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Reflexão Crítica:

A natureza dos projetos educativos como potenciadores de mudança e inovação


educacional

Valter Souza dos Santos Junior


UC: Conceção, Gestão e Avaliação de Projetos Educativos.

2023
Introdução

Os projetos educacionais podem ser conceitualmente compreendidos como um


“conjunto de operações que visam uma realização precisa, num contexto particular e num lapso
de tempo” (Miranda & Cabral, 2012: 13). Ainda, os mesmos autores também descrevem os
projetos educativos como planos de trabalho cujas finalidades, procedimentos e estratégias
implementadas são sistematicamente delimitadas e explanadas. Desta forma, é observável o
conceito unificador de projetos educacionais cuja natureza se volta para a transformação,
renovação e reflexão constante acerca das ações tomadas envolvendo o campo educativo, ou
seja, em outras palavras, na gênese dos projetos educativos se encontra a necessidade de
mudança e inovação. Quais mudanças, com vistas a quais objetivos, e decorrentes da
implementação ou experimentação de quais inovações, é o que viabiliza, credita ou não, um
projeto educacional.

O conceito de projetos educacionais, sua implementação e características

No intuito de que os projetos educacionais, quaisquer que sejam os modelos, possam


ser, de fato, experimentados e avaliados, e até mesmo elaborados com os subsídios que lhe são
necessários, é imprescindível que haja previamente o estabelecimento da cultura da inovação
educativa, isto é, que todo o ambiente no qual tal ou tais projetos serão implementados esteja
devidamente preparado e aberto para percorrer as etapas precisas para a concretização de tais
inovações. Essa cultura da inovação pode ser diagnosticada (ou até mesmo introduzida)
partindo dos cinco pontos chave (five key steps) sintetizados no relatório Study on Supporting
School Innovation Across Europe – Final report:

 Entendimento das necessidades dos estudantes;


 Desenvolvimento de uma visão e estratégia inovativa compartilhada;
 Experimentação e implementação;
 Feedback e reflexão;
 Sustentação da inovação (European Commission, 2018: 43-44).

A cultura da inovação educativa integra os fundamentos de um ambiente onde haja


abertura para a discussão e elaboração dos projetos educativos, e onde seja permitida vossas
experimentações, porque “no campo educativo há numerosos estudos que demonstram que o
clima escolar é uma variável importante para determinar a qualidade de uma instituição”
(Azevedo, 2011: 14). Para que esse “clima inovativo” exista, no entanto, um ambiente educativo
(escola, universidade, etc.), precisa de profissionais que trabalhem com o objetivo de fomentar
tal cultura. Comumente, cabe ao departamento gestor/diretivo a manutenção e fomento de
novos hábitos, padrões de comportamento e naturalização de procedimentos, ou seja, da criação
de cultura do ambiente educativo, desta forma,

“Instructional leadership (which focuses on the teaching


and learning that takes place in school and provides guidance to
teachers so that all of their students succeed) can facilitate the
establishment of reflective dialogues between teachers”
(European Commission, 2018: 45).

E, por sua vez, a criação da cultura do diálogo reflexivo entre professores cria uma
liderança compartilhada, conceito também apontado pelo relatório da European Commission
(2018, pp. 46-48), que permite a toda a equipa docente não apenas colocar-se disposta a tentar
os projetos educativos propostos como também sugerir novos projetos a partir de diagnósticos
feitos no cotidiano escolar pela equipa. Ao chegar no nível em que toda a equipa, para além da
liderança, observe, reflita, diagnostique, e proponha projetos educativos autonomamente, o
ambiente educativo pode, enfim, considerar-se permeado pela cultura da inovação. Uma vez
alcançado esse estágio, quais seriam os passos seguintes? Obviamente os próximos passos
tratam da experiência de projetar e implementar os projetos educativos coerentes e necessários
com o ambiente educativo em questão e, retomando o conceito sintetizado do que é um projeto
educativo, como explanado no início desta reflexão crítica, partir sempre do pressuposto de que
todo e qualquer projeto visa a mudança e a inovação.

Posicionamento enquanto agente de mudança:

Mudanças e inovações nos ambientes educativos, sobretudo nas escolas,


inevitavelmente esbarram em políticas pré-estabelecidas para o funcionamento das escolas. Tais
políticas advém do sistema educativo que gere tais escolas, geralmente ligados ao Estado, e
definem o quão inovativos ou não os projetos poderão ser, levando em consideração os limites
impostos por tais políticas. Aqui, seria por demasiado extensa a reflexão de como avaliar quais
políticas serviriam mais como barreiras ou como bons guias norteadores para a elaboração e
implementação dos projetos, sendo assim, se faz válido apenas destacar que tal cenário deve
ser mantido em mente e, por vezes, pode ser tão desafiador quanto o fomento da cultura da
inovação. Ainda assim, se superado o desafio da cultura da inovação e todas as suas
ramificações decorrentes do processo de fomentação, resta as figuras docentes a práxis da
docência inovativa.

O termo “docência inovativa” surge no decorrer das leituras indicadas para a UC de


Conceção, Gestão e Avaliação de Projetos Educativos como uma síntese das práticas que dizem
respeito especificamente à figura do professor em um ambiente educativo inovador. A reflexão
perante as práticas em sala de aula, da elaboração dos planejamentos até sua execução, se mostra
primordial tanto para a disposição na experimentação dos projetos educativos quanto na
proposição de novos. Portanto, os projetos educativos, por sua natureza crítica, potencializam
também novos modelos de atuação profissional docente, de modo a passar para um modelo de
táticas de ensino que é flexível, dinâmico e analista. No intuito de tornar esta reflexão mais
acuradamente pessoal, descrevo nos próximos parágrafos como tal mudança de posicionamento
pode ser exemplificada em minha persona docente, considerando o sistema educativo de meu
país de origem e atuação profissional (Brasil) e suas especificidades.

Perspectivas para projetos educativos como ferramentas de inovação

No ano de 2018 chega à público a versão final da primeira Base Nacional Comum
Curricular do Brasil, comumente chamada por BNCC. O documento passou por anos de
negociação e tratativas acerca de sua formulação, foi vítima de diferentes grupos organizados
com diferentes interesses sobre o documento e os conteúdos e, após perdas e ganhos de cada
lado envolvido, chegou a uma versão que, hoje, segue a servir como um framework para a
elaboração dos currículos e projetos pedagógicos das escolas, sejam elas do setor público ou do
setor privado (Castro, 2019). A BNCC, diferente do que ainda persiste como senso comum
entre uma parcela significativa de profissionais da educação no Brasil, não se trata de um
projeto de leis educacionais (tais leis encontram-se em outros documento chamado LDB – Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), tampouco de um currículo padronizado para todas
as escolas do país, mas sim de um documento normativo, cuja função é a de promover diretrizes
de funcionamento para um determinado setor produtivo do país, neste caso, diretrizes para as
práticas das escolas de educação básica do Brasil. Esse documento, portanto, serve de
referência, mas não deve ser utilizado como fim último para a elaboração de projetos
educativos, por exemplo, ainda que, em essência, carregue aspectos de inovação presentes em
todos os elementos que lhe envolve.

Ao ensinar em uma escola de educação básica dentro do período histórico de primeira


implementação da BNCC, me deparo com a necessidade de repensar minha postura enquanto
professor no sentido de agir sempre com olhar crítico para com o que está a ocorrer na escola,
e autocrítico para com minhas ações dentro de um determinado contexto. Nesse sentido, ao
refletir diante das leituras do tema 1 da UC já mencionada anteriormente, penso ser necessário
tomar partido de minhas habilidades de desenho educacional e traçar um panorama geral de
todos os elementos que abarcam minha prática profissional ao longo de um semestre letivo: os
conteúdos a serem abordados em minha disciplina (Música), os objetivos a serem alcançados
pelos estudantes, os diagnósticos das necessidades de meus alunos em relação aos objetivos
prescritos, e inserir comentários sobre experiências prévias que possam servir de alerta ou
referência para as práticas atualizadas neste momento. A partir deste panorama, posso me reunir
junto à minha liderança (coordenação pedagógica) no intuito de elaborarmos, juntos, um projeto
pedagógico que, em suma:

1. Seja focado nos estudantes e na aprendizagem deles;


2. Permita estreitar os laços com a comunidade externa (famílias, parceiros da escola, etc.);
3. Contenha espaço para ajustes, melhorias e trabalhos partilhados junto a outros
professores (seja em aspectos interdisciplinares ou outras propostas do gênero);
4. Tenha um objetivo estritamente definido e delimitado no que tange às mudanças ou
inovações almejadas ao fim do período proposto para a implementação do projeto;
5. Tenha também bem delimitado e explanado os métodos de implementação e avaliação
do projeto, bem como os agentes envolvidos.

Conclusão

As potencialidades de um projeto educativo, como aqui exposto, são múltiplas e variadas.


Em última instância, buscam a mudança em um determinado contexto e espaço (como a escola)
e, portanto, presumem inovação, independentemente de quais sejam os aspectos destas
inovações, que podem ser administrativas (dentro da instituição), pedagógicas (ao afetar as
práticas docentes), ou estruturais (a respeito da ambientação física e digital da escola, por
exemplo). A natureza dos projetos educativos, desta forma, pode ser metaforicamente
desenhada como um organismo vivo, que pode ser modificado, reajustado e redesenhado, desde
que preze pelo enfoque nos estudantes e na aprendizagem, seja partilhado entre todos os agentes
envolvidos na instituição escolar, e seja implementado apenas após a consolidação de um
ambiente educativo cuja cultura seja da inovação. Para que seja possível alcançar tal cenário,
contudo, algumas barreiras precisam ser superadas, tanto pela escola e sua liderança, quanto
pela figura do professor de modo individual:

 Falta de clareza das inovações almejadas: se a escola não tiver muito bem
delimitados quais são os objetivos de determinados projetos e suas respectivas
mudanças, a tendência é de que os projetos não gerem os resultados esperados. Para
isso, é possível avaliar previamente se os objetivos propostos atendem aos critérios
de pertinência, mobilização, exequibilidade, aceitação e coerência
(Azevedo, 2011: 50);
 Falta de rigor na elaboração dos projetos: todo e qualquer projeto educacional,
seja um projeto de intenções, operatório, ou projeto pedagógico, deve ater-se
minuciosamente às particularidades requeridas por cada etapa da elaboração, desde
o desenho inicial da ideia até a divulgação do projeto entre os envolvidos e a
avaliação final do processo. A falta de rigor em todas ou quaisquer etapas da
elaboração de um projeto pode restringir ou impossibilitar as mudanças e inovações
almejadas, ou torna-las difícil de avaliar;
 Ausência prévia de fomento à cultura da inovação: não há projeto educacional
de cunho inovativo sem um ambiente preparado e disposto para experimentar tais
projetos. O fomento da cultura da inovação, que promova o perfil do docente
inovativo, é essencial para que os projetos sejam, de fato, concretizados;
 Dificuldades de negociação com os sistemas educativos: os sistemas educativos
definem o cenário maior nos quais as escolas estão inseridas e, portanto, sob quais
regimentos podem exercer as atividades. Deste modo, há limites políticos para a
experimentação de determinadas inovações, o que ocasiona a necessidade de
negociação das escolas junto à comunidade para reavaliar e concretizar projetos
educativos verdadeiramente viáveis, evitando frustrações ou interrupções súbitas
nos processos.

É, assim, após superar barreiras de variadas instâncias e uma vez implementado um alto
nível de disposição à mudança, que as escolas podem realmente experimentar as
potencialidades de um projeto educativo, e trabalhar com vistas a inovação, sempre no intuito
de melhorar a aprendizagem dos estudantes e as potências que lhe são naturais, bastando-lhes
o ambiente propício para a estimulação e desenvolvimento destas potências.

Referências Bibliográficas:

Azevedo, R. (coord.), Fernandes, E., Lourenço, H., Barbosa, J., Silva, J.M., Costas, L., &
Nunes, P.S. Projetos educativos: Elaboração, monitorização e avaliação – Guião de Apoio.
Recursos e Dinâmicas (n. 6), 2011.

Castro, M.H.G.D. Breve histórico do processo de elaboração da Base Nacional Comum


Curricular no Brasil. Em Aberto (33) 107, 95-112. 2020.

European Commission. Study on supporting school innovation across Europe – Final report to
DG Education and Culture of the European Commission. Education and Training. 2018.

Miranda, B. & Cabral, P. Projetos de intervenção educativa. eUAb. 2012.

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