Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Objetivo do Trabalho
Aristóteles, Platão, Epicuro, Rousseau e Freud são apenas alguns dos pensadores a
identificar que todas as ações humanas buscam, em um sentido lato, a felicidade.
Segundo Freud, o ser humano teria uma tendência natural para buscar o prazer e evitar
a dor. É o "princípio do prazer" o mecanismo que governa o comportamento humano. Já para
o hedonismo, presente nos textos de Epicuro e Aristipo de Cirene, o prazer é o objetivo final
das ações humanas e a felicidade é frequentemente vista como o estado resultante da busca
pelo prazer e do alcance de objetivos significativos. Na filosofia, a felicidade é frequentemente
definida como o bem-estar ou satisfação pessoal, e é considerada uma das principais metas da
vida humana. Contudo, é preciso distinguir alegria de felicidade. A alegria é uma emoção
positiva passageira que pode ou não ser observada em uma pessoa feliz. No presente estudo
assumimos o conceito hedonista de felicidade e partimos da premissa de que as ações humanas
estão sempre em busca desse sentimento de bem-estar e satisfação.
Considerando que a nossa realidade é consequência das nossas ações, com origem nas
decisões tomadas, é curioso constatar que, apesar de aspirarmos sempre à felicidade, é grande
o número de decisões que causam sofrimento a nós mesmos e aos outros.
Foram formuladas as seguintes questões de investigação: Como os jovens adultos
percebem a felicidade? Pensam na própria felicidade de modo consciente na tomada de
decisões? Como avaliam o impacto de suas decisões sobre a própria felicidade?
Nosso objetivo era compreender quais as perceções dos jovens adultos sobre o papel da
felicidade no processo de tomada de decisão e como avaliam o impacto das decisões no estado
atual de felicidade.
Método
Participantes
Os participantes são três mulheres e três homens (n=6), entre 21 e 35 anos de idade.
Considerando que nos primeiros anos da vida adulta tomamos decisões cruciais, cujo impacto
pode ser observado por décadas, nosso critério de seleção foi a idade (adultos até 35 anos).
O recrutamento foi por arrastamento e procuramos obter uma amostra não restrita à
comunidade universitária. Entrevistámos quatro portugueses, um angolano e um romeno.
Apenas um participante tem filhos. Todos se declararam solteiros, menos um que vive em união
Felicidade e Tomada de Decisão 3
Instrumento
Optámos pela realização de um estudo descritivo, com utilização da entrevista
semiestruturada. Esta permite flexibilidade na formulação e na reordenação das perguntas
durante a entrevista, possibilitando o ajustamento da linguagem ao participante. Apesar da clara
estrutura, visámos maximizar as oportunidades para este revelar suas perceções, assim como a
probabilidade de acedermos aos seus pontos de vista subjetivos. Isto permitiu analisar questões
subjacentes às respostas.
Os princípios da não-direção, especificidade, amplitude e profundidade e contexto
pessoal foram observados na elaboração do guião.
Visando obter respostas mais espontâneas e livres dos efeitos da desejabilidade, que
evidenciassem com clareza se a felicidade era um fator considerado no processo de tomada de
decisão, utilizámos duas estratégias. Uma envolveu o procedimento e outra envolveu a ordem
das perguntas da entrevista (Anexo B).
Nas duas primeiras perguntas, indaga-se sobre o propósito de vida dos participantes e
o processo de tomada de decisão, sem mencionar a felicidade, para percebermos se o tema seria
mencionado espontaneamente. A felicidade é abordada diretamente apenas na terceira pergunta,
quando é solicitado que o participante identifique uma palavra associada à felicidade. Apenas
na quarta questão é que inquirimos sobre a eventual relação entre a felicidade e as decisões do
participante.
Procedimento
Quanto ao procedimento, a nossa estratégia foi não informar inicialmente os
participantes de que estudávamos a influência da felicidade. Antes das entrevistas, foram
informados de que nosso objetivo era perceber o processo de tomada de decisão. A seguir,
assinaram o consentimento informado e responderam ao questionário sociodemográfico.
As entrevistas foram realizadas em locais públicos definidos pelos próprios
participantes, uma em casa do próprio, uma entrevista foi por vídeo chamada, uma outra por
telemóvel. A duração das entrevistas variou entre 8 e 43 minutos (M=20, DP=14).
O debriefing foi feito logo após a entrevista, explicitando-se o real objetivo do estudo
e o motivo dessa informação não ter sido apresentada inicialmente.
Felicidade e Tomada de Decisão 4
Análise
As entrevistas foram transcritas e segmentadas. Utilizámos a análise de conteúdo como
técnica de tratamento de informações por ser não obstrutiva e possibilitar a descrição objetiva
e sistemática dos dados observados, permitindo fazer inferências interpretativas do discurso
com relação aos contextos.
O sistema de categorias foi construído pelo método indutivo, após a análise dos dados,
como uma estratégia de não enviesamento da análise. Primeiramente, cada entrevista foi lida
pelos codificadores várias vezes até absorverem a ideia geral. Depois, os textos foram divididos
em unidades de significado reconhecidas como peças-chave no texto. Foram identificados
vários temas recorrentes e elaborado um primeiro sistema de categorias. Contudo, as categorias
foram revistas e ampliadas, considerando unidades de registo relevantes que não se referiam
diretamente às questões de investigação, mas que forneciam dados importantes para o objetivo
do estudo. As categorias são constructos sociológicos (construídos pelos codificadores).
O sistema de categorias não é mutuamente exclusivo e não é exaustivo dada a
subjetividade das respostas. Os participantes socorreram-se de vários exemplos para explicar
suas ideias, demonstrando no processo não saber como responder algumas questões. Em
ocasiões começavam a responder, interrompiam o raciocínio e reiniciavam posteriormente.
Ainda assim, consideramos que o nosso sistema de categorias possui bons níveis de validade e
fidelidade porquanto decorreu do consenso entre os codificadores e as interpretações foram
feitas observando as unidades de contexto (resposta à mesma pergunta). Os dados foram
analisados com a utilização do NVIVO.
Destaque-se que um dos integrantes do grupo tem particular interesse científico e
pessoal no tema, o que pode influenciar algumas conclusões do estudo. Contudo, operámos
para que, tanto a recolha quanto a análise dos dados, refletissem ao máximo os pensamentos e
sentimentos dos participantes, permitindo alcançar resultados e conclusões úteis e não
enviesados.
Resultados
Através da análise de ocorrências foi possível observar a relevância das categorias
presentes no sistema ilustrado na Tabela 1:
Felicidade e Tomada de Decisão 5
Tabela 1
Sistema de categorias e frequências
Categoria Subcategoria PP Referências
Conceito de felicidade
Relações 6 36
Individualidade 6 30
Papel no Mundo 6 15
Valores 4 11
Tomada de decisão
Relações 2 3
Individualidade 3 7
Papel no Mundo 4 12
Valores 4 9
Felicidade 6 12
Instrumento 5 15
Saúde 2 5
Relações Sociais 2 2
Motivação 4 8
Meta de vida
Referência Explícita 5 17
Referência Implícita: Orientação para o futuro 4 5
Autorresponsabilidade 6 13
Dificuldade em conceituar
Expressa 4 7
Específica: Alegria x Felicidade 4 14
Relações Sociais
Todos os participantes referiram que as relações sociais são importantes para a
felicidade. O sociólogo menciona que "tem muito impacto quase, mas se calhar até me arrisco
Felicidade e Tomada de Decisão 6
a dizer 99% no impacto". Dois participantes referiram que tomam decisões considerando as
relações sociais.
Individualidade
Cuidar de si, estar bem consigo mesmo e atividades individuais foram referidas por
todos os participantes como sendo fundamentais para a felicidade. O Psicólogo mencionou
que me traz mais felicidade normalmente nas minhas semanas é poder ir para a praia ou para
a serra no fim de semana e caminhar e estar ali um bocado a olhar para o mar."
Papel no Mundo
A associação entre felicidade e atividades entendidas como produtivas para o mundo
foi aludida por todos. Refere-se ao papel que o participante quer exercer perante a sociedade
(ajudar o próximo, ser útil de alguma forma, trabalho, etc.). A auxiliar de geriatria referiu que
Eu a ajudar o próximo vou sentir-me feliz, não é? Eu prefiro dar do que receber. Se tiver para
dar, sinto- .
Valores
Tal como outros três participantes, o estudante de sociologia referiu que sua felicidade
está relacionada com valores e princípios éticos e morais, no sentido de que a questão da
felicidade é que essa questão de ter uma consciência tranquila
Quanto à tomada de decisão, o sociólogo referiu que
pondero que tenha em mente antes de tomar uma decisão é, digamos, se calhar, o valor moral".
Felicidade
Felicidade e Tomada de Decisão 7
Meta de Vida
Observando as respostas à primeira pergunta (sobre o propósito de vida dos
participantes) apenas um referiu a felicidade. Contudo, ao longo das entrevistas, seja implícita
ou explicitamente, todos referiram a felicidade como justificação da própria existência.
Referência Explícita
Cinco participantes declararam expressamente que a felicidade dá sentido à vida. O
psicólogo referiu que "de alguma maneira contribui para dar lá está o tal sentido à vida",
assim como a Auxiliar de Geriatria, a qual mencionou é importante porque, lá está, a gente
viver por viver acho que não vale a pena". O técnico administrativo disse mesmo que
.
Instrumento
Entretanto, os participantes também atribuíram à felicidade uma função instrumental
de facilitar a vida, nomeadamente para energizar ou motivar as suas ações, favorecer a saúde e
os relacionamentos.
Saúde
Dois participantes mencionaram que a felicidade beneficia o estado de saúde:
Felicidade e Tomada de Decisão 8
Relações
A felicidade foi mencionada como benéfica para a manutenção das relações sociais por
dois participantes. O técnico administrativo referiu que "se nós não tentarmos atingir a nossa
felicidade, (...)
as pessoas".
Motivação
Quatro participantes referiram que a felicidade atua como um agente energizante e
motivador para ações quotidianas ou extraordinárias.
"Bem porque, digamos, que nem, digamos que é, o ponto que me motiva a acordar
todos os dias, a ir para o trabalho, a fazer a minha vida" (Sociólogo).
"as coisas mais extraordinárias que a humanidade foi capaz de fazer teve como objetivo
levar a uma forma de felicidade qualquer" (Psicólogo).
Autorresponsabilidade
Os participantes foram uníssonos em afirmar que o estado de felicidade é consequência
direta de suas decisões e que são inteiramente responsáveis pelo estado de felicidade, ou não,
em que se encontram atualmente:
"eu costumo dizer que Deus é que comanda a minha vida, não é, mas, lá está, eu é
que tomo as minhas decisões, depois se é o caminho errado, eu não sei, mas lá está,
se a gente for para o errado, nós vamos pagar as consequências, não é? É o que é,
vamos ser felizes à nossa maneira. Com as nossas decisões" (Auxiliar de Geriatria).
Dificuldade em Conceituar
Expressa
A maioria dos participantes referiu não ter uma ideia clara sobre a felicidade. A resposta
do psicólogo ilustra bem essa situação ao destacar que "não é uma coisa que eu penso assim
tanto e que tenha desenvolvido assim tão bem na minha cabeça. Estou a ser confrontado agora
com isto, com ter de pensar sobre isto e elaborar sobre isto agora".
Saliente-se que, quando indagados sobre quais os fatores que ponderavam na tomada
de decisão, com exceção de um participante, nenhum mencionou a felicidade. Todavia, na
quarta pergunta, quando questionados diretamente se consideravam a felicidade na tomada de
decisão, todos responderam positivamente. Isto faz-nos pensar que a felicidade está subjacente
ao processo de tomada de decisão, mas muitas vezes não se tem consciência disto, nem se pensa
deliberadamente nela no momento de decidir.
As seis observações permitem interpretar que o estado de felicidade de cada participante
está associado à satisfação que sentem em relação às suas próprias decisões, apesar de estes
não pensarem na felicidade de modo ativo. Ao tomarem decisões observam fatores mais
concretos e nem sempre consideram a felicidade como o objetivo final de suas ações.
Entretanto, no decorrer da entrevista, acabaram por relacionar a felicidade com o propósito da
própria existência e assumiram uma relação de causalidade entre suas ações e a felicidade que
sentem, ou não.
Ao longo das entrevistas, os participantes foram elaborando melhor os conceitos e
pensamentos que envolviam o tema e, no final, quando questionados sobre a utilidade da
felicidade, todos expressaram ter grande relevância nas suas vidas.
Discussão
Foi interessante perceber que a entrevista funcionou como um instrumento de recolha
de dados para nós e como uma oportunidade para os participantes refletirem e exteriorizarem
Felicidade e Tomada de Decisão 10
uma perspetiva interna sobre um tema de grande utilidade e importância, talvez pela primeira
vez.
Se sentimento -
estar) como um dos fatores para a tomada de decisão, após pouquíssimo tempo, todos
atribuíram um papel de grande relevância à felicidade, em ambos os sentidos: como meta,
objetivo ou propósito da vida em si, e, ao mesmo tempo, como instrumento que facilita ou
melhora a vida. Quase como se a felicidade fosse a origem e o propósito de todas as ações e
decisões.
Limitações
As limitações do trabalho são o número reduzido de participantes, a inviabilidade de
realizar um novo contato com os entrevistados para amparar a fidelidade do sistema de
categorias e a inexperiência dos investigadores. Importante destacar que os resultados foram,
em parte, surpreendentes, pois considerando o número restrito de participantes, as categorias
foram bastante recorrentes e não seria necessário um número muito maior de observações para
alcançar a saturação.
Impende salientar, entretanto, que todos os participantes partilhavam um certo interesse
por atividades em benefício da sociedade, o que pode ter influenciado os resultados verificados
quanto à associação entre a felicidade e a influência positiva do participante na sociedade.
Implicações
No Oráculo de Delfos, à entrada do templo de Apolo, dedicado à razão e ao
conhece- . Este é um convite que alimentou
a filosofia ocidental, estimulando a reflexão sobre o homem e suas relações e sobre o mundo.
Os dados recolhidos evidenciaram a relevância do tema para a sociedade. Entretanto, o
conceito subjetivo da felicidade para cada participante era pouco claro e de difícil acesso. Estes
demonstraram não ter ideias claras acerca do propósito das suas vidas, ou dos próprios
processos de decisão, permitindo inferir que talvez seja possível que uma parte do sofrimento
causado pelas decisões humanas decorra da falta de reflexão e compreensão sobre essas
questões. O elemento fulcral foi percebermos, com este exercício, que falta autorreflexão e
autoconhecimento, mesmo em pessoas ligadas a áreas onde se explora o debate sobre estes
temas.
Contudo, as observações evidenciaram que perguntas simples podem motivar essa
autorreflexão, levando-nos a pensar na grande relevância que a psicologia, em especial a
Felicidade e Tomada de Decisão 11
psicologia clínica, pode ter como difusora de um autoconhecimento que permita tomarmos
decisões mais conscientes e propositadas, para desfrutarmos de maior bem-estar emocional e
contribuir para uma sociedade mais saudável e funcional.
A nossa revisão de literatura sobre os temas felicidade, utilidade da felicidade,
processos de tomada de decisão, não revelou nenhum estudo sobre a confluência entre o
conceito de felicidade e sua relevância nos processos de tomada de decisão. Assim, o presente
estudo pode ser uma pedra basilar para investigações mais aprofundadas que visem perceber
se o fenômeno observado também ocorre em outras populações, evidenciar suas causas,
qualificar e quantificar suas consequências, avaliar possíveis soluções a níveis individuais,
institucionais e de políticas públicas. Num mundo onde muito do nosso sofrimento resulta da
frustração associada às nossas decisões pouco conscientes e deliberadas urge implementar
soluções em prol do bem-estar generalizado da população e o apaziguamento social. Soluções
estas que podem ser tão simples como promover, enquanto sociedade, a antiga máxima dos
filósofos gregos conhece-te a ti mesmo .
Felicidade e Tomada de Decisão 12
Referências
contrato-social.pdf
Felicidade e Tomada de Decisão 13
Associações feitas pelos participantes "A primeira coisa que pondero que que
entre as decisões que tomam e os tenha em mente antes de tomar uma
Valores
valores éticos e morais e princípios que decisão é, digamos, se calhar o valor
carregam. moral" (Sociólogo)
Felicidade e Tomada de Decisão 14
Referências que denotam a dificuldade "não é uma coisa que eu penso assim
dos participantes em responder às tanto e que tenha desenvolvido assim
questões de forma direta, tão bem na minha cabeça. Estou a ser
Expressa
nomeadamente por falta de elaboração confrontado agora com isto, com ter de
conceitual, ou pobre utilização no dia a pensar sobre isto e elaborar sobre isto
Dificuldade em dia. agora" (Psicólogo).
Conceituar
Anexo B Guião
1. Acredita que sua vida tem um propósito? Se tem, qual? Por quê?
7. Quais são as coisas na sua vida que lhe trazem mais alegria e satisfação?
8. Como acha que o seu ambiente (incluindo família, amigos, trabalho, comunidade,
12. Como se sente em relação à sua vida? Acredita que suas decisões são responsáveis
por isso?
Felicidade e Tomada de Decisão 17
Anexo C Entrevistas
Entrevistador (E): A primeira pergunta é: acredita que a sua vida tem um propósito se
sim qual e porquê?
A: Tem sim um propósito a partir de várias ideologias. Sei, andei a ler e por aí em diante e eu
acredito nisso que qualquer um aqui tem um propósito. Quanto a mim portanto dizer qual é o
meu propósito, assim como tal, eu vou descobrindo cada dia e acho que isto aqui é um processo.
Enquanto mais novo, pensamos alguma coisa depois vamos para outro estágio da vida em
determinadas situações onde também pensamos outra coisa, portanto a nossa orientação é outra.
Nessa altura também eu sinto que tanta coisa é outra, e aquilo que eu costumo dizer, das coisas
que eu já fiz e vou fazendo, dos grupos que eu vou participar, portanto vamos descobrir cada
vez mais, pelos outros que para mim mesmo e tudo que eu procuro fazer no fundo é que tenha
reflexo. O reflexo seja de forma positiva na vida de outra pessoa o que leva à questão de
associativismo e por aí em diante, comunidades.
E: A segunda questão é: podes enumerar por ordem de importância quais são os fatores
que consideras do momento de tomar decisões? Que fatores é que tens em conta?
A: Primeiro é, portanto, para se tomar uma decisão, seja qualquer coisa, é muito em função do
que já falámos aqui atrás. É o propósito. Portanto, saber quais são os objetivos, coloco sempre
na balança, portanto, a decisão que eu vou tomar face os resultados. Os fatores estão muito
ligados àquilo que são as minhas ambições, o que eu quero ou não, os meus planos que tracei
ao longo, a curto e a longo prazo. É isso que pesa, por exemplo, ao tomar a decisão de vir para
cá estudar, portanto, foi muito em função daquilo que eu penso, daquilo que eu quero atingir,
o que está no espaço, por exemplo, de 5,6,7 anos. Eu larguei quase tudo o que eu tinha lá, as
coisas que eu fazia, o meu emprego por aí em diante, e estou suspenso porque tomei a decisão
de vir cá estudar. Isto porquê? Porque eu fiz já uma leitura, portanto, muitos desafios estão por
vir. Nada melhor do que estar preparado, para depois, digamos, assim conseguir enfrentar esse
desafio que no fundo foi mais ou menos isso, tendo com base em minhas ambições, a leitura
na rede social que eu fiz. A sociedade está cada vez mais exigente, portanto, isso implica estar
preparado. Estar preparado implica ter algo, ter uma formação, e então foi mais ou menos com
Felicidade e Tomada de Decisão 18
base nisso. Também decisão partilhada. É eu olhar para o futuro com base naquilo que eu, que
eu pretendo. Esse no fundo foi um fator.
E: Agora a terceira pergunta é: diga uma palavra que associa a palavra felicidade.
A: Para mim é, eu preocupo-me muito com a minha consciência, ou seja, eu digo sempre. Eu
não me arrependo das coisas que eu faço, eu me arrependo daquilo que eu não fiz, porque ao
tomar a decisão para estar aqui neste momento é porque eu quero estar aqui, então para mim
nada melhor do que o controlo emocional. É difícil mas para mim a questão da felicidade está
muito ligada a viver um momento, deixar de estar a se preocupar com o que é que vai acontecer
depois não é? Eu vivo o momento. Estamos aqui, votámos e por aí em diante. Não sei dizer
exatamente. A questão da felicidade é que essa questão de ter uma consciência tranquila. Isto
aqui é, portanto, também. Já pediu só uma palavra não é, podia ligar também a questão do bem-
estar emocional. Isto preocupa porque, portanto, o nosso estado emocional acaba por
influenciar muito nas nossas atividades diárias. Já dizem muitos nós que somos aquilo que
pensamos e aquilo que nós pensamos, quer seja de forma positiva ou negativa, acaba por ter
feito no nosso corpo não é? Esta chamada doença psicossomática traduz pensamentos e por aí
em diante. Muitas ambições em mais ou menos tempo. Quem não conseguiu isso gera
frustração, portanto, se conseguir controlar isso tudo acaba. Pronto acabei por ser uma pessoa
feliz, mas eu digo para mim, felicidade é viver momentos, lá está, em função das circunstâncias.
Se adaptar àquele ambiente que é para não estar a dizer que o Estado, que está do seu lado, não
é do tipo, estamos aqui a conversar mas tu notas que estou aqui mas parece não estou, não é?
Acaba por transmitir uma energia negativa porque não é aquilo que você quer, ou estás com
medo porque devias estar nesse lugar a fazer o que queres fazer, portanto, se estou aqui é porque
eu queria estar.
sim. Porque eu escolho sempre muito bem os sítios onde eu vou, não tenho nada a perder. Então
eu quando não tenho nada a perder, portanto, eu volto que eu sei que é algo bom. Posso não
sentir agora, mas depois eu senti que aquela questão que eu disse que preocupo-me muito com
a minha consciência.
E: Agora quais são os ingredientes mais importantes para uma vida feliz?
Felicidade e Tomada de Decisão 20
A: Se calhar não há aqui assim uma fórmula, uma fórmula secreta. Não há tipo uma fórmula
como se fosse tipo para fazer bolo não é? Tem que ter farinha tem que ter ovos, porque o ser
humano é complexo e esquisito. Nesse sentido porque cada um veio trazer o seu conceito de
felicidade. Esse conceito de felicidade está muito ligado ao contexto, ou seja, a família onde
pertence. Só para termos uma ideia, por exemplo, não digo eu, mas há muitos estudantes que
ao tomar a decisão de vir aqui para o ISCTE, porque, por exemplo, sabiam já alguma coisa: o
país que tem uma das melhores instituições e por aí em diante, os professores, mas depois à
medida que se abriu ao longo da sua formação vai percebendo algumas coisinhas, que se calhar
valeria a pena escolher uma outra universidade porque são diferentes das minhas expectativas,
por exemplo. Eu não lhe consigo pelo menos, eu tenho dificuldade em dizer assim, para um
indivíduo ser feliz é necessário isso aqui.
E: Quais são as coisas na tua vida que te trazem mais alegria e satisfação?
A: Saúde, por exemplo, ter uma formação, ter um emprego, ser amado por alguém, transmitir
amor, ter uma família, enfim. Mas um indivíduo jamais vai ter essas coisas todas, um só jamais.
Há sempre alguma dificuldade, alguma coisa não está bem, ou na formação, há sempre alguma
coisa, há sempre, digamos assim. Mas também não estou a dizer que não existe alguém neste
mundo que tem essas coisas todas não é? E até aliás as pessoas que têm essas coisas todas
chegam a uma certa fase, um momento querem experimentar uma outra vida. Um indivíduo
bem-sucedido na família, tem emprego, tudo o que deseja está aos seus pés, mas ainda falta
alguma coisa. Se houvesse uma forma de toda a gente saber exatamente, porque para mim
assim a questão da prova, que é aquilo que eu digo, tanto em função de estar preocupado com
a minha consciência estar focado com a questão das emoções não é? Então é mais ou menos
isso. Agora você vai trazer outro ponto de felicidade. Há quem vai dizer que sou feliz porque
sou uma pessoa livre. Sempre que quiser estar sempre a viajar e por aí adiante. Sou uma pessoa
feliz porque tenho uma família que presta atenção quando eu falho. Hoje sou assim porque eu
já recebi muita muitos telefonemas, já recebi mensagens, e até pessoas dizem assim: eh pá tu
tens uma cena fixe que é: tu às vezes não percebes mas acabas por ter uma influência positiva
na nossa vida estás a ver? Eu Não sou uma pessoa muito parada, eu gosto de fazer coisas. Eu
acredito nisso não é? Quando fazemos o bem nós vamos conseguir transformar o mundo. Nós
acabamos por ter influência externa. A nossa exposição acaba no fundo por também constituir
um problema para a nossa própria felicidade. Aquilo que nós damos aos outros, porque em
função disso as outras pessoas vão construir uma imagem de quem somos ou de quem não
somos, portanto há que se ter muito cuidado. As famílias ou grupo de amigos podem contribuir
Felicidade e Tomada de Decisão 21
E: Como te sentes em relação à tua vida e se acreditas que as tuas decisões foram
responsáveis por isso ou se são responsáveis por isso?
A: Faltam-me coisas, sobretudo materiais, porque não consigo dar resposta a todas as
necessidades. Mas estou onde eu quero estar, e é isso. É muito essa coisa de felicidade. Sim as
decisões que eu tomei acabaram por influenciar naquilo que eu sou neste momento. É isso,
então eu não me arrependo das coisas que eu fiz.
Felicidade e Tomada de Decisão 23
E: Antes das perguntas concretas, vou pedir-lhe que me dê algumas informações sobre si,
como por exemplo, a sua nacionalidade.
AF: Portuguesa.
E: A sua idade?
AF: 35.
E: E tem filhos?
AF: Qautro.
E: Ok, obrigada. Então agora passamos para as perguntas, sim? Acredita que a sua vida
tem um propósito?
AF: Não percebi a pergunta.
E: Ok. Então e, se pudesse enumerar, por ordem de importância, que fatores é que
considera no momento em que toma decisões, na sua vida?
AF: Pois, as minhas decisões. Sei lá. Eu pondero muito as minhas decisões, não é? Antes de
tomar decisões eu tenho que pensar muito bem naquilo que, ou seja, penso no bom e no mau,
não é? É como meter numa balança. Depois, lá está, também sou uma pessoa de arriscar. Quem
não arrisca não petisca. Lá está, é isso, eu penso muito no que poderá acontecer, quais são as
vantagens e as desvantagens.
E: Ok. Diria que põe na balança e tenta perceber quais são as vantagens e desvantagens.
AF: Exatamente, sim.
E: Não? Ok. Então, numa palavra, ou melhor, que palavra associa a felicidade, quando
pensa nela?
AF: Felicidade. Sei lá. Família. Eu sou feliz com a minha família, não é? E com os meus filhos.
E: Ok. E quais são as coisas na sua vida que lhe trazem mais alegria e satisfação?
AF: É os meus filhos. Estar com os meus filhos, estar com o meu companheiro, ver a minha
mãe bem. Acho que isto é o principal.
E: E como acha que o seu ambiente, ou seja, a família, amigos, o trabalho, pode ter
impacto na sua felicidade?
AF: Muito, muito. O trabalho não tanto porque, lá está, uma pessoa vive aqui e amanhã estamos
no ir, não é? Mas eu acho que a família é a nossa base. Quem não tem uma família com ponta,
não tem base. Porque, pronto, sem família não somos ninguém, não é? Podemos dizer não,
mais vale sozinho que mal-acompanhado, eu sozinho consigo, mas não é bem assim. Nós
precisamos sempre de alguém.
E: E porquê?
AF: Porque, lá está, se nós não nos sentirmos felizes, não nos sentimos bem. Eu acho que a
felicidade não é só, é viver de momentos, não é? Por exemplo, eu sou feliz a ir almoçar com os
meus filhos, sou feliz a ir no parque com os meus filhos. Lá está, momentos de felicidade.
Porque depois eu não vou dizer que somos felizes 24 horas, não é? Mas se não houver um único
momento em 24 horas que a gente se sinta feliz, acho que não vale a pena andarmos aqui, não
é? Lógico que há dias e dias, não é. Há dias que são mais complicados do que outros. Mas
Felicidade e Tomada de Decisão 26
momentos de felicidade é isso. É, depois de um dia de trabalho, chegar a casa e ver o sorriso
dos meus filhos, não é? Logo aí já vou ter um momento de felicidade.
E: E como se sente em relação à sua vida? Acredita que a suas decisões são responsáveis
pela forma como se sente em relação à sua vida?
AF: Sim, lógico. Porque só eu que tenho, eu costumo dizer que Deus é que comanda a minha
vida, não é, mas, lá está, eu é que tomo as minhas decisões, depois se é o caminho errado, eu
não sei, mas lá está, se a gente for para o errado, nós vamos pagar as consequências, não é? É
o que é, vamos ser felizes à nossa maneira. Com as nossas decisões. Um dia a seguir ao outro,
não é?
Entrevistador (E): Primeiro, vou começar por perguntar-te o teu nome, idade, profissão
e estado civil.
D: Nome completo , tenho 31 anos. Qual era a outra coisa? Estado civil solteiro....ah...e
profissão psicólogo e investigador. Ah ...isto é para testar a memória de trabalho (risos)
E: Qual?
D: (Risos) Não acredito que eu concordei em fazer isto (Risos) Ok, então, qual é o propósito
da minha vida, ou qual é o propósito da vida das pessoas em geral? Eu acho que o nosso
propósito tem qualquer coisa a ver com o facto de vivermos de forma coletiva, portanto, acho
que o nosso propósito tem de ser sempre o de conseguir vivermos as nossas vidas, cumprirmos
os nossos propósitos pessoais, desenvolvermos o nosso máximo potencial, mas sempre tendo
em vista o bem comum. Eu acho que isso deve ser sempre o propósito da vida das pessoas.
E: Ah... E porquê?
D: Porque é que eu acho isto?
E: Não, porque é que achas que as pessoas devem ter este propósito orientado para o bem
comum?
D: Porque... Para já, porque é impossível viver de outra maneira, pronto, acho que isso seria o
colapso da sociedade. Portanto, é o motivo mais imediato e... Pronto... Acho que é um bocado,
isso, não é? [pôr reticências nesta parte se acharem bem] Acho que é isso que mantém o
equilíbrio das coisas, não é? É isso que nos impede de não andarmos em guerra. Aqueles que
Felicidade e Tomada de Decisão 28
não andam em guerra. E acho é o que torna suportável acho eu a vida na Terra, portanto o ser
humano.
E: Há fatores comuns?
D: Pá isso é difícil... Decisões... O que é que eu vou almoçar, por exemplo... Quer dizer, acho
que sempre todas as decisões têm uma base... Quer dizer... Estou a tentar perceber o que é que
tem em comum, se de facto podemos generalizar para todo o tipo de decisão, mas... Eu, por
exemplo, quando faço uma escolha sei lá alimentar, ou seja, o que for, tenho que pesar questões
como a conveniência, se é bom ou mau para mim, sei lá para o planeta por exemplo, ou seja,
para o contexto. Eu acho que, se calhar se pode generalizar, não? Muitas vezes fazemos este
tipo de peso entre vantagens pessoais, vantagens para os outros barra comunidade...E por
isso...como é que se faz isto? É que eu acho que na realidade depende muito da situação e do
contexto. Não decidimos sempre da mesma forma, não é? Por isso é que não consigo
propriamente hierarquizar o que é que pesa mais numa tomada de decisão para mim, porque
acho que tem de ser sempre um jogo entre as motivações pessoais e expressões da situação.
Não sei se estou a ser muito claro...
E: E assumindo que se trata de decisões que têm mais impacto a longo prazo. Não coisas
como o que vais almoçar hoje, mas coisas como o que é que vais estudar, se vais casar, se
vais ter filhos, comprar uma casa num sítio qualquer... Responderias diferente?
D: Ou seja, macro decisões de vida com impacto a longo prazo
vou escolher porque esta é a melhor decisão em termos da minha carreira, ou será que vou
escolher o trabalho em função do estilo de vida que quero ter? Que por exemplo, são coisas
muitas vezes que podem ser compatíveis, mas muitas vezes não são, não é? E eu nesta fase
começo a, por exemplo, neste tipo de situação começa... Se alguns anos atrás era óbvio que iria
tomar aquilo que fosse mais vantajoso em termos, por exemplo, de carreira e de trabalho. Hoje
em dia, começo a ponderar outro tipo de fatores de estilo de vida, satisfação pessoal e equilíbrio
com vida familiar, com amizades, etc. Portanto, acho que começo a usar outro tipo de fatores
que se calhar, não pesava tanto antes.
E: Ativa e intencionalmente
D: Mas eu acho que lá está os países mais alegres normalmente não são os mais felizes, mas
acho que é a forma mais fácil que nós temos de mimetizar a felicidade salvo seja.
D: Sim, quando se trata de tomada de decisões mais macro, decisões a médio longo prazo, aí
já pondero mais a questão da felicidade sim. Será que é uma coisa que me vai fazer feliz estar
neste local, estar neste trabalho... Isso sim, sem dúvida.
E: E aí também fazes aquilo de pensar no tal binómio entre os teus interesses pessoais e
coletivos e a tua felicidade?
D: Hum...sim! Sim, na verdade sim. Estava aqui a pensar, por exemplo. Para além do meu
trabalho, faço voluntariado, que é uma questão que me faz sentir muitas vezes bem, mas muitas
vezes não faz, é cansativo. Mas o facto é que eu faço há 10 anos e nunca o deixei, porque para
além desse lado parece-me que é vantajoso para algumas outras pessoas. Todos os anos eu digo
que não vou fazer mais, para o ano acabou, mas depois nunca acaba (risos), porque depois não
tenho coragem. Acho que de certa forma é como...lá está é um bocado esta mentalidade que é
sobretudo quem vive num contexto privilegiado que eu acho grande parte das pessoas de classe
média na Europa são. Tem de haver uma parte do nosso tempo e dos nossos recursos, que são
alocados a fazer qualquer coisa com utilidade para outras pessoas. É tão simples quanto a isso.
Eu acho que se chegar a um ponto em que sinto que não estou a alocar nada de recursos pessoais
ou financeiros seja o que for a isso então sinto que se calhar estou a falhar em alguma coisa.
Por isso é que, pronto, nesse aspeto, esse binómio está presente. Mas pronto obviamente que
não sou infeliz a fazer este voluntariado, não me voluntario para ir para a prisão
estar...obviamente que me dá alguma satisfação também.
queremos fazer em função do... Pá, se vamos de férias e toda a gente quer ir comer a um sítio
e eu não quero e eu quero ir comer a um sítio onde as pessoas não querem... Pá, tem de haver
cedências. Nós não podemos andar sempre a tomar decisões em proveito próprio, não é? E
portanto, isso também é de certa forma um entrave.
E: Quais são as coisas na sua vida que lhe trazem mais alegria e satisfação?
D: Por acaso... Vou tentar dizer as primeiras coisas que me vieram à cabeça e há coisas muito
simples. Daquilo que me traz mais felicidade normalmente nas minhas semanas é poder ir para
a praia ou para a serra no fim de semana e caminhar e estar ali um bocado a olhar para o mar.
Isso é... Foi logo a primeira coisa que me surgiu. Por acaso é engraçado porque se calhar
durante todo este tempo de confinamento e tudo, a coisa que me fazia realmente equilibrar era
essa possibilidade de estar de certa forma... Não queria dizer em comunhão com a natureza,
porque soa muito hippie, mas é um bocado esse contato com os elementos... No mar, por
exemplo. Acho que faz toda a diferença.
Depois sim estar com os amigos. Pensei imediatamente que tenho de comer porque a
alimentação é parte importante da minha vida aparentemente (risos). Viajar e conhecer coisas.
E a cultura também acho que é importante: descobrir coisas, uma música ou um filme, ou um
livro que nos transporta para outra dimensão completamente diferente da nossa. Ouvir histórias
de outras pessoas a falar sobre outras vivências. Acho que isso também são instâncias de
felicidade sim.
E: Como é que acha que o seu ambiente, incluindo a família, amigos, trabalho,
comunidade tem impacto na sua felicidade?
D: Eu acho que de modo geral facilita. Pensando do mais geral para o particular, acho que
quem vive num país como Portugal e num contexto como aquele em que eu vivo ajuda porque
é um contexto em que há liberdade e não há muitas limitações para nós fazermos e procurarmos
aquilo que nos faz felizes. Do ponto de vista mais do contexto mais imediato também acho que
sim, porque a família e os amigos para mim têm facilitado. Sim, tem sido mais facilitador do
que barreiras propriamente à felicidade. Portanto, acho que sim. O contexto é facilitador. Eu
acho que sim.
E: E o teu trabalho?
D: Ah o trabalho não foi. Devia ter reportado. Não me lembrava se tinha dito ou não. Na
verdade, o trabalho é se calhar até das coisas mais importantes porque nós passamos grande
parte da nossa vida em vigília a trabalhar e sou muito sensível a isso, na verdade, ou seja, se
tiver a fazer uma coisa que não é minimamente ajustada àquilo que são as meus valores, ou as
minhas motivações, tenho muita dificuldade em sentir-me feliz. E tenho tomado muitas
decisões na vida em função disso, em função de fazer uma coisa que me faça minimamente, ou
Felicidade e Tomada de Decisão 33
seja, suficiente para conseguir não perturbar as outras áreas da minha vida. Ou seja, acho que
nós sabemos a diferença quando de repente o trabalho começa a perturbar a nossa capacidade
de fruir do nosso tempo livre, de estarmos a fazer outras coisas ou estarmos com a família, seja
o que for, e é uma colisão direta. Portanto é tentar procurar essa não colisão e fazer coisas que
de alguma forma nos dão significado, sabendo que já abandonei um bocadinho mais a ideia
idílica que tinha dez anos atrás ou mais, em que achava que se fizesse aquilo que gostava, tipo
que isso era perfeitamente possível e depois percebi que não, que às vezes há coisas más... Por
muito que nós não queiramos nós trabalhamos para sobreviver, para pagar as contas e, portanto,
há coisas que nós às vezes fazemos que não são o sinónimo de felicidade para nós, que
simplesmente cumprem um propósito pragmático. Portanto, acho que com o tempo fui
tornando-me mais pragmático nesse aspeto.
E: Porquê? Se é útil...
D: Porque uma pessoa que está incessantemente à busca da felicidade é porque está a fazer
qualquer coisa de errado. É verdade porque acho que não... Ou seja, alguém que sente que tem
que procurar é porque realmente não está a fazer as coisas certas para ser feliz.
E: Imagina não alguém que sente que tem de procurar, mas alguém que acha que é
importante ser feliz. Que conselhos darias?
D: Eu acho que, se calhar, as pessoas têm de procurar conhecer-se muito bem para saberem o
que é que as faz feliz e o que é que nos faz feliz e têm que ter a coragem para assumir escolhas
que levem a isso. Muitas vezes até as pessoas no fundo sabem o que as faz felizes, mas não
têm a coragem de assumir as suas escolhas.
E: Porquê?
D: Porque não...lá está se calhar não é uma coisa que eu penso assim tanto e que tenha
desenvolvido assim tão bem na minha cabeça. Estou a ser confrontado agora com isto, com ter
de pensar sobre isto e elaborar sobre isto agora; mas possivelmente encontrarão pessoas que já
têm mais amadurecida esta noção.
E: E como te sentes em relação à tua vida? Acreditas que as tuas decisões são responsáveis
por isso?
D: Sim, neste momento, sinto-me bem em relação à minha vida. Acho que vou terminar o
doutoramento, portanto isso faz toda a diferença entre sentir-me melhor ou pior na minha vida.
Estou a fazer coisas de que eu gosto e por isso sinto-me bem. E se as minhas escolhas têm
contribuído para isso? Sim, portanto, sim. Era essa a pergunta, não era?
Felicidade e Tomada de Decisão 35
E: Sim. Mas quando fizeste essas escolhas, pensaste assim ou não? Foste fazendo?
Pensaste intencionalmente em que te levariam a um sítio onde te sentirias melhor?
D: Isso está sempre implícito, eu acho, não é? Acho que é sempre um pano de fundo que está
lá. Nós imaginamos um quadro, não é? Como é que nós nos vemos? Visualizamo-nos naquela
situação e nós queremos que esse quadro, seja feliz, não é? Que seja colorido, que tenha luz,
não queremos que seja uma coisa triste e medonha. Por isso, eu acho que lá está...uma coisa
que está sempre subjacente, por muito que nós não a concretizemos como felicidade. Acho que
podemos concretizar com outras coisas, ou seja, podemos tomar decisões com base num
conjunto de ingredientes que depois acabam por configurar a felicidade, mas não precisamos
logo de tomar esta decisão porque quero ser feliz. Podemos tomar esta decisão porque quero
ter mais tempo para mim, porque quero ter a oportunidade de fazer isto que me dá satisfação.
Pronto isso tudo depois acaba por configurar a felicidade. Portanto, acho que se calhar não
pensamos tanto em abstrato, mas às vezes em coisas mais concretas que depois configuram.
E: Obrigada, D.
D: Muito obrigado. Foi horrível, mas obrigado (risos)
Felicidade e Tomada de Decisão 36
E: Qual é o propósito?
F: Eu acredito que seja ser feliz e sentir-me realizado.
que o que eu tento agarrar é mesmo esse, é esse ser feliz e sentir-me realizado, sentir que estou
a andar para a frente.
pondero que que tenha em mente antes de tomar uma decisão é, digamos, se calhar o valor
acho que esse é um dos primeiros pontos. Talvez um segundo seja se me faz sentido em termos
de sentimento talvez. E tento também se calhar pôr um bocado na, fazer quase no género de
Felicidade e Tomada de Decisão 37
F: Hmmmm Natureza.
E: Quais são as coisas na sua vida lhe trazem mais alegria e satisfação?
F: Estar com as pessoas de quem gosto e conviver com, com as pessoas de quem gosto que tem
E: Como acha que o seu ambiente (incluindo família, amigos, trabalho, comunidade, etc.)
tem impacto na sua felicidade?
F: Tem muito impacto quase, mas se calhar até me arrisco a dizer 99% no impacto.
E: Porquê?
F: Porque lá está, se, se uma pessoa viver sempre infeliz não vai ter sentido de vida, na minha
opinião, vai andar a viver só por viver à espera de que o dia da sua morte chegue.
bem, dispostos, felizes, lá está, porque sem felicidade vamos andar, como eu disse
anteriormente, só à espera do dia que deixemos morremos, não sei.
E: Ahhhh hmmm.
F: Fazer uma reflexão sobre quem é, sobre aquilo que gosta, aquilo que quer ser, quem quer
ser e que vai atrás das respostas a essas perguntas.
E: Está à vontade. Como te disse, relembrar, não há respostas certas ou erradas. Está
mesmo à vontade, okay? Portanto, tu acreditas que a tua vida tem um propósito e se tem
qual é que é e por que?
ligado à família, tanto a proteger a família que nós já trazemos, como constituir família porque
acredito que a felicidade vem muito na base do amor que nós trazemos das pessoas que nos
rodeiam, tanto família de sangue, como aquela que vamos construindo ao longo dos anos. E
acredito que é muito esse o propósito, é realmente unir as pessoas que temos à nossa volta e
nutrirmo-nos com o amor delas.
E:
I: A gerência do tempo para eu conseguir, depois na minha vida pessoal, na decisão que eu vou
tomar de alguma forma, que não afeta, lá está, a minha vida pessoal de todo. E as decisões
so: se eu vou-me
sentir realizado com isso ou não e se vou estar a fazer algo bom. Acho que é muito isso que eu
penso no momento.
E: Mas mesmo tendo esses dois com check ainda pensas na questão do tempo. Se vai
influenciar a tua vida pessoal.
I: Sim, sim
E: Okay, e se podes ter tempo para fazer as outras coisas que gostas?
livro, de conseguir estar em momentos, imagina, em aniversários que eu acho que são
realmente importantes, tanto como seja ter tempo só para mim, só para estar só comigo. Isso é
E: E consegues dizer-
I: Família, sim.
há sempre alguma coisa que nós vamos buscar para conseguir atingir isso por mais que não
seja uma felicidade extrema no dia-a-dia.
E: E na tua opinião, quais são as maiores barreiras à felicidade? Que também já falamos
aqui nesta pergunta.
é muito,
às vezes, o não termos tempo para conseguirmos fazer aquilo que gostamos e termos que nos
submeter tanto a trabalhos, como a atividades, como a rodearmos pessoas que não nos sentimos
s principais entraves e acho
que é muito depois também nos envolvermos numa rotina. A rotina acho que é o grande entrave
à felicidade quando nós nos envolvemos numa coisa sistemática e acabamos por só tomar
aquilo e, às vezes esquecemos um bocadinho que podemos fazer mais para atingir isso.
E:
I: Sim.
E: E quais são os ingredientes mais importantes para uma vida feliz, o que é que achas?
I: Acho que é realmente mantermo-
Mantermos os nossos princípios e, mesmo lá está, mantermo-nos fiéis àquilo que nós somos
[são os ingredientes importantes para uma vida feliz], realmente independentemente das
situações, podendo ou não, às vezes, chegar à felicidade mas mantermo-nos fieis a isso.
E: E quais são as coisas na sua vida te trazem mais alegria e satisfação, neste momento?
I: Neste momento, lá está, são os pequenos momentos que eu consigo passar comigo. São tanto
por cima, agora vem lá o bom tempo! É o continuar a manter contacto com a família mesmo
longe. Então, acho q
muito importante ter tempo de qualidade comigo mesma nem que seja só, lá está, um banho
perto da felicidade para mim, sendo que, lá está, não estou realizada nas outras áreas neste
momento. Então, penso que sim.
E: E como é que tu achas que o teu ambiente - família, amigos, comunidade, trabalho,
tudo o que te rodeia - tem impacto na tua felicidade?
I: É muita porque, lá está, para já sou uma pessoa muito ligada principalmente às energias que
nós temos à nossa volta, principalmente no meio de trabalho, então acho que para mim um
ambiente de trabalho que seja mais esgotante e que as pessoas sejam extremamente insensíveis
é uma coisa que esgota realmente a felicidade por muito que tu sejas uma pessoa mais positiva
vai sempre influenciar de alguma forma. Então acho que até que, lá está, para a minha família
é super importante, porque com eles eu sinto que, realmente, há um acolhimento, há felicidade
nos momentos que passamos juntos. Então, de facto, sim, tudo influencia de alguma forma.
E: E os amigos e a comunidade, em geral, por exemplo, a zona onde moras? Achas que
sim?
I: Sim, sim.
E: E como é que achas que têm esse impacto, os teus amigos e a comunidade?
passamos juntos, a forma como são aproveitados de alguma forma. Como por exemplo, eu
gosto imenso de morar aqui porque sinto-me em casa, é um meio mais pequenino de Lisboa, é
uma coisa mais caseira, nós conhecemos os vizinhos, então é uma coisa que realmente te sentes
acolhida. Então é realmente importante para mim. Até que era impensável vir para Lisboa e
Felicidade e Tomada de Decisão 44
quando vim morar para aqui fez-me sentir muito mais em casa de alguma forma, então
realmente o meio é extremamente importante.
pequenos momentos que nos trazem felicidade e, ao mesmo tempo, isso está-nos a fazer bem
volta tem muito a ver com felicidade e depois depende da forma como vamos encarar isso.
E: Okay,
I: Sim, lá está, como eu estava a falar em pequenas coisas, como a alimentação. Eu acho que o
facto de desfrutarmos um prato com alguém que nós gostamos, a forma como nós cozinhamos
com aquela pessoa acho que, lá está, acho que todas as pequeninas coisas são super super
importantes para nós nos sentirmos felizes.
sabermos respeitar as nossas vontades, também, e os nossos gostos e aquilo que nós queremos
ou não. Acho que é muito isso e o saber respeitar-nos acima de tudo.
I: Sim.
passado por 2 cursos , acho que sim, acho que as nossas decisões são as maiores
responsáveis. Apesar de nós podermos ir buscar a culpa alguém, nós somos os maiores
responsáveis pela nossa vida de alguma forma. Nem que seja pela forma como encaramos isso
porque, às vezes, há situações em que sim, são super negativas e nós não conseguimos, de
facto, tomar outra decisão mas a forma como a encaramos vai diferenciar muito, se calhar,
depois as decisões que vamos tomar a seguir e a forma como as vamos encarar.
Nota de campo: "Sinto falta de uma cozinha cheia e toda a gente a cozinhar. Lá está, imagina,
chegar a casa e ter a [nome anonimizado] para mim, é um momento de felicidade porque eu
venho de um meio [o trabalho] em que não estou realizada e chego a casa e tenho alguém que
eu gosto imenso."
Felicidade e Tomada de Decisão 47
Entrevistador (E): E vamos passar então para as perguntas. A qualquer momento você
pode desistir, ou se você não quiser responder alguma pergunta especial, pode falar
também. Certo? Primeira pergunta: Pensa que a sua vida tem um propósito?
R: Acredito que sim.
E: Você pode enumerar para nós em ordem de importância quais são os fatores que você
considera normalmente, em que você toma decisões na sua vida? Mas decisões que você
acredita que vão ter algum impacto.
R: De fatores?
E: Vamos ser tão natural de Tomar as decisões. Palavra? Então, não sei.
R: Bem-estar. [Felicidade é] Bem-estar geral da pessoa, ou seja, interno ou externo. É um
estado nosso, a Felicidade.
E: Acredita que ela é assim, momentânea, rápida, o que é uma coisa mais prolongada?
R: Acho que é um estado mais prolongado. [Felicidade é] É um estado interno sobre tudo e se
prolonga no tempo e somos responsáveis por isso.
E: Quão importante, você acha que a felicidade é para você, no seu dia-a-dia? Diga, você
pensa na Felicidade quando toma suas decisões?
R: Muito. Penso sempre se esta decisão que vou tomar vai me trazer algum benefício em termos
de Felicidade ou só me vai gastar energia? E, portanto, é muito importante nas minhas decisões,
pelo menos.
E: Quais são os ingredientes mais importantes? E você considera que uma vida feliz?
R: [Para uma vida feliz,] Para mim é muito importante a questão social, a família e os amigos.
Sinto-me feliz se estiver rodeado de pessoas. É assim a maior percentagem responsável pela
minha Felicidade. [Para uma vida feliz,] É a harmonia para com um ambiente social.
E: Quais são as coisas que na sua medida lhe trazem mais alegria e satisfação?
R: Mais uma vez, é o ambiente social é a família, os amigos e. E esta parte social é o que me
deixa mais feliz.
E: Como acha que o seu ambiente, incluindo famílias, amigos, trabalho, comunidade tem
impacto na sua Felicidade?
Felicidade e Tomada de Decisão 49
R: Eu acho que é através da relação que estabeleço com esse meio. [O ambiente influencia a
felicidade através da] A relação saudável que estabeleço com o meio.
E: Mas, por exemplo, se sente-se feliz, ou não. Pensa que influencia suas decisões?
R: Acho que sim. Acho que sim. Acho que sim. Se tiver uma perspetiva mais positiva sobre,
por exemplo, zango me c
mais uma vez da minha perspetiva, se eu sentir feliz, provavelmente não levo tão a peito essa
zanga. E ao contrário, pronto.
E: E por fim, como você se sente com relação à própria vida? E se você acredita que esse
sentimento que sente hoje é fruto das suas próprias decisões?
R: Hoje em dia sinto-me feliz. Embora agora neste momento estou um bocadinho menos feliz
quanto a carreira, mas acho que é uma situação que eu vou resolvendo. Mas no geral sinto-me
Felicidade e Tomada de Decisão 50
feliz. E acho que, mais uma vez, sou responsável por essa felicidade. É mais uma vez a forma
como olho para as coisas.
E: Pensa que, por exemplo, essa questão difícil que está a enfrentar na sua carreira, cabe a si
achar a melhor solução?
R: Acho que sim, que sou totalmente responsável por isso. Ver o que é mais importante para
mim, por exemplo, na carreira, avaliar os prós e os contras, e se, realmente não ver que traz
mais vantagens do que desvantagens, provavelmente tenho que fazer uma mudança. Não gosto
de me sentir infeliz.