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2ª Edição

Manual Prático Para


Urgências e
Emergências
C

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Clínicas
CM

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Editor
Juliano Silveira de Araújo

Coordenadores
Antônio Matheus Gomes Mota Laura Valério dos Reis
Bruno César de Aguiar Guerchman Lucas de Souza Bacellar
Francisco Daniel Gomes de Lima Filho Maria Luiza Cruz Caldas Lins
Gabriela Martins de Queiroz Nathalia Costa de Carvalho
Larissa Queiroz de Oliveira

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LOMBALGIA

LUISA SILVA DE SOUSA


WILLIAM BATAH EL-FEGHALY
JULIANO SILVEIRA DE ARAÚJO
LUCAS DE SOUZA BACELLAR

INTRODUÇÃO
A lombalgia tem como definição a dor, rigidez ou sensação de tensão muscular lo-
calizada abaixo da margem costal, mas acima da região glútea. Estima-se que até 84%
dos adultos têm dor lombar em algum momento de suas vidas e é, depois da cefaleia,
a causa mais comum de dor, representando cerca de 5% das consultas em serviços de
emergência. Na maioria dos casos, os episódios são autolimitados.
Alguns autores subdividem a lombalgia em aguda (até 4 semanas), subaguda (entre
4 e 12 semanas) e crônica (≥ 12 semanas). Embora existam muitas etiologias de dor lom-
bar, a maioria dos pacientes atendidos nas unidades de emergência terão dor lombar
inespecífica (>85%). Portanto, raramente, a lombalgia é um prenúncio de uma etiologia
grave (<1% dos casos).

ETIOLOGIA E DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL


A dor lombar pode ser subdivida de acordo com suas diferentes etiologias, por cau-
sas mecânicas, não mecânicas e viscerais.
A lombalgia mecânica tem diversas causas, como: tensão da musculatura lombar
ou paravertebral, por trauma direto, doenças degenerativas (espondilose e osteoartrite,
por exemplo), espondilolistese, herniação discal lombar, osteoporose, fraturas e o es-
treitamento do canal medular.
As causas não mecânicas também são importantes causas de lombalgia. As neopla-
sias, por exemplo, pela expansão periosteal e possibilidade de fraturas vertebrais pato-
lógicas, podem ser uma causa de dor lombar. Mieloma múltiplo, linfomas, leucemias,
tumores de medula espinal e tumores de retroperitônio são as principais neoplasias
relacionadas. Câncer metastático (excluindo câncer de pele não melanoma) é fator de

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LOMBALGIA

risco importante para lombalgia por metástase, sendo os sítios primários mais comuns
pulmão, mama, próstata, tireoide e ovário). Outras condições não mecânicas importan-
tes são as de natureza inflamatória (como a espondilite anquilosante, espondilite psori-
ática, síndrome de Reiter e a doença inflamatória intestinal) e as de natureza infecciosa
(como a osteomielite, a discite séptica, o abscesso paraespinal, o abscesso epidural, o
herpes-zóster, a tuberculose vertebral, a sífilis terciária, entre outras). Doenças sistêmi-
cas como a sarcoidose, as vasculites, a neuropatia diabética, a acromegalia e a doença de
Paget podem manifestar-se com lombalgia.
Devemos sempre lembrar as causas viscerais de dor lombar, que podem ser dividi-
das em doenças pélvicas (como a prostatite e a endometriose), doenças renais (nefroli-
tíase, pielonefrite e abscesso perinéfrico), doença gastrointestinal (pancreatite aguda,
colecistite e úlcera péptica perfurada), doença vascular (como o aneurisma de aorta).

ANAMNESE E EXAME FÍSICO


A avaliação clínica da lombalgia inclui uma história clínica e exame físico direcio-
nados para avaliar se há sinais ou sintomas que indicam a necessidade de exame de
imagem imediato ou uma avaliação mais aprofundada.
Embora possa não ser possível definir uma causa precisa dos sintomas lombares
para a maioria dos pacientes, o exame clínico é importante para avaliar quanto à al-
terações específicas de certas etiologias (assim como descrito na tabela 1). A história
deve incluir localização, duração e intensidade da dor, detalhes de qualquer lombalgia
prévia e comparar sintomas atuais com anteriores. Deve-se perguntar sobre sintomas
constitucionais (como perda de peso não intencional ou sudorese noturna), história de
doença neoplásica, eventos precipitantes, terapias prévias já realizadas, sintomas neu-
rológicos (fraqueza, queda ou instabilidade da marcha, parestesia ou outras alterações
sensoriais, ou sintomas urinários e de incontinência fecal), de estabilidade ou de pro-
gressão dos sintomas, infecções bacterianas recentes, uso de drogas injetáveis, de me-
dicamentos corticosteroides e procedimentos realizados na região lombar. As radiculo-
patias podem cursar com dor lombar e irradiação para dermátomo correspondente, a
exemplo do nervo ciático, que compreende às raízes L4, L5 e S1.
Características que devem ser encaradas como sinais de alarme e podem sugerir ne-
10-A cessidade de avaliação mais específica incluem: idade superior a 50 anos, histórico de
neoplasia, perda de peso inexplicada, duração da dor superior a 1 mês, dor noturna, au-
sência de resposta às terapias anteriores, uso de drogas injetáveis, infecção bacteriana
recente, febre persistente, sudorese noturna, alteração esfincteriana, déficit neurológi-
co, trauma que precede o quadro, imunodeprimidos e história de aneurisma de aorta.

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REUMATOLOGIA

O exame físico tem como principal finalidade identificar características que sugiram
a necessidade de avaliação adicional. Ele deve conter: inspeção do dorso e da postura,
verificação da temperatura, exame ectoscópico da pele, procurando por lesões elemen-
tares, sinal de Lasègue, palpação e percussão da coluna vertebral e o exame do abdome.
Ademais, o exame neurológico faz-se necessário na avaliação da sensibilidade, marcha,
reflexos e trofismo muscular dos segmentos corporais, a depender da raiz nervosa ava-
liada.

TABELA 1 – INVESTIGAÇÃO DE ETIOLOGIA DE DOR LOMBAR

PISTAS DIAGNÓSTICAS POSSÍVEL ETIOLOGIA

Anestesia em sela, retenção urinária ou incontinência fecal Síndrome da cauda equina

Histórico de neoplasia Doença metastática, mieloma múltiplo


Injeção espinal recente, colocação de cateter epidural Abscesso epidural
Abscesso epidural, metástase para coluna lom-
Imunodeprimidos, uso de drogas injetáveis
bar, osteomielite, discite
Fratura prévia sem trauma, uso crônico de glicocorticoides Fratura patológica osteoporótica
Espondilose ou artrite degenerativa, > 60 anos Estreitamento do canal medular
Homem, jovem, HLA-B27 positivo, rigidez matinal, melhora
Espondilite anquilosante
com exercício, dor noturna
Anemia, hipercalcemia, disfunção renal, lesões osteolíticas Mieloma múltiplo
Bacteremia, febre Osteomielite, discite, abscesso epidural
Psoríase Espondilite psoriática
Dor em cólica, hematúria, náuseas, diaforese Cólica nefrética
História de etilismo ou cálculos biliares Pancreatite aguda
Dor abdominal, descompressão positiva, pneumoperitônio,
Úlcera péptica perfurada
história de dispepsia
Idade, HAS, massa abdominal, sopro abdominal, assimetria de
Aneurisma de aorta
pulsos
Anticoagulação, coagulopatia, queda do hematócrito Hematoma espinhal ou retroperitoneal
Febre, calafrios, disúria, piúria Pielonefrite
Piúria, próstata com hipersensibilidade Prostatite
Dor associada à menstruação e recorrente Endometriose
Rash cutâneo com vesículas Herpes-zóster
10-A
Perda ponderal não intencional Neoplasia ou infecção crônica
Febre persistente, sudorese noturna Abscesso epidural, osteomielite, tuberculose
Déficit neurológico motor Compressão medular
Piora na manobra de Valsalva, sinal de Lasègue Radiculopatia lombar
Idade > 60 anos Osteoartrite, espondilose, espondilolistese

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LOMBALGIA

EXAMES COMPLEMENTARES
Devido ao caráter autolimitado da maioria dos casos, não se torna necessário testes
de laboratório e exames de imagem, exceto na presença de sinais de alarme ou após
observação e tratamento clínico por mais de quatro semanas.
Em alguns pacientes com suspeita de processos inflamatórios, infecciosos e neoplá-
sicos, a velocidade de hemossedimentação (VHS) maior que 40 mm tem alta sensibili-
dade diagnóstica, podendo servir como exame de screening para condições de lombalgia
de maior gravidade. Demais exames, como hemograma, eletrólitos, eletroforese de pro-
teínas, eletroneuromiografia, entre outros, devem ser solicitados quando há suspeita
de uma etiologia específica.
Os exames de imagem podem sugerir causas específicas para a lombalgia. Deve-se
salientar, porém, que pacientes assintomáticos podem ter resultados anormais, o que
torna difícil correlacionar os sintomas aos achados na imagem. Ainda, mesmo quando
os achados radiológicos são consistentes com a apresentação clínica, a magnitude de-
les não se correlacionam necessariamente com a gravidade clínica, e a melhora clínica
pode não se correlacionar com a resolução da alteração radiográfica. Portanto, o exame
de imagem deve ser solicitado de acordo com a suspeita clínica e analisado minunciosa-
mente. A ressonância magnética (RNM) é o exame de imagem de melhor performance
para o diagnóstico.
A radiografia simples de coluna pode fornecer informações importantes (como ali-
nhamento da coluna vertebral, tamanho, estrutura, forma dos corpos vertebrais e pos-
síveis lesões ósseas), além de poder mostrar alterações específicas de determinadas
etiologias (Tabela 2).

TABELA 2 – ACHADOS RADIOLÓGICOS DE PATOLOGIAS CAUSADORAS DE LOMBALGIAS

ALTERAÇÃO RADIOLÓGICA POSSÍVEL ETIOLOGIA


Imagem radiodensa em topografia renal Nefrolitíase
Osteófitos, diminuição do espaço intervertebral, esclerose subcon-
Osteoartrite
dral, estenose do forame vertebral

Deslocamento anterior, fratura no anel ósseo da vértebra Espondilolistese e espondilólise

Lesões osteoblásticas Doença metastática (próstata, por exemplo)


10-A Lesões osteolíticas Doença metastática (como mama e pulmão)
Fraturas patológicas, lesões osteolíticas punched out Mieloma múltiplo
Sindesmófitos delicados, coluna em bambu, vértebras em moldu-
Espondilite anquilosante
ra, sacroileíte, anquilose
Erosão do processo odontoide, subluxação da articulação atlantoaxial Artrite Reumatoide
Sindesmófitos grosseiros, sacroileíte Síndrome de Reiter, artrite psoriática

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REUMATOLOGIA

ALTERAÇÃO RADIOLÓGICA POSSÍVEL ETIOLOGIA


Aumento do diâmetro vertebral Tumores benignos
Erosões vertebrais Aneurisma de aorta

Diminuição de espaço intervertebral, da altura das vértebras e


Fraturas vertebrais
deslocamento das vértebras

Osteopenia vertebral, fraturas patológicas Osteoporose


Pneumoperitônio Úlcera péptica perfurada
Comprometimento de partes moles, osteopenia regional, erosão
Osteomielite
cortical, esclerose

TRATAMENTO
O tratamento da lombalgia depende da condição causadora. Por serem as mais co-
muns nos serviços de emergência, daremos enfoque no tratamento das causas muscu-
loesqueléticas.
A terapia deve se concentrar no alívio sintomático temporário, para maximizar o
conforto do paciente. Os analgésicos não opioides e os anti-inflamatórios não esteroi-
des (AINEs) são as drogas de primeira escolha. Os AINEs devem ser mais considerados
em pacientes mais jovens, sem lesão renal ou gástrica significativa, ou comorbidade
cardiovascular. Paracetamol pode ser indicado para pacientes sem comprometimento
hepático que não toleram os AINEs. O uso de analgésicos a longo prazo deve ser evitado.
Em caso de resistência à dor ou dor severa, podem ser utilizados opioides de menor
potência (como codeína e tramadol) e, se necessário, opioides de maior potência (como
a morfina e a oxicodona). Devem ser prescritos para uso a curto prazo, em um horário
fixo, ao invés de apenas se necessário. Não prescrever glicocorticoides sistêmicos em pa-
cientes com dor lombar.
Pacientes com idade < 65 anos com dor moderada a grave, que não respondem à
monoterapia e podem tolerar os efeitos sedativos, pode ser prescrito um relaxante mus-
cular não benzodiazepínicos (como ciclobenzaprina) em associação aos AINEs.
O repouso absoluto não é aconselhando em pacientes com dor lombar aguda, pois
tem uma recuperação mais lenta do que os pacientes que optam por modificação de
atividade mínima. Sugere-se a prática proporcional ao limite do paciente, devendo-se
aumentar a intensidade progressivamente. Alternativas incluem compressas mornas e
fisioterapia. 10-A

A acupuntura, massagem e ioga só foram avaliadas em pacientes com dor lombar


crônica. Não há recomendações baseadas em evidências para lombalgia aguda.
Pacientes com lombalgia e suspeita de compressão medular podem apresentar
dano neurológico irreversível. Portanto, requer intervenção apropriada e imediata, pois
representa quadro emergencial de grande morbidade.

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FLUXOGRAMA

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REUMATOLOGIA

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Manole; 2015.
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vel em: www.uptodate.com.
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em: www.uptodate.com.
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gy 2005;8,5-15.
6. Chen MYN, Pope TL, Ott DJ. Radiologia básica. 2. ed. Porto Alegre: AMGH; 2012.

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