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• g.P/M,.~ . ce tJ.

l/H Contardo Calligaris


12-14, rue St-Antoine

• 75004 PARIS
Cab.42.74.46.14
Dom. 42.78.80.43

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SUMÁRIO

1. PERVERSÃO - UM LAÇO SOCiAL? Pág. 7

2. AQUESTÃO DO FANTASMA NA
CLfNICA PSICANALfTICA Pág. 21

3. NOSOGRAFIA - SERIA POSSfVEL UMA


NOSOGRAFIA PSICANALfTICA? Pág. 59
1. Perversão- Um Laço Social?
Conferência realizada em 25.07.86, Salvador, Bahia.

Vou tentar Ihes dizer, hoje, o essencial de como eu me interesso pela


questão da perversão.

Inicialmente vou Ihes dar um exemplo, um exemplo banal. Alguns dias


antes de sair para vir aqui, estando no interior da França, conheci
alguém, fora de minha qualificação profissional; um rapaz de 35 anos, que
tinha todo tipo de razão para ser infeliz na sua vida. Ele sofria
notadamente de uma lesão hereditária bastante grave, uma lesão da
córnea, que o tornava quase cego.

Vocês sabem quão delicado é viver um sintoma somático proveniente de uma


lesão hereditária, porque ao mesmo tempo que é uma coisa da ordem
do Real, é também algo que sigla ~ assina a sua própria filiação, ou
seja, de certa forma, frente à doença hereditária, fica-se forçado a situar
seu próprio gozo fálico sobre um Real (a filiação simbólica torna-se Real).
É sempre absolutamente dramático. Não é por acaso que, num
desvio da conversa, este senhor disse, em determinado momento, que
seu filho de dois anos e meio de idade o tinha finalmente chamado de papai.
Ou seja, até os dois anos e meio, aquela criança não podia chamá-Io de pai.
Eu digo que não é surpreendente, porque, quando se é tomado
numa lesão hereditária, é normal que a questão de "ser pai"
seja uma questão quente.

Bem, aquele rapaz se apresentava como alguém bastante feliz porque estava
perfeitamente integrado. Quando lhe faziam perguntas do tipo "como
vai. .. ", tudo o que podia falar é que ele era um comerciante bem integrado
na comunidade de comerciantes do seu povoado.

Se eu falasse dessahistória a um dos meus amigos anglo-saxônicos, ele diria


que é um caso típico de falso self. É verdade. Mas dizer isso - falso self -
não acrescenta nada. É preciso dizer algo mais; o que eu diria, é que
sua posição neurótica era tão difícil que ele conseguia se subjetivar
numa montagem perversa - a montagem perversa dos comerciantes
do seu povoado.

9 * N. da T. "Sigle" no original. Trata-se de um neologismo do autor.


Evidentemente eu suponho que vocês estão surpreendidos com o uso do
termo perverso nessecontexto.

o que eu gostaria de tentar hoje, esta noite, no pouco tempo que temos,
seria de justificar o uso de tal termo nessecaso. Eu acho que,
primeiramente, para falar de perversão, é preciso limpar o terreno. O
primeiro ponto: habitualmente falamos de perversão a partir de uma
fenomenologia inaceitável: a fenomenologia da conduta sexual dita
desviante. Por que uma fenomenologia inaceitável? Por duas razões, ou
melhor por duas ordens de razões.

Inicialmente por uma razão, eu diria, epistemológica, porque o catálogo das


perversões ditas sexuais, seja o sadismo, masoquismo, voyeurismo, etc.etc.,
este catálogo foi estabelecido pelo direito canônico. Foi uma herança
do direito canônico para a medicina, no início do século XIX, ou seja,
quando o direito moderno, o direito napoleônico, cessou de se interessar
pela vida privada das pessoas... Vocês certamente já observaram que nos
países nos quais Napoleão não passou, o direito continua regulamentando a
vida privada das pessoas.A herança dessasituação é que nos EUA (como
vocês puderam ler nos jornais recentemente), o Congresso brincou de
proibir certas práticas sexuais, o que para os olhos de um europeu
não-alemão e não-inglês é um fato absolutamente insólito.

Portanto, uma primeira razão epistemológica: o fato de que uma clínica não
pode justificar "apres-coup". um conjunto de fenômenos que são reunidos
por uma desaprovação de ordem moral. Se uma categoria das perversões
deve existir em nossa clínica, é preciso que ela própria estabeleça os
fenômenos que dela decorrem. Eis a primeira ordem de razões.

A segunda ordem de razões será mais propriamente psicanalítica. De início,


vocês sabem (falaremos disso amanhã certamente), que a cl ínica
psicanal ítica é uma cl ínica estrutural, e fundada sobre a transferência, no
sentido de que a transferência manifesta experimentalmente a própria
estrutura. A cl ínica psicanal ítica não parte de fenômenos objetivados, e sim
diretamente da estrutura, isto é, não fazemos diagnósticos a partir,
por exemplo, de fenômenos elementares, mas estabelecemos um diagnóstico
a partir da maneira como a transferência se amarra. Não podemos,·portanto,
estabelecer um diagnóstico de perversão a partir de uma conduta sexual.

O segundo ponto, ainda de ordem psicanal ítica: essascondutas sexuais, que


10 seriam as perversões, na tradução psicanal ítica, o que as especifica é que
são condutas que colocam em jogo o objeto parcial (já era este o ponto de
do
vista de Freud nos "Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade").

Simplesmente, nós, hoje, percebemos que só há sexualidade pelo viés do


os,
objeto parcial, ou seja, não há amor genital. A colocação em jogo do objeto
parcial no fantasma é uma regra absolutamente universal. Na verdade,
o neurótico disso se defende; quando fala, por exemplo, de seu fantasma
sexual, na maioria dos casos ele não alcança o objeto que o fundamenta, e,
sobretudo, ele não deseja saber, em absoluto, que aquele objeto é ele mesmo.
Ele prefere, de modo geral, colocá-Io nas costas de seu parceiro, mesmo que
seja para encher o saco desse parceiro, para que ele acabe cuspindo esse
objeto. E esse objeto, verdadeiramente o neurótico não o mostra. Apesar de
tudo, é bastante fácil, na análise, perceber que o fantasma neurótico é
fundado sobre um objeto parcial. Quero dizer, que o que faz com que
alguém tenha uma vida sexual, é que existe olhar, voz, esperma, etc. etc.
Se isto é verdadeiro para todo mundo, o que faria a especificidade
ssar
da perversão?
e nos
ando a
Nós temos alguns elementos teóricos para responder a essa questão. Na
amo
montagem do fantasma, escrevo D, que é a Demanda do Outro. A posição
e do neurótico se escreve nas pequenas letras lacanianas do g, porque, em vez
de responder àquela demanda enquanto objeto, o neurótico se defende
respondendo com palavras, ou seja, responde se autorizando pelo pai, pelo
saber do pai suposto, para pagar ao Outro com palavras. Por isso o gozo
nica não
unidos que encontra é o gozo fálico. No entanto, sua posição de sujeito ligado ao
sões gozo fálico só faz esconder sua posição de objeto, inteiramente
essencial para o fantasma.

D <> L.
(a)
início,
Vocês sabem que no que diz respeito à prática sexual, se pode mudar tudo,
menos o objeto. Isso quer dizer que, se o objeto está presente, o neurótico
é capaz de grande flexibilidade com relação às suas montagens sexuais.
O que muda na perversão?

O perverso encontrou uma maneira de reunir, no fantasma, as duas coisas: a


posição fálica de sujeito e a posição objetal. Como?

Db.$}
(a) I{)

ais, que
11
que
Aí vou escrever I{J : fazendo do objeto um falo imaginário, ou melhor,
antes um instrumento que um objeto. Como conseguir não ser um
objeto e sim um instrumento? Precisa-separa tanto, usurpar o lugar do pai,
ou seja, apropriar-se do saber suposto ao pai. O saber do pai, sabe-se
o que é, supõe-se que há ao menos um que pode domar o gozo do Outro.

Se este saber, que permite ter o dominio do gozo do Outro, eu próprio


o tenho, não se trata de o supor a um suposto sujeito; mas, se eu próprio
o tenho, então eu posso realizar o fantasma - já que agora é sem
perigo, já que tenho o saber que domina este gozo e·também sei como
utilizar o objeto para fazer o Outro gozar. Por isso esseobjeto se torna um
instrumento: meu ser objetável se torna tolerável por que eu tenho
o dominio de seu uso.

Nessaposição de I{J ,o perverso é, ao mesmo tempo, o objeto que se


tornou instrumento ( a ~ I{J ) e também o sujeito do saber sobre o bom

uso desse instrumento.

Há que se observar que ele é, de certa forma, duas coisas, o que nos mostra
uma propriedade única do fantasma perverso. Do lado do sujeito há,
no fantasma perverso, ao menos dois lugares, e desde o início dois lugares.

Lado do Outro Lado do Sujeito


O
I
o
I
1
2 a}
$ I{J

Isso parece pouco, mas é importante, já que o neurótico, no fantasma, está


sozinho. Sozinho com o Outro, enquanto que a perversão, na medida em que
há dois lugares frente ao Outro, instrumento e saber (saber sobre o uso
desseinstrumento), permitiria estar-se ao menos dois no mesmo fantasma.
Por isso a perversão é "sernblant" de relação possível. Pode-sefazer aqui
um parênteses: vê-se logo, ao considerar essaescritura, como se apresenta o
perverso na transferência. Apresenta-se sempre de duas maneiras.
No registro da cumplicidade, ou seja, de um dessesdois lugares do
instrumento e do saber - ele nos fala como se fôssemos o outro lugar, como
se estivéssemoscom ele no mesmo fantasma. A segunda possibil idade é o
desafio: neste caso ele nos fala como se fôssemos realmente o Outro,
mas no desafio, pois se somos o Outro, é ele que sabe como nos fazer gozar.

O diagnóstico de perversão, numa clmica fundada na transferência, se coloca


a partir do discurso, ou seja, da maneira como alguém se dirige a nós, do
12 lugar que nos coloca quando nos fala. Portanto, o diagnóstico de perversão
v
elhor, pode-se dar quando esse lugar é da curnpl icidade ou do desafio. Entendam
bem, quando esse tipo de cumplicidade ou de desafio - sentimos e
r do pai, constatamos - são a maneira de falar, eu diria, decisiva para o sujeito. I
~
e
)utro.
Bem, será que o que acabamos de avançar a respeito da perversão do ponto
de vista mais psicanalítico bate com o que costumamos chamar de catálogo
.or!o
das perversões como condutas sexuais desviantes? Eu acho que não é
'óprio
absolutamente o caso, pela razão seguinte, que depois poderemos discutir
me Ihor:...9::-essenciaI para essa posição perversa é, evidentemente, que o saber
mo
que foi apropriado, esse saber que domina o gozo do Outro, precisa estar
lrna um
sem falha. Estar sem falha significa que esse saber possa se manter na
continuidade. E vocês sabem que o ato sexual é algo que confronta sempre
o sujeito diante a descontinuidade. Para a estrutura perversa, o ato

Je se
sexual é um risco. 1: um risco porque a simples detumescência do órgão
masculino já é perigosa para a continuidade do domínio.
bre o bom
Vamos fechar parênteses e avançar.

s mostra O que mais me interessa na questão das perversões não é tanto a estrutura
á, perversa, que, evidentemente, é pouco comum, mas a facil idade com a qual o
lugares. neurótico se prende em formações perversas. Eu diria mesmo que a
formação perversa é o núcleo da nossa vida social, da vida social do neurótico,
o pela razão que dizia antes: o fantasma perverso aparece como o único no
qual, prontamente, o lado do sujeito tem já pelo menos dois lugares. A que
outro título os neuróticos poderiam manter-se juntos, a não ser no
fantasma perverso?
sma. está
ida em que
) uso Uma questão que se deve levantar, simplesmente, e vocês devem ter
sntasrna percebido: como dois sujeitos, dois neuróticos (um casal por exemplo),
sr aqui vão entrar juntos no mesmo fantasma, isto é, na mesma montagem perversa?
resenta o À primeira vista vai ser fácil, eles vão repartir esses lugares; um vai
desempenhar o instrumento e outro o saber. Mas não é tão simples, porque
a questão que vem em seguida é como dois sujeitos singulares vão entrar
rqar, como numa montagem na qual perseguem o gozo de um mesmo Outro. Ora, mas
lade é o cada um tem seu Outro!
ro,
szer gozar. Vou tentar, de uma maneira um pouco rápida, dar-Ihes a minha resposta
a essa questão. Vocês sabem, certamente, que todo neurótico sonha
a, se coloca em ser perverso. Sonha em ser perverso porque a posição neurótica é
\ mu ito insatisfatória. No que diz respeito a um gozo Iigado à sua posição de
16s, do
perversão 13 objeto, não somente esse gozo é impossível, mas justamente é dele que
o neurótico se defende. O gozo que ele tira dessa defesa é insatisfatório,
em primeiro lugar, porque não é o outro. *

O problema da neurose, como se sabe, é de referir-se a um pai suposto para


fundar a defesa. Não é um negócio seguro. Por isso nós, neuróticos, somos
tão sensíveis às questões de insegurança na cidade. É por isso que o
discurso político maneja tão bem a questão da insegurança, ou seja
ele funda sobre uma posição neurótica a sua resposta, a única possível:
"vamos inflar imaginariamente o lugar do pai".

Na França, no momento, inventou-se a verificação de identidade.


O que vai confortar-nos é o fato de que eles vão nos verificar, ou seja, o fato
de que o Poder vai mostrar-se a nós. Isso vai nos confortar. Os polrticos
entenderam perfeitamente que, quando alguém se queixa de insegurança,
está pedindo para tomar uma paulada. Aqui fechamos o parênteses.

O neurótico sonha em ser perverso, eu disse. É preciso dizer um pouco mais:


ele está pronto a aceitar quase tudo para aceder à montagem perversa,
para chegar a uma modalidade mais tranquila de gozo. Ele está pronto até
a abandonar sua singularidade, ao ponto de aceitar perseguir um
gozo do Outro, o que é um artefato. Sabem o que significa um
artefato? Significa que, numa montagem perversa, na qual os lugares de
saber e instrumento se repartem, o gozo perseguido é o gozo da montagem;
o que representa o Outro é a própria montagem. Fazer o Outro gozar é
a mesma coisa que fazer a montagem funcionar. O gozo que aí se
obtém, ou seja, de ser instrumento do saber, que assegura um domínio do
gozo do Outro, significa uma recompensa exorbitante.

Se tomarmos as coisas sob este ângulo, percebemos que a anál ise nos leva
a interrogar os fenômenos sociais de maneira bastante nova. O exemplo que
mu itas vezes uso, diz respeito a algo que me toca: as defesas dos
criminosos de guerra, no processo de Nuremberg. É uma leitura muito
interessante e vou Ihes dizer porquê. A pergunta que Ihes era colocada,
pela acusação, sobre os crimes de guerra ... Finalmente, o que o Ministério
Público se perguntava - o que não é diferente do que nesses casos
os psicanal istas se perguntam habitualmente - como se pôde ter gozado, por
exemplo, em exterminar milhões de pessoas.

* N. do A. Gozo ligado à posição de objeto, do qual o neurótico justamente se defende, mas também
é insatisfatório porque a sua defesa nunca lhe parece suficientemente segura. Em outras palavras,
14 ele fica insatisfeito em defender-se e em não defender-se o bastante.
.istatório. Ora, as respostas são totalmente defasadas em relação às perguntas: "eu fui
sempre um militar exemplar". O comandante de Auschwitz, por exemplo,
Rudolf Hess, escreveu trezentas páginas de memórias antes de ser
suposto para enforcado, nas quais se justificava; contou como ele era um funcionário
ticos, somos exemplar ... Eu acho que se tem que acreditar nessas respostas. O que
~ueo ele respondia era isso: "vocês estão enganados, o meu gozo não passava
I seja por onde vocês pensam, meu gozo não era pelo fato de matar milhões de
possível: pessoas, meu gozo era de estar numa montagem perversa com os outros
do meu partido, e para ter esse gozo estive pronto a pagar qualquer
preço, evidentemente". Então a questão não é a do sadismo do torturador,
Ide. senão nunca poderíamos sair disso (não podemos conceber que metade
bu seja, o fato da Alema nha tenha sido presa num fantasma sádico desse tipo). O gozo
pai íticos era de ser tomado numa montagem, na qual, cada um é, ao mesmo
segurança, tempo, instrumento e saber, e, numa montagem que nada persegue,
teses. com o gozo do Outro, senão o seu próprio funcionamento.

m pouco mais: Eu acho que para participar desse tipo de montagem - que é mais um
~erversa, "sernblant" de saída da neurose - o neurótico muitas vezes está disposto a
r:ronto até pagar qualquer preço. Eu vou dar um exemplo agora.

Há dois anos na Europa, houve um grande surto de movimentos pacifistas, e


[ugares de uma das palavras de ordem de um desse movimentos era: "antes
pa monta,gem; vermelho do que morto". Então, qual o sentido desse enunciado?
ro gozar e
í se Esse enunciado vinha da maior parte daqueles que eram chamados de
domínio do
decepcionados do socialismo. Escolher a morte, no esprrlto dessa frase,
escolher combater, era escolher o gozo fálico, e dizer então, "melhor
vermelho do que morto" (o que faz pensar que vermelho não é muito bom
lise nos leva também), quer dizer antes um universo totalitário do que combater
exemplo que em nome de valores fálicos (a liberdade, por exemplo). É muito mais fácil
os para o neurótico entrar numa montagem perversa desse tipo do que
ra muito permanecer no conflito neurótico.
colocada,
e o Ministério Talvez vocês vejam, através desses exemplos e colocações, que a idéia que ora
casos persigo,_é que {2"erversão encontra a sua fenomenologia no campo do,
ter gozado, por social o mais cotidiano, ou seja, tudo o que diz respeito à vida associativa.
'É outra coisa, algo totalmente diferente de um desvio sexual. Vou parar aqui
para abrir a discussão. *

defende, mas também * N. da R. Em decorrência da má qualidade do gravação, o que apresentamos a seguir é resultante da
Em outras palavras, colaboração de participantes do debate, que identificados. O autor preferiu que sejam mantidas as
15 suas respostas, mesmo quando não identificados as peguntas.
URANIA PEREZ - No que você disse a respeito de Auschwitz, aplicaria ao
nazismo como totalidade, quer dizer, o interpretaria dentro de uma
dimensão da montagem perversa, na quat os indivíduos, por exemplo, Hitler
- que perseguia o ideal de uma raça pura - estariam na mesma posição?

CONTAR DO - Não posso responder no que diz respeito ao sujeito


H itler. Vocês sabem que foram tentados diagnósticos sobre ele, e que
durante a guerra, psicanalistas americanos foram pagos pelo governo
americano para essatarefa. Penso que a grande maioria das pessoasque entra
I num sistema total itário é tomada em uma montagem perversa; e que uma
I grande parte de neuróticos, quando tomados numa montagem perversa,
consideram que os benefícios que tiram disso não têm preço. Pareceque
estão prontos para qualquer sujeira para permanecerem nesta montagem.
Mas isso não é somente verdadeiro para o nazismo.

*
CONTARDO - Acredito nisso... Creio que temos tendência em esquecer o
quanto a posição neurótica é desconfortável; suponhamos que sejamos uma
maioria de neuróticos (o que é provavelmente verdadeiro estatísticamente) e,
bem, se devêssemossempre viver a título de nossa neurose, que dizer,
se nunca tivéssemos tempos de montagem perversa, na nossavida social,
como também de casal (social aqui também significando casal), nossavida
seria insuportáveUO problema é que talvez não estivéssemos todos
dispostos a pagar o mesmo preço para permanecer numa montagem perversa.

? +Você diria que a tendência a pertencer a um grupo, a uma instituição,


a ser por ela reconhecido, não seria de certa forma uma atitude perversa?

CONTARDO - Mas sim, certamente. Seguramente eu não penso que a vida


seja possível sem a montagem perversa. Mas o importante é reconhecê-Io.
Acontece que, nas institu ições psicanal ít icas, ou nas associações de
pescadores, isso é bastante inocente. O problema é que as montagens
perversasvão muito mais longe.

JAI RO GERBASE - O título de sua conferência despertou muito minha


atenção. E com atenção, acompanhei o seu desenvolvimento pensando
nos discursos propostos por Jacques Lacan e me perguntando se o Sr.
pretende propor um novo discurso, um laço social de novo tipo. É isso
que o Sr. vem nos propor?

16 • N. da R. Foi feita uma observação sobre a facilidade de se entrar em montagens perversas.


/

z, aplicaria ao CONTARDO - Vocês sabem, certamente, que Lacan dizia que a psicanálise
luma deveria poder fundar um laço social de novo tipo; dizia também que estava
~emplo, Hitler decepcionado porque a psicanálise não inventou um novo tipo de perversão.
a posição? Gostaria de reunir as duas frases dizendo isso: em geral eu não acho que a
psicanálise possa mudar grande coisa no que diz respeito à ordem da
estrutura. Acredito, porém, que se possa habitar as estruturas (inclusive a
~jeito
sua própria) e as mõntagens perversas nas quais se é obrigado a estar preso,
f'e que
de um modo diferentê depois da experiência de uma análise. Isto é o que se
~verno
pode esperar de melhor. No fundo, o que a experiência de uma
ssoas que entra
análise nos traz? Se tivesse que dizer isso em duas palavras, diria que todo
e que uma
aquele lado, ou seja, o lado do Outro, não é habitado, é uma inchação
perversa,
do Imaginário. Talvez depois de feita essa experiência, se esteja disposto a
arece que
pagar menos caro para dominar o gozo daquele Outro, ou pagar menos caro
ontagem.
para proibir-se a si mesmo o gozo daquele Outro, na medida em que aquele
Outro é somente uma inchação. Mas eu não penso que a experiência de
uma análise possa permitir uma mudança de estrutura.
em esquecer o
sejamos uma JAI RO GERBASE - Vou formular então minha pergunta de maneira
~ísticamente) e, direta: então a perversão é um laço social? Sim ou não?
e dizer,
ida social, CONTARDO - Sim, eu acho, até que é o laço social, no sentido, diria eu,
l. nossavida corriqueiro do laço social - o que faz com que as pessoas se associem.
odos Faço essa colocação porque quando Lacan diz "o laço social é um fato de
agem perversa. discurso", ele utiliza esse termo num uso inteiramente específico
e diferente do sentido comum de laço social.
institu ição,
e perversa? JAIRO GERBASE - Eu acrescentaria apenas se, quando o Sr. afirma que
sim, que a perversão é um novo tipo de discurso e até que é o laço social por
nso que a vida excelência, o Sr. se refere à estrutura perversa ou à montagem
conhecê-lo, perversa do neurótico?
ees de
ntagens CONTAR DO - Sim, é muito importante isso. Refiro-me à formação
perversa, quer dizer, a complacência neurótica para com a montagem
perversa. Penso que haveria montagens perversas, que o nosso laço social
uito minha cotidiano seria uma montagem perversa, mesmo que não houvesse perversos
ensando de estrutura. Não é necessário que haja um perverso de estrutura para que
se o Sr. dois neuróticos façam um casal perverso - perverso no sentido de
o. É isso formação e não de estrutura. Posso dar um exemplo banal, banal, diria eu,
porque pertence a fenômenos da vida amorosa banal. Uma posição, diria
assim, de complacência histérica, como esta palavra do amor tão
corriqueira que uma mulher diz para seu homem: "faça de mim o que
s perversas.
17 você quiser". Basta o homem acreditar nisso (e ela deve tê-lo encorajado)
para que possam funcionar numa montagem perversa. Habitualmente isso
não dura muito tempo; apenas o tempo de um jogo sexual, porque a
estrutura histérica, se é somente da mulher, vai fazer com que, se o
homem acreditar nisso demais, ela diga-lhe: "você está pirado", ou seja, vai
mostrar-lhe sua castração, e tudo pára ai, como também pode não parar.

Bastam dois neuróticos para que seja possível a montagem perversa.

*
CONTAR DO - Não posso responder porque não se trata de um paciente. O
que me surpreendeu no caso desse rapaz, é que havia todos os elementos para
uma grande infelicidade neurótica, mas, o que aparentemente o subjetivava
era a sua função social de comerciante numa cooperativa de comerciantes.
A sua palavra de sujeito era aquela. É por isso que eu tinha o sentimento
que aquela montagem perversa, ou seja, aquela montagem associativa,
dava-lhe uma subjetivação de troca (falso self).

MARCUS DO RIO - Num seminário realizado o ano passado, Charles


Melman disse que é surpreendente que ninguém tenha observado até
hoje a proximidade do discurso analrtico com a perversão, e que uma das
consequências dessa proximidade poderia ser o analista vir a se tomar
como seu próprio fetiche. Gostaria de saber se isto tem relação com o que
você falou sobre a montagem perversa.

CONTARDO - É verdade que há uma proximidade, já que do lado do


analista há, para retomar esses termos, o objeto e o saber suposto. Há, no
entanto, 2 distinções para serem introduzidas: no que diz respeito ao lado
do saber, ele é somente suposto e, por esta razão, o objeto nunca é
encoberto por um véu fálico. Apesar de tudo é verdade que a prática
anal ítica pode se tornar uma montagem perversa. Acho que é algo que se
deve cuidar, sobretudo nos termos que você está evocando, quer dizer,
a fetichização da posição de objeto do analista. Enfim, para que isso se
verifique é preciso que o analista acredite assegurar o saber que está
suposto na transferência.

JAIRO GERBASE - Ainda uma questão que me parece ser necessário


colocar: é saber se, o que o Sr. chama de montagem perversa, é algo
diferente da fantasia perversa. Ouvindo o Sr. desenvolver esse
conceito me pareceu tratar-se do próprio conceito de fantasia perversa.

18 * N. da R. Pergunta a respeito do exemplo dado no início da conferência. 19


Imente isso CONT AR DO - É um mal entendido porque no que diz respeito ao
rque a perverso de estrutura, essa escritura: "à Demanda do Outro, eu me
se o apresento como instrumento do seu gozo e como saber sobre as
" ou seja, vai modalidades desse gozo"; em geral, na estrutura perversa, estas duas posições
não parar. estão no mesmo sujeito. Isto eu chamaria normalmente de fantasma
perverso. O fato do neurótico aceder a essa distribuição de lugares que é a
versa. mesma do fantasma perverso, isso eu chamaria de montagem perversa.
Esta seria a diferença.

m paciente. O *
elementos para
o subjetivava CONT AR DO - Não. Lacan escreve desta maneira, em função do
ornerciantes. (D O 3l. E a posição propriamente neurótica do fantasma, quer dizer, à
;entimento Demanda do Outro, com relação à qual deveria normalmente me oferecer
xiativa. como objeto, eu respondo com palavras, ou seja, pelo gozo fál ico ( $ ).
Respondo em nome do pai, em nome daquele que eu chamo
para me defender contra essa Demanda. É isso que devemos chamar de
, Charles fantasma do neurótico, vocês vêem, trata-se de um fantasma solitário, quer
sdo até dizer, o neurótico está aí enquanto singular, face a seu Outro. Não
lue uma das é um fantasma que se possa entrar mais de um.
,etomar
'0 com o que O que me interessa é a maneira como o neurótico pode chegar a entrar numa
montagem perversa que lhe torne possível uma vida social, ou seja,
prender-se cçrn outros numa mesma montagem. Mas existe realmente
o lado do um fantasma neurótico. Por exemplo, quando dois neuróticos dormem na
osto. Há, no mesma cama, cada um a título de seu fantasma neurótico - é verdade que
Jeito ao lado não há relação sexual - cada um faz amor com o seu Outro. E normalmente
mca é cada um fala com o seu Outro. E é tudo o que acontece. Por isso entrar
prática numa montagem perversa é tão tentador.
~algo que se
urer dizer, Para colocar o que acabei de dizer me inspiro mais num escrito de Lacan
iue isso se que se chama "Subversão do sujeito e a Dialética do Desejo" do que
ue está no Seminário sobre a "Lógica do Fantasma" - porque no Seminário sobre a
"Lógica do Fantasma" o que me interessa sobretudo é a dedução
lógica do objeto "a".
ecessário
3, é algo Vocês sabem que não devem confiar nos títulos dos Seminários de Lacan,
e porque com raras exceções, como no "Seminário da Angústia", Lacan não
a perversa. fala nunca daquilo que está no título, porque do título ele
sempre diz "eu falarei amanhã".

19 * N. da R. Pergunta a respeito do fantasma neurótico.

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