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Da relativização dos direitos fundamentais

na pandemia e a atuação legislativa


do Conselho Nacional de Justiça

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Joseli Lima Magalhães

Considerações iniciais

A
doença causada pelo novo coronavírus, que é
uma variante do SARS-COV-2, denominada
COVID-19, teve sua origem na cidade chinesa
de Wuhan, em 31 de dezembro de 2019, sendo que o primei-
ro caso no Brasil foi registrado em 26 de fevereiro de 2020
e desde então praticamente toda a sociedade brasileira vem
debatendo a respeito dos impactos deste novo vírus na socie-
dade, com fortes impactos no mundo jurídico, inclusive, tor-
nando-se, assim, emergência de saúde pública global e, “por
sua propagação veloz e exponencial, muitas nações afetadas
rapidamente adotaram medidas de distanciamento social e

11 Doutor em Direito Processual PUC-MINAS. Professor Adjunto de Direito Processual


Civil do Programa do Mestrado em Direito da Universidade Federal do Piauí, Professor
Adjunto de Direito Processual Civil da Universidade Estadual do Piauí e da Faculdade
Vale do Itapecuru (FAI/Caxias-MA). Ex Presidente da União Brasileira dos Escritores
(UBE-Piauí). Ex Diretor Geral da Escola Superior de Advocacia do Estado do Piauí e
Ex Conselheiro Estadual da OAB-PI. Advogado nas áreas cível e empresarial (OAB
-PI 2823) desde 1997. E-mail: joseli.magalhaes@gmail.com
JOSELI LIMA MAGALHÃES

quarentena domiciliar, justamente por se revelarem eficazes


no combate contra o coronavírus, freando a sua proliferação e
evitando a sobrecarrega dos sistemas de saúde”12.
Todo momento de crise requer a adaptação do ser humano
à nova realidade. Como o Direito não está isolado dos aconte-
cimentos sociais, muito pelo contrário, sofre também impactos
significados, devendo até mesmo moldar e referenciar este novo
momento comportamental no qual as pessoas estão submetidas.
A instalação e propagação do novo coronavírus, o chama-
do vírus chinês (e é chinês mesmo porque veio de lá – e não me
venham aqui os estudiosos dos “direitos humanos” quererem
relativizar esta alcunha), com sua disseminação primeiro na
Europa e EUA e depois para a América Latina, em especial no
Brasil, fez com que houvesse novo modo de pensar os direitos
fundamentais, afetando toda a sociedade brasileira, não apenas
e, principalmente, do ponto de vista da saúde, como do modo de
se relacionar, atividades laborais e sociais, provocando, por as-
sim dizer, impactos profundos, cujos reflexões somente em anos
serão devidamente apurados, para se saber a real extensão do
estrago provocado ou, até mesmo, quem sabe, dos aspectos posi-
tivos propiciados pelo fenômeno, ainda que não se precise viver
nas tragédias ou estar inserido nelas para se esperar ou desfrutar
algo positivo, como se deu, por exemplo, com as duas grandes
guerras mundiais.
É evidente que os governantes e administradores públicos não
poderiam ficar inertes a esta situação de quase desespero e descon-
trole, e começaram, muitas vezes, a tomar medidas extremas ou até
mesmo descabidas, para tentar contornar ou amainar a crise, não fi-
cando o Direito e os regramentos distantes desta realidade.
Serão analisadas várias destas situações existentes que afe-
taram, direta ou indiretamente, a vida das pessoas no Brasil, em
especial os jurisdicionados e profissionais do Direito mais pro-

12 FALEIROS JÚNIOR, José Luiz de Moura; NOGAROLI, Rafaella. CAVET, Caroline


Amadori. Telemedicina e proteção de dados: reflexões sobre a pandemia da covid-19
e os impactos jurídicos da tecnologia aplicada à saúde. In Revista dos Tribunais.
São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 1016/2020, Jun / 2020, p. 327-362.
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Da relativização dos direitos fundamentais na pandemia e a
atuação legislativa do Conselho Nacional de Justiça
fundamente com a atividade jurisdicional, em especial os impac-
tos junto aos direitos fundamentais destas pessoas, bem assim a
atuação do Conselho Nacional de Justiça junto à sociedade, legis-
lando, indiretamente, por meio de Resoluções, para tentar conter
os impactos do Novo Coronavírus em solo brasileiro.
É claro, que um dos aspectos a ser apontado a respeito
dos impactos da Pandemia perante os Direitos Fundamentais
é até que ponto se pode, ou não, justificar a restrição ao cum-
primento dos próprios direitos fundamentais e quais os limites
de tais restrições, sem prejuízo para o aspecto de que na restri-
ção à liberdade de informação tem que haver uma necessidade
e adequação ao direito de informação, na medida em que “os
Direitos Fundamentais são, a um só tempo, direitos subjetivos
e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva.
Enquanto direitos subjetivos, os direitos fundamentais outor-
gam aos titulares a possibilidade de impor os seus interesses
em face dos órgãos obrigados. Na sua dimensão como elemen-
to fundamental da ordem constitucional objetiva, os direitos
fundamentais – tanto aqueles que não asseguram, primaria-
mente, um direito subjetivo, quanto aqueloutros, concebidos
como garantias individuais – formam a base do ordenamento
jurídico de um Estado de Direito Democrático13 ”.
É possível haver certa limitação aos direitos fundamentais,
contudo esta justificativa pode propiciar à construção de um dis-
curso (político e jurídico) de que na pandemia tudo se justifica.
Outra colocação é saber quem vai decidir, em qual medida e
em qual proporção a respeito da limitação tida como necessá-
ria. O STF aplaude a ideia de colisão de direitos, do princípio
da proporcionalidade, mas parece ser bastante perigoso tão
manejo, na medida em que historicamente quando se dá muitos
poderes aos magistrados a tendência é existir excesso de subjeti-
vidade do julgador.

13 MENDES, Gilmar Ferreira. Os Direitos Fundamentais e seus Múltiplos Significa-


dos na Ordem Constitucional. In: Revista Diálogo Jurídico. Número 10 – Salvador:
jan/2002. Brasil. p. 02.

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Assim é que o protagonismo do Conselho Nacional de Jus-


tiça, por meio de Resoluções (com efeito de lei, como se lei fos-
sem), associado à própria dinamicidade da atuação dos órgãos do
Poder Judiciário, muitas vezes substituindo a vontade do legisla-
dor ou do administrador, contribuem para o enfraquecimento da
democracia, na medida em que não houve discurssibilidade na
construção do processo legislativo, o que de certa forma se apre-
senta até compreensível, pelo aspecto da necessidade premente
de que tudo deveria ser resolvido o mais rápido possível, afinal
vidas e empregos não esperam.
Todos estes aspectos dos direitos fundamentais, e suas
conexões com o estado pandêmico por que atravessa o país,
devem ser ponderados e estudados inclusive do ponto de vista
teórico e histórico, tendo o jurista Paulo Bonavides muito con-
tribuído para dimensionar, ainda que em outra época bastan-
te diferente, os efeitos que os próprios direitos fundamentais
exercem junto à sociedade.

1. A contribuição de Paulo Bonavidades para a teoria


dos direitos fundamentais. Os direitos fundamentais e
sua inserção no momento atual (Pandemia) por que o
Brasil se encontra imergido

Uma das obras clássicas de nosso direito constitucional que


bem direciona para compreender o que e quais as características
dos direitos fundamentais é o Curso de Direito Constitucional,
do Professor Paulo Bonavides14, onde inicia suscitando o proble-
ma existente entre as várias acepções utilizadas para designar
um mesmo Instituto Jurídico: direitos humanos e direitos do
homem são mais freqüentemente utilizados pelos doutrinadores
americanos e da América Latina; ao passo que a expressão direi-
tos fundamentais tem preferência entre os autores alemães.
Segundo o catedrático da prestigiada Faculdade de Direito
da Universidade Federal do Ceará (UFC), os direitos fundamen-

14 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1996.


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tais, expressão que fica bem clara ser a preferida por ele, beben-
do na fonte de Carl Schmitt, são todos os direitos inseridos na
Constituição recebedores de um grau mais elevado de garantia
ou de segurança (aspecto formal); já quanto ao aspecto material,
são dos direitos que o próprio sistema de regras do Estado impõe
(elegeu) a valores e princípios que a Constituição assim consagra.
Encontram-se intimamente relacionados à história e à cultura de
uma sociedade, em determinada época de existência, e que al-
cançaram este valor emergente, sendo, na verdade, um ideal da
própria pessoa humana, daí porque um direito fundamental hoje
considerado podia não ser em um tempo remoto, da mesma for-
ma que pode ser elevado a esta condição um direito que hoje não
tenha este mesmo prestígio.
Paulo Bonavides se preocupa ainda em apresentar a clas-
sificação dos direitos fundamentais: os direito fundamentais de
primeira geração são os direitos da liberdade: direito à vida, à
liberdade física, direitos que parecem já consolidados na esfera
jurídica daqueles que compõem toda sociedade bem organizada,
mas que no começo não era assim, haja vista que nem mesmo
estes direitos o cidadão possuía, em que o Estado tudo manda-
va e comandava. Por incrível que parece, estes direitos, tão ele-
mentares hoje em dia, são muitos dos mais desrespeitados em
tempos de pandemia, principalmente pela atuação autoritária e
arbitrária das polícias, onde muitas vezes os decretos municipais
e estaduais têm mais força que os preceitos constitucionais.
São direitos oponíveis à força do Estado, sendo muito co-
mum na época do absolutismo ver-se a diminuição de tais direi-
tos porque o Estado corporificava seus próprios administrado-
res. Há a categoria de status negativus, havendo, nitidamente, a
separação entre o todo poderoso (o Estado), e a sociedade, que
de tudo faz para se opor à submissão dele. Não por acaso que o
ministro da fake news, (o qual parece ter esquecido, ou nun-
ca soube, o que se entende por livre manifestação de expressão),
Alexandre de Moraes, alerta que o “estabelecimento de constitui-
ções escritas está diretamente ligado à edição de declarações de
direitos do homem, com a finalidade de limites ao Poder Político,

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ocorrendo a incorporação de direitos subjetivos do homem em


normas formalmente básicas15 ”.
Quanto aos direitos fundamentais de segunda geração, sendo
aqueles com viés nitidamente social, cultural ou econômico, de co-
letividade, surgiram principalmente antes e depois das duas guerras
mundiais. Por terem um cunho filosófico muito denso, intimamente
ligado ao princípio da igualdade, uma das bandeiras da Revolução
Francesa, conteúdo que reinou na maioria das Constituição do pós-
guerra de 1945. Inicialmente, no Brasil, como não poderia deixar de
ser, não foram bem recebidos, tendo em vista sua própria natureza
de direitos que exigiam do Estado algo difícil de ser cumprido, razão
pela qual foram remetidos à esfera de “direitos programáticos”, ad-
quirindo, neste caso, novo aspecto e importância.
Em tempos de pandemia, ao menos no Brasil, e acredita-se
no mundo todo, houve uma espécie de afloramento da solida-
riedade entre as pessoas. E aqui um princípio que, na verdade é
mais um preceito, um modo comportamental, do que propria-
mente um princípio, ganha força e intensidade – o princípio da
fraternidade, em especial pelo caráter reflexivo que as pessoas
passam a ter em razão das inúmeras mortes que acontecem, as-
sociado ao aspecto da perca de postos de trabalho de pessoas, fe-
chamento de empresas, culminando em uma situação até mesmo
desesperadora de não terem o básico para se sustentarem. Com
isso, o estado toma iniciativa de injetar dinheiro junto aos mais
necessidades – o que é o caso do auxílio emergencial para pes-
soas físicas e empréstimos bancários a juros baixos para tentar
salvar as micro e pequenas empresas mais endividadas.
A crise pandêmica apresentou às claras a própria crise
da pós modernidade, à qual nasce “como uma possibilidade
de priorização da emancipação”16, demonstrando, mais do que
nunca, que o fator solidariedade, fraternidade, é importante

15 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 25.

16 Torres, Ivanna Sant’Ana. A Fraternidade como categoria política: princípio anunciado


na educação brasileira. TESE DE DOUTORADO. Universidade Federal de Uberlândia.
Uberlândia - MG, 2010, p. 51.

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na construção das democracias. Não à toa que muitos exem-
plos de fraternidade ocorreram durante a crise pandêmica,
principalmente porque houve uma associação premente com
o elemento vida (na verdade, a ofuscação da morte), e as pes-
soas, sem esperar a providência estatal (por meio de leis ou
não) tomaram a iniciativa, por elas mesmas, de ajudar às ou-
tras pessoas, o que de certa forma tem até relação direta com a
concretização dos direitos fundamentais, postos abstratamen-
te pelo Estado. É como se houvesse uma comunidade de agir
não atrelada à figura estatal, demonstrando, mais uma vez, o
rompimento com o moderno, e entrando de vez na pós moder-
nidade. Neste sentido, o “que é verdadeiramente característi-
co do tempo presente é que, pela primeira vez neste século, a
crise de regulação social corre de par com a crise de emanci-
pação social. Esta versão da transição paradigmática é o que
designo por pós-modernismo, inquietante ou de oposição”17.
A respeito do binômio solidariedade/fraternidade, que
a pandemia parece ter resgatado, em bem elabora tese de douto-
rado na área da educação, a professora Ivanna Sant’Ana Torres
lembra que “Bauman apresenta uma análise da política pós-mo-
derna que tenha como pilar o tríplice princípio da liberdade, dife-
rença e solidariedade, apontando a solidariedade como condição
necessária e contribuição coletiva essencial para a consolidação
dos princípios da liberdade e diferença, condição que a moderni-
dade não conseguiu cumprir18. O sociólogo polonês, judeu, autor
de “Modernidade Líquida”, que não viveu para presenciar a pan-
demia decorrente do novo coronavírus, parece que previu todos
estes acontecimentos pelos quais estamos passando, ao dizer que
no “mundo pós-moderno, os primeiros dois elementos da fór-
mula tríplice têm muitos aliados abertos ou encobertos, quando

17 SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na


pósmodernidade. São Paulo: Cortez, 2008, p. 25.

18 Torres, Ivanna Sant’Ana. A Fraternidade como categoria política: princípio anunciado


na educação brasileira. TESE DE DOUTORADO. Universidade Federal de Uberlândia.
Uberlândia - MG, 2010, p. 56.

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nada nas pressões de ‘desregulamentação’ e ‘privatização’ dos


crescentes mercados globalizados. Uma coisa que é improvável a
condição moderna produzir sob a sua responsabilidade – isto é,
não sem uma intervenção política – é a solidariedade. Mas sem
solidariedade, como mostramos acima, nenhuma liberdade é se-
gura, enquanto as diferenças, e o tipo ‘política de identidade’ que
elas tendem a estimular, como ressaltou David Harvey, de um
modo geral terminam na internacionalização da opressão”19. É
um tom pessimista, para alguns, talvez realista para outros, mas
o certo é que o agir solidário, por si só, não será capaz de superar
os efeitos danosos da Pandemia, e só o respeito e obediência aos
direitos fundamentais, entre eles o direito ao processo, será
capaz de, ao menos, contornar a gravidade da crise pandêmica
enfrentada em nosso país.
Por outro lado, os direitos fundamentais de segunda gera-
ção tendem a ser tão importantes e úteis como os da primeira,
por um imperativo de ordem social e de aceleração de conflitos
e relações jurídicas acentuadas, ainda mais em tempos tão crí-
ticos, estando em perfeita sintonia, inclusive, com o atual tex-
to constitucional que prestigia estes direitos ditos como sociais.
Felizmente, no Brasil, nos últimos anos, tem se verificado um
redirecionamento de rota da política econômica no sentido de
serem diminuídos ou até mesmo extintos muitos dos direitos dos
sindicados, os quais contribuem bastante para o atraso das re-
lações trabalhistas brasileiras, mas, ainda assim, o lobby deles é
bastante forte junto ao Congresso Nacional.
Em tempos de pandemia, no Brasil, ficou bem evidente um
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grupo de pessoas invisíveis para o Estado – os “sem CPF’s” – pes-
soas que nem mesmo documentos possuíam ou seus dados encon-
travam-se errados ou desatualizados. Uma imensa gama de pessoas

19 BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,


1998, p. 256.

20 Já outros podem ser qualificados como “os cem CPF’s”, pelas inúmeras fraudes
ocorridas para recebimento do chamado “auxílio-emergencial”.

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atuação legislativa do Conselho Nacional de Justiça
não notadas, ou melhor, somente vista em tempos de eleição. Os
direitos fundamentais de segunda geração demonstram, mais do
que nunca, um fosso de desigualdade bastante acentuado e uma di-
ficuldade colossal para diminuir tão disparate de renda, basta ver
a inaceitabilidade, por parte do próprio STF, de diminuição de
parte dos vencimentos dos funcionários públicos do Legislativo
ou do Judiciário, ainda que boa parte da iniciativa privada esteja
ou estivesse sendo pressionada pelas medidas de contenção de
despesas e aperto à saúde pública.
Paulo Bonavides sustenta que, com o desenvolvimento da
tutela aos direitos sociais, os publicistas alemães começaram a
observar que as próprias Instituições passaram a se fortalecer,
surgindo, assim, as garantias instituicionais. A vantagem é que
determinadas instituições recebem proteção especial, não po-
dendo ser renegadas a segundo plano ou facilmente mudados
seus institutos primários pelo legislador. Assim, de certo modo
a importância das garantias institucionais é a valorização dos
próprios direitos de liberdade, que passaram de uma esfera de
subjetividade para um campo de objetividade, obedecendo-se,
no entanto, a ordem jurídica posta. Os direitos de segunda gera-
ção possuem um critério objetivo de valor, e de maior relação do
homem em sociedade. A ideia é que não existe um homem feliz
individualmente, se todos os demais encontram-se infelizes.
Quanto à teoria dos direitos fundamentais, Paulo Bonavides
toma como ponto de partida a fraternidade, em que se prote-
ge os direitos individuais e coletivos, dotados de elevado teor
de humanismo e de universalidade. Segue a classificação de
Vasak, mas que pode perfeitamente tal elenco ser ampliado,
dependendo do desenvolvimento da humanidade. A classifi-
cação por ele adotada vai desde o direito ao desenvolvimento,
passando pelo direito à paz, direito ao meio ambiente, direito
de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade, indo
até o direito de comunicação.
Em tempos de crise, é de se esperar, mas não tolerar, que
o Estado acabe se aproveitando do momento para impor pautas
sem que a opinião pública ou sociedade se encontre atenta. Foi

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JOSELI LIMA MAGALHÃES

exatamente o que aconteceu em relação à política ambiental do


Governo Federal, onde na famosa reunião ministerial tornada
pública pelo STF, o Ministro do Meio Ambiente sugeriu (a reu-
nião era privada e não espera, suponha-se, que fosse publiciza-
da) que fossem aprovados, “a toque de caixa”, medidas relacio-
nadas ao meio ambiente, posto que a opinião pública estava mais
interessa e atenta com os problemas decorrentes da pandemia,
principalmente no que se refere à saúde e gastos econômicos, mi-
tigando-se, assim, um dos direitos fundamentais mais importan-
tes da terceira geração – o direito ao meio ambiente saudável e
à sua própria proteção sustentável. De igual forma, em medidas
jurisdicionais eivadas de nulidades constitucionais flagrantes,
o STF considerou válido o famoso inquérito policial das FAKE
NEWS, inclusive mandando prender jornalistas e blogueiros, em
uma visível aniquilação aos princípios constitucionais do direito
de liberdade de expressão e manifestação de opinião. É como se
o STF fosse, ao mesmo tempo, autor, réu e juiz de uma deman-
da (uma verdadeira santíssima trindade...). Aqui, pois, o direito
fundamental de terceira geração – direito de comunicação – que
em outro pólo até se confunde e se entrelaça com outro direito de
primeira geração – direito à liberdade de expressão – encontra-
se perfeitamente mitigado, para não dizer aniquilado, em todo
seu conteúdo e importância.
Na verdade, os direitos de terceira geração representam certa
evolução dos dois primeiros, com a humanização e desenvolvimen-
to social e coletivo sempre presente, daí porque muitas vezes o prin-
cípio da fraternidade (tão criticado como princípio) ser considerado
apenas uma extensão do conteúdo ontológico presente nos direitos
fundamentais de primeira e segunda gerações.
Quanto aos direitos fundamentais de quarta geração, a cri-
se pela qual o direito contemporâneo está passando em virtude
da globalização do neoliberalismo, em que o Estado nacional está
se fragmentando em virtude de não ter paradigmas, sem ter refe-
rência de valores, sendo que o importante de se globalizar direi-
tos fundamentais é a universalização no campo institucional. São
considerados de quarta geração o direito à democracia, o direito
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Da relativização dos direitos fundamentais na pandemia e a
atuação legislativa do Conselho Nacional de Justiça
ao pluralismo e o próprio direito à informação (talvez por isso o
direito à informação, mais uma vez, aparecer, neste elenco). O
eminente professor da UFC aponta 21, ainda, que os direi-
tos de quarta geração representam a evolução dos direitos
de primeira, segundo e terceira geração, sendo, verdadei-
ramente, o conjunto destes direitos numa dimensão princi-
pal, objetiva e axiológica. Há um paralelo entre a globaliza-
ção econômica e a globalização cultural – a globalização política
somente encarna o neoliberalismo, tentando reinventar o Estado
e a sociedade – os direitos fundamentais de quarta geração cons-
tituem o futuro da cidadania e da liberdade dos cidadãos, onde se
busca a globalização política22.

21 Em relação à declaração universal dos direitos do homem, entende ser uma síntese
e convergência de todos os direitos fundamentais presentes até 1948, bastando fazer-se
uma retrospectiva da evolução dos direitos do homem para se observar que há critério
rigoroso e lógico do desenvolvimento e conquista dos próprios direitos fundamentais,
passando-se do Estado absolutista para o Estado liberal e finalmente, para o estado
Democrático de Direito, havendo, pois, verdadeira humanização dos direitos
fundamentais. Em relação à declaração universal e a proteção dos direitos sociais,
Paulo Bonavides analisa que as Constituições devem estar sempre evoluindo, devendo
encontrar-se em moldura com as aspirações do consenso popular, tanto assim que
a nossa Carta Magna de 1988 trouxe um aspecto inovador e salutar: os direitos e
garantias individuais foram demasiadamente elencados, numa nítida impressão da
importância que eles possuem, estabelecendo-se, mais adiante, cláusulas pétreas
que não podem suprimi-los. Aponta, ademais, que não obstante este avanço espetacular,
seria de bom alvitre que os direitos sociais entre o trabalho e o capital também
fossem mais rigidamente protegidos, mas que tudo é uma evolução, e a tendência é
que tal tutela venha a ocorrer, como outrora com garantia à separação dos poderes. Por
fim, expõe que de nada vale existir a Declaração Universal dos Direitos do Homem e
o estatuto da Liberdade do Homem ou outras Cartas Humanitárias que elencam proteção
aos direitos fundamentais do ser humano se não houver uma predisposição rígida e
objetiva de pô-las em prática, e conscientizar a sociedade que os direitos fundamentais
são, de fato, invioláveis. (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São
Paulo: Malheiros, 1996).

22 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1996.

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JOSELI LIMA MAGALHÃES

2. O plano da procedimentalidade constituinte ao qual


devem os direitos fundamentais estar vinculados

Um dos principais problemas existentes em tempos de pan-


demia consiste no caráter excepcional da construção das normas
relacionadas à questão, ou seja, há por parte dos órgãos legis-
lativos, administrativos e judiciários a vontade legífera de cons-
truírem provimentos legislativos sem passar pelo crivo de uma
discursividade pré cógnita, na medida em que, pelo próprio am-
biente em que a sociedade se encontra envolta com os órgãos pú-
blicos fechados ou parcialmente fechados, há toda uma política
legislativa de construção de leis (em sentido amplo) o tanto mais
célere (ou acelerada) possível.
Com isso, há acentuada perca de democracia, na medida
em que a construção dos provimentos legislativos não são dis-
cutidos em seu nível instituinte, passando a ser aquilo que seus
idealizadores entendem ser o correto, quando não sendo o que
representam seus grupos ou interesses. É isto o que bem pontua
Rosemiro Leal, ao aduzir que “quanto a direitos fundamentais
de vida, liberdade e dignidade, a base de validade desses direitos
se instala no processo constituinte e sua legitimidade pela au-
topermissão normativa de sua fiscalidade processual (medium
linguístico) na constitucionalidade vigente para execução desses
direitos, ainda que seja na contrafactualidade de uma realidade
sustentada pela razão estratégica”23.
Quando inexiste esta fiscalidade processual, muito provavelmen-
te há direcionamento para o manejo do próprio conteúdo da norma
jurídica ser feito pelo magistrado, tornando-se, em última análise, cor-
ruptor do sistema democrático, por ser ele, no caso, o responsável pela
a última palavra (quanto ao aspecto do sentido da norma), quando de-
veria ser o próprio legislador o responsável por esta atividade.
Na pós modernidade, é por meio do processo, como Ins-
tituição concretizadora dos direitos e garantias fundamentais

23 LEAL, Rosemiro Pereira. A Teoria Neoinstitucionalista do Processo: uma trajetória


conjectural. Belo Horizonte: Arraes, 2013, p. 58.
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Da relativização dos direitos fundamentais na pandemia e a
atuação legislativa do Conselho Nacional de Justiça
(inclusive prevista na CF de 1988), que os direitos fundamen-
tais são materializados, ainda que historicamente se propale ser
inerente ao homem (quase como direito natural) muitos dos
direitos tidos por fundamentais, cabendo à sociedade, por meio
do legislador, tão somente descortinar tais direitos encobertos
pelo manto da ignorância, capazes de apresentar fluidez de uma
felicidade insana e desmedida, como se fossem atributos da pró-
pria existência humana. Não por acaso, a “co-institucionalidade
de um direito fundamentante pelo processo a criar direitos fun-
damentais de vida, liberdade-dignidade, igualdade, para todos,
é instituinte de um sistema normativo conjuntivo (biunívoco) a
caracterizar ciência jurídica-vida jurídica de uma democra-
cia pós-moderna no sentido de Popper, que se desgarra dos ve-
lhos e modernos paradigmas de direitos individuais e huma-
nos (inerência devida ao homem) por conquistas (?) históricas
ou por atributo de uma natureza humana que já vem sendo
confeccionada ao espelho dos moldes tecnológicos ao longo das
revoluções industriais como expressão monetária imprescin-
dível ao sucesso do mito da felicidade geral culturalizada e do
consumismo alienante, auto-reprodutoras do pretendido obs-
curantismo global”24. Em tempos de pandemia, onde a excep-
cionalidade parece se tornar regra, e a regra ganha contornos de
exceção, o processo deve ser concebido como o alicerce seguro
para fiscalizar e, até mesmo, frear os abusos praticados não so-
mente pelos legisladores, mas, principalmente, pelos magistra-
dos, os quais insistem em se auto proclamarem criadores divi-
nos das leis, substituindo a força que o processo possui como
direito-garantia instituinte dos direitos fundamentais em uma
democracia realmente legítima e participativa, por isso mesmo
que “o processo como direito fundamental apresenta uma visão
pluralista aos moldes do sistema e modelo republicano adotado
no texto constitucional brasileiro. Adotar o processo como direito
fundamental é entendê-lo como garantia e direito da sociedade

24 LEAL, ROSEMIRO PEREIRA. Processo como Teoria da Lei Democrática. 1ª Ed. Belo
Horizonte: Fórum, 2010, p. 202.
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JOSELI LIMA MAGALHÃES

em ter respeitada e tutelada a premissa constitucional do devido


processo, da ampla defesa, do contraditório, da razoável duração
do processo, do direito ao advogado, dentre outras”25.
A concretização dos direitos fundamentais, todavia, tem
que ocorrer a nível constitucional, por isso ser relevante o estudo
do chamado processo constitucional (expressão que se apresenta
redundante, porquanto todo processo tem que ser constitucio-
nalizado, no sentido de sua origem e base epistemológica). Mes-
mo que ocorra em nível infra constitucional, isto ocorre apenas
aparentemente, na medida em que há necessidade de que o sis-
tema constitucional seja fechado, em outras palavras, o caráter
constitucionalizante do processo se encontra presente nos tex-
tos constitucionais os quais dão vazão à aplicabilidade dos di-
reitos fundamentais aos próprios destinatários do processo, que
é o povo26. O povo são os legitimados ao processo (Rosemiro
Leal), devendo os direitos fundamentais assegurados constitu-
cionalmente ser fruídos “por qualquer do povo e essa fruição só
é possível de ser concebida a partir do processo constitucional
que assegura aos interessados (destinatários do provimento) a
possibilidade de controle, fiscalidade ampla e irrestrita em todo e
qualquer espécie de provimento estatal (jurisdicional, legislativo,
administrativo), para garantia de sua conformidade (validade)
com o texto constitucional”27.

25 SILVA, Alexandre de Lima e; NANGINO, Marcos Paulo Soares. As modificações


tecnológicas e o devido processo constitucional. In Revista Científica dos Cursos
de Direito e Relações Internacionais do UNIBH. Belo Horizonte, Belo Horizonte.
Volume VII, número 2, dez/14.

26 Pertinente, aqui, apontar a concepção do jurista André Del Negri de que “o povo é
o sujeito constitucional”. (DEL NEGRI, André. Controle de Constitucionalidade no
Processo Legislativo: teoria da legitimidade democrática. 2ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2008, p. 62).

27 PAOLINELLI, Camilla Mattos. O que é Processo Constitucional? In Revista Eletrônica do


Curso de Direito. PUC Minas Serro, n. 13 – Jan./Julho 2016, p. 58. Site: file:///C:/Users/
Windows/Downloads/12043-Texto%20do%20artigo-46279-1-10-20160920%20
(2).pdf. Acesso em 05.08.20.
44
Da relativização dos direitos fundamentais na pandemia e a
atuação legislativa do Conselho Nacional de Justiça
É evidente que em situação de relativa excepcionalidade,
como de estado pandêmico, a fruição dos direitos fundamentais,
pelo povo, ou seus representantes processuais (advogados) tende
a ser raleada. O momento pelo passa o mundo e, especial o Bra-
sil, faz-nos refletir a respeito da importância da vida, das relações
sociais, e da necessidade que tem o Direito, como ciência, para
moldar o comportamento das pessoas. Em momentos de crise é
que as regras jurídicas devem mais ser fiscalizadas, exatamente
porque são mais desrespeitadas. Digo isso porque não há como
pensar o direito sem pensar, atrelado a ele (o direito), na filoso-
fia, na epistemologia. O direito não pode ficar desvinculado da fi-
losofia, consistindo exatamente a quebra de barreira, de paradig-
mas já montados e alicerçados ao longo de séculos o modo eficaz
de se criar as bases de um novo direito, processual em particu-
lar, libertador, livre das amarras do dogmatismo e da vinculação
(dependência) com o direito material, onde o elemento histórico
se encontra fortemente vinculado, presente, construtor de toda
uma dogmática, outrora civilista, agora constitucionalista, mas
cheia de furos, que se pretende romper.
Evidente que essas aporias criadas e inerentes ao próprio
positivismo jurídico não impede de visualizarmos o direito pro-
cessual como o locus onde a arbitrariedade deve ao máximo,
senão totalmente substituída pela discricionariedade motivada,
apesar de se entender, assim como Darci Guimarães Ribeiro, para
quem o “ato de julgar é insofismavelmente discricionário, em sua
verdadeira acepção, não obstante posicionamentos em contrário,
pois a discricionariedade é elemento imanente do ato de julgar,
na medida em que sempre deverá haver interpretação quando da
aplicação da lei ao caso concreto, pois, como disse alhures Hegel,
a palavra é um mau veículo do pensamento, mesmo quando a lei
for aparentemente clara”28.
Ainda assim, cabe aos estudiosos do direito, em especial do
direito processual e da hermenêutica jurídica, estudar, descobrir

28 RIBEIRO, Darci Guimarães. Provas Atípicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado,


1998. p. 66.
45
JOSELI LIMA MAGALHÃES

e aplicar mecanismos de ao máximo suprir estas discricionarie-


dades, senão por meio de teorias, como também por critérios os
mais objetivos que sejam, com o propósito único de se ter, não
uma decisão “mais correta”, mas uma decisão acertada. Em
tempos de pandemia, ao menos no Brasil, onde o Poder Execu-
tivo central parece sair de cena, as Cortes Superiores trouxeram,
para si, o protagonismo do direcionamento da resolutividade dos
problemas causados pela pandemia, e em particular o equacio-
namento do alargamento, distribuição, aniquilamento ou ponde-
ramento dos direitos fundamentais. E tudo isto se dá por meio da
decisão judicial. Evidente que o ato de julgar é produto de toda
uma historiografia agregada que o magistrado colheu ao longo
de anos de estudos, de relações interpessoais e sociais (o proces-
so como manifestação da cultura bem forte neste particular...),
mas nem por isso não se exige desse agente político haver equi-
distância dessas influências outroras metajurídicas.
Observa-se que na pós modernidade, sendo o processo um
fato social, no dizer de Galeno Lacerda29, e considerando o Pro-
cesso como uma instituição (“quando determinados indivídu-
os se reúnem para um fim comum, que em certo sentido a eles
transcende, embora lhes diga respeito”30), não se pode aceitar o
posicionamento dogmático de que o fim do processo seja a so-
lução da lide e o restabelecimento da paz social, como afirma o
afamado processualista gaúcho, apesar de se saber que esses fins
são atingidos exatamente pelo modo de fazer, utilizando-se de
métodos e técnicas processuais, a terminar na sentença31, que
deve, ao máximo, encontrar-se isolada de aspectos subjetivos
de quem prolatou, apesar do elemento discricionário já falado.

29 LACERDA, Galeno. Processo e Cultura. Revista de Direito Processual Civil. São Paulo:
Saraiva, Ano II, jan-junh 1961, p. 74.

30 LACERDA, Galeno. Processo e Cultura. Revista de Direito Processual Civil. São Paulo:
Saraiva, Ano II, jan-junh 1961, p. 74-75.

31 LACERDA, Galeno. Processo e Cultura. Revista de Direito Processual Civil. São Paulo:
Saraiva, Ano II, jan-junh 1961, p. 75.
46
Da relativização dos direitos fundamentais na pandemia e a
atuação legislativa do Conselho Nacional de Justiça
Parece, infelizmente, que há toda uma agregação de reso-
lutividade de problemas causados pela Pandemia enveredados
para ser solucionados pelos Tribunais, o que apenas faz consa-
grar o mito da autoridade, do dador de uma justiça quase divina,
moldada pela subjetividade do magistrado.
Ultrapassada a tosca ideia de que o sujeito solipsista é
capaz de contribuir para a distribuição da justiça, somente por
meio do processo, em um ambiente democrático onde a dis-
cursividade se acha elevada a primeiro plano, tendo os agen-
tes, partes, advogados e magistrados no mesmo plano, atu-
ando em conjunto (cooperação, no sentido de concretização
do devido processo legal), é que se pode realmente alcançar a
efetivação dos direitos fundamentais. O processo, pois, é o lo-
cus determinante da concretização desses direitos, o ambiente
preparado pelas partes; não um espaço nu qualquer, onde ine-
xistam agentes tecnicamente preparados, mas onde o discurso
seja realmente o elemento proativo de uma resolução de alter-
cações, de fato, a serem dirimidas.
A discussão acadêmica de se saber o que são, ou quais
são os direitos fundamentais encontra-se superada, de-
vendo-se partir para o modus operandi, de como efetivar
tais direitos (Bobbio). As crises econômicas e sociais cau-
sadas pela pandemia (sem falar da própria crise da saúde,
por si só bastante grave), no Brasil, impõem a utilização de
mecanismos alternativos para se tentar amainar este esta-
do periclitante de como o Direito, inclusive, se comporta,
colocando em cheque a efetividade de muitos dos direitos
fundamentais, cabendo em especial ao direito processual
tomar para si a responsabilidade de se fazer cumprir os di-
reitos fundamentais, em um plano de constitucionalizante.
Assim é que, buscando-se a consolidação dos direito e ga-
rantias fundamentais, que se dá por meio do processo (processo
constitucional), é que o eminente ex professor da UFMG, José
Alfredo de Oliveira Baracho, já apontava que “o processo cons-
titucional consolida-se através da consagração de princípios de
direito processual, com o reconhecimento e a enumeração de di-

47
JOSELI LIMA MAGALHÃES

reitos da pessoa humana, sendo que esses consolidam-se pelas


garantias que os tornam efetivos e exeqüíveis”32. Nesta mesma
linha é o pensamento exposto ela jurista Camilla Mattosi Pao-
linelli, para quem os direitos fundamentais encontram no pro-
cesso constitucional verdadeiro mecanismo protetor e concreti-
zador, e “que se não fossem por tais direitos, sistematizados sob a
égide do Estado Democrático de Direito, o processo não poderia
ser concebido como a matriz adequada à constante edificação da
Democracia – de exercício amplo e incessante da cidadania”33.
Em momentos críticos por que atravessa o país (como no
de pandemia), a situação se agrava ainda mais se não houver a
construção, no mínimo participativa e fiscalizatória, da norma
jurídica; do contrário, haverá forte tendência de maior e mais
firme intromissão do magistrado para “endireitar” o sentido
da construção legislativa, contribuindo, imensamente, para
défictes de democracia.
Foi exatamente o que aconteceu com a edição de vá-
rias Resoluções pelo CNJ tratando do Plantão Extraordiná-
rio, com o objetivo de uniformizar os serviços judiciários e
garantir o “acesso à justiça” no período emergencial, não
somente por se tratar de “resoluções administrativas” de
forte conteúdo jurisdicional, mas principalmente porque os
afetados (o povo) pela legislação (em sentido amplo) não
foram ouvidos, não participaram da construção da norma (e
acredita-se que nem haveria tempo), inexistindo qualquer
meio de fiscalização do conteúdo (e não somente formal) de
sua construção (processo legislativo), ficando, tão somente
o processo jurisdicional para equilibrar os abusos cometi-
dos pelo processo legislativo não participativo, tanto assim
que o professor Ronaldo Brêtas 34 bem assinala que “qual-

32 BARACHO. Processo Constitucional. p. 106.

33 PAOLINELLI, Camilla Mattosi. O que é Processo Constitucional? In Revista Eletrônica


do Curso de Direito - PUC Minas Serro – n. 13 – Jan./Julho 2016. Disponível em
http://periodicos.pucminas.br/index.php/DireitoSerro/article/view/12043. Acesso em
15.07.20.
48
Da relativização dos direitos fundamentais na pandemia e a
atuação legislativa do Conselho Nacional de Justiça
quer do povo poderá provocar a jurisdição estatal, visando
a controlar em concreto sua constitucionalidade, quando
posta em vigor, principalmente se a norma jurídica estiver
em colisão com direitos e garantias fundamentais positiva-
dos na Constituição. A partir dessas considerações, pode-se
afirmar que o Processo Constitucional viabiliza a Constru-
ção do Estado Democrático de Direito” 35.

3. A “dignidade da pessoa humana” em tempos de


pandemia e seu uso (ou não) indiscriminadamente

O real sentido do que é princípio da dignidade da pessoa


humana é muito difícil, principalmente porque cada pessoa
(ou parte) invoca para si a aplicabilidade do princípio (como
se princípio fora), tornando-se, assim, uma das expressões
mais fluidas e vagas do ordenamento jurídico brasileiro, exa-
tamente por ter seu manejo indiscriminado, principalmente
pelos Tribunais e, quando não, pelos doutrinadores, em espe-
cial pelos constitucionalistas.
Se se considerarmos a dignidade da pessoa humana como
um princípio (o que tem ocorrido principalmente por boa parte
dos estudiosos do direito constitucional), deve-se dimencioná-lo
como o fluidor (propicia a origem) dos direitos fundamentais,

34 Para o eminente professor da PUC-MINAS, “o povo pode e deve exercer participação


ostensiva e preponderante na resolução dos problemas e questões nacionais, através
do plebiscito, referendo, audiências públicas e princípios por meio do Processo Consti-
tucional, pois a Constituição, além da garantia do Devido Processo Legal, assegura as
garantias procedimentais do Mandado de Segurança Individual e Coletivo, Mandado de
Injunção, Habeas Data, Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação de Revisão de Enun-
ciado de Súmula Vinculante, além de Ação Popular visando a anulação de atos estatais
lesivos”. (BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Uma Introdução ao Estudo do Processo
Constitucional. In: CASTRO, João Antônio Lima; FREITAS, Sérgio Henriques Zandona
(coord.) Direito Processual – Estudo Democrático da Processualidade Jurídica
Constitucionalizada. Belo Horizonte: PUC Minas. Instituto de Educação Continuada,
2012, p. 126).

35 BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Processo Constitucional e Estado Democrático


de Direito. 2ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p. 127.

49
JOSELI LIMA MAGALHÃES

não sendo um direito fundamental em si, pois não pode entrar


em tensão em com outro direito (uma das características dos di-
reitos fundamentais), podendo ser aplicado ou não em relação a
outro direito. Na verdade é um valor moral que ingressa no orde-
namento jurídico e, assim, transforma-se em um princípio cons-
titucional, agregando um núcleo essencial de todos os direitos
fundamentais. É mais que um direito fundamental, é na verdade
a base dos direitos fundamentais, ainda que se tenha entendido
que a dignidade da pessoa humana “passou a ser relevantemente
adotada em diversas dimensões do direito, inspirando as mais
diferentes relações da sociedade, seja na expressão dos direitos
elementares da pessoa, seja na ordem econômica, inclusive na
seara civil, foi elevada à alcunha principiológica, depurando-se
inclusive como fundamento norteador da Constituição; a partir
daí, sob o vínculo da Lei Maior, espraiou-se por inúmeros textos
infraconstitucionais”36.
O “princípio da dignidade da pessoa humana” pode ser divi-
dido em três grandes conteúdos (ou subprincípios a ele inerente):
1) O valor intrínseco: toda pessoa é um fim em si mesmo.
É uma carga valorativa, às vezes que a pessoa nem mesmo sabe
explicar. É um postulado anti utilitarista, correspondendo, para
o direito, que o princípio da dignidade da pessoa traz em si o
conteúdo de que todos têm a exata noção de respeito ao direito à
vida, ao direito à igualdade física e ao direito à igualdade moral;
Em tempos de pandemia, onde o bem vida encontra-se cons-
tantemente em jogo, o princípio da dignidade da pessoa humana
ganha corpo e importância, não por menos que muitos advogados
ajuízam ações em face dos planos de saúde ou mesmo dos entes fe-
derados para fazer-se cumprir este que é o mais importante de todos
os direitos fundamentais – o direito à vida. Muitas vezes este direito
material somente se concretiza se houver o perfeito manejo de um

36 NETO, Elias Marques de Medeiros; GERMINARI, Jefferson Patrik. O Princípio da


Dignidade da Pessoa Humana nas relações jurídicas regidas pela Lei 13.205/2015.
In Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Rio de Janeiro. Ano 14. Volume
21. Número 2. Maio a Agosto de 2020, p. 62-98.
50
Da relativização dos direitos fundamentais na pandemia e a
atuação legislativa do Conselho Nacional de Justiça
outro direito fundamental – o direito ao processo – porquanto
em situações onde se requer o encurtamento do contraditório os di-
reito processuais nem sempre são obedecidos, fazendo com que o
direito à vida buscado em juízo (por meio do processo, que possui
sua autonomia) não se concretize. Por isso é que o direito material
não é mais ou menos importante que o direito processual: os dois
são faces da mesma moeda.
2) O valor de autonomia: todas as pessoas têm o livre arbí-
trio – todas as pessoas podem fazer as suas escolhas essências na
vida. Aí surgem os direitos individuais das pessoas e as liberdades
públicas. São as autonomias privadas ou autonomias públicas. Po-
dendo as pessoas participar do debate público da construção do
regime jurídico aos quais as pessoas estão inseridas; aqui também
encontra-se o conceito de mínimo existencial: há necessidade das
pessoas terem que ser atendidas no mínimo de existência;
3) O valor social, comunitário de dignidade da pessoa hu-
mana, tendo em vista que a) o estado pode interferir na autono-
mia da pessoa para poder protejê-lo, como por exemplo na obri-
gatoriedade de não sair de casa em tempos de pandemia, ou do
uso de máscara; b) o estado pode interferir junto aos direitos fun-
damentais de terceiro, é o que normalmente acontece na tutela
dos direitos presentes no código penal; e, por fim, c) a dignidade
agrega certos valores sociais, e aí depende de cada ordenamento
jurídico, como por exemplo o uso liberado da maconha em lo-
cais públicos. É como se houvesse um núcleo comum em que a
sociedade, no tempo e no espaço, compartilhasse determinados
valores existenciais.
Dizer que um direito traz em si um conteúdo fundamental
significa que tem um regime jurídico diferenciado, é como se ti-
vesse um plus a mais, na visão de Pontes de Miranda, constituin-
do um limite às maiorias, ainda que possa sofrer limites, princi-
palmente dependendo do caso concreto, ou mesmo por decorrer
do próprio conteúdo da lei.
Estas referências históricas parecem não ser importantes para
o atual cenário político e jurídico por que atravessa o Brasil em tem-
pos de pandemia. Ledo engano, aí se encontra o viés autocrático do

51
JOSELI LIMA MAGALHÃES

Pode Judiciário de intervir no direcionamento das políticas públi-


cas de contenção da doença, inclusive determinando o que e como
devem agir os administradores públicos, o que foi o caso da famosa
decisão do STF a respeito da competência concorrente no que se
refere ao deslocamento de pessoas, fortalecendo os Estados-mem-
bros e municípios e praticamente esvaziando o poder da União em
tomar atitudes, ou trazer para si, no que se refere à uma gestão mais
centralizadora do combate à pandemia.
Tudo isto vai ocasionar reflexos diretos na problemática en-
volvendo os direitos e garantias fundamentais dos brasileiros, e,
em especial, os profissionais que trabalham diretamente com as
demandas processuais, na medida em que o direito ao proces-
so também é um direito fundamental, sendo pertinente lembrar,
ainda, a lição de Robert Alexy para quem “os direitos fundamen-
tais são garantias de proteção objetivamente cunhadas por de-
terminados complexos individuais e sociais concretos de ação,
organização e de matérias37.”
Todos estes elementos de um padrão de dignidade individua-
lista bastante exacerbado, comparando-se com os padrões do século
XIX, teve e tem impactos significativos do modo como o Judiciário
tem entendido a Pandemia, ora colocando o sujeito acima de uma
coletividade, ora prestigiando a individualidade em consideração a
direitos de uma coletividade, sob o pretexto de uma pseudo morali-
dade democrática, ou no dizer do Prof. Eduardo Rabenhorst, “a dig-
nidade humana deixa de ser um conceito descritivo para tornar-se o
próprio ethos da moralidade democrática”38.
O que se pretende sustentar de modo mais enfático é que a dig-
nidade da pessoa humana, na condição de valor (e princípio norma-
tivo) fundamental que preenche e direciona o conteúdo de todos os
demais direitos fundamentais, exige e pressupõe o reconhecimento
e proteção dessa dignidade em todas as suas dimensões, ainda que

37 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2006, p.75.

38 RABENHORST, Eduardo Ramalho. Dignidade humana e moralidade democrática.


Brasília: Brasília Jurídica, 2001, p. 49.
52
Da relativização dos direitos fundamentais na pandemia e a
atuação legislativa do Conselho Nacional de Justiça
deve estar presente a correlação essencial entre dignidade humana
e os demais direitos fundamentais, como o direito ao processo,
pois somente se pode estabelecer uma concretização dos direitos
fundamentais a partir da pressuposição de que os mesmos estejam
coordenados em função da dignidade humana, e ao mesmo tempo
somente se poder falar nesta última com a necessária complemen-
tação do conjunto de direitos de primeira, segunda, terceira e quarta
gerações, efetivados por meio do processo, do próprio contraditório,
não se podendo, ademais, admitir-se o uso indiscriminado da ex-
pressão (ou princípio, para alguns) da dignidade da pessoa humana
(muitas vezes até mesmo substituindo a expressão “direitos huma-
nos), sob pena de desvalorizar o seu conteúdo, de uso manifesta-
mente, pois, inadequado.

4. Dos direitos fundamentais estabelecidos nas resoluções


do CNJ que tratam a respeito da Pandemia

Com o objetivo de tentar diminuir os impactos da pandemia


junto aos jurisdicionados, ainda mais porque o acesso à jurisdição é
um dos princípios do direito processual, consistindo em verdadeiro
direito fundamental, o Conselho Nacional de Justiça, órgão encar-
regado, a teor do que disciplina o artigo 103-B, artigo 103-B, § 4º, I,
II e III, da CF, resolveu, em 19 de março de 2020, editar a resolução
n. 313, que disciplina várias diretrizes, direitos e deveres, a serem
enfrentados, tanto pelas partes, advogados e membros do Poder Ju-
diciário, Ministério Público e Polícias, de um modo geral, de caráter
emergencial, mas que já se arrasta por alguns meses, exatamente
enquanto durar o estado de epidemia por que passa o país.
O primeiro aspecto que se observa desta resolução são os
“considerados” (justificação) pela qual foi elaborada, onde cha-
ma a atenção como sendo um dos itens “a natureza essencial da
atividade jurisdicional e a necessidade de se assegurarem con-
dições mínimas para sua continuidade, compatibilizando-a com
a preservação da saúde de magistrados, agentes públicos, advo-
gados e usuários em geral”, e outro que “a existência de crité-
rios conflitantes quanto à suspensão do expediente forense gera

53
JOSELI LIMA MAGALHÃES

insegurança jurídica e potenciais prejuízos à tutela de direitos


fundamentais”, bem assim e, por fim, “a necessidade de se uni-
formizar, nacionalmente, o funcionamento do Poder Judiciário
em face desse quadro excepcional e emergencial”.
Chama a atenção o aspecto de que a resolução não se aplica
ao Supremo Tribunal Federal e à Justiça eleitoral. O primeiro tri-
bunal por se entender ser a Corte Suprema do país e que teria que
determinar, bem ou mal, o direcionamento da jurisdição no país
– não podendo ficar inerte a tão grave quadro pelo qual o país
atravessa. Muito pelo contrário, várias vezes o STF se posicionou,
inclusive limitando os poderes do Presidente da República, no
que se refere ao comando do combate ao COVID-19; já quanto à
Justiça Eleitoral diz respeito à própria natureza célere e mais do
que ininterrupta que esta justiça traz em seu cerne. Some-se a isto
o aspecto de que o ano de 2020 foi ano de eleições municipais,
tendo inclusive sido adiadas, ainda que por poucos dias, as datas
das eleições (ventilou-se, inclusive, o adiamento das eleições em
até dois anos, para coincidir com as eleições presidenciais e go-
vernamentais, mas o lobby junto ao Congresso Nacional foi mais
forte, e o próprio respeito às normas constitucionais que nada
previa no particular a respeito de tal postergação). Ainda que não
deixe claro, contudo, se entende que a prática de atos presenciais
junto a estes Tribunais, como a sustentação oral, audiências ou
busca de processos ficou suspensa, tanto assim que várias foram
as situações de julgamentos on line ocorridos no TSE e STF, ou
seja, apesar do artigo segundo da Resolução dizer que “esta Re-
solução não se aplica ao Supremo Tribunal e à Justiça Eleitoral”
isto não se deu ao “pé da letra”.
A Resolução 313/20 do CNJ tenta, ao máximo, manter um
nível de normalidade das prestações jurisdicionais, ainda que
sob a égide da pandemia, tanto assim que estabelece o regime
de “Plantão Extraordinário”, objetivando uniformizar o funcio-
namento dos serviços judiciários de maneira menos traumático
possibilitando máximo de acesso à justiça, mas sempre com a
preocupação de evitar o contágio com o novo Coronavirus.
O Plantão Extraordinário é aquele em que funciona no mesmo
54
Da relativização dos direitos fundamentais na pandemia e a
atuação legislativa do Conselho Nacional de Justiça
horário do expediente forense regular, mas não permite a presença
física dos serventuários da justiça, com exceção dos serviços tidos
como essenciais que somente fisicamente podem ser realizados,
como por exemplo manutenção da segurança, meios de comunica-
ção, energia elétrica e água das unidades jurisdicionais. Estas ativi-
dades essenciais serão definidas, em lei (em sentido amplo) pelas
próprias Presidências dos Tribunais, devendo-se garantir minima-
mente: a) a distribuição39 de processos judiciais e administrativos,
com prioridade aos procedimentos de urgência: com efeito, o prin-
cípio do acesso à justiça tem como principal referencial o próprio
acesso material à função jurisdicional, ou seja, aquilo que as pessoas
falam em “entrar na justiça com um processo”, consistindo no ajuiza-
mento da petição inicial. O princípio do acesso à Justiça, contudo, não
pode ser entendido apenas e tão somente neste viés, mas sim o acesso
a todos os atos e termos do processo, ao contraditório forte, à produção
das provas, ao verdadeiro diálogo processual, mas sem o primeiro o se-
gundo não se concretiza. A Resolução, ademais, de antemão já ressal-
tou a necessidade de serem protegidos os procedimentos de urgência.
Neste sentido, é comum os advogados, ao protocolarem as demandas,
já no frontispício delas, apontarem ser de “caráter urgente”, quando
muitas das vezes nem o são. Pelo que se nota, em tempos de pan-
demia tudo parece ser urgente...; b) a manutenção de serviços
destinados à expedição e publicação de atos judiciais e admi-
nistrativos: de pouco ou nada adiantaria manter todo o sistema

39 Conforme Portaria n. 57, de 20.03.20, que inclui trata de Inclui no Observatório


Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade
e Grande Impacto e Repercussão o caso do Coronavírus – Covid-19, foi incluído
o assunto “Covid-19” no Sistema de Gestão de Tabelas Processuais Unificadas –
TPU, código 12467 – QUESTÕES DE ALTA COMPLEXIDADE, GRANDE IMPACTO E
REPERCUSSÃO –, com vistas a permitir o prévio cadastramento da informação, o
seu acompanhamento, a extração de dados estatísticos e a promoção de ações
estratégicas em relação à situação do Corona-vírus. Determina, ainda, “a imediata
comunicação aos órgãos do sistema de justiça acerca da necessidade de promover
o cadastramento obrigatório de ações relacionadas ao assunto “Covid-19 (código
12612)” segundo a classificação da TPU, sem prejuízo de as secretarias/serventias,
de ofício, procederem à retificação ou complementação do assunto, caso identifica-
da alguma inconsistência”.

55
JOSELI LIMA MAGALHÃES

jurisdicional aberto (até mesmo porque não poderia ser diferente),


se os atos processuais administrativos e jurisdicionais não fossem
publicados às partes tomarem conhecimento e, a partir daí, pratica-
rem outros atos processuais. Ainda que alguns prazos processuais,
pela própria Resolução, ficarem suspensos, contudo, o data de início
do prazo processual somente se sabe com a publicação no diário ofi-
cial, por isso se trata de atividade essencial, com forte relação com
o princípio da publicidade dos atos processuais, o qual por sinal é
um princípio fundamental, mitigado em tempos de pandemia. Vale
apontar, ainda que a Resolução expressamente não diga, mas se en-
tende que estes atos processuais praticados de expedição e publicação
estão relacionados à forma eletrônica, isto porque ainda existe a possi-
bilidade de expedição e publicação de atos judiciais e administrativos
por meio dos Correios e Oficial de Justiça, o que contrariaria o próprio
sentido geral da norma de evitar o contato físico entre os jurisdiciona-
dos e aqueles que de alguma forma participa do processo (servidores
públicos em geral); c) o atendimento aos advogados, procuradores,
defensores públicos, membros do Ministério Público e da polícia ju-
diciária, de forma prioritariamente remota e, excepcionalmente, de
forma presencial: uma das principais preocupações da Resolução é
garantir o princípio do contraditório, como direito fundamental, em
tempos de pandemia, o que poderia ser mitigado com o não atendi-
mento dos representantes das partes de forma presencial. Daí a forma
prioritária ser por vídeo-conferência, por telefone ou outra forma não
presencial, mas em situações onde houver a necessidade imperiosa
da presença do representante da parte (advogado, por excelência),
inexistindo proibição para tal atendimento, ainda que apenas de
forma excepcional, o que geraria uma justificação acentuada do ad-
vogado para poder se encontrar pessoalmente com o magistrado. O
próprio art. 3º., da Resolução preconiza que fica “suspenso o aten-
dimento presencial de partes, advogados e interessados, que deverá
ser realizado remotamente pelos meios tecnológicos disponíveis”,
devendo os Tribunais manter canais de atendimento, como divul-
gação de lista de telefone dos servidores públicos para atendimento
remoto. A Resolução preconiza, ainda, o inciso IV, como sendo a
manutenção dos serviços de pagamento, segurança institucional,
56
Da relativização dos direitos fundamentais na pandemia e a
atuação legislativa do Conselho Nacional de Justiça
comunicação, tecnologia da informação e saúde; e por fim, as ati-
vidades jurisdicionais de urgência previstas na própria Resolução.
Um dos princípios mais debatidos e estudados do direito pro-
cessual ligados aos direitos fundamentais em tempos de pandemia é
exatamente o princípio do acesso à justiça (jurisdição). Tanto assim
que foi preocupação premente do CNJ, por meio da Resolução 313,
no artigo 4º., estabelecer fossem garantidas a apreciação de várias
matérias no chamado Plantão Extraordinário, como as que tratam
de habeas corpus e mandado de segurança; liminares e de antecipa-
ção de tutela de qualquer natureza, inclusive no âmbito dos juizados
especiais; pedidos de alvarás; processos relacionados a benefícios
previdenciários por incapacidade e assistenciais de prestação conti-
nuada, entre outros, para que se tivesse o menor de impacto na vida
das pessoas os efeitos decorrentes da Pandemia, quando principal-
mente a Função Judiciária é aquela capaz de minorar o sofrimento
por que passa o jurisdicionado. Os processos em tramitação já são
lentos e vagarosos, e, mais, ainda, em um momento tão aflitante
como o de estado de pandemia, daí por que o regime de Plantão Ex-
traordinário, com suas exceções legais, ainda que sob a égide de uma
resolução do CNJ (mas com efeito de lei e como se lei fosse) tenta equa-
lizar a situação a um estando menos grave, não podendo, vale dizer, que
referido plantão “não se destina à reiteração de pedido já apreciado no
órgão judicial de origem ou em plantões anteriores, nem à sua reconsi-
deração ou reexame”, o que poderia até ser utilizado por um advogado
“mais sabido” e esperto, para tentar extrair do momento pandêmico
vantagem processual dantes negada.
Todas estas medidas legisladas pelo CNJ são apenas diretrizes,
mas os tribunais (STF, STJ, Tribunais Superiores, Tribunais Regionais,
Tribunais Estaduais e os próprios juizados e turmas recursais) podem
tomar outras medidas que entenderem necessárias e urgentes para
preservar a saúde dos jurisdicionados, no âmbito de suas compe-
tências, devendo, ainda, adequar os atos já editados às resoluções
do CNJ e submetê-los ao próprio CNJ, exatamente para não se per-
mitir uma liberalidade demasiada (procedimentos administrativos)
a ser adota pelos tribunais. Esta é uma das funções constitucionais
do CNJ – harmonizar os atos administrativos elaborados pelos tri-

57
JOSELI LIMA MAGALHÃES

bunais, servindo quase que um STJ de competência administrativa.


Neste sentido, é que uma das temáticas que muito têm angustia-
do os advogados, e também os magistrados e membros do Ministério
Público, diz respeito ao direito à saúde, em tempos de Pandemia. Após
afirmar que sua tese de doutorado perante a conceituada PUC-MINAS,
buscou apresentar uma possibilidade de operação da coletivização da
saúde, e não da doença em si, enquadrando os referenciais teóricos
mais aptos à consecução da hipótese apresentada40, possuindo os di-
reitos fundamentais o caráter de verdadeiros títulos executivos, razão
pela qual apresenta-se inclusive preocupante a demora na concessão,
ainda que por liminares, da concretização destes direitos (da saúde), o
professor Luiz Henrique Vieira Rodrigues aponta que os “os ele-
mentos instituintes (contraditório-vida, ampla-defesa-liberdade e iso-
nomia-dignidade) coinstituem procedimentos na ordem do Direito e
do Estado, balizados por um referente autocrítico-jurídico-linguístico,
a fim de assegurar-se igualdade de fala, interpretação, (re)criação e des-
truição de teorias e procedimentos, com sua conjecturação e aplicação
ad hoc, a fim de erigir-se a democracia coinstitucional e coinstituciona-
lizada por meio de uma fiscalidade cíclica e contínua de caráter episte-
mológico, teórico-processual e técnico-procedimental”41, daí porque a
“a tutela coletiva de direitos, no âmbito do direito da saúde não pode
se limitar a decisões episódicas de caráter liminar, mas assegurar que
a partir desta decisão se desate da implicação biopolítica do vivente na
via nua, ato contínuo ser-lhe-á garantida uma existência digna pós-ati-
vada pelos direitos fundamentais do processo”42, não tendo que se falar
em morte ou desprocessualização dos chamados direitos fundamentais

40 RODRIGUES, Luís Henrique Vieira. Processo e o direito fundamental da saúde


na concepção contemporânea de estado democrático. TESE DE DOUTORADO
(PUC-MINAS). Belo Horizonte, 2019, p. 239.

41 RODRIGUES, Luís Henrique Vieira. Processo e o direito fundamental da saúde


na concepção contemporânea de estado democrático. TESE DE DOUTORADO
(PUC-MINAS). Belo Horizonte, 2019, p. 239.

42 RODRIGUES, Luís Henrique Vieira. Processo e o direito fundamental da saúde


na concepção contemporânea de estado democrático. TESE DE DOUTORADO
(PUC-MINAS). Belo Horizonte, 2019, p. 240.

58
Da relativização dos direitos fundamentais na pandemia e a
atuação legislativa do Conselho Nacional de Justiça
quando se lhes atribuímos este caráter vinculativo e pré-cógnito43. O
CNJ parece não ter ficado omisso quanto a esta questão de saúde dos
jurisdicionados e dos auxiliares da justiça.
Também não passou despercebido pelo CNJ o aspecto de
como lidar com o andamento de processos que necessitem de au-
diência, ainda que estas devam ser realizadas on line. Os juristas
Carlos Henrique Soares e Lucélia de Sena Alves, após abordarem a
respeito das dificuldades enfrentadas pelas partes e advogados com
o bom andamento das audiências de conciliação e de saneamento
do processo (esta última mais rara), alertam que a audiência tele-
presencial de instrução de julgamento “é a que apresenta as maiores
dificuldades”, principalmente pelos seguintes aspectos: “a) a ausên-
cia de publicidade; b) a dificuldade de manutenção de incomuni-
cabilidade no depoimento pessoal; c) a dificuldade de identificação
das testemunhas; d) a dificuldade de intimação, incomunicabilida-
de e inquirição das testemunhas; e) a valoração da prova pelo ma-
gistrado; e f) a instabilidade de tráfego de dados”44.
O enfrentamento desta problemática deve ser superada com
a ajuda da tecnologia, mas é o homem quem vai direcionar a sua
resolutividade, tendo o próprio CNJ disciplinado, por meio de Re-
soluções, como visto, tão encaminhamento, havendo verdadeira
obediência peloso Tribunais quase como se fossem leis processuais
editadas pelo Congresso Nacional. Esta é outra questão, não apenas
teórica, muito grave que deve ser enfrentada pela comunidade aca-
dêmica e pelos profissionais que atuam no dia a dia forense: a toma-
da de competência para legislar pelos tribunais, e pelo próprio CNJ,
de matéria eminentemente de conteúdo processual (competência
da União), não tendo que se falar em conteúdo procedimental.

43 RODRIGUES, Luís Henrique Vieira. Processo e o direito fundamental da saúde


na concepção contemporânea de estado democrático. TESE DE DOUTORADO
(PUC-MINAS). Belo Horizonte, 2019, p. 240.

44 SOARES, Carlos Henrique; ALVES, Lucélia de Sena. Audiências telepresenciais


na Justiça Cível e sua compatibilidade com o Devido Processo Constitucional.
Disponível em www.migalhas.com.br. Acesso em 10.08.20.
59
JOSELI LIMA MAGALHÃES

5. O direito fundamental ao processo: o respeito à teoria


dos prazos processuais como forma de concretização do
contraditório e da ampla defesa

Um dos aspectos mais afetados pelos efeitos da pandemia


consiste exatamente na paralisação das demandas processuais,
prejudicando enormemente o princípio do acesso à jurisdição,
na medida em que não havendo fluidez dos prazos processuais
as demandas não têm o seu curso procedimental normal, pre-
judicando as partes no direito fundamental ao processo. Como
justificativa neste aspecto de que, da necessidade da retoma-
da gradativa dos prazos processuais para o pleno atendimento
dos cidadãos, ainda principalmente relacionado aos procedi-
mentos ditos eletrônicos, foi editada a Resolução Nº 314 de
20/04/2020, em que prorroga Resolução nº 313, de 19.03.20,
modificando as regras de suspensão de prazos processuais, e
logo no artigo segundo disciplina que “continuam suspensos
durante a vigência do regime diferenciado de trabalho institu-
ído pela Resolução nª 313, de 19 de março de 2020, os prazos
processuais dos processos que tramitam em meio físico”, im-
pactando, assim o art. 313, VI, do CPC, enquanto que o artigo
terceiro, da referida Resolução, aponta que os “os processos
judiciais e administrativos em todos os graus de jurisdição,
exceto aqueles em trâmite no Supremo Tribunal Federal e no
âmbito da Justiça Eleitoral, que tramitem em meio eletrônico,
terão os prazos processuais retomados, sem qualquer tipo de
escalonamento, a partir do dia 4 de maio de 2020, sendo veda-
da a designação de atos presenciais”.
Em outras palavras, é como se a marcha processual voltas-
se à normalidade, contudo apenas em relação aos procedimen-
tos virtualizados. Os procedimentos físicos, onde os autos não
foram ainda escaneados e, portanto, não estão no sistema PJE,
mesmo que o ato processual seja praticado, como por exemplo
a prolação de uma sentença ou decisão interlocutória, não está
“correndo” o prazo processual para a parte, por meio do advo-
gado, impugnar a decisão, exatamente porque o advogado não
60
Da relativização dos direitos fundamentais na pandemia e a
atuação legislativa do Conselho Nacional de Justiça
tem acesso aos autos, os quais se encontram em Cartório. Isso
porque nos termos do artigo 4º, da Resolução, mesmo os pro-
cessos físicos fica garantida a “a apreciação das matérias míni-
mas estabelecidas no art. 4º da Resolução CNJ nº 313/2020, em
especial, dos pedidos de medidas protetivas em decorrência de
violência doméstica, das questões relacionadas a atos praticados
contra crianças e adolescentes ou em razão do gênero”. Observa-
se, pois, a preocupação da norma em relação à proteção de direi-
tos fundamentais em que as crianças e adolescentes poderiam
ser afetados. Por fim, quanto aos autos físicos ainda não trans-
formados em virtuais, a parte final do artigo 6º, da Resolução
314, disciplina que os tribunais devem otimizar e providenciar
o traslado de autos físicos, quando necessário, para a realização
de expedientes internos, demonstrando que não é porque o auto
é físico que não possa ser praticado, mas desde que, antes, seja
providenciada sua virtualização. Observa-se, pois, a preocupação
do CNJ em proteger a classe assim chamada de menos favore-
cida ou mais sujeita aos impactos da pandemia, como é o caso
dos menores e das mulheres em situação de vulnerabilidade em
relação aos maridos e companheiros.
Quando, porém, o procedimento é virtual (os autos já se
encontram no sistema do PJE, por exemplo), como o advogado
da parte tem acesso a todo o processo (autos de procedimento)
então os prazos processuais já não mais estão suspensos, e nos
termos do próprio § 1º, do citado artigo, referidos prazos “já ini-
ciados serão retomados no estado em que se encontravam no
momento da suspensão, sendo restituídos por tempo igual ao
que faltava para sua complementação”, complementando o que
diz o art. 221, do CPC.
Há, contudo, atos processuais que mesmo estando os autos
virtualizados, não podem ser praticados pela parte, porquanto há a
necessidade de juntada de algum documento que não tenha a par-
te condições de apresentar em juízo, neste caso, pode a prática do
ato processual ser adiada, mas desde que devidamente justificada
pela parte que requer o adiamento pela impossibilidade da prática
do ato, cabendo ao magistrado acolher ou não, mas sempre funda-

61
JOSELI LIMA MAGALHÃES

mentando a decisão45. É o caso que ocorre nas situações em que o


magistrado determina, em autos de Inventário, que o advogado faça
juntada do pagamento do Imposto Causa Mortis relativo aos bens
do de cujus, provando o advogado que não tem condições porque a
Secretaria de Fazenda do Estado, onde o imposto deveria ser reco-
lhido, não se encontra o setor competente funcionando regularmen-
te para fornecimento das custas de tal imposto.
Vale ressaltar, que muitos atos processuais jurisdicionais
a serem praticados pelas partes, principalmente em demandas
de natureza de direito público, encontram-se diretamente rela-
cionadas com as repartições públicas, às quais muitas delas se
estiverem sem o pleno funcionamento, acarretaria a própria difi-
culdade da prática do ato processual.
Nesta mesma linha de pensamento, o art. 3º., § 3º, da referida
Resolução, disciplina que “os prazos processuais para apresentação
de contestação, impugnação ao cumprimento de sentença, embar-
gos à execução, defesas preliminares de natureza cível, trabalhista
e criminal, inclusive quando praticados em audiência, e outros que
exijam a coleta prévia de elementos de prova por parte dos advoga-
dos, defensores e procuradores juntamente às partes e assistidos,
somente serão suspensos, se, durante a sua fluência, a parte infor-
mar ao juízo competente a impossibilidade de prática do ato, o pra-
zo será considerado suspenso na data do protocolo da petição com
essa informação”, demonstrando, mais uma vez, a preocupação do
Conselho Nacional de Justiça para que não haja prejuízo às partes,
desrespeitando o contraditório e a ampla defesa, o que poderia ser

45 Em obra que colaciona vários trabalhos acadêmicos produzidos a partir de


monografias jurídicas de alunos do curso de especialização em direito processual
da UFPI, produzi um texto designado “A fundamentação das decisões jurisdicionais
e suas relações como contraditório: da origem à presença marcante no novo CPC”,
onde foi analisado e apresentado o conteúdo deontológico do princípio processual
da motivação das decisões jurisdicionais e suas conexões com o princípio do con-
traditório. Em tempos de Pandemia, cada vez mais estes dois princípios tendem a
ser severamente desrespeitados. (MAGALHÃES, Joseli Lima (Coord.). A fundamentação
das decisões jurisdicionais e suas relações como contraditório: da origem à presença
marcante no novo CPC. In O Processo e os Impasses da Legalidade. Teresina: EDUFPI,
2018, p. 19-64).
62
Da relativização dos direitos fundamentais na pandemia e a
atuação legislativa do Conselho Nacional de Justiça
fatal em relação à pretensão da parte, não só quanto ao mérito, mas
também quanto aos pedidos preliminares.
Ademais, muito se diz que um dos principais efeitos da Pande-
mia consiste na antecipação, em pelo menos cinco anos, para entra-
da em vigor de muitos recursos tecnológicos que estavam adorme-
cidos, sendo o mundo jurídico e acadêmico (sem falar da área da
saúde) um dos mais afetados. Com isso, muitos advogados tiveram
que se reinvetar (palavra da moda), a ponto dos recursos tecnoló-
gicos muitas vezes substituírem a vontade das próprias partes. Tais
acontecimentos já vinham acontecendo, lentamente, e não era per-
cebido pelas pessoas, mas agora, pela própria ruptura que o siste-
ma se apresentou, ficou mais evidente. Engana-se, contudo, quem
pensa que não teremos que pagar um preço alto por esta amável
tecnologia, quando na verdade a “crença de que o aumento e o aper-
feiçoamento de tecnologias resultam em felicidade cada vez mais
geral vem acarretando convicções de que uma CIÊNCIA aberta a
uma revisão crítica permanente por teorias que lhes questionassem
os fundamentos perderia a sua qualidade multiplicadora do consu-
mismo, tornando a vida menos atrativa para os homens”46.
As próprias Resoluções do CNJ contribuíram para esta an-
tecipação “tecnológica”, cabendo, agora, aos jurisdicionados di-
mensionarem os efeitos, positivos ou não, dos impactos de tais
recursos tecnológicos na vida das pessoas.

Considerações conclusivas

O momento por que passa o Brasil é bastante preocupante no que


se refere à concretização dos direitos fundamentais, ainda mais porque
a sua relativização encontra obstáculos principalmente na própria es-
trutura arcaica do modo de pensar o direito processual, onde se coloca
a jurisdição no centro do debate, quando deveria ser o processo.
Ainda que o Conselho Nacional de Justiça tenha se posicionado,
por meio de edição de várias Resoluções, com o viés de procurar contor-

46 LEAL, ROSEMIRO PEREIRA. Processo como Teoria da Lei Democrática. Belo Horizonte:
Fórum, 2010, p. 202.

63
JOSELI LIMA MAGALHÃES

nar os impactos da falta de acesso à justiça para muitos jurisdicionados,


há verdadeiro déficit de democracia, porquanto são normas jurídicas
que não passaram pelo ambiente da discurssibilidade, em um plano
instituinte do processo (legislativo) que a lei deve possuir, sem que hou-
vesse participação das partes na sua construção, o que até poderia ser
compreensível dado o caráter de excepcionalidade em que o ambiente
pandêmico se encontra imerso, e construídas (as normas) pelo Poder
Judiciário (Conselho Nacional de Justiça).
Não se pode, contudo, deixar de serem estudados o conte-
údo teórico dos direitos fundamentais, sua origem e caracterís-
ticas – só assim podem ser apresentados elementos técnicos e
teóricos capazes de superar o que a própria historiografia do ins-
tituto vem repetindo ao longo de anos, em um verdadeiro ciclo de
manutenção da problemática ocasionada pela falta de concreti-
zação dos direitos fundamentais, como, por exemplo, a utilização
desmedida da expressão “dignidade da pessoa humana” muitas
vezes tomada como sinônimo de “direitos fundamentais”.
Espera-se, contudo, que a inafastável relativização dos di-
reitos fundamentais (otimizada pelo próprio CNJ) reflita um
impacto o tanto menor junto à sociedade, que de tão sofrida se acha
pela negação de outros direitos básicos que lhes são sonegados, ten-
do ainda que enfrentar uma crise econômica e de saúde, sem se falar
na política, em tempos obscuros de causados pandemia, projetando
um ambiente vindouro incerto e repleto de pessimismo.

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