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Problema 03

• O sistema representativo é uma descoberta dos modernos. A humanidade, na


antiguidade, não permitia que uma instituição desta natureza fosse instalada, dado
que sua organização social os levava a desejar uma liberdade completamente distinta
da assegurada pelo sistema representativo.

Liberdade Contemporânea (Liberdade Negativa)


Direito de não se submeter senão às leis, de não poder ser preso, detido ou condenado pelo
efeito da vontade arbitrária de um ou de vários indivíduos. É o direito de dizer sua opinião, de
escolher seu trabalho e poder o exercer, de dispor de sua propriedade, de ir e vir, sem
necessitar de permissão e sem ter que prestar conta de seus motivos ou de seus passos.
▪ Enfim, é o direito, para cada um, de influir sobre a administração do
governo, seja pela nomeação de todos ou de certos funcionários, seja
por representações, petições, reivindicações, às quais a autoridade é
mais ou menos obrigada a levar em consideração.

Liberdade para os Antigos (Liberdade Positiva)


Consistia em exercer coletiva, mas diretamente, várias partes da soberania interna, em
deliberar sobre a guerra e a paz, em votar as leis, em pronunciar julgamentos, em examinar
contas, atos, a gestão dos magistrados etc.
▪ Contudo, os antigos admitiam, como compatível a essa noção de
liberdade, a submissão completa do indivíduo à autoridade do todo.
▪ Consequentemente, todas as ações privadas estão sujeitas a severa
vigilância, não havendo independência individual: a autoridade do
corpo social interpunha-se e restringia a vontade dos indivíduos.
As leis regulamentavam os costumes e, como tudo dependia dos costumes, não havia nada
que as leis não regulamentassem. Consequentemente, o indivíduo, quase sempre soberano
das questões públicas, é escravo em todos os seus assuntos privados.

➔ A Guerra e o Comércio
• Todas as repúblicas antigas eram fechadas em limites estreitos. Consequentemente, o
espírito dessas repúblicas era belicoso.
▪ Impelidos pela necessidade de uns contra os outros, esses povos
combatiam-se ou ameaçavam-se sem cessar. Todos compravam a
segurança, a independência inteira ao preço da guerra.
▪ Como resultado necessário dessa maneira de ser, todos os Estados
possuíam escravos. As profissões mecânicas e até mesmo industriais
eram confiadas a mãos dos escravos.
A guerra é anterior ao comércio, pois a guerra e o comércio nada mais são do que dois meios
diferentes de atingir o mesmo fim: o de possuir o que se deseja; o comércio nada mais é do
que uma tentativa de obter por acordo aquilo que não se deseja mais conquistar pela
violência.
• Um homem que fosse sempre o mais forte nunca teria a ideia do comércio. É a
experiência, provando que a guerra o expõe a resistência e malogros diversos, que o
leva a recorrer ao comércio, ou seja, a um meio mais brando e mais seguro de
interessar o adversário em consentir no que convém à sua causa.
• Sendo assim, a guerra é o impulso e o comércio é o cálculo.
A guerra é cada dia um meio menos eficaz de realizar o desejo das nações: elas querem o
descanso; com o descanso, a fartura; e como fonte da fartura, a indústria. Para os antigos, uma
guerra feliz acrescentava escravos, tributos, terras, à riqueza pública e particular. Para os
modernos, uma guerra feliz custa infalivelmente mais do que vale.
Somando-se a isso, graças ao comércio, à religião e aos progressos intelectuais e morais da
espécie humana, não há mais escravos nas nações. Homens livres devem exercer todas as
profissões, atender a todas as necessidades da sociedade.

Há 4 resultados necessários dessas diferenças entre os antigos e os modernos:


1. Primeiramente, a extensão de um país diminui muito em relação à importância política
que possui, distributivamente, cada indivíduo. Na modernidade, a influência pessoal
de um cidadão é um elemento imperceptível da vontade social que imprime ao
governo sua direção.
2. Em segundo lugar, a abolição da escravatura privou a população livre de todo o lazer
que o trabalho dos escravos lhe permitia.
3. Em terceiro lugar, o comércio não deixa, como a guerra, intervalos de inatividade na
vida do homem.
4. O comércio inspira aos homens um forte amor pela independência individual. O
comércio atende a suas necessidades, satisfaz seus desejos, sem a intervenção da
autoridade. Todas as vezes que o poder coletivo quer se intrometer nas especulações
particulares, ele atrapalha os especuladores. Todas as vezes que os governos
pretendem realizar negócios, eles o fazem menos bem e com menos vantagens do que
os indivíduos privados.
Não podemos mais desfrutar da liberdade dos antigos, a qual se compunha da participação
ativa e constante do poder coletivo. Nossa liberdade deve compor-se do exercício pacífico da
independência privada. Diferentemente dos tempos antigos, o exercício dos direitos políticos
somente nos proporciona pequena parte das satisfações que os antigos neles encontravam.
▪ Devemos ser bem mais apegados que os antigos à nossa
independência individual. Os antigos, quando sacrificavam essa
independência aos direitos políticos, sacrificavam menos para obter
mais; enquanto, fazendo o mesmo sacrifício, nós daríamos mais para
obter menos.
▪ O objetivo dos antigos era a partilha do poder social entre todos os
cidadãos de uma mesma pátria. Era isso que eles denominavam
liberdade. O objetivo dos modernos, por outro lado, é a segurança dos
privilégios privados, sendo a liberdade as garantias concedidas pelas
instituições a esses privilégios.

➔ Rousseau e o Poder Social


Constant examina o sistema de Rousseau a fim de mostrar que, transportando para os tempos
modernos um volume de poder social e de soberania coletiva que pertencia a outros séculos,
Rousseau fornece pretextos a mais de um tipo de tirania.
• O modelo de Rousseau requer que os cidadãos sejam dominados para que a nação
seja soberana, e que o indivíduo seja escravo para que o povo seja livre. Essa filosofia
devia encantar homens exaltados por uma vitória recente e que, conquistadores do
poder legal, estavam desejosos de estender esse poder em todas as direções.

➔ Conclusões
A independência individual é a primeira das necessidades modernas; consequentemente, não
se deve nunca pedir o sacrifício individual para estabelecer a liberdade política.
▪ Assim, nenhuma das instituições que, nas repúblicas antigas,
impediam a liberdade individual é aceitável nos tempos modernos.
A liberdade individual é a verdadeira liberdade moderna. A liberdade política é sua garantia e,
portanto, indispensável.
• Porém, não é porque os antigos foram livres e porque não podemos mais ser livres
como os antigos que estamos destinados a ser escravos. Os governos não têm hoje,
como também não tinham antigamente, o direito de atribuir-se um poder ilegítimo.
Mas os governos que possuem fonte legítima possuem ainda menos o direito de
exercer sobre os indivíduos uma supremacia arbitrária, como no caso dos antigos.
▪ Possuímos, ainda hoje, os direitos que tivemos sempre, os direitos
eternos de aceitar as leis, de deliberar sobre nossos interesses, de ser
parte integrante do corpo social do qual somos membros. Porém, os
governos têm novos deveres: os progressos das civilizações pedem à
autoridade mais respeito pelos hábitos, pelos afetos e pela
independência do indivíduo.
• Do fato de que estamos muitas vezes mais descuidados com a liberdade política do
que os antigos, pode-se concluir que negligenciamos demais as garantias que ela nos
assegura; mas, ao mesmo tempo, como buscamos muito mais a liberdade individual
do que os antigos, nós a defenderemos, se for atacada, com muito mais ímpeto e
persistência; e possuímos para a defesa menos que os antigos não possuíam:
▪ O comércio, por exemplo, não só emancipa os indivíduos, mas, com a
criação do crédito, também torna a autoridade dependente. A riqueza
é a força mais disponível em todos os momentos, mais aplicável a
todos os interesses e, em consequência, muito mais real e mais bem
obedecida: o poder ameaça, a riqueza compensa.
▪ O comércio aproximou as nações e lhes deu hábitos e costumes mais
ou menos semelhantes; os chefes podem ser inimigos; os povos são
compatriotas.
• Consequentemente, como a liberdade que precisamos é diferente da dos antigos, essa
liberdade necessita uma organização diferente da que poderia convir à liberdade
antiga. No caso moderno, quanto mais o exercício de nossos direitos políticos nos
deixar tempo para nossos interesses privados, mais a liberdade nos será preciosa.

Daí vem a necessidade do sistema representativo. O sistema representativo não é mais que
uma organização com a ajuda da qual uma nação confia a alguns indivíduos o que ela no pode
ou no quer fazer. Os pobres os fazem seus negócios; os homens ricos contratam
administradores.
▪ O sistema representativo é uma procuração dada. Um certo número
de homens pela massa do povo que deseja ter seus interesses
defendidos e não tem, no entanto, tempo para defendê-los sozinho.
▪ Porém, os povos que, para desfrutar da liberdade que lhes é útil,
recorrem ao sistema representativo, devem exercer uma vigilância
ativa e constante sobre seus representantes e reservar-se o direito de,
em momentos que não sejam demasiado distanciados, afastá-los, caso
tenham traído suas promessas, assim como o de revogar os poderes
dos quais eles tenham eventualmente abusado.
Entretanto, o perigo da liberdade moderna está em que, absorvidos pelo gozo da
independência privada e na busca de interesses particulares, renunciemos demasiado
facilmente a nosso direito de participar do poder político.
▪ Os depositários da autoridade não deixam de exortar-nos a isso. Estão
sempre dispostos a poupar-nos de toda espécie de cuidados, exceto os
de obedecer e de pagar!
▪ Por mais tocante que seja um interesse tão delicado, rogai à
autoridade de permanecer em seus limites. Que ela se limite a ser
justa; nós nos encarregaremos de ser felizes.
• Assim, vede como uma nação cresce com a primeira instituição que lhe devolve o
exercício regular da liberdade política. Longe, assim, de renunciar a alguma das duas
espécies de liberdade, é preciso aprender a combiná-las. As instituições devem realizar
os destinos do gênero humano; elas cumprem tanto mais esse objetivo quanto mais
elevam o maior número possível de cidadãos a mais alta dignidade moral.
A obra do legislador não é completa quando apenas tornou o povo tranqüilo. Mesmo quando
esse povo está contente, ainda resta muita coisa a fazer. É preciso que as instituições
terminem a educação moral dos cidadãos. Respeitando seus direitos individuais, protegendo
sua independência, não perturbando suas ocupações, devem, no entanto, consagrar a
influência deles sobre a coisa pública, chamá-los a participar do exercício do poder, através de
decisões e de votos, garantir-lhes o direito de controle e de vigilância pela manifestação dc
suas opiniões e, preparando-os desse modo, pela prática, para essas funções elevadas, dar-
lhes ao mesmo tempo o desejo e a faculdade de executá-las.

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