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A CONTRIBUIÇÃO DO MENTORING NA FORMAÇÃO

DE LÍDERES

Vera Lúcia Belisário Baroni1

1 Introdução
Da política à religião, a história da humanidade tem sido marcada pela ação de
pessoas que, através de seu poder de influência, têm conduzido os povos rumo às suas
conquistas. Tais pessoas deixaram seus nomes registrados na história e, muitas delas, se
tornaram verdadeiros mitos, pela grandiosidade de suas conquistas. A pergunta que
muitas vezes se faz é se esses grandes líderes, que influenciaram e conduziram diferentes
povos em diferentes épocas, sabiam desde sempre o que fazer e como fazer, ou se eles
foram influenciados por mentores, para se tornarem os líderes que foram.

Vejamos a história de Alexandre, o Grande, que viveu entre os anos 356 e 323
antes de Cristo. Alexandre reinou dos 20 aos 33 anos, e nesse curto período de reinado
conseguiu transformar o império Macedônio no maior que já existiu, estendendo-o do
sudeste da Europa até a Índia. Esse feito rendeu-lhe o título de maior líder militar da
Antiguidade. Mas, apesar de seu talento militar inegável, Alexandre não nasceu sabendo
as artes da liderança. Ele recebeu uma aprimorada formação, durante todo o período que
antecedeu sua subida ao trono da Macedônia, e seu mentor mais ilustre foi Aristóteles,
discípulo de Platão, também considerado um dos maiores filósofos da Antiguidade.
Tendo instruído Alexandre nas ciências políticas, em geografia, zoologia e medicina,
atribui-se à influência de Aristóteles grande parte da genialidade militar de Alexandre.

Esta breve narrativa, ilustra a importância que um bom mentor exerce na formação
e no sucesso de um grande líder. E, se na Antiguidade a figura de um mentor era
imprescindível na formação dos líderes da época, nos dias atuais não é diferente.

1
BARONI, Vera L. B. A Contribuição do Mentoring na Formação de Líderes. In:
OSWALDO, Yeda at al. Mentoring para Executivos e Pessoas de Negócios. São Paulo:
Life Editora, 2018.
Nas últimas décadas, temos vivenciado uma realidade altamente dinâmica,
caracterizada por mudanças rápidas e turbulentas que representam um grande desafio,
tanto para os indivíduos quanto para as organizações. Em função dessa característica, a
sobrevivência nesse cenário tem exigido uma grande capacidade de adaptação por parte
de todos os partícipes, o que significa dizer que todos – indivíduos e organizações –
necessitam desenvolver continuamente competências essenciais que possibilitem vencer
os desafios apresentados por essa nova realidade.

Devido à grande responsabilidade dos líderes na condução de suas equipes rumo


ao alto desempenho exigido por esse cenário, cresceu muito a procura por programas que
visam desenvolver o potencial de liderança daqueles que estão à frente das organizações.

2 Compreendendo a Liderança

É consenso que o papel do líder é fundamental em todas as situações que


envolvem grupos, seja na empresa, na família, no grupo de amigos ou mesmo no esporte
de final de semana. Por essa razão, o fenômeno da liderança tem inspirado muitos estudos,
que resultaram em um grande número de teorias e definições ao longo do tempo, entre as
quais pode-se destacar:

 Liderança é o comportamento de um indivíduo quando dirige as atividades de um


grupo, rumo a um objetivo comum (HEMPHILL; COONS, 1957).
 Liderança é uma influência pessoal, manifestada em uma determinada situação e
dirigida através do processo de comunicação, visando o atingimento de um
objetivo específico (TANNENBAUM, WESCHLER e MASSARIK, 1961).
 Liderança é o processo de influência nas atividades de um grupo organizado na
direção da realização de um objetivo (ROUCH; BEHLING, 1984, apud
BERGAMINI, 1994).
 A liderança é um fenômeno envolvendo duas ou mais pessoas, que se caracteriza
por um processo de influência, exercida de forma intencional pelo líder sobre seus
seguidores (BERGAMINI, 1994).
 Liderança é um processo de influência, através do qual os líderes facilitam, com
suas ações, o movimento de seus liderados rumo a metas comuns ou
compartilhadas (ROBBINS, 2002).
As breves citações, acima, ilustram as inúmeras definições de liderança, que em
comum compartilham a visão da mesma como um processo de influência que é exercido
de maneira planejada, com vistas ao atingimento de um ou mais objetivos.

Pode-se afirmar, portanto, que a liderança é vista como imprescindível em


qualquer agrupamento de pessoas, visto que esses agrupamentos necessitam de
alguém que estruture e guie as decisões e ações de todos.

É claro que, quando se trata de equipes autogeridas essa necessidade se torna


menos evidente, visto que o exercício da liderança se encontra diluído entre todos os
membros desse tipo de equipe. Mas, para os demais casos, a figura do líder que concentra
a função de estruturar, orientar e dirigir as ações dos demais membros, torna-se
imprescindível. E, sendo imprescindível, é necessário garantir que aquele que estiver na
posição de atuar como líder tenha o preparo adequado para tal.

A necessidade cada vez maior das organizações em superar seus próprios


resultados, em virtude da crescente competitividade do mercado, leva as mesmas a
necessitarem, cada vez mais, de líderes altamente preparados para conduzir suas equipes
rumo ao alto desempenho. Então, resta-nos a pergunta: será que todos os ocupantes de
cargos de liderança, na estrutura organizacional, estão preparados para atuar como
verdadeiros líderes inspiradores?

A resposta a essa pergunta é “não”! A formação e desenvolvimento de um


verdadeiro líder requer tempo e orientação, exigindo das organizações investimentos
constantes na formação desses profissionais, que irão ocupar os cargos estratégicos das
mesmas. Tal constatação leva-nos à uma segunda pergunta: qual é o programa mais eficaz
para formar líderes altamente capacitados para atenderem as necessidades
organizacionais?

Entre tantas opções disponíveis no mercado de desenvolvimento humano, os


programas que têm se mostrado mais eficazes na formação desses líderes são os de
mentoring.

3 Desenvolvendo Líderes Através do Mentoring

Inegavelmente, no vasto universo de programas de desenvolvimento humano,


quando o assunto é desenvolvimento de lideranças, os programas de mentoring têm
destaque especial, apresentando-se como o meio mais efetivo para desenvolver líderes
eficazes. Então, pode-se perguntar: o que torna os programas de mentoring tão especiais?

Para responder esta pergunta é preciso aprofundar-se no conceito de mentoring.


Como citado no início deste capítulo, o processo de mentoria é conhecido desde a
Antiguidade, porém, com o passar do tempo sua definição foi sendo aprimorada, em
sintonia com as mudanças ocorridas no mundo.

Na atualidade, além de ser definido como uma relação de aprendizagem, através


da qual um mentor auxilia com seu conhecimento e experiência a aprendizagem de um
mentorado menos experiente, o mentoring também se caracteriza como um processo de
desenvolvimento incorporado ao contexto das carreiras (RAGINS; KRAM, 2007).

Uma outra mudança relacionada ao mentoring refere-se à forma como ele é


desenvolvido. No cenário organizacional, mais especificamente, as formas tradicionais
de mentoria, que eram exercidas basicamente por executivos de dentro da própria
organização, começaram a se mostrar insuficientes para atender as demandas da realidade
atual.

As transformações ocorridas nas últimas décadas, caracterizadas por novos


arranjos estruturais (terceirizações, joint ventures, entre outros), mudanças na natureza do
trabalho, bem como pela própria flexibilização das relações de trabalho entre patrões e
empregados, obrigaram os profissionais a olharem para além da organização, buscando
relacionamentos de mentoria que estejam além de suas fronteiras (HIGGINS; KRAM,
2001).

Assim sendo, o fenômeno da mentoria – ou seja, a provisão de apoio profissional


e psicossocial – extrapolou as fronteiras das próprias organizações, passando a ser
fornecido, também, por profissionais que estão fora das mesmas. Esses mentores
externos, por contribuírem com conhecimentos e experiências que vão além da realidade
em que o mentorado se situa, podem fomentar de maneira decisiva o desenvolvimento da
carreira de liderança desse mentorado.

Sob essa ótica, para CLUTTERBUCK; MEGGINSON (2011), a mentoria deve


encorajar novas perspectivas, novas maneiras de pensar, estimulando um
autoconhecimento profundo. Para esses autores, é essa perspectiva que torna a mentoria
uma intervenção tão poderosa, uma vez que proporciona uma oportunidade para
desenvolver todos esses aspectos, através de uma atividade reflexiva ininterrupta e
planejada. Essa perspectiva é particularmente interessante, tendo em vista a agenda
executiva sobrecarregada da maioria dos líderes.

No dia a dia da liderança, a sobrecarga de atividades faz com que o enfoque da


ação dos líderes recaia, usualmente, sobre as urgências e sobre o que precisa ser feito de
imediato, em detrimento da reflexão sobre as causas anteriores dos problemas, bem como
sobre as atividades importantes de serem realizadas, antes que as mesmas se tornem
urgências.

Encontrar um “tempo de silêncio” para refletir sobre a causa desses


problemas, buscando novas abordagens e estratégias acaba se tornando um grande
desafio, que pode ser superado através do processo de mentoring.

Uma vez que, segundo OSWALDO (2016), esse processo se caracteriza por uma
parceria que amplia os horizontes tanto do mentorado quanto do mentor, a troca de
experiências entre ambos dá origem à relações mais fortes, duradouras e profícuas,
tornando os programas de mentoring os mais eficazes no desenvolvimento de líderes.

4 A Atuação do Mentor

Tradicionalmente, os mentores são vistos como pessoas com grande experiência


e conhecimento na área em que atuam, propiciando aos seus mentorados o apoio e a
orientação necessária para aumentar sua mobilidade de ascensão na carreira
(KRAM,1985 apud RAGINS, COTTON e MILLER, 2000).

Segundo Bell (2005), os melhores mentores atuam como facilitadores e


catalisadores de um processo de descoberta e insights, e para tanto devem possuir quatro
competências essenciais:

 Ceder: traduz-se pela capacidade do mentor em desenvolver ações para diminuir


o controle sobre o processo de aprendizagem, encorajando a descoberta e a
assunção de riscos por parte do mentorado;
 Aceitar: traduz a capacidade em acolher sem preconceitos ou opiniões
preconcebidas, criando um ambiente seguro através do incentivo e do apoio ao
comportamento experimental;
 Doar: é a capacidade de ceder algo de valor sem esperar nada em troca. Essa
capacidade na Mentoria traduz-se pela doação de conselhos, de feedback, de
equilíbrio para permitir ao mentorado alçar seus próprios voos;
 Expandir: corresponde à capacidade do mentor de levar o relacionamento além
dos limites esperados, para formar um mentorado autodidata e independente.

Essas quatro competências, para Bell (2005), tornam o mentor um parceiro eficaz
no desenvolvimento do mentorado e, também, definem a própria estrutura do processo de
Mentoring, que se inicia com “ceder” e se encerra com “expandir”.

5 Mentoring em Ação

Em minha prática como mentora, uma das ferramentas que me permite exercitar
a competência de doação, nos programas de mentoring para desenvolvimento de líderes,
é o Feedback 360º. Por se tratar de ferramenta de desenvolvimento profissional, ela
permite ao mentorado conscientizar-se sobre como seu estilo de liderança é percebido por
seus superiores, seus pares, clientes e fornecedores, favorecendo a aquisição de uma visão
geral de suas competências e dos pontos em que necessita aprimoramento.

De posse dos resultados desse feedback, exerço a competência de doação através


de um diálogo aberto, desenvolvido a partir de questões reflexivas e mobilizadoras,
fundamentadas no respeito mútuo, na confiança e na liberdade de expressão. A partir
desse diálogo reflexivo, auxilio o desenvolvimento de um plano de ação, visando
aprimorar as competências de liderança do mentorado, de modo a garantir o aumento da
eficácia de suas ações como líder.

Os resultados alcançados nos processos de mentoring que desenvolvo, me


permitem afirmar que entre todas as competências essenciais de um mentor, citadas por
BELL (2005), a de doação é a que me permite contribuir de maneira mais efetiva com o
desenvolvimento daqueles que me confiaram essa tarefa.

6 Considerações Finais

Em face do exposto, neste capítulo, posso afirmar que atuar como mentora
representa um verdadeiro privilégio para mim, pois possibilita a oportunidade de
vivenciar minha missão de vida, estimulando e auxiliando o desenvolvimento pleno dos
meus mentorados.

Em decorrência, realização e gratidão são as palavras que melhor definem os


sentimentos que experimento ao ajudar meus mentorados em seus processos evolutivos.
Realização, porque cada novo processo de mentoria representa uma oportunidade de
apoiar meus mentorados na realização de sonhos que muitas vezes seriam deixados para
trás, impulsionando-os a construírem uma trajetória mais assertiva em suas carreiras
como líderes. Gratidão, porque sendo a mentoria um processo de aprendizado mútuo,
cada novo processo me dá a oportunidade de aprender junto com meu mentorado,
expandindo também minhas próprias competências.

Referências

BELL, C. R. Mentor e Aprendiz. São Paulo, Makron Books do Brasil Editora, 2005.
BERGAMINI, C. W. Liderança: Administração do Sentido. São Paulo: Atlas, 1994.
CLUTTERBUCK, D.; MEGGINSON, D. Mentoring Executives and Directors. New
York: Routledge, 2011.
HEMPHILL, J. K.; COONS, A. E. Development of the leader behavior description
questionnaire. In: STODGILL, R. M.; COONS, A. E. (orgs.). Leader behavior: Its
description and measurement. Columbus, Ohio: Bureau of Business Research, Ohio
State University, 1957, p. 6-38.
HIGGINS, M. C.; KRAM, K. E. Reconceptualizing Mentoring at Work: A
Developmental Network Perspective. Academy of Management Review, 2001: v. 26, nº
2, p. 264-288.
OSWALDO, Y. C. Mentoria para Presidentes, Diretores e Altos Executivos. In:
OSWALDO, Y. C.; DIAS, E. (orgs). Práticas de Coaching e Mentoring: experiências
de sucesso do autocoaching ao business. São Paulo, Life Editora, 2016.
RAGINS, B. R.; COTTON, J. L.; MILLER, J. S. Marginal Mentoring: The effects of
type of mentor, quality of relationship, and program design on work and career
attitudes. Academy of Management Journal, 2000: v. 43, n°6, p. 1177-1194.
RAGINS, B. R.; KRAM, K. E. The handbook of mentoring at work: theory, research,
and practice. EUA, Califórnia, Sage Publications, 2007.
ROBBINS, S. P. Comportamento Organizacional. São Paulo: Prentice Hall, 2002.
TANNEMBAUN, R.; WESCHLER, I. R; MASSARIK, F. Liderança e Organização:
Abordagem à Ciência do Comportamento. São Paulo: Atlas, 1970.

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