Você está na página 1de 6

Ano letivo: 2023/2024

Tema: Análise Crítica de um Trabalho de Campo


09 de fevereiro de 2024

1. Introdução

O estudo das múltiplas dimensões do ser humano, nos micro e macro contextos em
que se insere, são de suma importância para entender as relações que se estabelecem
entre os diversos sujeitos, permitindo desta forma encontrar algumas respostas que
auxiliem as relações interpessoais a fluírem positivamente e o próprio auto conceito a
ser trabalhado no sentido de erigir sujeitos mais saudáveis, altruístas e empáticos, que
criem sociedades sustentáveis e equitativas. Quando entramos neste campo, estamos
no campo das ciências sociais.

Apesar de não ser o objetivo deste trabalho considerei importante iniciar esta análise
referindo o papel fundamental das ciências sociais para a humanidade, apesar das
mesmas terem sido durante muito tempo desvalorizadas em comparação com as
ciências exatas. Não obstante, conseguiram alcançar o seu lugar, ao demonstrarem
que as metodologias por elas usadas são fidedignas, honestas e recolhem e trabalham
dados que conduzem a conclusões que não se confundem de modo algum com
afirmações do senso comum, que derivam de observações sem qualquer tipo de
metodologias e impregnadas de preconceitos e juízos de valor.

Não é de todo fácil proceder a investigações no campo das ciências sociais, devendo
quem pretende fazer um trabalho sério de investigação neste campo, estudar
aprofundadamente métodos e técnicas de investigação.

Com este intuito, procedeu-se à análise crítica de um trabalho de campo,


nomeadamente “A doença mental nem sempre é doença: racionalidades leigas sobre
saúde e doença mental - um estudo no Norte de Portugal” de Fátima Alves. Esta
análise crítica permitiu o contacto com a prática investigativa e uma reflexão mais
aprofundada acerca das potencialidades de cada método para compreender mais
aprofundadamente os contextos sociais com as suas idiossincrasias.

2. Análise Crítica de um Trabalho de Campo


Chegou o momento de se proceder à análise crítica do caso de campo selecionado.
Esta escolha não foi feita de modo leviano, porque tal como o investigador também
aqui se optou por analisar um caso que fosse motivo de interesse e provocasse de
alguma forma curiosidade e espanto.

1
“… fazer pesquisa de campo é ter vontade de agarrar os fatos, de discutir com os
pesquisados, de compreender melhor os indivíduos e os processos sociais. Sem essa
sede de descobrir, sem essa sede de saber, quase que de destrinchar, o campo torna-
se uma formalidade, um exercício escolar, chato, sem interesse.” (Beaud & Weber,
2007, p.15)

Ao se desenvolver um trabalho diário com crianças e jovens com diversos tipos de


problemáticas (Perturbação do Espetro do Autimo, Perturbação da Hiperatividade com
Défice de Atenção, Dificuldade Inteletual e Desenvolvimental, Perturbações da
Personalidade, entre outras) em contexto escolar, sente-se a necessidade de
aprofundar todos esses conceitos que de um modo ou de outro aparecem ligados à
saúde mental, tantas vezes incompreendida. Assim, o estudo de campo analisado foi
desde o primeiro instante o eleito para ser analisado, usando para esse fim as etapas e
os atos de procedimento de Quivy e Campenhoudt (2008).

Figura 1. Esquema retirado de Quivy e Campenhoudt 1998: p. 27.

2.1. Rutura
O filósofo Gaston Bachelard refere na sua obra A Formação do Espírito Científico que
existe um perigoso prazer intelectual na generalização apressada e fácil; sendo que a
psicanálise do conhecimento objetivo deve examinar com cuidado todas as seduções
da facilidade, essa é a condição para se chegar a uma teoria da abstração científica
verdadeiramente sadia e dinâmica. (Bachelard, 1938,p.69) Este pensamento está
intimamente relacionado com o conceito de rutura que é aqui apresentado, enquanto
um dos três actos do conhecimento científico. Como o próprio nome indicia, neste
primeiro ato do procedimento científico tem de se romper com preconceitos, deve

2
existir uma libertação de ideias pré-concebidas, deixando-se a intuição para o campo
do senso comum.
No caso aqui analisado a sua autora consegue empreender um estudo liberto das suas
próprias crenças e pré-conceitos, mesmo numa temática tão sensível como a saúde
mental, sendo a mesma uma profissional de saúde, que aprofunda a visão de saúde
mental das pessoas que não estão ligadas à área da saúde.

2.1.1. Etapa 1 – A pergunta de partida

A pergunta de partida pode formular-se da seguinte forma:

Quais são as interpretações e concepções leigas sobre a doença mental?

Esta questão deveras interessante, transporta em si mesma outra ideia igualmente


estimulante, no sentido em que vai transformar as próprias concepções leigas em
estudo científico.

Está dado o primeiro passo para que se proceda sem grandes avanços e recuos para a
investigação, pois a pesquisa pelo que se quer saber foi escrutinada e resultou numa
pergunta objetiva e passível de um trabalho de campo.

“Os conhecimentos leigos de saúde e de doença são um campo de conhecimento


equacionado a partir de estudos sobre a saúde e a doença em geral. Estes estudos têm
incidido, sobretudo, no estudo das representações sociais e das práticas (Shaw, 2002),
e menos nas racionalidades leigas de saúde e de doença (Silva, 2008).” (Alves, 2008,
p.109) Com esta frase a autora justifica a inovação e importância do seu estudo,
mostrando que existe uma lacuna nesta área de investigação.

2.1.2. Etapa 2 - A exploração

Na etapa da exploração, foram realizadas várias leituras, as quais foram bastante


importantes para clarificar determinados conceitos e relacionar várias perspectivas.
Não parece ter existido uma dispersão na seleção de autores e de leituras, o que
poderia conduzir a um trabalho confuso e a um desperdício de tempo precioso,
necessário para aplicar as metodologias diversificadas. As leituras permitem também
tornar ainda mais claro o caminho a percorrer. Neste estudo que parte da questão
“Quais são as interpretações e concepções leigas sobre a doença mental?” delimita-se
mais o campo e dentro desta questão analisam-se os entendimentos de saúde mental
distintos das concepções instituídas (politica e cientificamente), pois “As
especificidades que se tecem em explicações autónomas e destacadas do
enquadramento institucional, compatibilizando-se simultaneamente com esse mesmo
enquadramento, constituem um desafio à análise sociológica.” (Alves, 2008, p.113)

Foram usadas diversas técnicas de pesquisa, designadamente: - Pesquisa Documental;

3
-Observação indireta; - Entrevistas (em profundidade); - Etnometodologia; -estudo de
casos.

A pesquisa qualitativa foi escolhida por se mostrar como a meais indicada para o
campo de investigação social e cultural das percepções da doença mental.

2.1.3. Etapa 3 - A problemática

A etapa três situa-se entre a rutura e a construção, pois por um lado é resultado das
leituras efetuadas, que conduziram a uma formulação mais consistente da
problemática, levantamento de questões, dificuldades e dúvidas, as quais ajudam a
clarificar o caminho a seguir, logo a construção.

Assim, no caso analisado procura-se responde quais são as interpretações e


concepções leigas sobre a doença mental, em Portugal, na região Norte. A palavra
Leigas é usada no plural porque se percebeu que as concepções e interpretações têm
diversos cambiantes, sendo a forma como o sujeito descreve a realidade e define os
conceitos fruto de inúmeras variantes.

2.2. CONSTRUÇÃO
2.2.1. Etapa 4 - A construção do modelo de análise

O modelo de análise não é estanque ao longo do estudo. No caso analisado salienta-se


que as entrevistas foram sendo reformuladas em equipa, pois perceberam-se algumas
falhas nas mesmas que podiam comprometer os resultados. É também salientado que
alguns resultados foram apresentados e debatidos em seminários nacionais e
internacionais, sendo que o resultado dessas discussões se mostrou uma mais-valia
para o desenvolvimento do estudo.

O trabalho colaborativo é relevante, pois um investigador, solitário, pode ter


dificuldades por si só em destrinçar algumas armadilhas que advêm da aplicação das
metodologias quantitativas e que a sua visão única pode não conseguir descortinar.

2.3. VERIFICAÇÃO

No último ato, verificação, deve-se proceder à confirmação das hipóteses ou hipótese


e com isso responder à questão inicial.

2.3.1. Etapa 5 - A observação

Nesta etapa, detalha-se que se realizou um estudo qualitativo das informações


recolhidas às 68 entrevistas realizadas. Estas foram gravadas em áudio e transcritas na
íntegra.

4
Com o software Statistical Package for the Social Sciences, foi possível realizar uma
análise sociográfica à amostra tendo em atenção diversas variáveis (sociais, culturais,
etc).

“Neste processo recorremos ao software Nud.ist16 que nos permitiu organizar a


informação, o que foi um auxílio precioso na fase da exploração – visto que permite ir
associando ao desenho de uma árvore categorial as suas referências empíricas, ligando
cada categoria à sua raiz em cada entrevista.” (Alves, 2008, p.159)

Algumas falhas, apontadas ao estudo foram levantadas pela investigadora, por


exemplo quando refere que identificou lacunas ao nível das características específicas
da população, especificamente pelo facto de ter existido dificuldades em conseguir
entrevistas com pessoas no sexo masculino.

2.3.2. Etapa 6 - A análise das Informações

Na penúltima etapa faz-se a medição e confronto dos resultados esperados com os


efectivamente encontrados. Neste caso esta etapa também é realizada, pois faz-se
uma análise extensiva dos dados recolhidos nas entrevistas, os quais são tratados e
analisados, com os programas supramencionados. Também são mostradas diversas
partes das entrevistas como forma de exemplificação das ideias recolhidas.

2.3.3. Etapa 7 - As conclusões

“O paradigma do saber leigo é permeado por múltiplas racionalidades, isto é, múltiplas


formas de significar o sofrimento mental e a doença mental.” (Alves, 2008, p. 309)

O estudo apresentado chega a diversas conclusões, podemos apontar aqui três delas:

1ª - A interpretação leiga acerca do sofrimento e da perturbação mental tem por base


uma visão holística de pessoa.

2ª – A psiquiatria tem uma função de controlo, ou seja, esta controla os efeitos da


doença através de medicação e de internamento.

3ª – A psiquiatria é entendida pela sociedade num modelo biomédico

Obviamente, que este caso analisado tem relevância na sua área de investigação, pois
com as conclusões a que chegou permite que os profissionais de saúde tenham em
atenção as perspectivas leigas acerca da saúde mental nas suas diversas dimensões
quer para o indivíduo quer para a sua família e sociedade em que se enquadra. O que
permitirá encontrar respostas mais adequadas e evitar a exclusão social das pessoas
que têm alguma doença mental.

3. Conclusão

5
Após a análise sumária do trabalho de campo segundo a matriz analítica fornecida na
sala virtual, na Unidade Curricular de Metodologias das Ciências Socias, ficou mais
claro os passos que são necessários dar para a construção de um trabalho de
investigação válido que possa ser reconhecido e aceite pela comunidade científica.

Ao ler o caso selecionado e fazendo uma interpretação crítica do mesmo, procedeu-se


também a uma revisão dos diversos passos necessários para uma boa investigação,
assim como à equação das metodologias a usar em determinadas situações. Atendo-
nos nas suas potencialidades e limites.

Quanto ao caso específico analisado está muito completo e abarca todas as sete
etapas apontadas neste trabalho.

Bibliografia:

Alves, M. de F. P., (2008). A doença mental nem sempre é doença: racionalidades


leigas sobre saúde e doença mental - um estudo no Norte de Portugal - Universidade
Aberta

Bachelar, G. (1938). A Formação do Espírito Científico. Edições Contraponto

Beaud, S., Weber, F. (2007). Guia para a Pesquisa de Campo – produzir e analisar
dados etnográficos. Rio de Janeiro: Editora Vozes

Quivy, R. e Campenhoudt, L.V. (1998). Manual de Investigação em Ciências Sociais.


Trajectos, 2ªEd.

Você também pode gostar