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Demowashing etnocrata israelense e a luta por uma democracia

que nunca existiu.

Breno Scott Leão

Franca

2023
1

RESUMO: Em 2018 o parlamento israelense seguiu com a aprovação da Lei Básica do


Estado Judeu, formalizando a constituição de um Estado de judeus e para judeu e excluíndo
assim mais de 20% da população árabe das decisões locais, sem considerar os territórios
palestinos ocupados. Entrementes, a imagem de uma democracia forte, resistente e cercada de
autoritarismos bárbaros continua a ser vendida no Ocidente e defendida por uma população
preocupada com a preservação de seus direitos políticos frente às reformas no Poder
Judiciário. Sendo assim, como Israel pode se projetar como “única democracia do Oriente
Médio” sendo um Estado Judeu, isto é, apenas para seguidores do judaísmo? A hipótese
levantada é que Tel Aviv mantém um discurso hegemônico de defensor de ideais democráticos
graças ao suporte oferecido por nações ocidentais. Efetivamente, o país é uma etnocracia, isto
é, dotado de instituições políticas que favorecem um regime racista e segregacionista em prol
da supremacia judaica. Este debate foi escolhido também para apresentar o conceito de
demowashing (lavagem democrática), isto é, a tentativa de um Estado ocultar crimes contra a
humanidade, os Direitos Humanos e Direito Internacional por meio de uma autopromoção
como democracia forte e sólida. O artigo em questão optou por sua condução através de
procedimentos metodológicos qualitativos, com abordagem sistemática e avaliação crítica da
bibliografia e demais referenciais teóricos

Palavras-chave: Democracia; Israel; demowashing; etnocracia; Estado Judeu.

RESUMEN:: En 2018, el parlamento israelí siguió con la aprobación de la Ley Básica del
Estado Judío, formalizando la constitución de un Estado de judíos y para judíos y excluyendo
así a más del 20% de la población árabe de las decisiones locales, sin considerar la territorios
palestinos ocupados. Mientras tanto, la imagen de una democracia fuerte, resistente y rodeada
de autoritarismo bárbaro sigue siendo vendida en Occidente y defendida por una población
preocupada por la preservación de sus derechos políticos frente a las reformas en el Poder
Judicial. Entonces, ¿cómo puede Israel proyectarse como “la única democracia en el Medio
Oriente” siendo un Estado judío, es decir, solo para seguidores del judaísmo? La hipótesis
planteada es que Tel Aviv mantiene un discurso hegemónico defensor de los ideales
democráticos gracias al apoyo que le ofrecen las naciones occidentales. Efectivamente, el país
es una etnocracia, es decir, dotado de instituciones políticas que favorecen un régimen racista
y segregacionista a favor de la supremacía judía. Este debate también fue elegido para
presentar el concepto de demowashing (lavado democrático), es decir, el intento de un Estado
de ocultar crímenes de lesa humanidad, Derechos Humanos y Derecho Internacional a través
de la autopromoción como una democracia fuerte y sólida. El artículo en cuestión optó por su
2

realización a través de procedimientos metodológicos cualitativos, con un abordaje


sistemático y una evaluación crítica de la bibliografía y otros referentes teóricos.

Palabras-clave: Democracia; Israel; demowashing; etnocracia; Estado Judío.

1. INTRODUÇÃO

Israel tomou-se pelo caos. Pelo trigésimo sábado seguido, mais de 200 mil
manifestantes tomaram as ruas do ‘país’ em represália à reforma do Judiciário1, cujas
primeiras cláusulas já foram aprovadas em julho. Com faixas, cartazes e bandeiras gritando
“nossa democracia está ameaçada”, Tel Aviv, Jerusalém, Haifa, entre outros municípios,
exibem imagens de jovens politicamente engajados e preocupados com o futuro do seu país,
jovens que temem a instauração do autoritarismo. Com isso, o primeiro-ministro Benjamin
Netanyahu soma uma derrota irreparável à oposição e uma vitória implacável ao chamado
“governo mais conservador da história”, constituído por judeus ultra-ortodoxos e membros da
extrema direita religiosa. Ainda assim, Bibi, como é carinhosamente chamado, garante que a
“única democracia do Oriente Médio” está longe de riscos, e que esta reforma servirá
justamente para deixá-la mais forte e preparada para as ameaças, como são vistos os
palestinos.

Mas Israel é realmente uma democracia? Se levarmos em conta que Netanyahu foi
eleito para um sexto mandato em 2022 após ter sido deposto por suspeita de corrupção, por
que estariam seus eleitores ameaçados? Para entender estes pontos, faz-se necessário retomar
algumas questões.

O Estado de Israel é uma república parlamentarista unitária fundada após sua


independência do partilhado Mandato Britânico em 1948. Fruto do saque de terras até então
pertencentes aos nativos árabes-palestinos, pilhagem de suas vilas, extinção de várias tribos,
exílio de refugiados e genocídio do nacionalismo palestino, o então Estado Judeu promoveu a
construção de um muro, físico, real e de concreto, que divide dois mundos: de um lado, a
Palestina ocupada, pobre, miserável, sem recursos, constantemente roubada, invadida e
fuzilada por soldados estrangeiros; do outro, um Estado rico, militarizado, moderno,

1
A reforma tem como objetivo, principalmente, a “não interferência do Judiciário em outros poderes”, isto é, um
Judiciário isolado, para que o Executivo e Legislativo possam coligar-se em um autogoverno, garantindo certa
isenção em inúmeros aspectos e transformando juízes e magistrados em meros fantoches de parlamentares e
ministros. (POLEG, 2021, p. 1).
3

ocidentalmente atrante e autoproclamado democrático. Este último é o chamado Estado


Judeu.

O Estado de Israel... promoverá o desenvolvimento do país em benefício de todos os


seus habitantes; será baseado na liberdade, na justiça e na paz, como imaginado
pelos profetas de Israel; garantirá total igualdade de direitos sociais e políticos a
todos os seus habitantes, independentemente de religião, raça ou sexo; garantirá a
liberdade de religião, consciência, língua, educação e cultura2

Com estas palavras, Israel tornou-se independente do Reino Unido e disposto a iniciar
a construção de uma nação livre, igualitária e democrática, seguindo os moldes ocidentais de
democracia liberal. Contudo, a conflituosa relação com os ‘vizinhos’ árabes teria,
supostamente, forçado a jovem nação a usar da violência para expatriar milhares de nativos e
fazer de outros, habitantes de uma nação invasora. Hoje, os árabe-israelenses constituem cerca
de 20% da população de Israel. Muitos têm direito ao voto e desfrutam de condições melhores
que seus compatriotas palestinos, contudo, a discriminação e o racismo antiárabe é um
fundamento protegido pela lei israelense, impedindo a minoria de gozar do título de cidadã.

Segundo Ghanem, Youhana e Yiftachel (1998), a democracia é um sistema de governo


que vai além da definição antiga de “poder do povo”. Trata-se de um sistema baseado nos
princípios de “(a) cidadania e direitos civis iguais e inclusivos; (b) soberania popular e
sufrágio universal; (c) proteção de minorias; e (d) eleições periódicas, universais e livres” (p.
255). Neste contexto, o sociólogo político israelense Sammy Smooha3 entende que, baseados
nestes conceitos, a academia identifica três diferentes tipos de democracia no mundo
moderno: liberal4, consensual5 e o que ele chama de Herrenvolk6. Contudo, o caso de Israel
seria o protótipo de um modelo novo: a democracia étnica. Para ele, esta é “ um sistema no
qual operam dois princípios contraditórios: o “princípio da democracia”, que defende a
2
“The State of Israel… will foster the development of the country for the benefit of all its inhabitants; it will be
based on freedom, justice and peace as envisaged by the prophets of Israel; it will ensure complete equality of
social and political rights to all its inhabitants irrespective of religion, race or sex; it will guarantee freedom of
religion, conscience, language, education and culture (Declaration of the Establishment of the State of Israel,
1948)” (SAND, 2012, p. 27)
3
Sammy Smooha é um sociólogo político da Universidade de Haifa, nascido em 1941 na cidade de Bagdá, à
época pertencente ao Império Britânico.
4
Modelo democrático firmado em constituições escritas que garantam direitos e deveres da população, bem
como igualdade étnica, sem distinção de fatores naturais ou antropológicos, como sexo, religião e orientação
política.
5
Modelo utilizado amplamente em sociedades multiétnicas, com Executivo compartilhado por coalizões,
sistemas centralizados, multipartidários e, predominantemente, bicamerais, com ampla presença de negociações e
concessões entre os representantes dos blocos heterogêneos da sociedade.
6
Do alemão, herrenvolk pode significar raça mestre ou superior, e foi um conceito amplamente difundido para
conceitualizar a democracia alemã durante o regime nazista. Consiste em uma democracia em que o direito ao
voto (entre inúmeros outros) é destinado a apenas uma etnia, ou raça. Foi amplamente utilizado nos Estados
Confederados do Sul e na África do Sul durante o Apartheid. É um modelo com cidadania extremamente
limitada.
4

igualdade de direitos e tratamento igual para todos os cidadãos, e o “princípio étnico”, que
visa formar um estado-nação homogêneo e privilegiar a maioria étnica” (SMOOHA, 1997, p.
200). É a combinação perfeita de democracia e etnonacionalismo.

Segundo o sociólogo, o quarto modelo seria o ideal para categorizar a democracia


israelense, visto que esta: (a) não reconhece todas as minorias nacionais e não lhes garante
plenos direitos; (b) não é composta por um Estado multiétnico em que ambas as etnias vivem
em consenso e harmonia; mas (c) distribui, de certa forma, o título de cidadão a uma parte
seletiva de minorias.

Destarte, a democracia étnica de Smooha garante que o sistema prevalecente no


Estado criado entre 1948 e 1967 (Guerra dos Seis Dias) foi constituído pelo pleno respeito aos
direitos políticos e eleitorais dos cidadãos israelenses, teoricamente incluíndo os
árabe-israelenses, e pela constituição de uma esmagadora maioria judaica. Consequentemente,
em 2018, o parlamento nacional aprovou uma lei que determina juridicamente Israel como
Estado Judeu, de judeus, pelos judeus e para os judeus, depois de instituir apenas o hebraico
como língua oficial, institucionalizar apenas feriados judeus e restringir o acesso de
muçulmanos e cristãos a lugares sagrados. A Lei do Retorno, de 1950, permite a migração
apenas de judeus do mundo todo que busquem asilo em Israel. Palestinos expatriados
continuam vivendo condições subumanas nos campos de refugiados.

Neste ponto, há duas divergências conceituais: como a democracia, que deveria prezar
pelas liberdades e proteção de seus cidadão, pode estar interligada ao etnonacionalismo, que
prega a supremacia racial de uma etnia majoritária, ou no caso israelense, um grupo religioso
composto por diversas origens distintas?

Para entender o que realmente se passa em Israel, o termo democracia precisa ser
decomposto. Do grego, “demos” é um radical que tem relação direta com o povo, os cidadãos
de uma cidade ou Estado com fronteiras bem definidas, quem de fato faz política; e “cracia”
ou “kratía” significa governo. Isto é, quem faz política, e como fazer política. Agora, basta
substituir o “demos” pelo “etno”, ou seja, fazer referência a uma única etnia ou povo. À
realidade israelense não lhe cabe o termo democracia, mas sim etnocracia, bem como dizem
os principais críticos da teoria de Smooha.

2. DESENVOLVIMENTO
5

Shlomo Sand, um dos autores da obra Pretending Democracy: Israel, an ethnocratic


state (2012) entende que “etnocracia significa um regime no qual o estado é apropriado por
um grupo etnonacional dominante e usado para promover suas próprias agendas políticas e
territoriais de “etnicização” sobre espaços, recursos e estruturas de poder contestados (p.
96)”7. Neste sistema, etnias minoritárias são, de certa forma, legalmente marginalizadas e
discriminadas à medida que sua população é institucionalizada como cidadãos de
segunda-classe, com direitos limitados e em constante observação. Além disso, o poder e as
instituições estão concentrados nas mãos de uma etnia dominante ou majoritária, o que
dificulta ainda mais a análise do caso israelense, visto que o judaísmo não é essencialmente
uma etnia, mas uma religião monoteísta, cujos adeptos advém de inúmeras nacionalidades e
povos distintos, reunidos em Sião graças ao direito divino de Israel existir. Deste modo, como
Israel pode se projetar como “única democracia do Oriente Médio” sendo um Estado Judeu,
isto é, apenas para seguidores do judaísmo?

A população de um Estado etnocrata se mostra como perpetuadora de um sistema de


exclusão e segregação. O trabalho de Smooha admite que pesquisas realizadas no final do
século XX mostram que cerca de 30% da população judia pressionava o Estado para negar o
direito ao voto de cidadãos árabes em Israel e quase 40% o forçava a instituir políticas
públicas com o objetivo de exilar esta população, tornando o país puramente de judeus.
Segundo Smooha, o racismo antiárabe e ideologias supremacistas são financiados pela
ideologia que fundou Israel: o sionismo8. Este, pelas palavras de Herzl, Jabotinsky, Ben
Gurion e outros “pais fundadores”, deveria legitimar a constituição de um Estado
genuinamente judaico, a partir da expulsão de todos os nativos que não colaborassem com a
reconstrução do que um dia foi o Reino de Davi.

Outrossim, Israel é um dos poucos países que não dispõe de uma constituição escrita,
governando basicamente por meio de jurisdições, restringindo ainda mais o acesso dos povos
originários à estrutura de poder. Tudo isso fundiu-se em um sentimento inexplicável de ódio
contra os árabes, principalmente palestinos, que são vistos como “terroristas” ou “inimigos”

7
Ethnocracy’ means a regime in which the state is appropriated by a dominant ethnonational group and used to
advance its own ‘ethnicising’ political and territorial agendas over contested space, resources, and power
structures (SAND, 2012, p. 96. Tradução nossa)
8
O termo “sionismo” deriva de “Sião” – o nome bíblico de uma das colinas de Jerusalém que se tornou sinônimo
da Terra de Israel. O sionismo visava dar uma resposta ao “problema judaico”, que surgiu a partir de dois fatos
básicos: os judeus estavam dispersos em vários países do mundo, e em cada país constituíam uma minoria
(SHLAIM, 2012, p. 53).
6

da democracia; “selvagens” que não aceitam o modelo perfeito de convivência proposto pelos
sionistas em 1947.

Tal etnocracia é a principal justificativa que Israel encontra para legalizar o etnocídio
travado contra os nativos, quer por meio do envenenamento de aquíferos, incêndios às
plantações, colonização dos territórios ocupados, quer pela venda de uma alegoria ao conto de
Davi e Golias, onde o povo de Israel, um Estado rico, desenvolvido e democrático, sofre
constantemente as ameaças do povo árabe, uma raça inferior, subdesenvolvida, homofóbica,
misógina e ultrapassada. Essa imagem que Israel vende ao exterior é peça-chave em sua
diplomacia e Política Externa, um dos principais suportes de sua legitimidade.

É neste contexto que o conceito de demowashing é apresentado no âmbito político.


Bem como os já conhecidos pinkwashing ou greenwashing, consiste em trabalhar as
estratégias que um Estado ou ator nas Relações Internacionais adota para a autopromoção.
Neste caso, para adquirir legitimidade e a constância dos financiamentos enviados pelo Oeste
a Tel Aviv, Israel mantém à venda a imagem de “única democracia do Oriente Médio”. Esta
leitura totalmente ocidentalizada de democracia é questionada quando se observa as entranhas
do sistema político israelense.

Os mesmos estudos realizados e apresentados pelo cientista israelense mostram que a


população judaica não abrirá mão de seus laços sionistas para permitir maior participação
política por parte dos árabes. Uma democracia tal qual o ocidente exporta seria isso, maiores
direitos e liberdades a todos. Ainda assim, cerca de 10% da população aprova a
“descidadanização” das minorias ou sua expulsão forçada do país, tal como o que vem
ocorrendo desde 1948.

Em suma, Israel vale-se de uma imagem democrática e liberal à medida que segue
com seu projeto devastador de colonização definitiva da Palestina e criação de um Estado
judaico. Para o centro do sistema internacional, ou seja, Europa e América, isto é
perfeitamente aceitável e plausível, visto que “Israel tem o direito de se defender”. O
demowashing (do inglês, democratic washing, ou lavagem “democrática”) é um princípio
norteador.

Ruth Gavison, em seu artigo da página Israel Studies, refuta as críticas recebidas por
Sammy Smooha, alegando que “todos os seus cidadãos têm direitos civis e políticos. Tem
eleições regulares e livres. Tem um judiciário independente. Tem impressionante liberdade de
7

expressão e associação” (GAVISON, 1999, p. 5). Contudo, o que se vê na verdade, é que


vontades e reclamações dos 20% árabes da população são calados e censurados pela mídia e
pelo governo. A israelização não ocorre apenas de forma psicológica, com tal população
aceitando diversas humilhações em troca de um pouco mais de segurança que na Cisjordânia
ou Gaza, mas de inúmeras outras formas. Em 1985, o Knesset aprovou uma legislação em que
nenhum partido poderia ser criado ou eleito caso venha a ferir o “direito divino de Israel
governar”, isto é, seja contra o estabelecimento do Estado Judeu dentro e fora das atuais
fronteiras. Isto significa que qualquer político, dentro de Israel, que tente devolver qualquer
pedaço de terra aos árabes, dar voz às suas queixas ou representar o anseio da construção de
um estado árabe será calado e censurado. Árabes realmente votam em Israel, mas será que
realmente votam em quem os representa? Será que há quem os represente?

A “democracia” fantasiosa de Israel deixa-lhes (os árabes) apenas a opção de aceitar o


sistema de apartheid, em que uma maioria religiosa constitucionalmente protegida
marginaliza a minoria nativa. Isto não é uma democracia étnica, mas sim uma etnocracia. As
palavras de Gavison são lindas ao mostrar como os israelenses gozam de um sistema
exemplar, mas não só de palavras o Sistema vive. Na teoria, a democracia israelense vive
ameaçada pelos palestinos e em crise agora graças ao avanço da extrema-direita, mas na
prática, o “demos” nunca governou de fato Israel. Em uma comparação ao sistema imposto na
África do Sul entre 1948 e 1994, Yiftachel (2012) argumenta:

Sob essas condições, os judeus desfrutam de posições políticas e legais relativamente


“iguais” e privilegiadas, enquanto os palestinos são divididos em uma série de
protogrupos, cada um desfrutando de pacotes diferentes e inferiores de direitos e
capacidades. Além disso, os palestinos estão cada vez mais confinados ao
equivalente a guetos “negros” e “de cor”, enquanto os judeus residem em localidades
relativamente abertas, tanto em Israel quanto na Cisjordânia judaizada ( p.96)9.

3. CONCLUSÃO

À visão do sociólogo israelensse (1997) e de Gavison (1999), Israel é, sobretudo, uma


democracia, pois está dotado de “um sistema multipartidário, eleições justas, [...], direitos
civis e um judiciário independente” (SMOOHA, 1997, p. 205). Como vimos, o sistema
multipartidário admite quase que apenas coligados sionistas ou que aceitem a orientação
racista e expansionista destes. Um partido que lute pela independência da Palestina não

9
Under these conditions, Jews enjoy relatively ‘equal’ and privileged political and legal positions, while
Palestinians are divided into a series of protogroups, each enjoying different and inferior packages of rights and
capabilities. Moreover, Palestinians are increasingly confined to the equivalent of ‘black’ and ‘coloured’ ghettoes
while Jews reside in relatively open localities, in both Israel and the Judaised West Bank (YIFTACHEL, 2012, p.
96. Tradução nossa).
8

poderia ser colocado nas urnas. Em se tratando de eleições justas, vejo a eleição de Benjamin
Netanyahu como justa e legítima apenas se levarmos em conta o desespero da população
frente à presença árabe em Israel que permitiu a ascensão de déspotas comprometidos com a
“proteção” do povo.

Em relação aos direitos civis que os autores juram haver, a segregação sofrida pelos
palestinos e o apelido carinhosamente dado a Israel como “Estado de apartheid” já induzem o
leitor a acreditar se realmente os civis são tratados com equidade na terra do leite e mel. Por
fim, conforme o já mencionado, as ruas do país estão repletas de habitantes de todas as idades,
gêneros e orientações, exigindo a defesa e manutenção da democracia do país frente às atuais
reformas, que removerão o status de “judiciário independente” da definição de Smooha.
Dificilmente se encontra, em meio à multidão, alguém protestando pelo fim da etnocracia e do
regime de segregação racial e religiosa no Estado Judeu. A população israelense foi levada a
acreditar que vive em um arquétipo de civilização, que fez jorrar água em meio ao deserto e
que esbanja tecnologia e sofisticação mesmo com as ameaças do Hamas, Hezbollah, Irã e
demais inimigos imaginários. A harmonia, agora em caos e à beira de um colapso, é
sustentada pela boa imagem que Israel inseriu no mundo: um exemplo de povo unido e forte.

Portanto, o demowashing etnocrata é a estratégia israelense de ofuscar a crise


humanitária causada após a invasão e saque ilegais da Palestina enquanto a nova diáspora, por
meio do lobby judaico, mantém um discurso hegemônico de defensora da vontade popular
graças ao suporte oferecido por nações ocidentais, não permitindo que o sistema político
israelense seja criticado. Os filhos de Israel (ou netos) lutam agora em defesa de uma
democracia que nunca existiu, e nunca poderá existir, porque a essência de Israel é o
sionismo, e este só poderá ser democrático tal como vemos em nações como as nórdicas,
quando a última gota de sangue for derramada do último corpo palestino, algo que também
jamais acontecerá, pois a resistência nunca adormece!

Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem


nem respirar sem permissão. Perderam sua pátria, suas terras, suas águas, sua
liberdade, tudo. Nem sequer têm o direito de eleger seus governantes. Quando
votam em quem não devem votar são castigados. Gaza está sendo castigada.
Converteu-se em uma ratoeira sem saída, desde que o Hamas ganhou limpamente
as eleições de 2006. A democracia é um luxo que nem todos merecem (TENÓRIO,
2022, p. 206).

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9

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