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2. AQUESTÃO DO FANTASMA NA
CLfNICA PSICANALfTICA Pág. 21
Bem, aquele rapaz se apresentava como alguém bastante feliz porque estava
perfeitamente integrado. Quando lhe faziam perguntas do tipo "como
vai. .. ", tudo o que podia falar é que ele era um comerciante bem integrado
na comunidade de comerciantes do seu povoado.
o que eu gostaria de tentar hoje, esta noite, no pouco tempo que temos,
seria de justificar o uso de tal termo nessecaso. Eu acho que,
primeiramente, para falar de perversão, é preciso limpar o terreno. O
primeiro ponto: habitualmente falamos de perversão a partir de uma
fenomenologia inaceitável: a fenomenologia da conduta sexual dita
desviante. Por que uma fenomenologia inaceitável? Por duas razões, ou
melhor por duas ordens de razões.
Portanto, uma primeira razão epistemológica: o fato de que uma clínica não
pode justificar "apres-coup". um conjunto de fenômenos que são reunidos
por uma desaprovação de ordem moral. Se uma categoria das perversões
deve existir em nossa clínica, é preciso que ela própria estabeleça os
fenômenos que dela decorrem. Eis a primeira ordem de razões.
D <> L.
(a)
início,
Vocês sabem que no que diz respeito à prática sexual, se pode mudar tudo,
menos o objeto. Isso quer dizer que, se o objeto está presente, o neurótico
é capaz de grande flexibilidade com relação às suas montagens sexuais.
O que muda na perversão?
Db.$}
(a) I{)
ais, que
11
que
Aí vou escrever I{J : fazendo do objeto um falo imaginário, ou melhor,
antes um instrumento que um objeto. Como conseguir não ser um
objeto e sim um instrumento? Precisa-separa tanto, usurpar o lugar do pai,
ou seja, apropriar-se do saber suposto ao pai. O saber do pai, sabe-se
o que é, supõe-se que há ao menos um que pode domar o gozo do Outro.
Há que se observar que ele é, de certa forma, duas coisas, o que nos mostra
uma propriedade única do fantasma perverso. Do lado do sujeito há,
no fantasma perverso, ao menos dois lugares, e desde o início dois lugares.
Je se
sexual é um risco. 1: um risco porque a simples detumescência do órgão
masculino já é perigosa para a continuidade do domínio.
bre o bom
Vamos fechar parênteses e avançar.
s mostra O que mais me interessa na questão das perversões não é tanto a estrutura
á, perversa, que, evidentemente, é pouco comum, mas a facil idade com a qual o
lugares. neurótico se prende em formações perversas. Eu diria mesmo que a
formação perversa é o núcleo da nossa vida social, da vida social do neurótico,
o pela razão que dizia antes: o fantasma perverso aparece como o único no
qual, prontamente, o lado do sujeito tem já pelo menos dois lugares. A que
outro título os neuróticos poderiam manter-se juntos, a não ser no
fantasma perverso?
sma. está
ida em que
) uso Uma questão que se deve levantar, simplesmente, e vocês devem ter
sntasrna percebido: como dois sujeitos, dois neuróticos (um casal por exemplo),
sr aqui vão entrar juntos no mesmo fantasma, isto é, na mesma montagem perversa?
resenta o À primeira vista vai ser fácil, eles vão repartir esses lugares; um vai
desempenhar o instrumento e outro o saber. Mas não é tão simples, porque
a questão que vem em seguida é como dois sujeitos singulares vão entrar
rqar, como numa montagem na qual perseguem o gozo de um mesmo Outro. Ora, mas
lade é o cada um tem seu Outro!
ro,
szer gozar. Vou tentar, de uma maneira um pouco rápida, dar-Ihes a minha resposta
a essa questão. Vocês sabem, certamente, que todo neurótico sonha
a, se coloca em ser perverso. Sonha em ser perverso porque a posição neurótica é
\ mu ito insatisfatória. No que diz respeito a um gozo Iigado à sua posição de
16s, do
perversão 13 objeto, não somente esse gozo é impossível, mas justamente é dele que
o neurótico se defende. O gozo que ele tira dessa defesa é insatisfatório,
em primeiro lugar, porque não é o outro. *
Se tomarmos as coisas sob este ângulo, percebemos que a anál ise nos leva
a interrogar os fenômenos sociais de maneira bastante nova. O exemplo que
mu itas vezes uso, diz respeito a algo que me toca: as defesas dos
criminosos de guerra, no processo de Nuremberg. É uma leitura muito
interessante e vou Ihes dizer porquê. A pergunta que Ihes era colocada,
pela acusação, sobre os crimes de guerra ... Finalmente, o que o Ministério
Público se perguntava - o que não é diferente do que nesses casos
os psicanal istas se perguntam habitualmente - como se pôde ter gozado, por
exemplo, em exterminar milhões de pessoas.
* N. do A. Gozo ligado à posição de objeto, do qual o neurótico justamente se defende, mas também
é insatisfatório porque a sua defesa nunca lhe parece suficientemente segura. Em outras palavras,
14 ele fica insatisfeito em defender-se e em não defender-se o bastante.
.istatório. Ora, as respostas são totalmente defasadas em relação às perguntas: "eu fui
sempre um militar exemplar". O comandante de Auschwitz, por exemplo,
Rudolf Hess, escreveu trezentas páginas de memórias antes de ser
suposto para enforcado, nas quais se justificava; contou como ele era um funcionário
ticos, somos exemplar ... Eu acho que se tem que acreditar nessas respostas. O que
~ueo ele respondia era isso: "vocês estão enganados, o meu gozo não passava
I seja por onde vocês pensam, meu gozo não era pelo fato de matar milhões de
possível: pessoas, meu gozo era de estar numa montagem perversa com os outros
do meu partido, e para ter esse gozo estive pronto a pagar qualquer
preço, evidentemente". Então a questão não é a do sadismo do torturador,
Ide. senão nunca poderíamos sair disso (não podemos conceber que metade
bu seja, o fato da Alema nha tenha sido presa num fantasma sádico desse tipo). O gozo
pai íticos era de ser tomado numa montagem, na qual, cada um é, ao mesmo
segurança, tempo, instrumento e saber, e, numa montagem que nada persegue,
teses. com o gozo do Outro, senão o seu próprio funcionamento.
m pouco mais: Eu acho que para participar desse tipo de montagem - que é mais um
~erversa, "sernblant" de saída da neurose - o neurótico muitas vezes está disposto a
r:ronto até pagar qualquer preço. Eu vou dar um exemplo agora.
defende, mas também * N. da R. Em decorrência da má qualidade do gravação, o que apresentamos a seguir é resultante da
Em outras palavras, colaboração de participantes do debate, que identificados. O autor preferiu que sejam mantidas as
15 suas respostas, mesmo quando não identificados as peguntas.
URANIA PEREZ - No que você disse a respeito de Auschwitz, aplicaria ao
nazismo como totalidade, quer dizer, o interpretaria dentro de uma
dimensão da montagem perversa, na quat os indivíduos, por exemplo, Hitler
- que perseguia o ideal de uma raça pura - estariam na mesma posição?
*
CONTARDO - Acredito nisso... Creio que temos tendência em esquecer o
quanto a posição neurótica é desconfortável; suponhamos que sejamos uma
maioria de neuróticos (o que é provavelmente verdadeiro estatísticamente) e,
bem, se devêssemossempre viver a título de nossa neurose, que dizer,
se nunca tivéssemos tempos de montagem perversa, na nossavida social,
como também de casal (social aqui também significando casal), nossavida
seria insuportáveUO problema é que talvez não estivéssemos todos
dispostos a pagar o mesmo preço para permanecer numa montagem perversa.
z, aplicaria ao CONTARDO - Vocês sabem, certamente, que Lacan dizia que a psicanálise
luma deveria poder fundar um laço social de novo tipo; dizia também que estava
~emplo, Hitler decepcionado porque a psicanálise não inventou um novo tipo de perversão.
a posição? Gostaria de reunir as duas frases dizendo isso: em geral eu não acho que a
psicanálise possa mudar grande coisa no que diz respeito à ordem da
estrutura. Acredito, porém, que se possa habitar as estruturas (inclusive a
~jeito
sua própria) e as mõntagens perversas nas quais se é obrigado a estar preso,
f'e que
de um modo diferentê depois da experiência de uma análise. Isto é o que se
~verno
pode esperar de melhor. No fundo, o que a experiência de uma
ssoas que entra
análise nos traz? Se tivesse que dizer isso em duas palavras, diria que todo
e que uma
aquele lado, ou seja, o lado do Outro, não é habitado, é uma inchação
perversa,
do Imaginário. Talvez depois de feita essa experiência, se esteja disposto a
arece que
pagar menos caro para dominar o gozo daquele Outro, ou pagar menos caro
ontagem.
para proibir-se a si mesmo o gozo daquele Outro, na medida em que aquele
Outro é somente uma inchação. Mas eu não penso que a experiência de
uma análise possa permitir uma mudança de estrutura.
em esquecer o
sejamos uma JAI RO GERBASE - Vou formular então minha pergunta de maneira
~ísticamente) e, direta: então a perversão é um laço social? Sim ou não?
e dizer,
ida social, CONTARDO - Sim, eu acho, até que é o laço social, no sentido, diria eu,
l. nossavida corriqueiro do laço social - o que faz com que as pessoas se associem.
odos Faço essa colocação porque quando Lacan diz "o laço social é um fato de
agem perversa. discurso", ele utiliza esse termo num uso inteiramente específico
e diferente do sentido comum de laço social.
institu ição,
e perversa? JAIRO GERBASE - Eu acrescentaria apenas se, quando o Sr. afirma que
sim, que a perversão é um novo tipo de discurso e até que é o laço social por
nso que a vida excelência, o Sr. se refere à estrutura perversa ou à montagem
conhecê-lo, perversa do neurótico?
ees de
ntagens CONTAR DO - Sim, é muito importante isso. Refiro-me à formação
perversa, quer dizer, a complacência neurótica para com a montagem
perversa. Penso que haveria montagens perversas, que o nosso laço social
uito minha cotidiano seria uma montagem perversa, mesmo que não houvesse perversos
ensando de estrutura. Não é necessário que haja um perverso de estrutura para que
se o Sr. dois neuróticos façam um casal perverso - perverso no sentido de
o. É isso formação e não de estrutura. Posso dar um exemplo banal, banal, diria eu,
porque pertence a fenômenos da vida amorosa banal. Uma posição, diria
assim, de complacência histérica, como esta palavra do amor tão
corriqueira que uma mulher diz para seu homem: "faça de mim o que
s perversas.
17 você quiser". Basta o homem acreditar nisso (e ela deve tê-lo encorajado)
para que possam funcionar numa montagem perversa. Habitualmente isso
não dura muito tempo; apenas o tempo de um jogo sexual, porque a
estrutura histérica, se é somente da mulher, vai fazer com que, se o
homem acreditar nisso demais, ela diga-lhe: "você está pirado", ou seja, vai
mostrar-lhe sua castração, e tudo pára ai, como também pode não parar.
*
CONTAR DO - Não posso responder porque não se trata de um paciente. O
que me surpreendeu no caso desse rapaz, é que havia todos os elementos para
uma grande infelicidade neurótica, mas, o que aparentemente o subjetivava
era a sua função social de comerciante numa cooperativa de comerciantes.
A sua palavra de sujeito era aquela. É por isso que eu tinha o sentimento
que aquela montagem perversa, ou seja, aquela montagem associativa,
dava-lhe uma subjetivação de troca (falso self).
m paciente. O *
elementos para
o subjetivava CONT AR DO - Não. Lacan escreve desta maneira, em função do
ornerciantes. (D O 3l. E a posição propriamente neurótica do fantasma, quer dizer, à
;entimento Demanda do Outro, com relação à qual deveria normalmente me oferecer
xiativa. como objeto, eu respondo com palavras, ou seja, pelo gozo fál ico ( $ ).
Respondo em nome do pai, em nome daquele que eu chamo
para me defender contra essa Demanda. É isso que devemos chamar de
, Charles fantasma do neurótico, vocês vêem, trata-se de um fantasma solitário, quer
sdo até dizer, o neurótico está aí enquanto singular, face a seu Outro. Não
lue uma das é um fantasma que se possa entrar mais de um.
,etomar
'0 com o que O que me interessa é a maneira como o neurótico pode chegar a entrar numa
montagem perversa que lhe torne possível uma vida social, ou seja,
prender-se cçrn outros numa mesma montagem. Mas existe realmente
o lado do um fantasma neurótico. Por exemplo, quando dois neuróticos dormem na
osto. Há, no mesma cama, cada um a título de seu fantasma neurótico - é verdade que
Jeito ao lado não há relação sexual - cada um faz amor com o seu Outro. E normalmente
mca é cada um fala com o seu Outro. E é tudo o que acontece. Por isso entrar
prática numa montagem perversa é tão tentador.
~algo que se
urer dizer, Para colocar o que acabei de dizer me inspiro mais num escrito de Lacan
iue isso se que se chama "Subversão do sujeito e a Dialética do Desejo" do que
ue está no Seminário sobre a "Lógica do Fantasma" - porque no Seminário sobre a
"Lógica do Fantasma" o que me interessa sobretudo é a dedução
lógica do objeto "a".
ecessário
3, é algo Vocês sabem que não devem confiar nos títulos dos Seminários de Lacan,
e porque com raras exceções, como no "Seminário da Angústia", Lacan não
a perversa. fala nunca daquilo que está no título, porque do título ele
sempre diz "eu falarei amanhã".