as estruturas mentais superiores originam-se das relações
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Educ. foco, Juiz de Fora,
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reais entre indiví­duos humanos. jul. / out. 2012
Alessandra Menezes tação coletiva ao “faça você mesmo”, num am­biente ba­seado na
dos Santos Serafini
liber­dade, na diversidade e na coope­ração. Pa­ra tan­to, dis­corda
do pensamento de Durkheim, que tra­ta de uma socializa­ção
cul­tivada pela escola-fábrica ba­seada no falar-ditar do mestre e
nas lições-padrão que deveriam for­mar o “ser social” ca­paz de
acatar normas e regras co­muns a to­dos, sacrificando interes­
ses individuais e subordinando-os a ou­tros mais elevados. Ao
contrário, Silva (2010, p. 201) acredita em algo diferente dis­­so,
“é a socialização baseada na co­municação e no conhe­cimento
em con­frontação coletiva. É a possibilidade do sujeito, diluí­do
na subje­tividade de suas escolhas, descobrir-se como ser so­cial
na con­­fron­tação co­letiva e não a partir de lições-padrão”. E
chama atenção ao cuidado que se deve ter com essas lições-
padrão, que podem levar a uma socialização em massa.
Silva (ibidem) esclarece que a confrontação coletiva
própria da sala de aula interativa socializa “quando há liber­dade
e diversidade fundamentando a atitude do comunicar e conhe­
cer, garantidas pelo professor que promove o diá­logo criativo
entre as competências individuais”. Assim, o sujeito aprende a
res­peitar e acatar normas comuns a todos, a con­si­­derar outros
interesses além dos seus e a ser tolerante com o di­ferente,
confrontando outras subjetividades no am­biente pre­sencial e a
distância. E dessa forma, a promoção da au­tonomia do sujeito,
bem como a sua for­mação, se dá à me­­dida que par­ticipa na
construção coletiva do conhe­cimento e da comu­nicação.
Monique Linard6 (2000), ao escrever sobre a auto­
nomia do aluno, retrata as diversas “distâncias” que ocorrem
em EaD mediatizada pelas TIC, compre­endendo a distância
geo­gráfica, a socioeconômica e uma ter­­ceira, que ela reve­la ser
mais sutil, a distância do tipo cog­nitivo. Es­sa última a autora
julga ser paradoxal:

6
Monique Linard é professora de Ciências da Educação na Universidade
PARIS X – Nanterre. Refere-se a palestra apresentada no IIº Rencontres
Réseaux Humains/Réseaux Technologiques, organizado pelo Centro
audiovisual da Universidade de Poitiers, França. In. Réseaux Humains/
Réseaux Technologiques: présence à distance. Paris, Centre National de
Doccumentation Pédagpgique, 2000. Tradução de Maria Luiza Belloni.
72
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 17, n. 2, p. 61-82
jul. / out. 2012 Revisão: Grupo Comunic.
(...) mais que distância é uma ausência de capacidade de se A autonomia do aluno
no contexto da Educação
distanciar. Ela é muitas vezes uma consequência da distância a Distância
socioeconômica, mas ela pode também vir de características
estritamente individuais (forma e nível de inteligência).
Esta ausência de capacidade mental de distanciamento
em relação a si mesmo impede de distanciar-se da própria
ação, ou seja, de tomar consciência dos mecanismos de seu
próprio pensamento e, pois, de melhorá-los e de pilotá-los
de modo autônomo.

Todas as atividades que hoje envolvem as tecnologias


exigem uma capacidade de autonomia dos indivíduos, in­
cluindo, nesse contexto, as diversas formações, como a
educação a distância, que pressupõem essa autonomia: “saber
dar conta sozinho de situações complexas, mas também
cola­borar, orientar-se nos deveres e necessidades múltiplas,
distinguir o essencial do acessório, não naufragar na profusão
das informações, fazer as boas escolhas segundo boas es­
tratégias, gerir corretamente seu tempo e sua agenda...”
(LINARD, 2000)
Segundo Wissmannd et al. (2006), de acordo com
Little (1994, p. 431 apud WISSMANND, 2006), a autonomia
pressupõe três elementos que enfatizam a individualidade do
apren­diz: agenda pessoal, iniciativa e autoavaliação. O apren­
diz autônomo precisa criar uma agenda pes­soal que oriente
e organize seus estudos; tomar iniciativas “mol­dando” sua
pró­pria aprendizagem e ter a capacidade de autoavaliar este
pro­cesso, verificando se obteve realmente sucesso no mes­
mo. Dessa forma, Wissmannd (ibidem) tam­bém afirma que
“a autonomia do aprendiz requer não só a aprendizagem, mas
aprender a aprender.” Entre­tanto, a concepção de autonomia,
segundo o autor, pode ser enten­dida como produto de um
processo inte­rativo definido pela essência interde­pendente de
cada indivíduo como ser social que é.
Deve-se, portanto, reconhecer que a auto­nomia do
aprendiz é muito mais um produto da interde­pendência do
que da independência. Sendo assim, os aprendizes em EaD
tam­bém devem ser ajudados a adquirir autonomia por meio de
um processo de interação semelhante à aprendi­zagem for­­mal.
73
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 17, n. 2, p. 61-82
Is­to nos traz à tona a importância do papel do pro­fessor/tu­tor, jul. / out. 2012
Alessandra Menezes co­mo mediador desse processo, desmitificando a ideia de que,
dos Santos Serafini
em EaD, o aluno autônomo aprende sozinho e in­depende do
pro­­fessor. Esse “aprender a aprender” não está somente para
o aluno, mas também para o professor, prin­cipalmente em
tem­pos de uma educação mediatizada, imer­sa no mundo das
TIC, cujos atores envolvidos es­tão em cons­tante contato. E
Paulo Freire, ao nos apresentar uma pe­da­gogia da autonomia,
de forma tão contemporânea, já nos levava a repensar o papel
do educa­dor, prin­cipalmente, hoje, como parte desse novo
contexto que emerge com o avanço acelerado das tecnologias

... vá ficando cada vez mais claro que, embora diferentes


entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e quem
é formado forma-se e forma ao ser formado. É neste sentido
que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos
nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma,
estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. (...)
Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina
ao aprender (FREIRE, 1997, p. 25).

Percebe-se, então, que a autonomia não depende


somen­te do aluno e de suas características indivi­duais. Ela se
mostra muito mais complexa, a autonomia de­pende tam­bém
da metodologia adotada, do material di­dático e do profes­sor
e das tecnologias de comunicação e informação empregadas.
Cabe, portanto, uma breve a reflexão sobre o papel que cada
um desses elementos exerce no processo de ensino e de
aprendizagem, e de que forma contribuem para que a au­
tonomia possa ser viabilizada.

3.1 A viabilização da construção da autonomia


do aluno

Mas, fundamentalmente, quem são esses aprendizes que


estão cada vez mais aderindo a essa modalidade do ensino a
dis­tância? Supõe-se, para uma grande maioria dos projetos de
cur­sos em Ead, dos seus sistemas “ensinantes”, um estu­dan­te
atualizado e autônomo, crítico, com idade a­dul­­ta, capaz de au­
74
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 17, n. 2, p. 61-82
jul. / out. 2012
todirigir e autorregular o próprio processo de apren­­diza­gem,
detentor de habilidades e conheci­mentos que lhe per­mitam A autonomia do aluno
no contexto da Educação
lidar com as tecnologias, conhe­cedor e u­suá­rio da internet, a Distância

especificamente, dos ambientes virtuais de aprendizagem.


Alguns autores, ao investigarem o perfil desse aluno,
apon­tam para essa autonomia tão esperada, reportando-a ao
desenvolvimento de competências específicas como a apren­
dizagem que ocorre em regime de maior isolamento e solidão
que a do ensino presencial. E, de fato, isso vem aconte­
cendo em dife­rentes con­textos. Walker (1993, p. 23 apud
BELLONI, 2009, p. 40) descreve bem essas características
em sua pesquisa com estudantes australianos:

Uma imagem dominante é a do silêncio, tranquilidade e


solidão. Um tema recorrente é o tempo de estudo: tarde
da noite, quando as crianças estão acomodadas, o marido
vendo televisão na sala (muitos estudantes são mulheres),
está escuro lá fora, pode haver um cão ou um gato por perto,
a cozinha está limpa ou arrumada, os lanches para o dia
seguinte estão prontos na geladeira, e a estudante arranja um
espaço na ponta da mesa, desarrumando o mínimo possível
a mesa posta para o café da manhã. Os livros estão abertos
e o estudo pode começar.

A imagem que se tem feito do estudante típico de EaD,


segundo Belloni (2009, p. 40), não parece corresponder a
este ideal de aluno autônomo. A autora alega que “estudos
realizados com estudantes de vários tipos de experiências de
EaD têm mostrado que muitos estudantes a distância ten­
dem a realizar uma aprendizagem passiva, digerindo pa­cotes
“instrucionais” e ‘regurgitando” os conhecimentos assimi­
lados nos momentos de avaliação”. Segun­do a autora,

A aplicação de modelos industriais e behavioristas à


EaD não significa apenas o caráter passivo do estudante
considerado como objeto e como um público de massa,
mas envolve também o professor: “Proletarização,
desqualificação, divisão do trabalho, democratização
do espaço de trabalho e produção nova são aspectos da
educação industrializada que implicam igualmente o
professor e o estudante” (RENNER, 1995, p. 292 apud
75
Educ. foco, Juiz de Fora,
BELLONI, 2009, p. 17). v. 17, n. 2, p. 61-82
jul. / out. 2012
Alessandra Menezes Cabe aos envolvidos nos cursos de EaD (professor,
dos Santos Serafini
tutor, técnicos e toda equipe pedagógica) proporcionarem
meios que despertem, no aluno, a curiosidade e as po­
tencialidades de criar e construir o próprio saber, de forma
que ele consiga se desvencilhar de todos os mecanismos de
pas­­sividade envolvidos no processo de apren­dizagem que
lhe foram impregnados por uma educação behaviorista,
me­canicista, instrucional, ou nos moldes indus­triais do for­
dismo, como ainda se vê, em alguns cursos a distân­cia, uma
for­ma de automatização do conhecimento. Essa ima­­gem
de uma aprendizagem passiva, que o sujeito só recebe e se
mos­tra individualizada, reforçando o sentimento de so­lidão
do aluno, é um desafio para a criatividade dos gestores de
cursos, professores e tutores em EaD.
Entretanto, com relação ao perfil do aluno da mo­
dalidade a distância, nasce um fio de esperança quando
Perriault (1996, p. 67 apud BELLONI, 2009, p. 47), em
suas pes­quisas, observa sinais de mudança no compor­
tamento dos estudantes, os quais vêm rejeitando méto­dos
es­co­lares; exi­gindo retorno imediato de informação, o que
ex­pri­me rece­ptividade às mídias interativas; mos­­trando de­­­
se­jo de se relacionar com outros estudantes; demons­­trando
a necessidade de encontros presenciais com tutores; bus­
cando encontrar cursos que atendam às suas necessidades;
e demonstrando ansiedade com relação à avaliação e auto-
avaliação. Segundo este autor, é uma mudança significativa
quanto à posição relativa dos atores no campo da educação
e da formação:

Vemos emergir o usuário, o estudante, o cliente, como


quisermos, em sua unidade própria. Ele trabalha, ele aprende
trabalhando, mas ele quer que o serviço (de formação) no
qual está inscrito (ou do qual é assinante?) lhe transmita
informações e o socorra em caso de pane. Desempregado,
numa ótica de reconversão, ele quer saber o que vale em
termos de conhecimentos e competências (ibidem, p. 68).
Embora esses dados da pesquisa nos apontem
para algumas mudanças, não se pode perder de vista a
76
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 17, n. 2, p. 61-82
jul. / out. 2012
responsabilidade da EaD em promover esta autonomia,
condicionada a sua existência, de forma que ela ajude os A autonomia do aluno
no contexto da Educação
alunos a desenvolvê-la no decorrer do curso. É importante a Distância

que se criem meios, estra­tégias de ensino, com atividades que


levem a essa autonomia. Pensar uma metodologia e materiais
didá­ticos que viabilizem esse aprendizado autônomo, tendo
o cuida­do de não reproduzirmos as velhas pedagogias com
novas tecno­logias (BELLONI, 2009). Como ressalta Linard
(2000), “não iremos criar “propedêuticas” em autonomia
para a EaD (educação a distância). Não temos tempo e não
é pro­­­­­du­tivo. A única solução é integrar a aprendizagem da
autonomia no pró­prio pro­cesso, invertendo as prioridades”.
Reto­­­­ma­­mos, então, ao princípio de que antes de implantar
a téc­nica ou de­­finir os currículos e programas, deve-se ater
primei­­ra­­­mente à res­ponsa­­bilidade e à estratégia pedagógica
dos me­­i­­os de a­pren­der. Na realidade, o que ocorre é o inverso
e nos depa­ramos com estudantes desestimulados e sem in­
teresse, com ta­xa de eva­são crescente.
O que muito se tem visto nos cursos de EaD são prá­
ticas pedagógicas presas a modelos industriais de produção,
com uso de materiais didáticos prontos para o aluno, em
forma de apostilas e um ambiente virtual sofisticado pron­to
para envolver o estudante. Por outro lado, alguns cursos já
vêm modificando sua estrutura, sistematizando suas prá­ticas
com base em uma pedagogia (inter)ativa, baseada no sócio­
construtivismo, e em pesquisas do tipo sócio-cognitivo em
tor­no da aprendizagem escolar, a qual promove esfor­ços pa­ra
acompanhar a transição da ação ao con­­ceito, o que contribuirá
para a construção da autonomia. Quanto a es­ses mé­todos
capazes de promover a interação7, Linard (2000) esclarece que:

Os métodos (inter)ativos são eficazes porque se baseiam


em mecanismos elementares inatos disponíveis (mais
ou menos) em todos. Eles são os únicos a integrar a
interdependência entre as dimensões individual e coletiva,
psicológica e social do ato de aprender. Eles também são os
únicos a propor modelos e meios explícitos para susten­tar a

7
Segundo Primo, (2005, p. 2), “ao contrário do que possa transparecer, a pa­
lavra “interação”, segundo os estudos em lingüística histórica de Starobinski
77
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 17, n. 2, p. 61-82
(2002), não apresenta antecedentes da língua latina clássica. O autor relata jul. / out. 2012
Alessandra Menezes transição, sempre difícil para os não-especialistas, do pen­­
dos Santos Serafini
samento natural ao pensamento conceitual (Vigotski), da
abs­tração empírica à abstração formal (Piaget).

Entre os atores desse processo de construção da


autonomia do aluno, encontramos a figura do profes­sor
“interativo”, que se dedica cada vez menos em expor os
conhe­­­­cimentos e doar mais o seu tempo a criar condições
que permi­­tam aos alunos desen­volver formas de adquirir tais
conhecimentos, ou seja, proporcionar-lhes condições para
se alcançar uma autonomia cognitiva. Piaget (1973, p. 167,
apud Primo, 2005, p. 12) diz que

por sua vez, ao estudar a própria construção da inteligência,


deixa claro que o fato primitivo não é nem o indivíduo nem
o conjunto de indivíduos, mas a relação entre indivíduos, e
uma relação modificando ininterruptamente as consciências
individuais elas mesmas (grifos do autor).

Podemos entender, então, que, através das relações


estabelecidas entre pro­fessor e aluno, abrir-se-ão cami­nhos
pa­ra a con­quista da autonomia pelo próprio aluno.
No contexto da EaD, convém compreender a rela­ção
entre os atores, as informações e os conheci­mentos institucio­
nalmente construídos que tran­sitam pela re­de nos am­bientes
virtuais de aprendizagem. É impor­tante perceber co­mo as
TIC podem colaborar para a cons­trução da aprendizagem
e da promoção da autonomia do aluno, co­mo os ato­res en­
volvidos se posicionam nesse processo e quais as concepções
que circulam nesses ambientes, de modo a otimizar espaços
de construção de saberes, através de práticas autônomas de
pesquisa tendo em vista os processos educacionais.
A tecnologia nos propicia interações mais amplas,
combinando o presencial e o virtual. O educador precisa estar
a­tento para utilizar a tecnologia como integração, e não como

que o substantivo interaction figurou pela primeira vez no Oxford English


Dictionary em 1832 (apresentado na época como um neologismo), e o verbo
to interact, no sentido de agir reciprocamente, em 1839. Já na França, a palavra
“interação” surgiu apenas depois de outro neologismo: “interdependência”
78
Educ. foco, Juiz de Fora,
v. 17, n. 2, p. 61-82
jul. / out. 2012 (que figurou em dicionário apenas em 1867)”.
dis­­­tração ou fuga (MORAN, 2000). Complementando com A autonomia do aluno
no contexto da Educação
Valente (2004), em uma de suas abordagens para a prá­tica a Distância

pedagógica no ensino a distância – Estar junto virtual­mente


– é im­portante que ocorram a interação e a interatividade ,
pro­­porcionando ao aprendiz a construção de no­vos conhe­
cimentos, de forma que a mediação seja mais efetiva.
A interatividade, as possibilidades de nave­gação na rede
e o diálogo que pode ser efetivado são con­dições mínimas
para se estabelecer a autonomia. Percebe-se que, no to­
cante à educação a distância, precisa-se repensar o pro­ces­so
ensino-aprendizagem, partindo-se da relação entre os pa­­­­res
e a me­diação do professor, considerando as inter­faces que
via­bi­lizam a comuni­cação e a aquisição do conhe­cimento,
com o foco na autonomia dos sujeitos aprendentes.

4 Considerações finais

Não se pode falar de autonomia do aluno, sem nos


debruçarmos nas reflexões que já se fizeram no passado e
que, de certa forma, ainda se mostram contemporâneas em
nos­sa sociedade atual. A concepção de autonomia ve­io se
ressignificando ao longo dos anos, atendendo às necessidades
dos novos tempos impregnados pelos avan­ços tecno­lógicos.
En­tretanto, embora o progresso seja inerente ao ser hu­mano,
é neces­sário que ele não seja um fim em si mesmo, mas um
meio que possibilite a criação de uma sociedade mais jus­­­ta, mais
huma­na e igualitária, promovendo um cidadão cada vez mais
autônomo nos seus modos de ser e de aprender. Talvez ainda
utópico, mas isso só será possível a par­tir de uma educação
integral, numa política cons­ciente pa­­ra a uti­liza­ção dos recursos
tecnológicos, bene­fician­­do a to­dos, sem exceção, superando as
contradições so­ciais e a opres­são. Deixo aqui uma ques­tão, a
EaD se­ria um dos caminhos para tais conquistas?
É notório que a utilização das tecnologias de infor­
mação e comunicação pode e deve colaborar para o bem co­
mum e a construção de uma educação mais huma­nizadora e
transformadora, promo­vendo a autonomia do sujei­to pa­­ra ge­rir 79
Educ. foco, Juiz de Fora,
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jul. / out. 2012
Alessandra Menezes e cons­truir sua apren­dizagem, o que lhe propor­cionará também
dos Santos Serafini
maior autono­mia política, econômica e social pa­ra o exercício
da cidadania. Entre­tanto, estando a EaD nes­­se contexto, é
importante que se tenha clareza das meto­do­­logias e políticas
públicas que são implementadas nesse cam­­­po da educação,
conhe­cendo a realidade em que estão sen­­do dis­ponibilizadas
essas tecno­logias e a serviço de quem, pa­ra que não con­tinuem
se tornando armadilhas de domi­nação e exclusão social.
Pensarmos numa nova visão de educação constitui um
imperativo hoje, ressignificando sua dimensão cultural e ética
e reafirmando a importância de sua perma­­nência ao lon­go
da vida. Diante dessa nova conjectura social, marca­da pela
diversidade, complexidade e flexibilidade, torna-se fun­­damental
uma educação que prepare o indiví­duo pa­­ra as alte­rações da
vida profissional, para um novo mer­­­cado de trabalho, numa
construção contínua dos seus sabe­­res e apti­dões, propor­
cionando-lhe meios para alcan­çar uma autonomia pessoal e
intelectual; e, assim, ad­quirir uma cons­ciência de si próprio e
do seu papel a desempenhar enquanto sujeito social e cidadão.
Com as reflexões expostas até o momento sobre um
ele­­mento que tem sido recorrente nas representações so­­­bre os
pro­­­­cessos de educação mediatizados por tecno­­­logias, o aluno
autônomo, pretende-se, com este trabalho, con­­tri­­buir pa­­­ra a dis­
cussão sobre o universo da EaD tal como ele se configura hoje.

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dos Santos Serafini
Autonomia%20em%20EaD%20.pdf>. Último acesso em
16/Jul/2010.

Earner autonomy in the context of distance


education

Abstract

This paper presents a study on adult learner autonomy in


Distance Education. The question is: from the actual practice
of the actors of Distance Education will be specific to the
student of distance education corresponds to this image
that is expected of him? The study presents the question,
comprising initially the epistemological sense of autonomy,
and then talking to authors who investigate and write
about distance learning. It is intended present evidence
that the representation of autonomous student in distance
education is at odds with the profile of real students who
are in the course. And yet, to contextualize this discussion,
inserting it into the broader question of the possible
methodologies in Distance Education from the potential
of the interactive features of the new digital technologies.
With this thought, we intend to contribute to the discussion
on the world of distance education as it is configured today,
focusing, therefore, an element which has been recurrent
in the representation of processes mediated by technology
education: the autonomous student.
keywords: autonomy; student, distance learning, new digital
technologies

Data de recebimento: agosto 2011


Data de aceite: setembro 2012

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