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Joseli Lima Magalhães
Considerações iniciais
A
doença causada pelo novo coronavírus, que é
uma variante do SARS-COV-2, denominada
COVID-19, teve sua origem na cidade chinesa
de Wuhan, em 31 de dezembro de 2019, sendo que o primei-
ro caso no Brasil foi registrado em 26 de fevereiro de 2020
e desde então praticamente toda a sociedade brasileira vem
debatendo a respeito dos impactos deste novo vírus na socie-
dade, com fortes impactos no mundo jurídico, inclusive, tor-
nando-se, assim, emergência de saúde pública global e, “por
sua propagação veloz e exponencial, muitas nações afetadas
rapidamente adotaram medidas de distanciamento social e
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15 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 25.
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Da relativização dos direitos fundamentais na pandemia e a
atuação legislativa do Conselho Nacional de Justiça
na construção das democracias. Não à toa que muitos exem-
plos de fraternidade ocorreram durante a crise pandêmica,
principalmente porque houve uma associação premente com
o elemento vida (na verdade, a ofuscação da morte), e as pes-
soas, sem esperar a providência estatal (por meio de leis ou
não) tomaram a iniciativa, por elas mesmas, de ajudar às ou-
tras pessoas, o que de certa forma tem até relação direta com a
concretização dos direitos fundamentais, postos abstratamen-
te pelo Estado. É como se houvesse uma comunidade de agir
não atrelada à figura estatal, demonstrando, mais uma vez, o
rompimento com o moderno, e entrando de vez na pós moder-
nidade. Neste sentido, o “que é verdadeiramente característi-
co do tempo presente é que, pela primeira vez neste século, a
crise de regulação social corre de par com a crise de emanci-
pação social. Esta versão da transição paradigmática é o que
designo por pós-modernismo, inquietante ou de oposição”17.
A respeito do binômio solidariedade/fraternidade, que
a pandemia parece ter resgatado, em bem elabora tese de douto-
rado na área da educação, a professora Ivanna Sant’Ana Torres
lembra que “Bauman apresenta uma análise da política pós-mo-
derna que tenha como pilar o tríplice princípio da liberdade, dife-
rença e solidariedade, apontando a solidariedade como condição
necessária e contribuição coletiva essencial para a consolidação
dos princípios da liberdade e diferença, condição que a moderni-
dade não conseguiu cumprir18. O sociólogo polonês, judeu, autor
de “Modernidade Líquida”, que não viveu para presenciar a pan-
demia decorrente do novo coronavírus, parece que previu todos
estes acontecimentos pelos quais estamos passando, ao dizer que
no “mundo pós-moderno, os primeiros dois elementos da fór-
mula tríplice têm muitos aliados abertos ou encobertos, quando
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20 Já outros podem ser qualificados como “os cem CPF’s”, pelas inúmeras fraudes
ocorridas para recebimento do chamado “auxílio-emergencial”.
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atuação legislativa do Conselho Nacional de Justiça
não notadas, ou melhor, somente vista em tempos de eleição. Os
direitos fundamentais de segunda geração demonstram, mais do
que nunca, um fosso de desigualdade bastante acentuado e uma di-
ficuldade colossal para diminuir tão disparate de renda, basta ver
a inaceitabilidade, por parte do próprio STF, de diminuição de
parte dos vencimentos dos funcionários públicos do Legislativo
ou do Judiciário, ainda que boa parte da iniciativa privada esteja
ou estivesse sendo pressionada pelas medidas de contenção de
despesas e aperto à saúde pública.
Paulo Bonavides sustenta que, com o desenvolvimento da
tutela aos direitos sociais, os publicistas alemães começaram a
observar que as próprias Instituições passaram a se fortalecer,
surgindo, assim, as garantias instituicionais. A vantagem é que
determinadas instituições recebem proteção especial, não po-
dendo ser renegadas a segundo plano ou facilmente mudados
seus institutos primários pelo legislador. Assim, de certo modo
a importância das garantias institucionais é a valorização dos
próprios direitos de liberdade, que passaram de uma esfera de
subjetividade para um campo de objetividade, obedecendo-se,
no entanto, a ordem jurídica posta. Os direitos de segunda gera-
ção possuem um critério objetivo de valor, e de maior relação do
homem em sociedade. A ideia é que não existe um homem feliz
individualmente, se todos os demais encontram-se infelizes.
Quanto à teoria dos direitos fundamentais, Paulo Bonavides
toma como ponto de partida a fraternidade, em que se prote-
ge os direitos individuais e coletivos, dotados de elevado teor
de humanismo e de universalidade. Segue a classificação de
Vasak, mas que pode perfeitamente tal elenco ser ampliado,
dependendo do desenvolvimento da humanidade. A classifi-
cação por ele adotada vai desde o direito ao desenvolvimento,
passando pelo direito à paz, direito ao meio ambiente, direito
de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade, indo
até o direito de comunicação.
Em tempos de crise, é de se esperar, mas não tolerar, que
o Estado acabe se aproveitando do momento para impor pautas
sem que a opinião pública ou sociedade se encontre atenta. Foi
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21 Em relação à declaração universal dos direitos do homem, entende ser uma síntese
e convergência de todos os direitos fundamentais presentes até 1948, bastando fazer-se
uma retrospectiva da evolução dos direitos do homem para se observar que há critério
rigoroso e lógico do desenvolvimento e conquista dos próprios direitos fundamentais,
passando-se do Estado absolutista para o Estado liberal e finalmente, para o estado
Democrático de Direito, havendo, pois, verdadeira humanização dos direitos
fundamentais. Em relação à declaração universal e a proteção dos direitos sociais,
Paulo Bonavides analisa que as Constituições devem estar sempre evoluindo, devendo
encontrar-se em moldura com as aspirações do consenso popular, tanto assim que
a nossa Carta Magna de 1988 trouxe um aspecto inovador e salutar: os direitos e
garantias individuais foram demasiadamente elencados, numa nítida impressão da
importância que eles possuem, estabelecendo-se, mais adiante, cláusulas pétreas
que não podem suprimi-los. Aponta, ademais, que não obstante este avanço espetacular,
seria de bom alvitre que os direitos sociais entre o trabalho e o capital também
fossem mais rigidamente protegidos, mas que tudo é uma evolução, e a tendência é
que tal tutela venha a ocorrer, como outrora com garantia à separação dos poderes. Por
fim, expõe que de nada vale existir a Declaração Universal dos Direitos do Homem e
o estatuto da Liberdade do Homem ou outras Cartas Humanitárias que elencam proteção
aos direitos fundamentais do ser humano se não houver uma predisposição rígida e
objetiva de pô-las em prática, e conscientizar a sociedade que os direitos fundamentais
são, de fato, invioláveis. (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São
Paulo: Malheiros, 1996).
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24 LEAL, ROSEMIRO PEREIRA. Processo como Teoria da Lei Democrática. 1ª Ed. Belo
Horizonte: Fórum, 2010, p. 202.
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26 Pertinente, aqui, apontar a concepção do jurista André Del Negri de que “o povo é
o sujeito constitucional”. (DEL NEGRI, André. Controle de Constitucionalidade no
Processo Legislativo: teoria da legitimidade democrática. 2ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2008, p. 62).
29 LACERDA, Galeno. Processo e Cultura. Revista de Direito Processual Civil. São Paulo:
Saraiva, Ano II, jan-junh 1961, p. 74.
30 LACERDA, Galeno. Processo e Cultura. Revista de Direito Processual Civil. São Paulo:
Saraiva, Ano II, jan-junh 1961, p. 74-75.
31 LACERDA, Galeno. Processo e Cultura. Revista de Direito Processual Civil. São Paulo:
Saraiva, Ano II, jan-junh 1961, p. 75.
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Da relativização dos direitos fundamentais na pandemia e a
atuação legislativa do Conselho Nacional de Justiça
Parece, infelizmente, que há toda uma agregação de reso-
lutividade de problemas causados pela Pandemia enveredados
para ser solucionados pelos Tribunais, o que apenas faz consa-
grar o mito da autoridade, do dador de uma justiça quase divina,
moldada pela subjetividade do magistrado.
Ultrapassada a tosca ideia de que o sujeito solipsista é
capaz de contribuir para a distribuição da justiça, somente por
meio do processo, em um ambiente democrático onde a dis-
cursividade se acha elevada a primeiro plano, tendo os agen-
tes, partes, advogados e magistrados no mesmo plano, atu-
ando em conjunto (cooperação, no sentido de concretização
do devido processo legal), é que se pode realmente alcançar a
efetivação dos direitos fundamentais. O processo, pois, é o lo-
cus determinante da concretização desses direitos, o ambiente
preparado pelas partes; não um espaço nu qualquer, onde ine-
xistam agentes tecnicamente preparados, mas onde o discurso
seja realmente o elemento proativo de uma resolução de alter-
cações, de fato, a serem dirimidas.
A discussão acadêmica de se saber o que são, ou quais
são os direitos fundamentais encontra-se superada, de-
vendo-se partir para o modus operandi, de como efetivar
tais direitos (Bobbio). As crises econômicas e sociais cau-
sadas pela pandemia (sem falar da própria crise da saúde,
por si só bastante grave), no Brasil, impõem a utilização de
mecanismos alternativos para se tentar amainar este esta-
do periclitante de como o Direito, inclusive, se comporta,
colocando em cheque a efetividade de muitos dos direitos
fundamentais, cabendo em especial ao direito processual
tomar para si a responsabilidade de se fazer cumprir os di-
reitos fundamentais, em um plano de constitucionalizante.
Assim é que, buscando-se a consolidação dos direito e ga-
rantias fundamentais, que se dá por meio do processo (processo
constitucional), é que o eminente ex professor da UFMG, José
Alfredo de Oliveira Baracho, já apontava que “o processo cons-
titucional consolida-se através da consagração de princípios de
direito processual, com o reconhecimento e a enumeração de di-
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37 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2006, p.75.
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atuação legislativa do Conselho Nacional de Justiça
quando se lhes atribuímos este caráter vinculativo e pré-cógnito43. O
CNJ parece não ter ficado omisso quanto a esta questão de saúde dos
jurisdicionados e dos auxiliares da justiça.
Também não passou despercebido pelo CNJ o aspecto de
como lidar com o andamento de processos que necessitem de au-
diência, ainda que estas devam ser realizadas on line. Os juristas
Carlos Henrique Soares e Lucélia de Sena Alves, após abordarem a
respeito das dificuldades enfrentadas pelas partes e advogados com
o bom andamento das audiências de conciliação e de saneamento
do processo (esta última mais rara), alertam que a audiência tele-
presencial de instrução de julgamento “é a que apresenta as maiores
dificuldades”, principalmente pelos seguintes aspectos: “a) a ausên-
cia de publicidade; b) a dificuldade de manutenção de incomuni-
cabilidade no depoimento pessoal; c) a dificuldade de identificação
das testemunhas; d) a dificuldade de intimação, incomunicabilida-
de e inquirição das testemunhas; e) a valoração da prova pelo ma-
gistrado; e f) a instabilidade de tráfego de dados”44.
O enfrentamento desta problemática deve ser superada com
a ajuda da tecnologia, mas é o homem quem vai direcionar a sua
resolutividade, tendo o próprio CNJ disciplinado, por meio de Re-
soluções, como visto, tão encaminhamento, havendo verdadeira
obediência peloso Tribunais quase como se fossem leis processuais
editadas pelo Congresso Nacional. Esta é outra questão, não apenas
teórica, muito grave que deve ser enfrentada pela comunidade aca-
dêmica e pelos profissionais que atuam no dia a dia forense: a toma-
da de competência para legislar pelos tribunais, e pelo próprio CNJ,
de matéria eminentemente de conteúdo processual (competência
da União), não tendo que se falar em conteúdo procedimental.
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Considerações conclusivas
46 LEAL, ROSEMIRO PEREIRA. Processo como Teoria da Lei Democrática. Belo Horizonte:
Fórum, 2010, p. 202.
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Referências bibliográficas.
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BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. Uma Introdução ao Estudo do Processo
Constitucional. In: CASTRO, João Antônio Lima; FREITAS, Sérgio Henriques
Zandona (coord.) Direito Processual – Estudo Democrático da Pro-
cessualidade Jurídica Constitucionalizada. Belo Horizonte: PUC Mi-
nas. Instituto de Educação Continuada, 2012.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2006.
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RABENHORST, Eduardo Ramalho. Dignidade Humana e Moralidade
Democrática. Brasília: Brasília Jurídica, 2001.
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