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Universidade de Pernambuco - UPE

Antropologia Cultural - Prof. Adauto Santos da Rocha


Licenciatura em História - 4°Período

DISCENTE: Julio César Barbosa de Melo.

TEXTO:
CASTRO, C. 2016. Geertz e a dimensão simbólica do poder. In. Copyright (ed). Textos Básicos de Antropologia: cem
anos de tradição: Boas, Malinowski, Lévi-Strauss e outros. Rio de Janeiro, Copyright, p. 232-256.

RESUMO:
Como já evidencia o título do capítulo, o autor trabalhado pelo texto é Geertz, um antropólogo conhecido por sua
abordagem interpretativa da cultura na Antropologia - antropologia “hermenêutica”, “interpretativa” ou “simbólica”. Ele
argumenta que o poder político não pode ser reduzido apenas à coerção e à dominação, mas também possui uma dimensão
simbólica. Acreditando, por suas vez, que a cultura é composta por sistemas de significados compartilhados pelos membros
de uma sociedade. Ele vê, então, o poder político como uma forma de expressão simbólica, onde os rituais, cerimônias e
símbolos desempenham um papel importante na legitimação e na manutenção do poder, uma visão que muitas vezes é posta
em segundo plano nas concepções ocidentais de poder.
O exemplo que Geertz utiliza para evidenciar isso é o Estado-teatro balinês do século XIX. Ele descreve como as
cerimônias e os espetáculos públicos eram utilizados para afirmar o poder dos rajás e para reforçar a ordem social. Esses
eventos simbólicos eram vistos como sagrados e tinham um significado profundo para a população, ultrapassando a
religiosidade e adentrando o mundo político, por ser um elemento fundamental na expressão e na legitimação do poder, que
no caso balines, envolvia a competição constante por status.

FICHAMENTO:
Citações: Pág.: Comentários:
O exemplo do negara nos permitiria ver essa 233 A teoria política ocidental moderna, que enxerga o estado
tradição de outra perspectiva, realçando aquilo como um poder que usa a coerção e a violência como
que ela põe em segundo plano: a dimensão fundamento de sua dominação, é ampliada por Geertz,
simbólica do poder. incluindo o simbolismo como um dos meios de
fundamentação do poder. Para evidenciar isso, tal autor faz
uso do exemplo do negara, o Estado tradicional balinês.
Sobre o termo negara: “A palavra vem do sânscrito e
significa "cidade", "palácio", "capital", "Estado", "reino" e
"civilização"[...]” p. 232.
Negara: o Estado-teatro balinês no século XIX
[...] música bárbara e disparos de armas de fogo. 235 Falas de Geertz em seu texto “Afirmação política: espetáculo
Aquela foi uma visão para nunca ser esquecida e cerimônia”. Elas evidenciam muito bem a visão
por aqueles que a testemunharam e encheu-nos o etnocêntrica em que o autor estava imbuído. Há todo
coração de um estranho sentimento de gratidão momento há uma exposição de sentido de valor, depreciação,
por pertencermos a uma civilização [...] e, até mesmo, supremacia.
Obras como essas são as credenciais pelas quais a
civilização ocidental justifica seu direito de
conquistar e humanizar as raças bárbaras e
transformar civilizações antigas.
[...] havia uma conexão íntima inquebrantável 235- As práticas religiosas eram utilizadas para reforçar e
entre posição social e condição religiosa. O culto 236 justificar a posição social das pessoas, alegando uma base
estatal não era um culto do Estado. cósmica e que a hierarquia era um princípio universal. A
religião, assim, desempenhava o papel de legitimar e
perpetuar a estrutura social hierárquica.
Sobre a posição social o autor afirma: “Assim como o negara
era apenas uma entre várias instituições na Bali clássica, a
obsessão pela posição social era apenas uma entre muitas
obsessões [...]” p.236.
Pois outros aspectos estavam envolvidos nos rituais, como,
por exemplo a existência de um conjunto não ordenado de
ensinamentos sobre o modo como o homem deveria
[...] ciclo hermenêutico: uma troca dialética entre 237 Um processo de interpretação em que as partes e o todo se
as partes que compreendem o todo e o todo que influenciam mutuamente. Envolve analisar e contextualizar
motiva as partes, de tal maneira a deixar visíveis as partes dentro da estrutura de significado, ao mesmo tempo
simultaneamente as partes e o todo. em que se compreende o todo a partir do significado das
partes.
Justamente por isso: “para começar, é preciso compreender o
sentido do que é empreendido [cremação do rei].”p.237.
As cerimónias oficiais balinesas eram um teatro 237 A cremação do rei é vista como exemplo disso. Além de ser
metafísico. um ritual que busca honrar e guiar o espírito do falecido para
o próximo estágio da existência, ela é uma luta por status e
prestígio, cujo cerne consiste em três etapas: a Purificação, a
Obediência e a Aniquilação.
● Purificação (Pabersihan): Neste estágio, o corpo do
falecido é levado por parentes e senhores do reino.
O corpo é adornado com vários materiais, como
espelhos nas pálpebras, flores nas narinas e um rubi
na boca. Este estágio é dedicado à limpeza e
preparação do corpo para o próximo estágio.
● Obediência (Pabaktian): Nesta fase, ocorre a
adoração do corpo do falecido. É um momento de
reverência e respeito, onde os rituais e as oferendas
são realizados em honra ao rei falecido. É um ato de
obediência aos costumes e tradições religiosas.
● Aniquilação (Pabasmian): Este estágio marca o fim
do ritual. É um momento de despedida e liberação
do espírito do falecido. O corpo é cremado e as
cinzas são dispersas. É um ato simbólico de
aniquilação, onde o corpo físico é transformado em
cinzas e o espírito é liberado para seguir seu
caminho. Neste momento também ocorre o
sacrifício das viúvas do rei, queimadas vivas com o
corpo do falecido.
“[...] não havia quase nada, de efigies e montes de arroz a
hinos sagrados e pombos esvoaçantes, que não tivesse um
significado de status explícito, delicadamente
modulado.”p.240.
Assim, os rituais reais (e nisso as limaduras de 241 Uma competição e rivalidade para ser o centro dos centros,
dentes, ordenações, limpezas do reino e que movia a cultura balinesa.
consagrações de templo não eram diferentes das
cremações) encenavam na forma de préstitos os
principais temas do pensamento político balinės: o
centro é exemplar, o status é a base do poder, a
arte de governar é uma arte dramática.
Conclusão: Bali e teoria política
Como foi observado, negara também alcança um 242 Os três temas etimológicos a qual a palavra “estado” vem
variado campo de significados, mas um campo associada são: status, pompa e governança. Sendo o último o
diferente de state, levando às usuais conexões predominante. E esses temas são muitas vezes conectados ao
errôneas de traduções interculturais quando assim negara por erros de tradução.
vertido [...]
“E as conexões entre o que Bagehot chamou de partes
solenes e partes eficientes do governo foram
sistematicamente mal compreendidas.”p.143.
Em todas essas concepções, porém, os aspectos 244 Com relação às concepções ocidentais de estado, que veem a
semióticos do Estado [...] continuam a ser apenas semiótica do estado como resultado do poder, não como uma
um cerimonial ridículo. relação complexa de interdependência.
“As paixões dão tão culturais quanto os dispositivos
[estatais]”p.245.
“Mas, como a evocação de Kipling sugere, ela é uma
concepção, e como todas as concepções, é parcial e brota de
tima tradição específica de interpretação da experiência
histórica.”p.254.
O Estado extraía sua força, que era bastante real, 244 Com relação à fundamentação do estado balines não só no
das energias imaginativas, da capacidade status e no prestígio, como na “segregação” (termo meu).
semiótica de deleitar de maneira desigual.
Se um estado foi construído mediante a 245 A realeza era divina. O monarca não se limitava apenas a ser
construção de um rei, um rei foi construído um líder popular ou um autocrata, mas sim uma figura que
mediante a construção de um deus. incorporava o poder e a autoridade divina. A construção do
Estado era feita através da construção do rei, e quanto mais
exemplar o rei, mais verdadeiro e exemplar era o reino.
A relação geral entre o rei e o mundo material foi 247 A palavra "druwé" é usada para descrever a relação do rei
resumida numa palavra enganosamente prosaica, com o mundo material em Bali. Ela significa "possuído" ou
cuja aparente facilidade de tradução constituiu a "propriedade" e é aplicada não apenas às terras e bens
principal barreira para sua compreensão por parte pessoais do rei, mas também ao reino como um todo,
dos estudiosos: druwé. Druwé (madruwé, incluindo a terra, a água e as pessoas. Mas o conceito não é o
padruwen) significa "possuído" ("ter", "possuir"; de “propriedade”, o rei, na verdade, é considerado o
"pro- priedade", "riqueza"). "guardião" ou "protetor" do reino, assegurando sua
prosperidade e bem-estar. Através de cerimônias e rituais, o
rei simboliza sua centralidade e poder, representando a
riqueza e a população do reino. A palavra "druwé" reflete a
complexa relação entre o rei e o mundo material, destacando
sua autoridade e papel na sociedade balinesa.
“Nessa condição e nesses termos, termos tutelares, e não de
posse, o reino era literalmente sua "propriedade", druwé
raja.”p.249.
É o mais difícil pela sua natureza estranhamente 250 “[...] sua tarefa era projetar uma enorme calma no centro de
despersonalizada, como a veríamos o aparente uma enorme atividade tornando-se palpavelmente
abandono da identidade e da vontade individuais imóvel.”p.250.
em favor da existência de uma espécie de
ideograma humano. “[...] porque o rei como signo transmitia não apenas a
silenciosa suavidade de um espírito tranquilo, mas também a
inexpressiva soberania de um espírito justo.”p.251.
Era o culto do rei que o criava, elevava-o de 251 A realização desses dramas dependia das alianças políticas
senhor a ícone; pois, sem os dramas do Estado disponíveis. Esse culto transformava o rei de líder a ícone,
teatral, a imagem da apresentação composta não em uma competição política de espetáculos. No entanto, os
poderia sequer tomar forma. associados próximos muitas vezes desejavam a desativação
do culto para manter o rei dependente deles. Em resumo, o
culto do rei era uma combinação dinâmica de movimento e
estabilidade, onde cada líder buscava ampliar suas
cerimônias para se destacar e elevar seu status em relação aos
rivais.
“[...] um sistema complexo e cambiante de alianças e
oposições emergia à medida que os senhores tentam
imobilizar seus rivais imediatos acima (torná-los dependentes
e manter o apoio de seus rivais imediatos abaixo (mantê-los
deferentes).”p.254.
Os dramas do Estado teatral, imitativos de si 256 Assim conclui o autor. Esses dramas eram autênticos e reais
mesmos, não eram, afinal, nem ilusões nem em sua própria natureza. Eles não eram meras encenações
mentiras, nem prestidigitação nem faz de conta. vazias, mas sim representações simbólicas do poder e da
Eles eram o que eram. autoridade. Eles tinham um propósito e significado
profundos, refletindo a centralidade do rei e os poderes que
estavam associados a ele. Portanto, o autor está destacando
que esses dramas eram genuínos e não devem ser vistos
como meras ilusões ou enganos.

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