Você está na página 1de 54

Cultura de moda

com João Braga

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98, É PROIBI-
DA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
Aula 1
Por que cobrimos o corpo?
Pudor, adorno e/ou proteção como valores para cobrir a nudez do corpo.

Quais teriam sido as razões pelas quais o ser humano, em um determinado dia, cobriu
seu corpo? Três são elas, e podemos distingui-las relacionando-as ao pudor, ao adorno e à
pro teção. Talvez aqui apareça uma segunda interrogação, ao tentarmos
saber qual das três teria sido a primeira delas. O que posso
responder? Isso depende do ponto de vista para orde-
ná-las.
Sob a ótica da antropologia teológica, não resta
dúvida de que a primeira razão que levou o ho-
mem a cobrir seu corpo foi o pudor. Podemos
compreendê-la pela tradição judaico-cristã
ao lermos o livro de Gênesis, no Antigo Testa-
mento, capítulo 3, versículo 7: “Abriram-se os olhos
de ambos e, percebendo que estavam nus, coseram folhas de
figueira e fizeram cintas para si”. Portanto, o homem e sua
mulher, ao cometerem o pecado original pela deso-
bediência à ordem de Deus, perceberam a nudez e
cobriram suas partes pudentas.

Desse ponto de vista, a indumentária traz em


si um caráter de indignidade da condição humana,
pois só foi percebida a nudez e consequentemente a
vergonha, ao provarem do fruto proibido e assim
sentiram a necessidade de se cobrir. No entanto, Deus,
em sua infinita bondade, fez para “Adão e sua mulher tú-
nicas de pele e os vestiu”, como nos relata o versículo 21, do mesmo capítulo 3, do livro de
Gênesis. Nesse momento, a indumentária é abençoada pelas próprias mãos do Criador. E
essa foi a ordem do uso de materiais: primeiro, a folha vegetal, depois, a pele animal (nessa
ordem, as antropologias teológica e cultural têm a mesma fundamentação). Sendo assim, a
teologia nos ensina que cobrimos, em primeiro lugar, o corpo pela vergonha, pelo pudor.

Sob a ótica da antropologia cultural, duas outras foram as razões pelas quais o homem

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
cobriu sua nudez: por adorno e por proteção. Os antropólogos acreditam que, sob a ótica
científica, primeiramente foi por adorno ou enfeite. Isso porque o processo civilizatório se
deu, inicialmente, em locais de clima quente; portanto, não havia tanta necessidade da pro-
teção do corpo contra o frio, apesar de também a necessidade de existir a necessidade de pro-
teção contra o calor. Depois, também por causa da necessidade de
diferenciação social. Colocados sobre o corpo, esses elemen-
tos -tais como dentes, presas, garras, conchas, ossos e
pedras- eram distintivos que qualificavam as pessoas
com uma determinada identidade entre as demais
da tribo. Vale a pena lembrar, que como a ciên-
cia sempre procurou provas, esses elementos
são bem preservados e conservados pela sua
própria natureza material, ao passo que fo-
lhas e peles, por serem orgânicos, são mais
vulneráveis à deteriorização, não se preser-
vando para servir de provas arqueológicas.

A outra razão é a proteção, presente


também em nossas vestimentas. Então, tam-
bém cobrimos o nosso corpo para nos pro-
teger de diversos fatores, como, por exemplo,
as intempéries: contra chuva, vento, neve, gea-
da, sol escaldante, isto é, contra o frio e o calor.
Mas também era preciso cobrir o corpo contra
outras agressões, como picadas de insetos, mor-
didas de animais ferozes, pedradas ou pauladas de
agressores, entre outras possibilidades.
Logo, essas são as três razões pelas quais em um deter-
minado dia o ser humano cobriu o seu corpo, sendo que
elas sempre permaneceram como identidade do processo his-
tórico da indumentária e/ou da moda.

Ainda, hoje, ao usarmos qualquer peça de indumentária e/ou moda, passamos, simul-
taneamente, por essas três ideias. É bem possível que uma das três razões prevaleça sobre as
demais, mas isso não exclui as outras duas de também estarem presentes.
Portanto, os aspectos de pudor, adorno e proteção fazem parte do conteúdo da linguagem não
verbal do ato de cobrir o corpo.

Excerto do livro “Reflexões Sobre Moda” Vol. III. João Braga. São Paulo: Ed. Anhembi Morumbi, 2006.

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
Aula 1
Estilo
Uma maneira de entender a identidade criadora.

Palavra regularmente usada no universo da moda, estilo viria a ser


uma certa identidade visual fundamentada em valores estéticos e ca-
racterizada por uma maneira específica de combinação de forma, vo-
lumes, cores, padrões e, obviamente, de elementos decorativos de uma
determinada época, cultura ou mesmo individualmente.
Antes mesmo de redigir com um pouco mais de didatismo o
que é estilo, vale a pena entender o significado etimológico da palavra.
Nas línguas neolatinas, como na boa, na velha e na difícil “última flor
do Lácio”, ou seja, na língua portuguesa, “estilo” deriva do latim stilus,
que por sua vez vem do grego stízein. No grego a palavra significa “fa-
zer um sinal com instrumento agudo, pintar”; ao passo que no latim,
que não muda muito, stilus pode ser “haste de planta”, ou também “fer- 1900
ro pontudo com o qual os antigos romanos escreviam nas suas tábuas
enceradas”, ou ainda, “maneira ou arte de escrever, de falar”. Portanto,
entendemos por stilus um objeto cilíndrico, ou em formato semelhan-
te, com uma determinada ponta, segurada pela mão com o qual os ro-
manos registravam para a posteridade suas belas letras em conteúdos
literários. Na língua portuguesa originou a palavra “estilo”, assim como
na língua francesa, outra língua neolatina, originou style, e não é gra-
tuitamente que em francês a palavra “caneta” é stylo, isto é, um tipo de
objeto com o qual escrevemos.
Desta forma, primeiramente, a palavra “estilo” foi utilizada na
área literária. Sendo o stilus um objeto fundamental para a escrita,
percebemos, então, que este é o prolongamento da própria mão que
é capaz de materializar a ordenação do pensamento e, por extensão,
tornou-se a maneira própria, pessoal e legítima de cada escritor ou
orador, que mais adiante vai se tornar um gênero literário que caracte-
rizará a maneira de escrever de uma determinada época.
Com o passar do tempo a palavra migra para outro universo da produ-
1920
ção cultural, ou seja, para as artes plásticas; mantendo o mesmo signi-
ficado, pelo uso de outros elementos, como forma de registro, contudo

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
correlato ao objeto stilus, que pode ser o pincel da pintura; o buril na es-
cultura, e outros objetos de escrita para um projeto arquitetônico ou para a
elaboração de uma pauta. Percebemos, então, que estilo é aquilo que está as-
sociado a um tipo de registro de linguagem artística, independentemente da
área específica. Sendo assim, ao estudarmos a teoria dos estilos através das
épocas históricas, notamos que são três as áreas de emprego da palavra: a
primeira, e original, é a da literatura; a segunda área, também antiga na uti-
lização da palavra, é a da música, e a terceira e mais abrangente é a área das
artes visuais, que abarca a arquitetura, a pintura, a escultura, a decoração, o
design e, entre outras, também a moda. Portanto, estilo é verdadeiramente
uma forma de expressão artística.
1930 Sabemos também que, em qualquer área que seja, o estilo tem um
tempo de aceitação e, consequentemente, duração; pois nasce, desenvolve-
-se, cria e institui a identidade própria, atinge o apogeu, começa a desgastar-
-se e, inevitavelmente, entra em decadência até desaparecer. Este ciclo, na-
tural nas formas vivas, estende-se para as formas artísticas que também têm
suas vidas relacionadas ao clico nascimento-apogeu-decadência-desapare-
cimento, que normalmente é culminado pelo excesso, seja ele de requinte ou
de ornamentação.
Para melhor entendermos a essência do que é estilo, vale subdividi-lo em
três espécies, a saber: o do artista, o de época e o do povo. O primeiro, tam-
bém chamado de individual, é aquele caracterizado pelo conjunto da obra
de um artista (lembremos aqui de também qualificar como artista o profis-
sional criador de peças vestíveis - para ainda não dizer moda). É a lingua-
gem pessoal do artista por meio de seus projetos, execução técnica e visão
do mundo. Entendemos também que o estilo individual pode se modificar
durante o percurso da produção material, havendo, portanto, as “fases”. O
1947 estilo de época, que também pode ser chamado de “escola” é, por sua vez, a
caracterização de produção de um determinado período histórico em di-
versas áreas artísticas com suas técnicas, formas e capacidade de produção;
havendo, por conseguinte, os estilos grego, gótico, renascentista, barroco
etc. E, finalmente, o estilo do povo, em especial caracterizado pela cultura
popular, ou seja, uma identidade coletiva relacionada a valores, tradições,
gostos, significados, modos de vida etc. de uma cultura específica numa de-
terminada época, podendo ser exemplificada pelos estilos brasileiro, fran-
cês, italiano e usando e usando uma expressão bem conhecida, o american
way of life, isto é, a maneira, o modo de vida, o estilo do povo dos Estados
Unidos da América do Norte.
Ao mesclarmos os três tipos de estilo, podemos entender que um ar-
tista (sensível e, portanto, antecipador do gosto e dos tempos) sugere uma
determinada proposta que, ao ser aceita, torna-se identidade e estilo de uma
época; e ao se tornar tradição com o passar do tempo, pode até mesmo ser o
1972 estilo de um determinado povo ou cultura.
Porém, cada estilo é marcado por um tipo de ornamentação, e este

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
ornato será o motivo identificador de uma época ou artista ou povo, para lhe
dar a estrutura visível de qualificação como tal nos objetos, nas construções,
na produção artística etc. Este ornato é o elemento aplicado à estrutura de
forma em si que pode ser orgânico (animal ou vegetal), geométrico ou misto
e, sendo assim, os ornatos também podem ser divididos em pelo menos três
tipos: o concreto, quando há uma intenção de perfeita imitação do modelo
natural; o abstrato, quando este é inventado e o derivado, quando há uma livre
interpretação de um modelo e que costumamos denominar de “estilização”.
A própria palavra “estilização” é derivada de “estilo” e, no universo da
moda, o profissional criador de peças vestíveis também recebe o nome de uma
palavra variante de estilo, “estilista”. Esta adjetivação passou a ser usada pela
moda, especialmente a partir dos anos 1960, quando houve uma significativa
reviravolta neste setor por meio da imposição do comportamento e da moda
1980
jovem. A produção de moda teve que mudar de dinâmica para atender uma
enorme demanda de consumo imposta pelos jovens, surgindo daí a palavra
e conceito de “estilista”, que significa o profissional responsável pelas criações
direcionadas à produção industrializada, isto é, com um plano de criação en-
volvendo ergonomia, resistência e comportamento de matérias, produção em
séria através de grade e um projeto inicial para materialização de forma, ou
seja, utilização dos conceitos de design aplicados à moda. Atualmente, contu-
do, há o profissional ligado à criação de roupas mais artísticas, mais concei-
tuais, mais sofisticados intelectual e materialmente falando, que é o chamado
“criador”, e há aquele, também, que cria roupas para uma maior produção e
reprodução, roupas mais comerciais e usáveis no dia a dia com caráter de in-
dustrialização, que é o “estilista”. Seriam praticamente as correspondências ao
“estilo pessoal” e “estilo de época”, respectivamente.
Entretanto, neste universo dos vestíveis, vamos aplicar não só a palavra
“estilo” como também “moda”; e qual seria a diferença entre ambas? Estilo 1990
seria a subjetividade, a visão pessoal de um artista que o qualifica como tal e o
identifica como criador; ao passo que moda seria a democratização, a popula-
rização, a diluição e aceitação do estilo do criador que ao ser modificada pela
produção industrial (sem perder as características originais) se torna mais
aceitável, mais difundida, mais comercial e de fácil assimilação pelo grande
público.
Desta maneira, moda e estilo estão intimamente ligadas e dependentes, sendo
a moda o próprio modo, a própria maneira, a própria atitude, o próprio arre-
medo do estilo, que é mais centrado, mais original e mais absoluto. O estilo
traz em si um caráter mais sólido, ao passo que a moda é impermanente, é
transitória.

Excerto do livro “Reflexões Sobre Moda” Vol. IV. João Braga. São Paulo: Ed. Anhembi Mo-
rumbi, 2006.

2010
ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
Aula 2

Plagiando a cantora norte-americana (radicada em Paris) Josephine


Baker, posso também assumir que: “J’ai deux amours, mon pays et Pa-
ris”. Posso ainda acrescentar uma terceira paixão: a moda.
Pensar sobre moda é, inevitavelmente, lembrar de Paris. Falar sobre
moda é, obviamente, incluir Paris. Escrever a História da Moda é,
obrigatoriamente, contar parte da História de Paris.
Na França, o ano de 2005 foi de homenagens ao Brasil, e eu, como bra-
sileiro, presto minha homenagem à França, como forma de retribuição,
falando um pouco de uma de suas grandes identidades culturais, a moda.
A França é apaixonante, de belas paisagens naturais, dos maravilhosos
castelos, dos geniais museus, da requintada culinária, da agitada vida cul-
tural, da fascinante contribuição para a História universal, da respeitável
qualidade de vida, a admirável arquitetura, dos sofisticados perfumes e,
inegavelmente, do sempre renovado compromisso estético de criação e
transformação das dinâmicas da moda.
A moda, com o savoir faire francês, parece que fica mais glamorosa.
A moda faz parte da própria História do país e mais especialmente de
Paris. De fato, parece que um dos compromissos da França com o mun-
do é a responsabilidade de nos proporcionar o prazer de inigualáveis
experiências estéticas, por meio de diversas formas de produção cultu-
ral, como as artes, a arquitetura, a literatura, a filosofia e, entre outras, a
moda - e essa responsabilidade vem de longa data. Em terras gaulesas,
os sentidos ficam mais aguçados. Os registros mais antigos de pinturas
rupestres e parietais, nas quais o ser humano usa algo sobre o corpo,
os quais poderíamos qualificar como protorroupas, estão em grutas no
atual território francês.
Torna-se impraticável falar de todos os momentos históricos franceses,
ou mesmo só parisienses, relacionados à moda. Portanto, vou lembrar
das principais contribuições que o país e sua capital nos deixaram
como legado.
O surgimento do próprio conceito de moda que se deu especialmente
na corte de Borgonha, e na época (fim da Idade Média e início da Ida-
de Moderna) não pertencia à França, mas que hoje são terras integra-
das ao território francês. Ali, a dinâmica de criação pelos integrantes

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
da corte e a cópia pelos burgueses fez surgir a ideia de sazonalidade
para as roupas e, consequentemente, o nascimento da ideia de
constante mutação que caracteriza o universo das aparências por
meio das roupas e dos complementos. A realidade de mudança
constante é um dos principais fatores que caracterizam o conceito
de moda.
Por falar no mundo das aparências, não podemos jamais es-
quecer o Rei Sol. Luís XIV, com a corte francesa transferi-
da para Versailles, no século XVII, e com a vontade de se
tornar o grande senhor da Europa, trouxe para a França o
mérito de ser o epicentro divulgador das sutilezas do requin-
te, da sofisticação exacerbada, do fausto e do esplendor. Com
todos esses atributos, a França tornou-se referência para as
outras cabeças coroadas em torno do mundo, e ainda hoje
colhe os frutos das estratégias lançadas pelo monarca, que
se transformaram em identidades locais, referências cul-
turais e, também, sustento econômico.
A moda, por sua vez, não ficou fora dessa realidade.
Tecidos luxuosos em cores intensas, o apurado gosto
pelo requinte das joias, sobretudo as elaboradas com
diamantes,
sapatos de salto alto, o intenso uso de maquilagem
e novos padrões estéticos para o vestir-se passa-
ram a ser uma marca registrada francesa.
Um fato curioso é que o rei inglês (Carlos
II), contemporâneo do monarca francês,
certa vez ousou criar algo para sua aparên-
cia, por meio das roupas, com o intuito de
lançar alguma moda.
Imediatamente, Luís XIV mandou que
seus empregados usassem roupas seme-
lhantes e, com isso,
humilhou o monarca britânico.
Luís XV e Luís XVI deram
continuidade ao processo
de sofisticação de Luís XIV, mas
o Rei Sol foi,
sem dúvida, o precursor da
exuberância associada ao
luxo e ao requinte em
tempos modernos, que
se mantém em voga
até os dias atuais.
Napoleão Bo-

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
naparte, como imperador francês no início do século XIX, não quis ser diferente. Resgatando
valo
res perdidos nos anos revolucionários, o novo monarca fez, como estratégia econômica de gover-
no, grandes investidas, em especial na área têxtil, e a cidade de Lyon reabilitou-se como grande
centro produtor de algodão e, em particular, de seda; contudo os
holofotes, continuaram voltados para Paris.
Bonaparte chegou a proibir repetição de vestidos nas festas, ou mesmo para idas às Tulherias,
para que as mulheres comprassem sempre novos tecidos e elaborassem novas roupas. Podemos
concluir que o fato das mulheres da atualidade não gostarem de repetir roupas em festas, seja
uma herança dos tempos napoleônicos.
Para a moda masculina, entre outros fatores, Bonaparte
deixou de lembrança os botões na altura dos punhos
nas mangas
dos paletós que, sem função
alguma, ainda estão presentes em nossas roupas.
Sua criação tem origem
no incômodo que
sentia ao ver seus soldados limparem a boca ou
assoarem a coriza nas mangas de seus uniformes.
Por isso, o Imperador mandou colocar oito bo-
tões de metal na parte frontal das mangas das far-
das para que, se assim continuassem fazendo, os
soldados tivessem sua boca e seu nariz feridos.
Até hoje se usa três ou quatro botões na parte
traseira das mangas dos paletós.
Em meados do século XIX, pelos anos de 1857-
58, em pleno apogeu da Revolução Industrial,
surgiu, em Paris, o conceito da “costura” que,
mais tarde, a partir de 1910, passou a ser cha-
mada de “alta-costura”. Não podemos negar
que o processo se deu com um inglês, Charles
Frederick Worth, radicado em Paris, quan-
do foi trabalhar num estabelecimento têxtil
situado na Rue de la Paix. Com seu talento
e sua perspicácia, ele introduziu o valor da
assinatura do criador às roupas, além de im-
por seu gosto pessoal e a sazonalidade dos
lançamentos de moda. Com isso, Paris se-
diou mais uma dinâmica de moda que ain-
da é uma realidade nos dias atuais. Contu-
do, frisamos que, no reinado de Luís XIV,
a ideia de lançar roupas novas, de tempos
em tempos, já havia sido pensada, e, no
que diz respeito aos criadores de moda com
prestígio social, podemos citar Rose Bertin,

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
que criava as roupas da rainha Maria Antonieta, esposa de Luís XVI, e que, por isso, foi denomi-
nada de “ministra de moda da rainha”. Hippolyte Leroy também ganhou muito prestígio quando
vestiu a imperatriz Joséphine, na época de Napoleão. Mas ambos faziam mais o que as monarcas
queriam que elas fizessem, não impunham o próprio gosto.
Worth, verdadeiramente, tornou-se refe-
rência, vestindo inclusive a imperatriz
Eugênia de Montijo, esposa de Napo-
leão III, além de toda a aristocracia e a alta
burguesia, não só francesas, mas de toda
a Europa e, também, das Américas. Paris
ditava o gosto da moda. No Brasil,
tivemos D. Eufrásia Teixeira Leite,
da cidade de Vassouras, no Rio de
Janeiro,
no período do ciclo do café do Vale do
rio Paraíba do Sul, que também se vestia
com a moda de Worth, vinda de Paris.
Em meados do século XIX, também sur-
gem, em Paris, as primeiras escolas de
moda do mundo. Uma delas, a ESMOD
(École Superieure des Arts et Techni
ques de la Mode), fundada por M.
Guerre Lavigne, ainda em funciona
mento e com várias filiais ao redor do
mundo.
Já no século XX, Paris continua a ser refe-
rência no mundo da moda e lança novos
nomes, novos conceitos e novas realida-
des para esse universo. Apenas cem anos
e tantas referências... Por isso, se houver
a ausência de alguma informação não foi
por esquecimento, mas pelo pouco espaço
de que disponho para tantas informações.
O século na moda começa com o francês
Paul Poiret que, antes mesmo do início da
Primeira Guerra Mundial, já havia suge-
rido que a mulher não ficasse mais espar-
tilhada em rígidas estruturas para criar
finas cinturas. Foi esse mesmo criador
que lançou, em 1911, o primeiro perfume
associado a uma casa de costura, e que re-
cebeu o nome de sua filha, Rosine. A per-
fumaria, juntamente com a cosmética de
um modo geral, é um outro item que não
pode ser excluído do universo da moda

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
francesa. Ela é tão importante como identidade e economia que se tornou referência para as
casas de alta-costura, sendo um produto indispensável para a sobrevivência das casas de moda
e um significativo gerador de divisas para o país.
Gabrielle Coco Chanel, outra francesa, com toda a sua genialidade revelada em roupas prá-
ticas e funcionais associadas a um ex-
tremo bom gosto, tornou-se o grande
nome referência de toda a moda do
século XX. Mais do que moda, Chanel
nos deixou como herança um estilo de
vida: o corte de cabelo; o estilo de bolsa;
o comprimento da saia e/ou vestido;
o sapato bicolor com calcanhar
à mostra; o colar de pérolas e as
correntes douradas imitando péro-
las verdadeiras e o ouro; o debrum;
os botões dourados e, entre outras
coisas mais, o grande coringa da moda
que é “la petite robe noire”, ou seja, “o
pretinho”, agora denominado “pretinho
básico”, que pode ser usado em diversas
circunstâncias, do velório à festa.
Por falar em adornos, vale lembrar a
importância da joalheria francesa na
história do setor e alguns nomes de
significativa importância para esta área,
como Cartier, Boucheron e Lalique,
entre inúmeros outros.
Cristian Dior reinventou a feminili-
dade, pós Segunda Guerra Mundial,
com o seu “New Look” que se tornou
o grande padrão estético feminino dos
anos 1950, afunilando a cintura da mu-
lher, além das saias rodadas usadas com
sapato de salto alto e bico fino.
André Courrèges, por volta de 1961,
criou a “silhueta curta” com seus vesti-
dos e saias em tecidos muito inovadores
para a época. Ele ditou, e as mulheres
do mundo ocidental adotaram as coxas
à mostra.
Yves Saint-Laurent, argelino de nas-
cimento, tornou-se um patrimônio
cultural francês,com seu talento incom-
parável, ao se estabelecer em Paris. No
início de sua carreira, substituiu Dior

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
em sua maison quando este faleceu, em 1957. Depois, abriu negócio próprio.
Hoje (início do século XXI), ao deixar o seleto grupo de criadores da alta-cos-
tura, Saint-Laurent presenteia Paris e o mundo com sua fundação cultural,
deixando-nos um patrimônio cultural de moda de inquestionável valor.
Nos anos 1980, dois grandes nomes franceses tornaram-se referência mun-
dial de moda. Christian Lacroix, com sua excentricidade na alta-costura e Je-
an-Paul Gaultier, com seu bom humor e miscelânea cultural no prêt-à-porter.
Ambos fizeram escola e deixaram suas assinaturas na História da Moda fran-
cesa e, por extensão, na História da Moda universal. Por falar em prêt-à-por-
ter, essa dinâmica desenvolvida pelos norte-americanos nos anos posteriores
à Segunda Guerra Mundial, foi assimilada e difundida pelos franceses. Ini-
cialmente, era denominada de prêt-à-être-porté e, posteriormente, prêt-à-
-porter. O mundo inteiro conhece o conceito e a expressão na língua gálica.
Ainda nos anos 1980, os criadores de moda japoneses anteriormente já esta-
belecidos em Paris, difundem suas propostas em passarelas parisienses e são
assimilados como grandes talentos pelo mundo.
Chantal Thomas também teve sua importância na moda daquele decênio
ao propor o uso da roupa de baixo como roupa propriamente dita. Nume-
rosos outros criadores de todo o mundo (até mesmo os franceses Gaultier
e Lacroix) fizeram uso dessa referência para trazerem suas criações para a
contemporaneidade.
O fim do século XX trouxe o conceito de globalização, e o mundo tornou-
-se, de fato, aquela prevista “aldeia global”. Outros países, com suas res-
pectivas criações, também já haviam se projetado internacionalmente na
moda, porém, nomes de diversas nacionalidades ainda precisam do crivo
das passarelas parisienses para terem reconhecimento internacional. Esses
profissionais (desde as últimas décadas do século XX e ainda neste início
de século XXI) muitas vezes tornaram-se nomes respeitáveis no mundo da
moda, obviamente pelos seus talentos, porém associados a um nome de
tradição francesa. Por ainda trabalharem em Paris ou por já tê-lo feito, eis
alguns exemplos: o alemão Karl Lagerfeld, para a a Casa Chanel; os ingle-
ses Alexander McQueen, para a casa Givenchy e John Galliano, para a casa
Dior; os brasileiro Ocimar Versolato, para a casa Lanvin e Inácio Ribeiro
(leia-se Clements Ribeiro), para a casa Cacharel e o norte-americano
Marc Jacobs, para a Louis Vuitton, entre outros.
Associar tradição à modernidade é uma grande competência da moda
francesa e, como significativo exemplo, temos os maravilhosos e incompa-
ráveis bordados franceses, usados desde longa data na moda e ainda hoje
presentes não só na alta-costura como na moda em geral. Como exemplo,
podemos citar a Casa Lésage, estabelecida em Paris, e que há muito tem-
po é a principal executora de bordados manuais para a alta-costura.
Como divulgação de moda, não podemos esquecer da grande imprensa
francesa especializada, dos grandes fotógrafos que congelaram a Histó-
ria em seus olhares e cliques e, também, dos grandes museus france-
ses de moda, principalmente os de Paris. Nesse caso, cito dois como

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
referência: o Palais Galliera e o Museu de Artes Decorativas do Louvre, que sempre se oxige-
nam em geniais exposições de moda, contribuindo para a grande difusão do setor de moda em
diversas camadas sociais.
Hoje, neste novo século e também novo milênio, Paris continua a ser o epicentro mundial,
lançador e divulgador de moda. Ser credibilizado no setor pelo crivo francês é sinônimo de
prestígio e reconhecimentos internacionais.
França, capital Paris. Moda, capital Paris. Requinte, capital Paris. Sofisticação, capital Paris.
Luxo, capital Paris. Tradição, capital Paris. Ir a Paris é, verdadeiramente, passar por uma expe-
riência estética. Causa prazer.

Excerto do livro “Reflexões Sobre Moda” Vol. III. João Braga. São Paulo: Ed. Anhembi Morumbi, 2006.

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
Aula 2
O vestido de noiva
Símbolo de um grande acontecimento, da realização
de um sonho e da promessa de uma nova vida.

Treze de Junho é o dia de Santo Antônio, este


que se tornou o santo casamenteiro na devoção popular
portuguesa e que migrou para o restante do mundo, espe-
cialmente para a colônia lusitana de além mar, denominada Brasil.
Data esta na qual se comemora sua morte; é o período do solstício do
hemisfério Norte, fortemente ligado aos rituais de fecundidade; é o santo também
que intercede pelas almas do purgatório com a Virgem Maria e o Menino Jesus; protege
as casas e as famílias; faz aparecer coisas e animais perdidos; e que tem como atributo maior
proteger o amor e o casamento. Eis algumas das razões que o tornaram um dos santos mais
populares e devotados da corte celeste e, talvez seja, o santo mais popular do Brasil.
Nas tradições populares brasileiras a noite do advogado dos bons casamentos, Santo Antônio,
é a noite do dia doze para o dia treze de Junho e é considerada a noite mais fria e mais longa
do ano. Talvez aí esteja a explicação para que o dia dos namorados no Brasil seja dia doze de
Junho (e não no dia catorze de Fevereiro como o é na Europa e mais tarde nos Estados Unidos:
o Valentine’s Day, isto é, o dia de São Valentim).
Promessas e simpatias são realizadas para Santo Antônio na noite da véspera do dia 13
de Junho, no intuito de o santo ajudar a encontrar o bem amado. Quando assim acontece, e cul-
mina com o casamento, faz-se necessário comemorar e, obviamente, nas grandes celebrações
é comum usar uma roupa nova para a festa. Portanto, eis aí a tão celebrada e almejada peça do
guardarroupa feminino que se tornou o símbolo da realização de um sonho e a promessa de
uma vida nova: o vestido de noiva.
Sabemos que o vestido de noiva é um vestido de festa, pois o casamento em si é uma festa
de cunho religioso, civil e social. Desta forma, fausto e opulência fazem-se comuns na aparên-
cia da noiva.
Nem sempre as noivas se casaram como é de costume na atualidade, especialmente com
relação à cor branca. Na realidade, os vestidos das noivas sempre acompanharam a identidade
e o gosto vigentes nas roupas de cada período histórico, acrescidos de alguns elementos que
vão de fato caracterizá-las como nubentes.
Creio que o principal código do vestido de noiva na atualidade seja de fato a cor branca,

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
porém, como já disse, nem sempre assim o foi. Na Idade Média era comum casar-se de verme-
lho; no período do Barroco, por sua vez, os tecidos para os vestidos de noiva eram comumente
ornados de ouro e prata; e vale a pena até mesmo lembrar das noivas que se casavam de preto,
tanto em Portugal, quanto numa região do Brasil (as tradicionais e famosas “noivas de preto”
do Rio Grande do Sul), especialmente durante o século XIX, sejam por razões econômicas ou
por questões de austeridade que a cor negra transmite.
O hábito das noivas casarem-se de branco tem aproximadamente 200 anos. No final do
século XVIII já são encontrados registros de nubentes casando-se de branco, porém a aceitação
maior veio mesmo a partir do início do século XIX.
O branco é a cor que está ligada à pureza, à castidade e à inocência, mas também é a cor
símbolo da iluminação religiosa; é usada por monarcas, por magos e até mesmo por aqueles
que representam o além. O branco está relacionado ao sagrado e vale a pena lembrar que no
Egito Antigo os faraós, sua família e os sacerdotes costumavam usar branco (não esqueçamos
que o intenso calor no Egito favorece também o uso do branco; mas é louvável também dizer
que no Antigo Egito o faraó não era só o governante político, mas também era a própria divin-
dade).
Na Grécia e na Roma Antigas o hábito de usar o branco para o culto religioso também
foi mantido como tradição e, muitas vezes, o branco também tinha a função de passar a ideia
de limpeza, pureza e clareza, pois aqueles romanos que se propunham a exercer um cargo
público usavam a toga cândida, ou seja, uma toga branca, daí vem a palavra “candidato”. Já as
noivas da Antiga Roma casavam-se também de branco, porém eram usados véus cor de laranja,
o chamado flammeum, simbolizando a cor do fogo e por extensão a chama do amor eterno.
Com o cristianismo, o branco também aparece nas roupas de Cristo, destacando-o en-
tre os demais ao emanar luz, e toda uma iconografia das artes, baseada em textos bíblicos, por
inúmeras vezes nos mostra Cristo envolto em vestes alvas e luminosas.
Percebemos então que o branco nos passa a ideia de iluminação, clareza, pureza, alvura entre
outras sensações, mas também nos passa a ideia de inocência e higiene; e o próprio filósofo
francês Jean-Jacques Rousseau sugeriu em 1762, num tratado dedicado à educação das crian-
ças, que estas deveriam deixar de ser miniaturas dos adultos e terem roupas mais adequadas
à sua idade, e também sugeria o branco para as roupas como símbolo de inocência, que está
associado à ideia de pureza e virgindade.

A descoberta arqueológica das ruínas de Herculano e Pompeia no final


do século XVIII ajudou a consolidar o gosto pelo retorno aos valores
clássicos que, na realidade, já estavam presentes de maneira incipiente
também no final deste mesmo século. Isso só veio firmar os valores do
passado Clássico, agora denominado de Neoclássico, que se tornaram
grande voga e que na indumentária culminará com a moda Império
no início do século XIX, que muito vai resgatar e privilegiar tais refe-
rências greco-romanas. Por influência desse classicismo presente no
gosto de então, Joséphine e Napoleão vestem-se de branco e, obvia-
mente, de ouro para a cerimônia de coroação imperial. Joséphine por
sua vez continua a preferir o branco como cor de suas roupas para o
dia a dia. Logicamente as classes sociais mais privilegiadas, como a
aristocracia e a alta burguesia, também começam a usar o branco e o

ESTE
ESTE MATERIAL
MATERIAL ÉÉ PARTE
PARTE INTEGRANTE
INTEGRANTE DO
DO CURSO
CURSO ONLINE
ONLINE “CULTURA
“CULTURA DE
DE MODA”
MODA” DA
DA EDUK
EDUK (WWW.EDUK.COM.BR)
(WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME
CONFORME A A LEI
LEI Nº
Nº 9.610/98,
9.610/98,
É
É PROIBIDA
PROIBIDA A
A REPRODUÇÃO
REPRODUÇÃO TOTAL
TOTAL E
E PARCIAL
PARCIAL OU
OU DIVULGAÇÃO
DIVULGAÇÃO COMERCIAL
COMERCIAL DESTE
DESTE MATERIAL
MATERIAL SEM
SEM AUTORIZAÇÃO
AUTORIZAÇÃO PRÉVIA
PRÉVIA E
E EXPRESSA
EXPRESSA DO
DO AUTOR
AUTOR (ARTIGO
(ARTIGO 29)
29)
amarelo como cores preferidas. Vale lembrar que as outras cabeças coroadas europeias também
imitam os monarcas franceses.
Todas essas referências só vieram consolidar o branco para as roupas de festa e, como já foi
dito anteriormente, vestido de noiva é vestido de festa. Assim a história explica a preferência
do branco para os trajes das noivas. Logo em seguida, com a chegada dos ideias
românticos que se sobrepõem aos neoclássicos, o branco verdadeiramente se
consolida mais e mais como cor ideal para os vestidos de noiva. Ao imitar
a nobreza, a aristocracia e a burguesia legitimam esse comportamen-
to social. Vale lembrar que era comum as moças se casarem muito
cedo e o branco usado nos vestidos também é para evidenciar cas-
tidade, pureza e inocência.
Não podemos deixar de destacar toda uma influência do
branco advinda da tradição religiosa cristã, seja ela católica,
ortodoxa ou protestante. Desta forma, o branco que cobre
o corpo das noivas está assim associado também ao divi-
no: as deusas clássicas assim se vestiam e suas esculturas
em branco ou rosados mármores estão em voga no sé-
culo XIX influenciado a indumentária e, obviamente,
também associado à pureza, castidade, virgindade e
inocência que são fundamentais a uma donzela oito-
centista.
A própria rainha Vitória, da Inglaterra, casa-
-se com o príncipe Alberto em 1840 e usa um vestido
com essas características, o que ajudou a firmar o há-
bito da cor branca para o vestido de núpcias e assim
se consolida cada vez mais este valor na mentalidade
vitoriana. A realeza assim determina o uso do branco
e com isso favorece a aceitação popular deste hábito
que logo se torna tradição, até mesmo em outras ca-
beças coroadas europeias, como foi o caso de Eugênia
de Montijo que se casa com o imperador Napoleão III,
em 1853, na França, usando as mesmas características
visuais; e Sissi que se casa com o Imperador Francisco
José, em 1854, na Áustria.
A essas circunstâncias sociais juntam-se outras de
caráter eminentemente religioso, que foram as aparições de
Nossa Senhora no século XIX. Em 1830 a Virgem aparece à
Catarina de Labouré pedindo para que houvesse a difusão da
Medalha Milagrosa e, em 25 de Março de 1858, a Virgem no-
vamente aparece, agora à Bernadete, em Lourdes, na França; e os
relatos costumavam dizer a respeito da “Virgem vestida de branco”.
Entre as duas aparições de Nossa Senhora, o Papa Pio IX decretou em 8
de Dezembro de 1854 o dogma da Imaculada Conceição. O aspecto da tradi-
ção religiosa cristã católica só veio somar contribuições à consolidação das noivas se
vestirem de branco.

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
Assim, firmou-se um hábito na indumentária feminina de casamen-
to e que se tornou uma prática mantida ao longo dos séculos XIX,
XX e ainda nesse início do século XXI.
Com relação aos volumes dos vestidos de noiva ao longo destes
200 e poucos anos, esses foram acompanhando os valores es-
téticos da moda de cada época, sendo inclusive de fácil iden-
tificação o período do casamento somente pela observação
das imagens. Não há dúvida de que com a popularização
do cinema no século XX algumas coisas mudaram e no-
vas realidades foram introduzidas na cerimônia nupcial,
inclusive o beijo no altar, que se tornou popular após o
casamento de Grace Kelly, em 1953.
Nos anos 1920, os vestidos de noiva também tinham
cintura baixa e as barras se encurtaram por influência
da moda do dia a dia neste período; nos anos 1930,
acompanharam o alongamento das saias e cortados em
viés em magníficos cetins; nos anos 1940, tornaram-se
mais discretos e econômicos conforme o que o período
da guerra exigia; nos anos 1950, as cinturas afunilaram-
-se e as saias ficaram excessivamente rodadas, privile-
giando o romantismo; nos anos 1960, novos materiais
e novas proporções acompanharam o gosto da década;
nos anos 1970, já são mais transgressores e até mesmo
substituídos por calças compridas ou macacões (reflexo
da moda unissex); nos anos 1980, o tailleur entra em voga
principalmente para as mulheres mais maduras. E no fim
do século XX, ou seja, nos anos 1990 e nesse início de século
XXI, como reflexo de uma estética que valoriza diversas pos-
sibilidades, parece que qualquer tipo de vestido para as noivas
é válido. Não há uma identidade específica que determina uma
padronização no visual dos vestidos de casamento. Desta forma
vale o longo e o curto, o mais simples e o mais rebuscado, o mais
volumoso e o mais sequinho e, muitas vezes, até mesmo baseado em
épocas passadas e fundamentando-se no conceito das releituras históri-
cas. O ponto comum a toda essa diversidade é ainda a cor branca.
Contudo, como se não bastasse o vestido ser elaborado em tecidos mais re-
finados, ainda há a complementação visual com rendas, bordados e flores. Juntamente
ao vestido aparecem outros componentes fundamentais ao entorno da indumentária da noiva,
que são essenciais ao rito da cerimônia e que também têm suas respectivas histórias. São eles a
grinalda, o véu, o bouquet e a aliança.
A grinalda, ou seja, a coroa de flores, está associada aos costumes de tradições pagãs e
relacionam-se às festas da primavera que estão associadas aos novos ciclos de vida. São ma-
neiras de louvor pela vida que se reinicia a cada ano, visivelmente demonstrada pelos ciclos da
natureza e também associadas às promessas de boas colheitas advindas com a energia da pró-

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
pria natureza. Entre outras flores para as grinaldas, a que se
destaca na Roma Antiga é a da laranjeira, que simboliza a
perpetuidade do casamento. Apesar de usada desde longa
data, a grinalda é cristianizada e passa a ser mais difundida
a partir do período Napoleônico. Em alguns momentos ou
culturas, essas coroas de flores podem ser substituídas por
coroas propriamente ditas, como é no caso do rito cristão
ortodoxo que inclusive são duas coroas, pois o noivo e a
noiva as usam. Com o passar do tempo as coroas de flores
não desaparecem, mas também podem ser substituídas por
tiaras ou diademas, que podem ser colocadas tanto no alto
da cabeça como também mais próximo à testa.
O véu também vem de longa data e desde a Roma
Antiga já é usado, como já foi dito a respeito do flammeum.
O véu tem o caráter de evocação à donzela e normalmente
é elaborado em tecido transparente, que ao mesmo tempo
vela e revela a noiva. O véu simboliza a pureza, pois escon-
de o cabelo, que é sedoso, sedutor e intimista e ao usá-lo é
como se a noiva dissesse um não à vida profana. Na tradi-
ção católica o homem ao entrar na igreja deve descobrir a
cabeça retirando o seu chapéu em sinal de respeito, e a mu-
lher também como respeito, ao contrário, deve cobri-la co-
locando o véu. Como a noiva vai à igreja para a cerimônia
religiosa, sua cabeça de fato deve estar coberta; e quando o
noivo descobre a sua face ou a sua testa tirando-lhe o véu
publicamente, significa que em breve, na intimidade, o véu
da castidade também será tirado. Ao longo dos tempos os
véus tornaram-se maiores ou menores que o próprio com-
primento do vestido e, em tempos mais contemporâneos,
muitas vezes inexiste. Segundo uma conclusão popular, é
dito que o tamanho do véu da noiva é proporcional à sua
virtude moral da castidade.
O bouquet, por sua vez, que é composto por um ramo de
flores, veio especialmente da tradição francesa. Talvez a
flor mais usada seja a rosa, pois seu formato é circular e
concêntrico e nos remete ao Sol, à sua energia vital e à sua
perfeição; por isso corresponde à flor do amor. A lingua-
gem das flores tornou-se uma constante durante o século
XIX e com isso as rosas brancas simbolizam a inocência, as
amarelas, o amor e as vermelhas, a paixão.
Todavia, o bouquet nem sempre foi usado na ceri-
mônia matrimonial. Ao longo dos tempos muitas noivas
casaram-se tendo em suas mãos terços ou livros de oração,
e, algumas, até mesmo o leque. É a partir do início do sé-
culo XX que o bouquet se populariza e até mesmo outras

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
flores substituem as rosas. A posição ideal para carregar o bouquet é na altura do ventre, uma
vez que assim como a flor antecede ao fruto, o bouquet carregado à frente do ventre simboliza
que ali será gerado o fruto daquela relação conjugal.
O uso de um anel, de um modo geral, simboliza a obediência. Entre os noivos significa
além de obediência também aceitação, respeito, comprometimento, fidelidade e ajuda recí-
proca. O ato de colocar o anel é a simbologia de promessa e entrega mútua, representando um
dom ou mesmo um tesouro. Antigamente era a família do rapaz que oferecia à moça o anel de
noivado (que podia até mesmo ser uma joia de família) como sinal de aceitação da noiva pela
família do noivo. Atualmente, o anel ou aliança de noivado é oferecido pelo próprio noivo à sua
amada e futura esposa. É representado pela aliança, a qual é o símbolo que permanece visível,
mesmo após a cerimônia, como código de pertencimento a alguém e denunciador de compro-
metimento a uma outra pessoa. No noivado, a aliança é usada no dedo anular da mão direita e
durante a cerimônia de casamento, após a benção das alianças pelo sacerdote, os noivos passam
a usar a aliança também no dedo anular, porém da mão esquerda como sinônimo de compro-
misso matrimonial, pois os antigos acreditavam ter uma veia que ia deste dedo direto para o
coração... e “o que Deus uniu o homem não separe”.
Se outras joias fazem parte do cerimonial de noivado e/ou casamento, normalmente elas
são em ouro; e se têm pedras preciosas costumam ser diamantes, pois devido às suas caracte-
rísticas de resistência, durabilidade, dureza, brilho e luminosidade, representam o amor eterno
e sua indissolubilidade, selando um rito de passagem presente e importante na vida dos seres
humanos.
A grinalda, o véu, o bouquet, a aliança e, especialmente o vestido, compõem o conjunto
da aparência daquele dia que talvez seja o principal e mais feliz da vida de muitas mulheres. As
partes compõem o todo, mas não há dúvida de que para o mundo das mesmas aparências, o
vestido é peça de maior atenção e maior importância não só para a noiva, mas assim como para
a expectativa do noivo e para todos os outros convidados, pois é nele que está depositado todo
o impacto da cerimônia. O vestido de noiva representa uma espécie de promessa da felicidade
eterna neste mundo.

Excerto do livro “Reflexões Sobre Moda” Vol. IV. João Braga. São Paulo: Ed. Anhembi Morumbi, 2006.

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
Aula 3
A industrialização da moda
Breves referências do processo de industrialização e consequentes mudanças na forma
de produção da moda.

O trabalho, em qualquer área de atuação, é uma ação humana com capacidade


transformadora em função das próprias necessidades humanas e de acordo com
o contexto de uma determinada época. Sendo assim, ao longo dos tempos, o ser
humano foi descobrindo maneiras de produção que lhe satisfaziam e, por meio
do pensar, do sentir e do agir, essas maneiras se tornaram mutáveis, adaptando-se
sempre à sua realidade.
O trabalho em sim, por sua vez, envolve a capacidade técnica, é uma forma
de libertação, auto superação e dignidade da condição humana. Dessa forma a his-
tória, como um rio que flui, percorre seu caminho. E o trabalho, também no seu
desenrolar, conta a sua própria história evoluindo com o tempo, do manual e prati-
camente exclusivo, para o industrial e produzido em série, criando uma sociedade
totalmente envolvida com o consumo de bens materiais.
No que diz respeito ao hábito de cobrir o corpo, o ser humano também sempre
encontrou soluções que lhe satisfizeram, fossem elas técnicas ou estéticas, vigentes
em uma determinada sociedade.
Numa visão histórica da produção, pode-se começar mesmo na Pré-Histó-
ria, quando foi inventado o tear. Desnecessário dizer que é tremendamente rudi-
mentar e primitivo comparado com qualquer outro, através dos tempos, todavia,
necessário para que fosse dado um primeiro passo.
Na Idade Média, sem que se possa ainda usar o termo “industrialização”, o ser
humano produziu têxteis de forma manual e limitava-se a comercializá-los para a
elaboração, também manual, das roupas. Cabia, especialmente aos alfaiates, a pro-
dução dessas roupas, fosse para o dia a dia, para os uniformes, ou aquelas mais
sofisticadas para os mais favorecidos materialmente.
Até o século XVIII, essa era a forma de produção: manual. Ainda no
século XVIII, exatamente em 1767, é que foi permitido às mulheres traba-
lharem integralmente na elaboração de uma toilette feminina, cabendo as
masculinas, ainda, aos alfaiates.
É lógico que, para a elaboração de roupas, houve necessidade de
outros recursos que favoreceram o seu próprio desenvolvimento através
dos tempos. A agulha, por exemplo, surgiu ainda na Pré-História; pri-
meiro de osso, depois de metal. A tesoura, por sua vez, apareceu por
volta de 700 a.C. na Grécia. A agulha de aço surgiu na Alemanha já
no século XIV; a máquina de tricotar, na Inglaterra no século XVI;

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
a prensa de cobre para a estamparia, na França, no século XVIII. Também na França, um cava-
lheiro chamado Joseph-Marie Jacquard, no fim do mesmo século XVIII, inventou uma máqui-
na que, posteriormente (início do século XIX), foi aperfeiçoada para simplificar a fabricação de
tecidos com padronagens ornamentais. A máquina e o tecido, por ele elaborados, receberam
seu próprio nome: Jacquard.
A máquina de costura, essa sim de fato revolucionou o processo de industrialização das roupas.
Vale a pena lembrar que a Revolução Industrial já vinha caminhando desde a segunda metade
do século XVIII e atingiu seu apogeu em meados do século XIX. A máquina de costura tem a
sua própria história e importância. Lembremos que as primeiras delas funcionavam com o uso
de manivelas e pedais.
Em 1790, Thomas Saint patenteia uma máquina de costura própria para a elaboração
de trabalhos em couro. Em 1814, o austríaco Joseph Maderspeger cria a considerada primeira
máquina com duas agulhas com orifício na ponta, usada para a confecção de chapéus.
Em 1818, John Adams Dodge e John Knowles projetaram e construíram a primeira máquina
de costura nos Estados Unidos, entretanto, não foi, patenteada. Só em 1829, na França, surgiu a
primeira patente de máquina de costura, com o alfaiate Barthélemy Thimonnier que, em 1841,
teve toda a sua oficina destruída por seus funcionários. Na sequência, aperfeiçoou seu invento e
conseguiu duas novas patentes de máquina de costura, contudo, essas não foram reconhecidas,
nem no Reino Unido, nem nos Estados Unidos. E a História atribuiu a invenção da máquina
de costura ao norte-americano Elias Howe que, em 1846, patenteou sua máquina que, na reali-
dade, foi considerada a única com o primeiro mecanismo prático para seu uso.
No que diz respeito à disputa comercial, o primeiro a incomodar Howe foi um outro
norte-americano de nome Isaac Merrit Singer, que obteve sua patente em 1851. Apresentou seu
invento em Paris, na Exposição Universal, na década de 1850, e encantou a todos, especialmen-
te o governo francês, que a adquiriu para a produção de uniformes para os soldados franceses.
Foi também a Cia. Singer, em 1889, que adaptou um motor elétrico às máquinas
de costura.
Duas outras grandes invenções vieram da França e muito contri-
buíram para a industrialização do vestuário. Foram elas: a fita métrica
(1847) e o busto-manequim (1849), ambos inventados por Alexis Guerre
Lavigne que, em 1841, fundou, também em Paris, a escola para costureiras
“Guerre-Lavigne”, que é a mais antiga escola para o setor do vestuário, ainda
em plena atividade. Em 1947, essa mesma escola mudou de nome, tornan-
do-se a ESMOD. Essa não foi a primeira, mas a segunda “escola de moda”
do mundo, uma vez que o Duque de La Rochefoucauld fundou, em 1780,
também na França, uma escola para alfaiates e sapateiros.
Com as máquinas de costura, surgiram as primeiras confecções de
roupas em série, que produziam uniformes e roupas de trabalho. Vale
a pena ressaltar que a nobreza e a burguesia se vestiam, especialmente,
com a alta-costura, surgida na França com o inglês Charles Frederick Worth, na
década de 1850. A maneira de produção em série, para o vestuário propriamente
dito, destinava-se à população menos favorecida, em termos econômicos.
Ainda se tratando do século XIX, outros fatores contribuíram para a produção
industrial do vestuário e sua divulgação. Foram eles: o surgimento da primeira

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
loja de departamentos, em 1824, na França, com o nome de “La Belle Jardinière”, com Pierre
Parissot; e a comercialização de modelos prontos (só que em um único tamanho), a partir de
1850, também na França, com Madame Roger; e com o próprio Worth que, em 1868, na França
novamente, apresentou modelos confeccionados em diversos tamanhos.
A França dominava o cenário de moda e, também, o da industrialização. Já no século
XX, em 1907, o industrial têxtil francês Marcel Boussac abriu a primeira tecelagem com o cará-
ter de produção industrial. Ele, por sua vez, com sua visão comercial, em 1918, com o término
da I Guerra Mundial, comprou grande quantidade de tecido de algodão, chamado toile d’avion
(tela de avião) para a fabricação em série de pijamas, camisas e capas de chuvas. Esse material
era antes utilizado para o fabrico de paraquedas e, também, para forrar internamente os aviões
de madeira, antes dos norte-americanos os aperfeiçoarem e fabricá-los em metal.
Obviamente que as duas Grandes Guerras (1914-1918 e 1939-1945) influenciaram o de-
senvolvimento da industrialização do vestuário. Terminada a II Guerra Mundial, a partir dos
anos 1950, a Europa de fato deu um grande passo no aperfeiçoamento industrial do vestuário.
Não só a França, mas também a Itália e a Inglaterra. E logo a Europa viria a “bater de frente”
com a sua grade pedra no sapato: os Estados Unidos da América do Norte.
Depois da II Guerra Mundial, a alta-costura retomou sua posição de prestígio e de di-
fusora de moda, todavia, os norte-americanos já produziam maravilhosamente bem roupas
de qualidade e estilo, em série. Era a invenção do ready to wear, que os franceses assimilaram
e transformaram no “prêt-à-porter”. Foi uma espécie de democratização da moda, que muito
contribuiu para o desenvolvimento da indústria do vestuário. Foi somente a partir dos anos
1960, porém, que o prêt-à-porter foi verdadeiramente difundido e incorporado pelo consumo
de massa.
A imprensa teve um grande papel nessa difusão da roupa produzida em série, a revista
Elle, criada por Hélène Lazareff no pós-II Guerra Mundial (nos moldes da revista americana
Harper’s Bazaar), fez a primeira reportagem sobre o prêt-à-porter, em 1952, intitulada “Você
gostaria de encontrar vestidos prontos para vestir?”. No mesmo ano, a Vogue francesa lançou
uma edição sobre o mesmo assunto com a seguinte frase: “Tudo pronto para usar”.
Alguns outros fatos contribuíram para a difusão da industrialização da moda na segun-
da metade do século XX:

A abertura da “Casa Dior”, nos EUA, em 1948, com o prêt-à-porter de luxo e, em


1949, com os primeiros contratos para a industrialização de meias e gravatas com
o nome Dior.

O surgimento, na França, em 1953, da marca Chloé que é, até hoje, a mais conheci-
da e prestigiada marca de moda industrializada.

A definição das épocas de lançamento do prêt-à-porter em Paris (Fevereiro e Agos-


to),em 1955, com a revista francesa Jardins de Mode.

A criação do “I Salão de Moda Feminina”, em Porte de Versailles, com o “Salão do


Prêt-à-Porter”, em 1963.

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
A criação da primeira consultoria em estilo para a indústria, em 1965, com Fran-
çoise Vincent-Ricard, com o surgimento do Bureau de Style “Promostyl”.

Os novos criadores de moda, a partir do fim dos anos 1960 e início dos anos 70,
chamados de “estilistas” e não mais “costureiros”, valorizando e popularizando a
moda por intermédio da influência de rua. É lógico que o avanço tecnológico das
indústrias têxtil e de confecção contribuíram também consideravelmente para
isso tudo.

Em meados dos anos 1970, também foi criada a “Première Vision”, ainda hoje a
principal feira de lançamentos têxteis do mundo, realizada duas vezes por ano,
em Paris.

Nos anos 1980 e 90, com toda a dinâmica da globalização, quando tudo também acaba
influenciando a moda, horizontes abriram-se para o Oriente com os denominados “tigres asi-
áticos”, não só com seus criadores de moda, mas especialmente, com suas avançadíssimas tec-
nologias têxteis de última geração, vindas predominantemente do Japão, Coreia e, também, da
China, democratizando a moda nos quatro cantos do mundo com seus produtos de qualidade,
em grande quantidade e a preços muito acessíveis.
Sem falar na informática associada à moda, que facilita em técnica e produção, por ex-
tensão, a comercialização de grandes volumes de têxteis e confeccionados.
É o ser humano, afinal, que continua se adaptando, se reinventando e trabalhando em função
das circunstâncias que o atingem.

Excerto do livro “Reflexões Sobre Moda” Vol. II. João Braga. São Paulo: Ed. Anhembi Morumbi, 2005.

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
A herança do século XX
“Tudo passa, tudo quebra, tudo cansa”, dizem os franceses.
Este foi um século mutante em cultura, modos e moda.

Moda vem de modus que, em latim, significa modo, manei-


ra. Todavia o termo moda é muito mais abrangente do que só se
referir às roupas. Há moda em arquitetura, decoração, lugares a
serem frequentados, ritmos musicais, design de objetos, tendência
literária etc. Moda, porém, no que diz respeito ao hábito de cobrir
o corpo com determinadas características visuais, é de fato uma
maneira de ser, um modo de se vestir dentro do padrão vigente.
Nem sempre houve, na História humana, o conceito de moda.
O termo moda surgiu no final da Idade Média, princípio
da Idade Moderna, devido a certas circunstâncias e com algumas
características peculiares tais como: ser, de fato, um diferenciador
social, um diferenciador de sexo (uma vez que homens e mulheres
vestiam-se com aparências muito semelhantes até então), como fa-
tor resultante da busca da individualidade (pela transição de uma
Idade Média de aspectos coletivos e anônimos para um Renasci-
mento que privilegiava os valores individuais) e, principalmente,
com o caráter de sazonalidade, ou seja, um certo período de dura-
ção para as ideias em vigência. O aspecto de mudança não era dos
mais representativos nas roupas antes do surgimento do conceito
de moda.
Roupas, independente de moda, sempre foram, são e serão
diferenciadores e denunciadores das camadas da sociedade à qual
o portador pertence, verdadeiras estratificadoras sociais, seja pela
cor, tecido corte, volume, forma, técnica etc. Contudo, o tempo de
durabilidade de um determinado padrão, gosto ou exigência já foi
bem mais duradouro.
No Egito Antigo, por exemplo, ao tempo dos faraós, pouca
coisa mudou num período de aproximadamente 3 mil anos. Na
Grécia Antiga, os aspectos vestimentares permaneceram quase
imutáveis, ou pelo menos mantiveram a mesma essência em quase
todo o apogeu da cultura helênica. Na cultura romana, não foi tão
diferente, dentro das suas características e assim por diante.
Na Alta Idade Média, o mundo ocidental conhecido sofreu
grandes necessidades materiais e a função da roupa era quase mes-
mo a de cobrir o corpo, sem tantos valores estéticos. Já no final da
Baixa Idade Média, princípio do Renascimento, foi que surgiu, na
corte de Borgonha (atual parte da França), o conceito de moda,
uma vez que os burgueses da época (enriquecidos com o comér-
cio) copiavam as roupas dos nobres locais e estes, por sua vez, se
incomodavam com isso. Começaram, então, a variar as suas roupas

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
com o objetivo de se diferenciarem daqueles que os imitavam. Ao apa-
recerem com o novo, ou pelo menos com a novidade, eram novamente
copiados e, então, criavam outras novas identidades. Daí, dessa con-
tinuidade criação-cópia-criação, apareceu o aspecto da sazonalidade
e, por conseguinte, o conceito de moda, dando-lhe a característica de
efemeridade. Assim, de “maneira” e de “modo” é que surgiu “moda”.
Se moda, em inglês, é fashion, vale ressaltar que o momento histórico
era o da “Guerra dos Cem Anos”, quando França e Inglaterra lutavam
e se influenciavam. Assim, da palavra francesa façon (significando
exatamente modo, maneira), pela corruptela linguística, originou-se
fashion.
Moda tornou-se sinônimo de mudança, mutação, incorporando
aspectos de contextualização à sua época e a cada identidade cultural.
As mudanças continuaram acontecendo, com o passar do tempo; mais
rápidas se comparadas com as da Antiguidade histórica, e mais lentas,
se comparadas com as de hoje em dia.
O século XIX, por exemplo, já trouxe quatro estilos distintos
(lógico que com sutis variações dentro de cada um deles, no seu espa-
ço de tempo). Percebe-se que o fator “tempo de duração” já foi muito
reduzido. Ao fazer a média aritmética de cada identidade da moda oi-
tocentista, obtém-se 25 anos para cada estilo, mas, na realidade, uns
duraram mais ou menos que outros, sendo, então 25 anos a média.
Cronologicamente, o século XIX, como qualquer outro, teve cem anos.
Entretanto, conceitualmente, ele é considerado o maior século da his-
tória, pois as grandes rupturas que o identificaram por inteiro foram
a Revolução Francesa (ainda no século XVIII) e a Primeira Guerra
Mundial (já no século XX). Ao chegar no foco deste artigo, no século
XX, a partir da década de 1910, a dinâmica da moda ganhou outra ca-
racterística de tempo de delimitação, reduzindo o mesmo à forma de
decênios para estabelecer identidades específicas de moda.
Antes mesmo de falar das grandes transformações ocorridas no último
século, justifica-se explorar um pouco o tema em si no que tange aos
seus aspectos teóricos.
A moda, por ser exatamente moda, traz em si a mesma efeme-
ridade e, por extensão, torna-se naturalmente autofágica, ou seja, ela
engole a si mesma. É de natureza autodestruidora, precisa se matar
para se manter viva, obriga-se a deixar de ser (o atual) para ser de ou-
tra maneira (o vindouro), alimenta-se da própria morte, uma vez que
uma das características que preenchem o requisito de sê-la é um certo
tempo de durabilidade.
Dessa forma, se estar na moda é estar no ápice de uma curva
elíptica ascendente, isso significa que o único caminho a ser percorri-
do daí por diante é a continuidade dessa mesma curva, ou seja, a parte
que descende, portanto, tornando-se queda e decadência. A moda, en-

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
tão, acaba pertencendo a um processo autode- considerá-la como cultura. Mudanças exter-
generador. Basta estar na moda para não estar nas são sinais denunciadores de mudanças,
mais na moda. Não quero, com isso, destruir inicialmente internas. Os novos valores na
essa que nos satisfaz em padrões estéticos, área da criação sobrepõem-se aos antigos, o
vontades, sonhos e sobrevivência financeira. que acarreta transformação e que por sua vez,
Uma vez que a moda é dessa natureza, en- está ligada ao aspecto cultural: novas soluções
tão devemos mesmo ir sempre atrás de novas para novos problemas em novos contextos.
ideias ou, pelo menos, de alguma novidade No amplo campo da criação, as áreas que mais
para podermos mantê-la viva e para que ela determinam mudanças rápidas são a música,
mesma, em sua dinâmica, possa se autodes- a moda, as artes em geral e a tecnologia, que
truir e se renovar. modificam o processo cultural com novas am-
Na curva parabólica da moda, quan- plitudes de abrangência e novas maneiras de
do há processo crescente, ela está saindo do ver.
campo de criação e ainda é estilo, pertencen- A cultura sempre se desenvolve me-
do ao grupo de criadores e formadores de opi- diante estruturas econômicas, sociais, políticas
nião. No momento em que esse estilo é acei- etc., e ela pode se dividida em quatro aspectos
to, adaptado, diluído, difundido, assimilado e a saber: cultura científica, cultura erudita, cul-
comercializado, ele está na crista dessa curva. tura popular e cultura de massa (indústria cul-
Daí, não interessa mais para aqueles que estão tural).
numa linha de ponta, os quais vão buscar no- Se cultura científica é aquela que requer
vas ideias para continuarem sempre no estágio um conhecimento com toda a rigorosa exi-
ascendente. Na continuidade do mecanismo, gência da ciência, buscando uma metodologia
depois de difundida, a tendência é só de se es- de pesquisa para chegar às conclusões, a moda
gotar, popularizando e, de fato, desaparecendo aqui se enquadra em determinados aspectos
em breve. É lógico que tudo isso se refere a um como o da modelagem, que envolve a mate-
ponto de vista mais teórico, pois, na prática, mática, o desenho geométrico, os cálculos
sempre há um certo vestígio de uma estação para as bases planas que se transformarão em
anterior, ainda presente na estação vindoura. volumes tridimensionais ou os da matemática
Os franceses dizem, com muita propriedade, financeira para a comercialização do produto
não só para a moda, mas para tudo na vida e, até mesmo, nos campos antropológico da
que “tout passe, tout casse, tout lasse”. É ver- indumentária e sociológico da moda em si.
dade, “tudo passa, tudo quebra, tudo se can- Sem falar da sua associação com a tecnologia,
sa”, e na moda isso é gradativo e não abrupto. que é um caminho que leva à ciência, envol-
As exigências do mundo contemporâneo pela vendo não só a área têxtil, que vive um mo-
busca frenética do novo ou, pelo menos, da mento de plena expansão, como, também, a
novidade são tão significativas que tornam o computação com programas específicos para
processo parabólico de criação-apogeu-deca- o setor.
dência ainda mais rápido, sendo também mui- No que diz respeito à cultura erudita, a
to bem explorado, divulgado e massificado moda também tem sinais de pertencimento.
pelos meios de comunicação que nos trazem Se erudição significa ter conhecimento e ser
tudo com muita rapidez. culto, a moda aí é legitimada ao ter um esti-
Se a moda também é sinal de um tem- lo que, muitas vezes, pode estar associado a
po ou indicadora de uma época, ela se torna outras manifestações artísticas como as artes
uma identidade e, consequentemente, motivo visuais, a arquitetura, a música. Isso nos di-
de estudo e reflexão. Por extensão, podemos versos momentos históricos que é, também,

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
quando criadores se inspiram e mirabolam e consumo numa sociedade industrial e que
modelos altamente intelectualizados, criando tem, nos meios de comunicação, um pilar de
novos padrões ou ligando-os a culturas passa- suma importância para a difusão de ideias, o
das, com técnicas impecáveis, de subjetivida- que vai inevitavelmente acarretar mudanças
des geniais, com sutilezas sofisticadas, unindo de comportamento.
erudição-técnica-criatividade. Portanto, a al- Falando da ligação da moda com a cul-
ta-costura, o prêt-à-porter de luxo ou mesmo tura de massa, é provável que o vínculo maior
a elaboração de um determinado estilo vincu- esteja na funcionalidade das roupas (a partir
lam a moda à cultura erudita. Pode-se dizer dos anos 1920) e no prêt-à-porter (a partir
que é um estilo propriamente dito. do seu surgimento oficial na moda, nos anos
No que tange à cul- 1940, e de sua grande di-
tura popular, o nome em si fusão a partir dos anos
já é muito explicativo ao de- 1960). É uma espécie de
terminar que é tudo aquilo democratização da moda,
ligado ao povo, aquilo que em que ela pode ser pro-
é aceito ou determinado duzida em grande quanti-
em seu próprio imaginário dade barateando o produ-
ou universo, uma espécie to, divulgada por diversos
“dele para ele mesmo”. É o veículos de comunicação,
que o povo cria ou assimi- sendo assimilada, acessí-
la do estilo, transformando vel e usada por grandes
em moda e, sendo assim, massas. Seria mesmo a
cultura popular. Além dos difusão total do prêt-à-
trajes folclóricos (indumen- -porter, criando aquela
tária) estarem nessa área, a que, muitas vezes, vai ser
moda em si é a cultura po- pejorativamente chama-
pular por excelência, pelo da de “modinha”. A rou-
fato de ser a diluição de um pa cobrindo o corpo com
determinado estilo, isto é, poucas ou quase nenhu-
que o povo gosta, o que tem ma referência de estilo.
capacidade de assimilar e No cômputo geral, a con-
vontade de usar. O próprio clusão a que se pode che-
streetwear é um outro im- gar é a de que, de fato,
portante exemplo de que a não resta dúvida alguma
moda é cultura popular, por de que moda seja cultura,
ser da rua e para a rua (e às por ser uma significati-
Vestido comum no período pós-guerra (década de
vezes até para os salões). 1950), um modelo pret-a-porter va expressão de criação.
Já a cultura de mas- Agora depois de defini-
sa (indústria cultural) é um aspecto cultural dos alguns conceitos, mecanismos e dinâmicas
muito complexo e requer muito estudo (in- da moda numa tentativa de explicação super-
clusive com linhas distintas de pensamento), ficial de tudo aquilo que envolve, seja indu-
por ser um viés da cultura relativamente novo, mentária, estilo, moda, roupa etc., vale a pena
advindo especialmente do próprio século XX. entrar nos aspectos históricos propriamente
O que vale ressaltar é que a cultura de massa ditos que marcaram o século XX, este que tal-
está ligada ao contexto cultural via produção vez tenha tido mais mudanças e inovações do

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
que praticamente todos os outros séculos jun- saias também começaram a subir - só até a al-
tos em toda a História da humanidade. tura das canelas - pelo mesmo motivo de pra-
A abrangência é grande e reunir todos ticidade exigida pela situação. Chanel que, ini-
os aspectos num único relato, mesmo sendo cialmente trabalhava com chapéus, começou
numa tese, se tornaria impraticável, uma vez a aparecer no setor do vestuário. Já em 1916,
que exigiria uma delimitação, um recorte es- elaborou tailleurs de jérsei, isto é, de malha
pecífico para o real aprofundamento do estu- com aspecto sedoso, toque macio e estrutura
do. Contudo, no limite de um artigo, tentarei elástica.
relatar, de forma linear e cronológica, por ser Com o término da guerra, a mulher
mais didática, aquilo que foi definidor sobre não abandonou o trabalho e, de fato, conse-
os novos caminhos da moda nesse mutante guiu sua emancipação com a independência
século XX. financeira. As roupas foram se adaptando aos
O dito popular torna real ao relatar que novos padrões, fossem eles para o trabalho, o
“o hábito faz o monge”. Tão expressivo foi, esporte e, principalmente, o divertimento. As
também, o slogan de uma campanha publici- saias continuaram a encurtar e o estilo andró-
tária de uma conhecida marca nacional ao di- gino começou a se fazer presente. O aspecto
zer que “o mundo trata melhor quem se veste tubular das roupas surgiu no fim da década de
bem”. São duas citações que envolvem roupas 1910. Estava aí tudo definido para a década se-
e que são grandes verdades de moda. A par- guinte, que acabou recebendo a alcunha de “os
tir de agora, a palavra “moda” implica uma anos loucos”.
unificação de todos os conceitos teóricos que Os anos 1920 só confirmaram e difun-
diferenciam os diversos aspectos do hábito de diram a emancipação da mulher. A alegria de
cobrir o corpo. viver era a ordem do dia. As mudanças visu-
A moda do século XX continua sendo ais iniciadas na década anterior já estavam es-
estratificadora social. Relatada aqui a partir da tabelecidas e evoluídas. As bainhas das saias
década de 1910, que coincide com a I Guerra e dos vestidos chegavam à altura dos joelhos
Mundial, talvez esteja mais como unificadora (própria para danças como o charleston e o fo-
do que como diferenciadora de classes, devido xtrote). A cintura deslocou-se para o quadril
às imposições de guerra. (afirmação da emancipação, escondendo as
A guerra levou os homens ao campo de linhas curvas do corpo feminino juntamente
batalha e as mulheres os substituíram no cam- com cintas apertando os quadris e achatado-
po de trabalho. Foi o começo da emancipação res para os seios) e o cabelo foi cortado “à ma-
feminina. O período que antecede a I Guerra neira dos meninos” (à la garçonne). O aspecto
Mundial (La Belle Époque) ainda evidenciava era totalmente cilíndrico e os objetivos eram a
traços de muito luxo e sofisticação à moda. As praticidade, a funcionalidade e a simplicidade
cinturas, que até então estiveram afuniladas das roupas. Tem-se, aqui, um verdadeiro eco
em espartilhos, porém, mesmo antes da guer- dos padrões estéticos das outras manifesta-
ra, o francês Paul Poiret já havia excluído essa ções artísticas.
peça do guardarroupa feminino, só mesmo As linhas retas do Art Déco sobre-
com o conflito bélico e a necessidade de traba- põem-se às formas orgânicas do Art Nouveau.
lhar, a mulher de fato se libertou das amarras Isso tudo motivado pela facilidade da produ-
de cadarços e ilhoses que a tolhiam. Isso para a ção em série, pois criar objetos geometrizados
evolução da moda foi muito importante, pois é mais fácil e rápido do que os curvilíneos e
trouxe grandes mudanças. Acompanhando torneados. Afinal de contas, com o término
o rastro dessa inovação pela necessidade, as da guerra, o retorno da figura masculina para

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
casa e com o trabalho feminino, a renda fa- vai ser o referencial de divulgação dos novos
miliar foi dobrada e gerou maior consumo, costumes. Hollywood quase tinha mais estre-
portanto, impulsionou a necessidade de maior las do que o firmamento e elas, nas grandes te-
produção. As roupas também foram reflexos las das salas de projeção, causavam delírio em
da escola Bauhaus, que, além da forma, privi- todos. Não há dúvida de que as mulheres aca-
legiava a função. Total funcionalidade e prati- bavam copiando aquilo que as divas usavam.
cidade para a moda feminina. Na realidade, a crise era grande, devido
Foi nessa década que também começou à depressão provocada pela queda da Bolsa de
o hábito de bronzear a pele (o banho de mar, Nova York, em 1929, e mal sabiam que a situa-
que, no século XIX, era de cunho terapêutico, ção iria piorar com a insurreição da II Guerra
já nas duas primeiras décadas do século XX Mundial, em 1939. Mas o sonho precisava ser
ganhou aspectos de lazer, mas bronzear a pele mantido e o cinema passava a ideia das mil
não era de bom tom), pois, com o trabalho do maravilhas.
casal era óbvia a necessidade de descanso, Nomes femininos na criação da moda
o que acontecia no final de semana. Para a europeia, que já estavam estabelecidos,
exibição de sua condição financeira e so- sobrepõem-se aos masculinos e, nessa
cial pri- década,
vilegiada as mu-
nos novos lheres são
padrões, fazia-se mais importantes
necessário mostrar o e inovadoras no pro-
prestígio na própria pele, exibindo, cesso criativo do que os homens:
no corpo, que você podia ir, nos Chanel, Madeleine Vionnet, Jeanne
fins de semana, para o litoral para Lanvin, Nina Ricci, Madame Grès
descansar e tomar banho de mar e e Elsa Schiaparelli foram os mais
de sol. significativos expoentes da moda
Como grande inovação e mu- e do estilo desse período.
dança na década de 1920, tem-se o Em verdadeira oposição à moda
encurtamento das saias até os joelhos. dos anos 1920, a dos anos 1930
E isso foi de muita relevância porque consumiu muito tecido em cor-
era a primeira vez, na história da in- tes enviesados que predominaram
dumentária, que a mulher mostrava especialmente para os momentos
as suas pernas, à exceção da Pré-His- mais sofisticados. Resgatou-se um
tória quando ainda usava tangas. certo romantismo e uma certa sen-
Como é da natureza da moda sualidade perdidos no decênio an-
negar o atual para criar o novo, é terior. As costas de fora foram um
normal uma moda privilegiar for- marco inesquecível na moda
mas e volumes opostos aos vi- desse período e o uso das
gentes para de fato ser bem Cristo Redentor é a maior estátua em Art Déco calças estilo pantalona (que
distinto nos novos aspectos do mundo Chanel já havia proposto
visuais. Assim sendo, os anos nos anos 1920) foi moda
1930 chegaram como “saída” de praia.
lançando o comprimento longo. Para o dia, o Novamente as coisas muda-
mi-molet (no meio da panturrilha) e, para a ram com os anos 1940, que chegaram em ple-
noite, o longo. O cinema, em plena atividade, na II Guerra Mundial. Em fins dos anos 1930,

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
a moda feminina ganhou aspectos de mascu- qualidade, expressão de moda, numeração
linização devido à influência dos uniformes distinta (grade) e variantes de cor. Bela solu-
dos soldados, numa espécie de prenúncio da ção para os novos tempos. Os franceses foram
própria guerra. O uso de duas peças tornou-se aos Estados Unidos para saber como funcio-
um hábito pela necessidade. Primeiro, as duas nava esse novo esquema e transformaram o
peças, no guardarroupa feminino, significou ready to wear em prêt-à-porter.
a apropriação de características das roupas Contudo, Paris não estava nada atrás
masculinas e, também, porque a mulher po- em suas inovações. Exatamente em Fevereiro
dia variar mais nas suas combinações, dando a de 1947, o criador francês Christian Dior, sob
ideia de plural. As roupas ficaram esmirradas, o patrocínio do industrial têxtil Marcel Bous-
bem mais próximas ao corpo, uma vez que o sac, lançou uma nova coleção, sua primeira na
racionamento de tecidos era um fato. Teorica- alta-costura, recuperando toda a feminilidade
mente, as pessoas tinha uma caderneta para o perdida da moda feminina, criando os aspec-
controle da compra de tecidos porque todos tos que inspiraram a moda do início da segun-
tinham cotas limitadas de consumo anual. O da metade do século XIX, realçando a cintu-
racionamento têxtil foi tão necessário que a ra feminina e, também, dando muito volume
Inglaterra o manteve até 1949. para as saias. A essa silhueta ele deu o nome
Hitler, numa malfadada tentativa, quis de Ligne Corolle (Linha Corola) e Ligne 8 (Li-
transferir a capital mundial da moda de Pa- nha 8) que foi, não intencionalmente, chama-
ris para Berlim. Não obteve resultados e Pa- do pela jornalista da Harper’s Bazaar america-
ris continuou a ser o epicentro divulgador da na, Carmel Snow, de new look (novo visual).
moda. No período da guerra, a França esteve A partir daí, os próprios franceses, que não
sob a ocupação alemã e a alta-costura esteve são muito adeptos de estrangeirismos, princi-
em baixa. É lógico, pois as grandes consumi- palmente de anglicismos, passaram a chamar
doras da época eram as próprias francesas e as a coleção de New Look. Estava assim definido
norte-americanas. Estas, deixaram de viajar à tudo o que seria padrão de moda na década de
Europa devido à guerra, e aquelas não tinham 1950.
mais dinheiro para consumi-la. A ordem da nova década era o glamour,
Terminada a guerra, a Câmara da Alta- o luxo e a sofisticação resgatados por Dior em
-Costura resgatou seu prestígio com uma bela 1947. O que é paradoxal nessa história toda é
campanha de divulgação para o mundo (espe- que Dior colocou por água abaixo toda a in-
cialmente para os Estados Unidos) por meio tenção de libertação feminina das amarras
do “Le Théâtre de la Mode” (uma exposição, masculinas tão pronunciadas por Chanel e sua
em 1946, sobre alta-costura com manequins moda. Todavia, se a mulher aceitou o resgate
em miniatura), e Paris voltou a fazer oque fa- da feminilidade proposto por Dior, foi sinal de
zia de melhor em técnica, o estilo e glamour. A que ela estava sentindo falta da dependência
alta-costura, assim, retornou ao seu posto. masculina.
Ao contrário, no outro lado do Atlântico, exa- Feminilidade era essência da nova dé-
tamente nos Estado Unidos, os americanos cada. A mulher estava muito caseira, funda-
inventaram uma maneira de trabalhar para a mentada na necessidade de cuidar das crian-
moda que revolucionaria todo o restante do sé- ças, pois os saudosos maridos que voltaram da
culo XX. Lançaram o que os americanos cha- guerra deram à população um grande aumen-
mam de ready to wear, ou seja, “pronto para to de natalidade, compensando assim os óbi-
usar”. Era uma maneira de produzir roupas, de tos da guerra. Foi o fenômeno do baby boom.
um mesmo modelo, em escala industrial com A alta-costura viveu seus dias de glória.

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
Nomes como Christian Dior, Cristóbal Balen- no fim da mesma década, astronautas norte-a-
ciaga, Pierre Balmain, Madame Grès, Jacques mericanos pisaram em solo lunar. Parecia que
Fath, Nina Ricci, Hubert de Givenchy e outros o futuro era ali e naquele momento. Em 1968,
deram à moda uma característica de muito os estudantes franceses rebelaram-se contra o
requinte. O principal expoente nesse setor, establishment e, também, foi lançado o mar-
reconhecido mesmo pelos seus concorrentes, co da ficção científica cinematográfica: “2001,
foi o espanhol, radicado em Paris, Balencia- Uma Odisseia no Espaço” (Stanley Kubrick).
ga. Dono de uma técnica ímpar aliada ao bom A Guerra do Vietnã também estava ocorren-
gosto e a um tino comercial incomparáveis, do e os conflitos raciais nos Estados Unidos
Balenciaga é considerado o grande costureiro eram frequentes. Devido a isso e muito mais,
(usando uma expressão da época) de todos os os anos 1960 foram, de fato, revolucionários.
tempos da alta-costura. E a moda também.
Já nessa época, a França dividia espaço, A influência era o futuro. Novos tecidos
no mercado de moda, com a Inglaterra e os sob novas formas materializaram-se nas mãos
Estados Unidos, com suas indústrias de moda de Pierre Cardin, Yves Saint-Laurent, Paco
já estabelecidas. A onda então, mes- Rabanne e André Courrèges. A
mo na moda do prêt-à- ordem era a joviali-
-porter, era delinear a dade, pois os ado-
silhueta feminina em lescentes da época
“cintura de vespa”. tinham sido as
Para a noite, o de- crianças dos anos
cote tomara-que- 1950 e os be-
-caia deixava os bês do pós II
ombros e o colo Guerra Mun-
nus, em criações dial. Foi a
de extremo re- maturidade
quinte e sensu- do baby
alidade. Dos boom.
Estados Uni- A
dos, vinham m o d a
o começo da po- francesa,
pularização da calça compri- A minissaia, símbolo da emancipação feminina normalmente, era mais so-
da, as chamadas cigarrette, fisticada, ao passo que a in-
para as mulheres. Moda prática e muito popu- glesa e norte-americana eram mais contesta-
lar entre as doras. O prêt-à-porter teve sua
jovens locais. grande difusão e consagração nessa década.
Os anos 1960, por sua vez, chegaram As peças fundamentais do guardarroupa fe-
introduzindo muitas mudanças na moda. De minino eram o tubinho e a minissaia. Mary
fato, foi o início da influência dos jovens para Quant, como grande modelo e, posterior-
o comportamento da moda. Os tempos eram mente, como estilista, super divulgou a míni
verdadeiramente outros. A conquista espacial em seu próprio corpo, e a magreza da modelo
disputada pelas duas grandes potências da Twiggy delineou o padrão estético do corpo
época, Estados Unidos e União Soviética, es- feminino.
tava acirrada. No início da década, um astro- Surgiu, também nessa década, a expres-
nauta soviético sobrevoou o espaço sideral e, são “estilista”, substituindo a expressão “costu-

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
reiro”, uma vez que este estava mais associado divisor de águas, principalmente para a moda
à produção exclusiva e sofisticada da alta-cos- masculina, pois todo aquele ranço de serieda-
tura e aquele à produção em série e acessível de trazido desde meados do século XIX foi,
do prêt-à-porter. assim, diluído com as propostas de igualdade
As butiques, cada vez em maior quan- visual do unissex.
tidade tanto na Europa quanto nos Estados No final da década, novamente a moda
Unidos, facilitaram o acesso ao consumo e dá as mãos à música com o festival Woodstock
democratizaram a moda. A minissaia foi mar- (1969), realizado nos Estados Unidos. A mú-
ca registrada e sinônimo feminino de eman- sica pop influenciou o comportamento e, por
cipação, independência e modernidade. Ela extensão, a moda. Não havia mais como impe-
vingou, por sua vez, especialmente pela apari- dir a interferência norte-americana da moda.
ção e pelo uso da meia-calça, dando à mulher Os anos 1970 chegaram trazendo ainda a in-
mais liberdade para exibir a sensualidade e a fluência da moda hippie. As diversificações
ousadia, propostas pela própria míni. em opções de estilo foram aparecendo. As
O aspecto de modernidade, como foi propostas do estilo “New Romantic” resgata-
dito, foi traduzido pelos novos tecidos sintéti- vam um certo saudosismo em estampas florais
cos e pelas criações com inspiração no futuro. e rendas. As roupas esportivas começaram a
Assim como o mundo parecia pequeno pela ganhar espaço e o trainning de moletom foi a
vontade da conquista espacial, as roupas eram grande sacada.
feitas de minúsculos pedaços de tecido para O jeans, agora também para as mulhe-
cobrirem o vasto corpo. Também foi o mo- res, esteve em alta em várias leituras. Na rea-
mento de grande aceitação do biquíni, lançado lidade, ele entra em moda para os homens a
na moda em 1946 pelo francês Louis Réard. partir dos anos 1950, quando houve sua po-
Da Inglaterra veio a influência dos Be- pularização via o cinema, com James Dean e
atles e da butique “Biba”. Da Itália, vinham Marlon Brando. As peças em jeans, desde seu
as estampas de Emílio Pucci. A Pop Art e a surgimento como roupa de trabalho na se-
Op Art também predominaram no visual das gunda metade do século XIX até de fato ter
roupas e tornaram-se verdadeiros suportes de se transformado em moda, passaram a ser a
mensagens artísticas. Verdadeiramente elas grande identidade da moda jovem, reflexo da
foram a jovialização e a democratização da aceitação e do uso coletivos.
moda. A crise do petróleo, que prejudicaria a
O movimento hippie surgiu em meados produção têxtil, influenciou a moda ao ten-
dessa década, dando à moda um visual total- tar-se administrar o problema econômico da
mente contestador. Cabelos longos, detalhes produção de tecidos com a criação de tendên-
de artesania nas roupas, patchwork, bordados, cias de mercado que direcionariam a uma pro-
bijuterias artesanais e a peculiar calça boca de dução quase coletiva, com propostas de cores,
sino ou pata de elefante opunham-se ao visual padrões e texturas. Paralelamente, surgiam os
com aparência de futuro. bureaux de style, escritórios especializados em
A ideia de coletivo era passada sob os assessoria às indústrias têxteis e, posterior-
longos cabelos cacheados ou black power. mente, às confecções, por meio de cadernos
Com esse conceito de coletividade, surgiu a de tendências. Criou-se, também em Paris,
moda unissex. Tudo aquilo que era usado por aquela que ainda hoje é a principal feira têxtil
ele podia também ser usado por ela e vice-ver- do mundo - a Première Vision - que aconte-
sa. Para a moda, essa dinâmica foi, de fato, um ce duas vezes por ano para os lançamentos de

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
primavera-verão (em Setembro/Outubro) e
outono-inverno (em Fevereiro/Março).
A moda unissex continuou a vigorar, mas sur-
giram grupos específicos de jovens com com-
portamentos e características visuais próprias,
que nos anos 1980, seriam chamados de “tri-
bos”. A música continuou a interferi na moda
jovem. Surgiu o movimento glam, influencia-
do por líderes musicais como David Bowie,
Rod Stewart e Elton John, entre outros, e a pa-
lavra de ordem foi brilho, com muito glamour
e excentricidade.
Em meados da década, por volta de 1974-75,
surgiu, na contestadora Londres, um novo e
pequeno movimento de jovens desempre-
gados que protestavam contra a situação da
época mediante a adoção de um visual total-
mente novo e de aspecto agressivo. Eram os
punks, com seu slogan “No Future”. A falta de
perspectiva era representada pelo preto, rou-
pas rasgadas e sujas, cabelos intencionalmente
despenteados, além da jaqueta de couro, dos
rebites metálicos e dos alfinetes rasgando-lhes
a carne. Tinham, como referência musical ins-
piradora, o grupo “Sex Pistols”, cujo líder era
Malcolm McLaren que, por sua vez, era casa-
do com Vivienne Westwood. Ela, na condição
de estilista, intelectualizou o movimento e o
transformou em estilo e moda.
No final dos anos 1970, um novo mecanismo
começou a funcionar na moda. Foi o surgimen-
to do conceito de griffe que, em francês, quer
dizer “garra”. É exatamente a marca do criador
na roupa. É a assinatura por meio da etiqueta
que, normalmente, era exibida do lado de fora
da roupa para mostrar a marca que era usada.
Mais uma vez a moda se reinventou ao anular
o aspecto de coletivo privilegiado pelo unissex
e pela moda hippie. Foi praticamente o início
da individualidade na moda.
Com o advento dos anos 1980, a moda ga-
nhou novamente outra dinâmica. Por ser di-
fícil ter uma única imagem para representar
A microfibra, um dos grandes avanços
toda a pluralidade dessa época, talvez uma
da indústria têxtil do séc. XX única palavra possa sintetizar os valores da-

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
quele momento: paradoxo. A ordem era quase ras de tanta fama e dinheiro que se sobrepu-
se contradizer devido a tanta multiplicidade seram, em prestígio, às atrizes de cinema e às
de estilos. Um era quase a continuidade do seu cantoras da pop music.
antecedente, porém, sempre negava o anterior. Os orientais, especialmente os japoneses, fize-
Plural e múltipla, eis aí as referências da moda ram escola em Paris, ditando moda para o res-
dos anos 1980. As grifes dos anos 1970 entra- to do mundo com aspectos do minimalismo
ram pelo novo decênio, mas foram as tribos inspirado na filosofia zen-budista. O slogan
que deram maior identidade ao período. Es- “less is more” (menos é mais), do arquiteto
sas também vieram da década anterior só que Mies van der Rohe, era a ideologia.
com maior difusão. Eram punks, góticos (aqui Em contraposição, o francês Christian Lacroix
chamados de darks), heavy metal, skin heads, tentou reavivar a alta-costura com suas cria-
yuppies (que tiveram Giorgio Armani o gran- ções tão extravagantes quanto possível. Para
de referencial de moda com seu clássico reno- ele, o slogan era “more is more”, ou seja, mais
vado, tanto para a moda masculina como para é mais.
a moda feminina), o new wave, o new age, os O aspecto de releitura histórica foi outra ca-
ecológicos etc., fizeram dessa década um ver- racterística da criação de moda nessa década.
dadeiro caldeirão de influências. Buscar inspiração no passado, porém, con-
A individualidade foi a grande busca. Era o tal temporizando-o ou, muitas vezes, até mesmo
paradoxo, uma vez que o tentar ser diferen- copiá-lo foi uma forma de reinventar a própria
te dos outros tornava o indivíduo igual entre roda, uma vez que o totalmente novo era difí-
aqueles de mesma ideologia. Ser diferente era cil de ser alcançado, tamanha era a multiplici-
ser igual aos da mesma tribo, que, por sua vez, dade de opções. Ao mesmo tempo em que essa
eram distintos das outras tribos. Os jovens e releitura contribuía para a busca do individual
suas influências musicais ditavam comporta- e do inusitado, ela aumentava o leque da di-
mento e moda. versidade e de estilos e, consequentemente, da
Ao pesquisar novas matérias, a tecnologia têx- moda. Resumindo a moda de 1980, três “pês”
til deu grandes passos, criando novos tecidos. podem identificá-la com muita propriedade:
A microfibra foi a grande novidade da época. paradoxo, pluralidade e preto.
A informática também chegou à moda trazen- Anos 1990, finalmente! Eis o princípio do fim
do tecnologias e programas específicos para a do século XX. A moda ainda trazia a plurali-
modelagem, a estamparia e o estilismo pro- dade, as tribos, as top models, as releituras, a
priamente dito. tecnologia, a informática e outras coisas mais
O conceito de rejuvenescimento foi difundido, dos anos 1980, porém, com inovações, reno-
não só nas academias de ginástica como tam- vações e identidade própria.
bém na cosmética, na medicina e em outras A ideia de tribo continuou com os grunges,
áreas. A moda como pertencente ao aspecto também influenciados pela música e pelo
cultural de cada época não ficou para trás ao comportamento jovem das ruas. Aí talvez es-
começar a rejuvenescer marcas famosas. A teja uma das essências de toda a década. O
primeira delas foi Chanel com a contratação streewear impôs-se de uma tal forma que a
de Karl Lagerfeld. Com a ideia de individua- situação se inverteu totalmente. O atelier que
lidade, surgiu o de exclusividade, e o estilista guardava as ideias a sete chaves, antes de lan-
alemão, radicado em Paris, teve, em Inés de çá-las nas passarelas, passou a se inspirar no
La Fressange, sua modelo preferida e exclusi- que os jovens já estavam usando, reinterpre-
va, dando início ao conceito de top model, que tando esse estilo numa proposta mais sofisti-
gerou um séquito de modelos-divas, detento- cada.

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
Outros grupos também se impuseram e é in- os famosos “tecidos inteligentes” ou “com me-
teressante notar que todos eles com caráter de mória”, capazes de solucionar problemas ou
underground. As subculturas, os excluídos e intenções, até então, impraticáveis.
os desfavorecidos passaram a ser os grandes Concluindo então esse mutante século XX no
referenciais de criação e motivação para a aspecto de moda, vale a pena deixar registrada
moda. Drag queens, homossexuais, prostitu- a inversão do comportamento que se deu no
tas, deficientes físicos, deficientes mentais e decorrer desse centênio.
toda a sorte de excluídos sociais foram lem- A moda, antes da II Guerra Mundial, era defi-
brados e aclamados na moda. nida pelos adultos e copiada pelos mais jovens.
Talvez isso tudo seja a globalização metafori- Logo após a Guerra, há duas realidades dis-
zada para a moda. A junção de tudo e de todos tintas: a moda do adulto e a moda do jovem.
dentro de um liquidificador onde o composto No fim do século, a situação inverteu-se total-
foi a liberdade de expressão levada às últimas mente: os mais velhos quiseram rejuvenescer
consequências, gerando uma imensa gama de a todo custo e copiaram os mais jovens, tanto
opções de moda. Era a releitura da releitura, o na atitude como, e principalmente, na moda.
novo com o antigo, o natural com o sintético, Esse conceito continua ainda nesse início do
o tecnológico com o artesanal, o caro com o século XXI.
barato, o belo com o exótico, o masculino com Contudo, cada época com seu contexto, cada
o feminino, o Oriente com o Ocidente etc. Os contexto com sua cultura, cada cultura com
diametralmente opostos num único conceito sua identidade, cada identidade com seu valor,
de pluralidade multiplicado pela própria plu- cada valor com seu mérito, cada mérito com
ralidade. Foi o que definiu o sociólogo inglês sua forma de expressão, cada forma de expres-
Ted Polhemus como “o supermercado de esti- são com sua proposta, cada proposta com sua
los”. Foi um certo vale-tudo em que a falta de criatividade, cada criatividade com sua essên-
identidade passou a ser a própria identidade cia, cada essência com sua arte, cada arte com
da época. sua manifestação, cada manifestação com o
Também nos anos 1990, o desconstrutivismo, seu modo e cada modo com a sua moda.
introduzido na moda pelos belgas, trouxe in-
telectualidade ao se inspirar no caos para che- Excerto do livro “Reflexões Sobre Moda” Vol. I. João
gar à forma, uma espécie de desconstruir para Braga. São Paulo: Ed. Anhembi Morumbi, 2005.
reconstruir. Na visão comercial, isso se trans-
formou, por exemplo, em overlock aparente e
bainha desfiada.
No fim da década, porém, a alta-costura res-
surgiu das cinzas assim como Phenix o fez.
Nomes fortes do mercado financeiro adquiri-
ram nomes fortes da moda, rejuvenescendo-
-os com o sangue novo de talentos contempo-
râneos. O aspecto de reglamorização ganhou
vida em novas criações para a moda que esta-
va tão à mercê do streetwear.
A tecnologia têxtil, cada vez mais, tornou-se
sofisticada em seus inventos, fazendo surgir

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
Aula 4
Uma análise de moda
Tentativa de compreensão dos aspectos da moda contemporânea.

A moda passou por uma significativa mudança no decorrer do século XX. O início des-
te século caracterizou-se por uma dinâmica de privilégio da moda adulta, e as jovens, assim,
queriam se parecer. Em meados do século, após a Segunda Guerra Mundial, passaram a existir
duas características bem marcantes na moda: a moda adulta e a moda jovem. Os anos 1960
trouxeram a explosão do comportamento jovem, que por sua vez, dimensionou as novas ca-
racterísticas da moda. Os jovens começaram a dominar neste universo. O final do século XX,
assim como o início do século XXI, foi e está sendo caracterizado pela inversão de valores de
aproximadamente 100 anos atrás, uma vez que a moda atual identifica-se com a dinâmica dos
jovens. Existe, sim, a moda adulta - que quer rejuvenescer - mas como novidade e identidade
de uma época prevalecem os padrões jovens.
Tudo se tem feito para não relatar que o tempo passou e o simulacro passa a ser uma ne-
cessidade contemporânea: das cirurgias plásticas às práticas de exercí-
cios; da alimentação saudável à ingestão de medicamentos; dos
recursos da estética do rejuvenescimento ao uso da moda dos
adolescentes etc. Eis aí um novo código denunciador do status
contemporâneo.
Falar de moda é decifrar linguagens não verbais que nossas
roupas transmitem, ou seja, o estilo, o design, o produto, a
época, a tecnologia e tudo mais que pode estar codificado
naquilo que usamos.
A moda normalmente traz em si aspectos de para-
doxo, pois queremos estar na moda para sermos di-
ferentes, contudo, ficamos iguais entre aqueles que se
acham diferentes. Sendo assim, a moda precisa sempre
encontrar maneiras de se reinventar para que retrate os
ideais de uma época, assim como os valores que a identi-
ficam como tal.
Voltando ao século XX, os anos 1960 trouxeram para a moda
não só a jovialidade como também o ideal de contestação. Nos-
sas roupas sempre tiveram o compromisso de denunciar nossas
classes sociais, todavia, o movimento hippie e a moda unissex

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
trouxeram aspectos de unificação destas mesmas classes sociais e dos gêneros. Como a moda
acaba sempre encontrando soluções para sobreviver, para que houvesse uma nova maneira de
se diferenciar, surgiu na moda da segunda metade dos anos 1970 o conceito de griffe, que dava
status ao usuário ao se apresentar publicamente com uma determinada marca. O status era
medido pela capacidade de subir ou descer um degrau na pirâmide social de base bem popular
e um pico bem seletivo.
Em contrapartida, os anos 1980 conduziram a moda para uma dinâmica de individualidade
e fidelidade ao estilo que melhor nos aprouver. Vivíamos a moda isoladamente dentro de um
grupo de estilo, na época chamada “tribo”, identificando-nos de uma maneira marcante com os
códigos de pertencimento.
Os anos 1990, assim como o início do século XXI, caracterizaram-se na moda por meio
de códigos de apropriação das identidades de diversos grupos simultaneamente; por uma es-
pécie de falta de identidade que passa a ser a própria identidade. Uma significativa mistura de
elementos diversos na tentativa de encontrar o novo ou pelo menos a novidade. Pluralidade
passou a ser sinônimo de moda.
Por essas razões sociológicas da moda é que temos a nítida impressão de que não há
nada de novo na moda atual; tudo é uma espécie de dejà vu, causando um inconformismo
inexplicável; vivemos verdadeiramente o paradoxo da falta de identidade ser a própria identi-
dade da moda deste fim de século XX e início de século XXI.
Buscamos referências no passado pelas releituras; utilizamos a tecnologia de última ge-
ração; tentamos dar uma cara de subjetividade ao “customizarmos” as nossas roupas, que nada
mais é do que personalizar; somos saudosistas ao usarmos uma peça vintage e, com todos estes
mecanismos, acabamos reinventando a roda, ou melhor, a moda.
A excessiva e interminável busca do novo torna-nos frenéticos para sermos os primeiros
a lançarmos pelo menos a novidade, e com isto torna-se fundamental o acesso às informações,
não só da moda propriamente dita, mas também de tudo que nos cerca como política, religião,
economia, comportamento etc. Estar atento é a forma mais segura do sucesso na área de moda.
O acesso à informação está muito mais fácil hoje em dia, com possibilidades, inclusive, de tem-
po real na comunicação.
Esta rapidez acaba desgastando com mais facilidade toda e qualquer informação e, assim
criamos um ciclo muito curto de durabilidade da moda, forçando-nos cada vez mais a buscar
novas e rápidas soluções.
Nesta dinâmica, a moda precisa sempre se reinventar; hoje ela se reinventa em aspectos
de luxo, reinventa-se em aparência de jovialidade, reinventa-se em individualidades e reinven-
ta-se no passado na tentativa de encontrar o caminho do futuro.

Excerto do livro “Reflexões Sobre Moda” Vol. IV. João Braga. São Paulo: Ed. Anhembi Morumbi, 2006.

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
Aula 4
O pretérito perfeito da moda
O passado e a personalização como referências da moda contemporânea

Eu me vesti, tu te lembraste, ele se inspirou, nós


relemos, vós customizastes, eles aprovaram. Eis aí o pre-
térito perfeito da moda atual. Falar de perfeição é preten-
sioso, uma vez que ela é divina, todavia, cada momento
tem sua verdade, portanto essa verdade momentânea se
torna perfeita para relatar o contexto histórico de um
período, servindo de documento identificador e de refe-
rência de uma época.
Na moda do fim do século XX, especificamente nas dé-
cadas de 1980 e 1990, e neste princípio do século XXI,
várias são as possibilidades de fazer e estar na moda.
Uma dessas verdades é se apropriar ou se inspirar nas re-
ferências do passado para o processo criativo. Na moda
atual, existem dois conceitos que são relativamente se-
melhantes e, também, um terceiro que a ela é agregado,
e os três juntos têm uma proximidade conceitual grande
apesar de serem verdadeiramente distintos. São eles: a
releitura, o vintage e a customização.
O primeiro a ser refletido é a “releitura”. Por algumas
vezes, a moda de outros tempos já se baseou em refe-
rências do passado para chegar a novos resultados. Um
caso bem conhecido é o do New Look de Dior, em 1947,
quando ele se inspirou na moda do período de La Bel-
le Époque (fim do século XIX e início do século XX)
para reinventar a feminilidade, com cinturas marcadas
e sais rodadas no pós-II Guerra Mundial. Contudo, foi
durante os anos 1980 e 1990 que a moda muito assimi-
lou essa ideia e, a partir daí, a releitura se tornou uma
verdadeira referência na criação de moda. É lógico que
a criatividade e a busca do novo não acabaram e nunca
vão acabar, todavia, parecia que as criações eram a rein-

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
venção da roda. Reler não é copiar. Reler é se inspirar, é ler
de novo; é enxergar o que parece ter sido esquecido; é per-
correr um caminho já trilhado, porém, com novos passos,
novas atitudes, novas respostas a novas necessidades; é dar
um agradável toque de saudosismo à contemporaneida-
de; é unir passado e presente para projetar o futuro; é uma
roupa nova com referências pretéritas sem ser figurino ou
reconstituição de época; é resgatar o que talvez a mente te-
nha esquecido, mas que o olho soube enxergar com novos
materiais, por meio de novas técnicas e de novas soluções.
O segundo conceito a ser analisado, e que tangencia a re-
leitura, é o vintage. Esta ideia teve grande aceitação na se-
gunda metade dos anos 1990 e tornou-se grande moda in-
ternacional. O vintage é uma apropriação do passado da
moda. Uma apropriação até mesmo da palavra, pois tradu-
zindo vintage, do inglês, pode-se perceber que vem de uma
outra área, pois significa “vindima”, safra de vinho, colheita
ou produção de um determinado período. Aí está, exata-
mente, a transferência do significado para um conceito da
moda: a colheita, a produção de um determinado período
da moda, a safra criativa de um passado. Não importa o
passado ou o estilo, mas, sim, o que há de denunciador de
cada período escolhido. Ora é um passado recente, ora é
distante. É o fato de se usar uma roupa tal qual ela o foi em
seu tempo. São as próprias peças de outras épocas que, ago-
ra, passam a fazer parte de um repertório atual. É a roupa
de brechó que se compra e que se usa como ela foi um dia.
Nesse conceito, a peça pode até ser restaurada, mas não
reformada, senão já entraríamos em outra possibilidade. É
a roupa de segunda mão que traz agregada a identidade de
um outro período.
O terceiro e último item também em voga há alguns anos
e tão atual é o conceito de “customização”. Customizar é
o neologismo português da palavra inglesa customer, que
quer dizer cliente, freguês. Na moda, trata-se de dar toques
de exclusividade às roupas. É um produto seriado, porém,
seja pela solicitação do cliente ou seja como sugestão do
criador , como uma característica pessoal para diferenci-
á-lo dos demais. É interferir naquilo que já está pronto ou
mesmo criar uma nova peça que seja única ou individu-
alizada. É pegar alguma coisa e transformá-la em outra.
A palavra ideal da língua portuguesa para identificar esse
processo é “personalização”. E nisso o brasileiro é craque,
talvez até mesmo por necessidade de expressar a criativida-
de. Qualquer costureira, a mais simples, sabe o que é fazer

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
uma reforma de roupa e inventar alguma coisa nova a partir de algo já existente. Isso também
é customizar.
Para a área de criação de moda, porém, customizar tem sido uma solução para garantir diferen-
ciação na roupa produzida em série. Contudo, a customização em confecções, se não for bem
entendida, pode transformar em série o que deveria ser individual. Para que o conceito não se
perca, cada um deve customizar como bem imaginar e não seguir a sugestão determinada para
todo cliente de só lixar, rasgar, bordar etc. Para que a essência permaneça, é ideal que cada um
invente a sua maneira de interferir e se tornar diferenciado. Com relação aos conceitos ante-
riores, customizar não está diretamente associado à releitura e ao vintage; todavia você pode
customizar tanto uma peça nova com referências do passado (releitura), como também roupas
antigas (vintage) por meio de reformas, tingimentos, aplicações ou qualquer outra interferên-
cia. Apesar do fato de que, se você customiza uma roupa que pertence ao universo vintage, ela
deixa as suas características iniciais e passa a ser uma “roupa customizada”. Mas nada invalida
a criatividade.
Aí está o elo dessas três possibilidades criativas. Sendo assim, conhecer o passado da moda
torna-se fundamental para a prática dessas atuais possibilidades do processo criativo. Portanto,
sinta-se à vontade com a História da Moda para que a moda possa continuar construindo sua
história. Com essa trajetória, o pretérito perfeito torna-se o próprio presente: eu me visto, tu te
lembras, ele se inspira, nós relemos, vós customizais, eles aprovam.

Excerto do livro “Reflexões Sobre Moda” Vol. I. João Braga. São Paulo: Ed. Anhembi Morumbi, 2005.

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
Aula 5
Pouco tempo, muitas mudanças
Pouco tempo, muitas mudanças
Um século apenas e tantas variações no universo da moda feminina.

Um século apenas e tantas variações no universo da moda feminina.

Cem anos parece muito tempo. É lógico


que, dependendo do ponto de vista, de fato o é.
Mas, para a História, cem anos não representa
tanto tempo assim, apesar de, pelo tradicional
conceito de gerações, terem surgido quatro mo-
mentos delimitados. Contudo, sob outras óticas,
podemos dizer que tivemos numerosas gera-
ções, evidenciadas por mudanças de valores, de
comportamento e de identidades específicas ao
longo desse período.
Não tenho a mínima intenção, neste arti-
go, de analisar o comportamento em si ou mes-
mo as causas que levaram a determinados com-
portamentos femininos no decorrer do século
XX, pois o meu repertório não seria suficiente
para realizar levantamentos de cunho sociológi-
co, mas quero refletir sobre como tais comporta-
mentos levaram a transformações na moda.
A mulher do início do século XX trazia
uma significativa herança comportamental oito-
centista, e essas tradições morais, éticas e religio-
sas reproduziam, na roupa feminina, um aspecto
de muito rigor e austeridade, apesar da beleza e
da elegância feminina no período da Belle Épo-
que. Cintura afunilada pelo espartilho, cabelo
preso, gola alta, saia longa, botinha e adornos
delicados marcavam um padrão de beleza cor-
póreo e de vestimenta que davam sensualidade
discreta a uma mulher madura e elegante.
A Primeira Guerra Mundial teve início
em 1914, e a mulher foi obrigada a ocupar o

ESTE
ESTE MATERIAL
MATERIAL ÉÉ PARTE
PARTE INTEGRANTE
INTEGRANTE DO
DO CURSO
CURSO ONLINE
ONLINE “CULTURA
“CULTURA DE
DE MODA”
MODA” DA
DA EDUK
EDUK (WWW.EDUK.COM.BR)
(WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME
CONFORME A A LEI
LEI Nº
Nº 9.610/98,
9.610/98,
É
É PROIBIDA
PROIBIDA A
A REPRODUÇÃO
REPRODUÇÃO TOTAL
TOTAL E
E PARCIAL
PARCIAL OU
OU DIVULGAÇÃO
DIVULGAÇÃO COMERCIAL
COMERCIAL DESTE
DESTE MATERIAL
MATERIAL SEM
SEM AUTORIZAÇÃO
AUTORIZAÇÃO PRÉVIA
PRÉVIA E
E EXPRESSA
EXPRESSA DO
DO AUTOR
AUTOR (ARTIGO
(ARTIGO 29)
29)
mercado de trabalho em virtude da ausência masculina,
pois os homens estavam no campo de batalha. Essa mu-
dança comportamental levou a novas atitudes ligadas à
moda. As saias começaram a encurtar, os cabelos foram
soltos, o espartilho deixou de ser usado e apareceu o por-
ta seio (futuro sutiã) para segurar as mamas. Foi o início
da emancipação, tanto no comportamento quanto, por
extensão, na moda.
O momento seguinte, ou seja, a década de 1920,
culminou com o encurtamento das saias até a altura dos
joelhos, o achatamento dos seios e das ancas e o corte
de cabelo bem curto. A melindrosa era a nova mulher
seguindo padrões que ecoavam a estética geométrica,
simplificada e funcional do Art Déco.
Chanel, o grande nome da moda do século XX,
consagrava-se com suas propostas básicas, porém de ex-
tremo bom gosto e sofisticação, chegando ela mesma a
usar calças compridas (no caso, a pantalona), ainda nos
anos 1920. Essa nova proposta de roupa teve grande
aceitação na década de 1930, com as “saídas de praia”,
que logo foram encurtadas, aparecendo então o short -
que, em inglês, significa curto -, uma vez que a tal calça
comprida pantalona parecia ter encolhido o suficiente
para que as mulheres exibissem as pernas. Não só as per-
nas ficaram à mostra, mas também as costas, pois, afinal,
como ser emancipado e trabalhador, elas se davam o di-
reito do descanso semanal no litoral e, para exibirem-se
e demonstrarem poder econômico como trabalhadoras,
faziam questão de mostrar na cidade a pele bronzeada
adquirida no descanso. Começou aí a moda de bronzear
a pele, nesse final dos anos 1920 e início da década de
1930. Era a moda refletindo uma nova conduta compor-
tamental.
Com a chegada da Segunda Guerra Mundial, a
moda sofreu numerosas restrições. O aspecto da mulher
tornava-se masculinizado, os racionamentos impossibi-
litavam grandes elucubrações. A guerra acabou, e Louis
Réard, em 1946, criou o “duas peças”, chamando-o de bi-
kini - e foi dada a largada para uma nova relação da mu-
lher com seu próprio corpo. Dior, por sua vez, em 1947,
resgatou a feminilidade com o “New Look” - expressão
criada pela jornalista Carmel Snow -, quando marcou a
cintura e rodou a saia em godê e anáguas. Foi o novo pa-
drão para a futura década de 1950, quando a mulher foi
reinventada em sua feminilidade. Mas a guerra também

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
lhe deu novas atitudes que favoreceram o início de uma
jovialidade na aparência.
Na década de 1960, aqueles bebês nascidos no pós-
-guerra (baby boomers) já eram jovens. A moda passa
a ter no mínimo duas vertentes: a da mulher mais ma-
dura e a da adolescente. Um novo padrão, o de aparên-
cia de menina, passou a ser uma grande referência e
as mulheres não hesitaram em mostrar as pernas no-
vamente. Nesse caso, não com o short, mas com a mi-
nissaia; portanto, exibir boa parte das coxas passou a
ser realidade na moda da década. Essa nova atitude de
moda também fundamentou-se na revolução feminis-
ta, no surgimento da pílula anticoncepcional e foi sus-
tentada com a possibilidade de um pseudo recato com
o uso da meia calça. Ah, vale a pena lembrar que aquele
tal biquíni era de uso generalizado entre as mulheres,
principalmente as jovens.
A moda hippie, criada nos anos 1960, trouxe um novo
comportamento que favoreceu o aparecimento da
moda unissex. As mulheres apropriaram-se das identi-
dades visuais da moda masculina e vice-versa. A calça
comprida - de início usada no formato de pantalona
e posteriormente no modelo cigarrette dos anos 1950
- na década de 1970 fazia parte do guardarroupa das
mulheres em geral. Então, essas e outras apropriações
das roupas masculinas não foram um problema, a pon-
to de Yves Saint-Laurent criar o smoking para mulhe-
res (ainda nos anos 1960).
A década seguinte, isto é, os anos 1980, trouxe uma
evolução dessas propostas, e os tailleurs exibiam om-
bros bem acentuados, para que as mulheres se equipa-
rassem aos homens no campo de trabalho, mas para
manter a feminilidade cabia a saia justa curta e o scar-
pin de salto alto. O decênio de 1980 também trouxe o
início do culto ao corpo, favorecendo as roupas justas
e culminando, até mesmo, com o topless. Parecia, de
fato, que a mulher se liberara. Emancipada e contem-
porânea, chegou ao fim do século XX deparando-se
com variações muito rápidas nos padrões de beleza e
nas possibilidades estéticas da moda.
Os anos 1990 e o princípio do século XXI evidencia-
ram o exótico, a “heroína chique” e uma nova recons-
trução do corpo. Esse corpo, que na aparência, pode
ser tatuado ou perfurado com piercings e internamen-

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
te pode ser alterado com botox, silicone,
fios de ouro e numerosas cirurgias plás-
ticas. A cultura da aparência do corpo,
ornamentado em diversos estilos, que
no curto período de cem anos passou
por diversas construções, reconstruções
e desconstruções, marca um novo mo-
mento. Se há cem anos a mulher se sub-
metia a cirurgias para retirar a costela
flutuante, afunilando a cintura, hoje ela
introduz elementos estranhos à natureza
do corpo, como os citados, para moldá-
-lo ao bel prazer de valores efêmeros e
espetaculosos.
O século XX foi, de fato, o grande século
das variações da moda feminina. As mu-
lheres soltaram o cabelo: cortaram-no,
arrepiaram-no e tingiram-no também.
Elas apropriaram-se das calças compri-
das masculinas; encurtaram as saias e
também as calças; bronzearam a pele e
depois a tatuaram; exibiram os corpos
em maiôs, biquínis e com a prática do
topless. Nessa “sociedade do espetácu-
lo”, tentaram permanecer tão jovens que
culminaram em rejuvenescimentos leva-
dos às últimas consequências. A maioria
não quer admitir a natureza do enve-
lhecimento e se há cem anos era a filha
que queria se parecer com a mãe, hoje
é a mãe que quer se parecer com a filha,
imitando-a em modos e moda.

Excerto do livro “Reflexões Sobre Moda” Vol.


III. João Braga. São Paulo: Ed. Anhembi Mo-
rumbi, 2006.

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
A moda como um “museu de
grandes novidades”
A história, a cultura e o inapreensível tempo como grandes
inspirações para a atual moda.

Caríssimo poeta Cazuza, eu também “vejo um museu de grandes novi-


dades” no processo criativo de hoje, e não posso jamais discordar tam-
bém que o “tempo não pára, não pára não”. Se o seu universo era a poesia
e a música, o meu é a moda. A moda vive, atualmente, a essência do “mu-
seu de grandes novidades”. O comum, entre as duas áreas aparentemente
distintas, é a criação e a sensibilidade e, como há uma imensa interface
entre áreas específicas, podemos dizer que a atual produção cultural é
um grandioso hibridismo que possibilita um certo vale tudo que nos dá
a ideia de que todas as barreiras foram transpassadas pela eterna mente
criadora do bicho humano.
Não posso deixar de mencionar que, se chegamos onde estamos, foi
especialmente devido a um processo de transformação cultural
na produção artística iniciado durante a década de 1910 e que
percorreu todas as outras décadas e ainda está presente nes-
te início do século XXI, alicerçado pela fundamentação
dadaísta, iniciada com a transgressão e a genialidade
de Marcel Duchamp. Ao transformar os objetos
cotidianos em obras de arte denominadas re-
ady made, Duchamp permitiu que toda a
produção artística posterior se deixas-
se embalar numa diversidade tal
que qualquer coisa poderia ser
transformada em arte. A sorte
lançada por esse artista
favoreceu diversas ou-
tras possibilidades de
produção cultural,
que talvez tenham
culminado com as
premissas de arte con-
ceitual, na qual a ideia
(qualquer que seja) era
a obra de arte em si, não
necessitando, na maioria
das vezes, de sua mate-
rialização. Isto tudo nos
trouxe um gigantesco, tal-
vez infinito, universo de

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
possibilidades diversas.
Se, antes de Duchamp lançar seus valores, ou
seja, no fim do século XIX e início do século
XX, falava-se de “ecletismo” na produção artís-
tica, na qual as diversas referências se mescla-
vam para gerar algo novo naquele momento, pós
Duchamp, tudo ficou mais fácil de ser elabora-
do e aceito e, hoje, podemos até mesmo rotu-
lar nossa época como “híbrida”, “pós moderna”,
“hipermoderna” ou quem saiba de “pós tudo”.
Estamos confusos que nem mesmo houve um
consenso para a escolha da adjetivação. Vive-
mos uma época na qual a falta de identidade se
torna a própria identidade, a ausência de estilo
transforma-se no próprio estilo e a perda ou o
excesso de referências é a própria referência. É a
simultaneidade do tudo e do nada.
Miscigenação? Hibridismo? Pluralidade? Multi-
plicidade? Não sei também a melhor nominação
da atual produção cultural na qual a moda está
inserida.
Por falar em moda, a quantas anda a criação e
produção atuais? Será estilo ou será moda? Sub-
jetividade ou coletividade? Conceitual ou mate-
rializada e usável? Por que também tantas inter-
rogações? Não sei! O que sei é que procuramos
desesperadamente algo novo que nos sirva de
identidade. Talvez não haja mais essa possibili-
dade tão desejada, ou melhor, talvez haja, sim,
tantas possibilidades quanto desejarmos, tantas
outras a mais quanto a individualidade de cada
um permitir.
Se, então, é tudo permitido, qual seria a van-
guarda da atualidade? O que seria verdadeira-
mente novo e diferente, hoje em dia? Acho que
esses conceitos merecem breves reflexões com
as quais poderíamos chegar à conclusão de que
a vanguarda perdeu seu sentido nas diversas
possibilidades da produção artística. Será que
a “vanguarda” de hoje se inspira na retaguarda?
Que fato é novo? O que choca nos nossos dias?
O que leva um tempo para ser aceito, por ser
tão arrojado e/ou diferente? Praticamente nada!
Será que a produção cultural, principalmente da

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
moda, é nova? Ou será que não seria é de fato um presente. Então, o re-
mera novidade? Não quero, com isso, gistremos agora mesmo, para que
decretar o fim da criatividade, mas sim, o futuro tenha de presente o nosso
tentar enxergar um padrão que nos tra- presente momento que será passa-
ga novos paradigmas. do, logo, logo.
Na tentativa de nos encontrarmos para Dessa forma, a tríade passado-pre-
melhor nos entendermos, nos lançamos sente-futuro, além de outras coisas
no tempo e em outras estéticas com a mais, é a própria moda de hoje em
vontade de apreendê-los para fazermos dia. Será já moda ou ainda será
um novo retrato da nossa época: o retra- estio? Não importa! Mas generali-
to que seja a nossa identidade; o retrato zando, como moda, esta faz a sua
que identifique o nosso tempo; o retra- história baseando-se na própria
to de agora, do presente, pois o passado História. Uma moda que busca
já se foi e o futuro ainda não chegou. O suas referências em outros estilos e
retrato que capture, que congele o nos- momentos. Modo e moda buscan-
so momento e o eternize. Oh tempo! do e se inspirando em suas próprias
Quão cruel e bondoso tu és ao próprio e referências. Sendo assim, o presen-
mesmo tempo! Esse tempo em que só tu te baseia-se no passado para tra-
mesmo és dono de si próprio. O tempo çar possibilidades atuais e futuras.
que é e, no mesmo instante, deixa de ser. É lógico que nada é sempre igual
Tu és inapreensível, incapturável, ima- ao que já foi uma determinada vez,
terial e, mesmo assim, sempre, sempre, pois a cada momento entra uma
sempre presente, fugaz e efêmero. Isso outra dimensão, um outro fator
mesmo, o presente é o próprio tempo que faz com que as mudanças de
de agora, pois o passado já não o é mais fato ocorram e sejam percebidas,
e o futuro ainda não o é; portanto ine- por mais sutis que sejam. Isto é a
xistentes, a não ser em memórias ou ex- dimensão do tempo, uma vez que
pectativas. Contudo, o tempo presente ele não pára. E novamente caímos

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
no tempo que nos remete à reflexão do que foi, para entender o que é e planejar o
que será.
Chegamos à conclusão que não se pode produzir moda (ou estilo) sem conheci-
mento, sem cultura, sem investigação, sem pesquisa, sem história, sem referências e,
obviamente, sem sensibilidade e sem criatividade. Contudo, a atual moda de fato é
repleta de referências da própria moda ou de qualquer outra produção cultural, pois
a moda não se alimenta só de moda. Parece que o novo está exatamente no passado,
que o presente está no pretérito, que o atual está no antigo, portanto possibilitando
um vale tudo no qual misturamos estilos, gostos, épocas, conceitos, referências e
valores, criando o que costumamos chamar de cross-over na moda. É o hibridis-
mo levado às últimas consequências. Mesmo assim, a criatividade e a sensibi-
lidade jamais podem deixar de existir na moda, pois sabemos que, enquanto
houver uma cabeça pensante, haverá também, essas duas premissas.
Vale a pena ressaltar que, se nas questões estéticas o novo não passa de mera
novidade inspirada em referências pretéritas, no que diz respeito às técnicas e
tecnologias, hoje sim, há um significativo apuro, principalmente na área têxtil,
e que, de fato, paradigmas estão sendo quebrados, dando-nos a ideia do ver-
dadeiramente novo por meio da atual performance tecnológica dos tecidos.
Isto sim parece ter seu real valor como novo. É certo que cada época teve seu
avanço tecnológico, mas a grande concentração de rápidas mudanças, hoje, no
setor têxtil, faz com que isto entre para a História como o retrato do novo no
início do século XXI.
Por falar em História, é essencial estudá-la para se fundamentar na criação
de moda contemporânea. A palavra história é de origem grega e significa
informação, investigação. Por acaso, há moda atualmente sem essas con-
dições? E o fato de estudar a História nos leva a, pelo menos, duas conclu-
sões: à vontade da permanência das tradições passadas e à vontade de
nos entendermos para gerar novas possibilidades que sejam
transformadoras e criar uma nova identidade que seja
um novo retrato do tempo. Creio que já foi percebi-
do que, no arranjo das palavras deste texto,
para entender a atual produção cultu-
ral, principalmente a moda, as pala-
vras “novo” e “tempo” não encontram
sinônimos para serem substituídas;
sendo assim, “novo” e “tempo”
estão intimamente ligadas no
processo do entendimento
da cultura de moda.
E cultura, por sua vez, o
que viria a ser? A pala-
vra “colore” é de origem
latina e tem o signifi-
cado de morar, ocupar
a terra. É a ocupação, o
trabalho, ou seja, o culti-

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
vo da terra. Nesse sentido, originou-se a palavra “cultura”, que significa aquilo que foi ocupado,
trabalhado, cultivado por gerações anteriores. Portanto, a cultura existe no sentido da perma-
nência de valores, sendo a transmissão de conhecimentos gerais para as gerações vindouras
para que as referências não se percam. Desta forma, a cultura dá-nos o sentido da própria
História. Não que a história seja só o passado, mas que a história seja, também, uma direção
do olhar ao passado. O passado de nossas próprias referências, valores e tradições na busca do
autoconhecimento pela ajuda da ancestralidade.
Nesse processo, a moda também tem buscado referências no passado para traçar seu presente
retrato e se alicerçar para o futuro. É o sentido do porvir: passado-presente-futuro naquilo que
é e está por vir.
Não são novos na moda os atuais volumes, combinações de cores, formas texturas etc. Tudo
parece um dejá vu. Na tentativa de encontrar novas soluções, tudo se mescla, tudo se renova,
havendo lugar, assim para todas as possibilidades estéticas de releitura, criando com o fator
tempo, pelo menos, algo de novidade. O retrato deste tempo é revelado pela História, pela
cultura, pela investigação, pelo conhecimento, pelas referências. Nova, de fato, é a forma como
tudo isso é combinado e recombinado; como tudo isso se faz presente na moda com o ar do
nosso próprio tempo, e este mesmo tempo no traz um verdadeiro “museu de grandes novida-
des”.
Excerto do livro “Reflexões Sobre Moda” Vol. I. João Braga. São Paulo: Ed. Anhembi Morumbi, 2005.

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
Aula 6
Aula 6
Aspectos contemporâneos da moda
A moda como forma de expressão artística cumpre
seu papel de representar e caracterizar o contexto
da produção cultural contemporânea por meio
das funções simbólica, estética e prática.

Atualmente existe um certo vale tudo em todas as formas de produção artística, sobre-
tudo perceptível na diversas possibilidades da cultura material, tais como a arquitetura, as artes
visuais, o design, entre outras, e certamente também a moda.
Falar dos processos e identidades pertinentes à moda na contemporaneidade é refletir também
sobre os valores que envolvem e contextualizam o nosso momento. Os padrões que determi-
naram a produção artística desde tempos mais remotos sempre privilegiaram aspectos natu-
ralistas, fossem por meio do Realismo ou do Idealismo. A maneira de representar que buscava
a semelhança (ideal ou real) do objeto retratado com a técnica de retratação perdurou por
um longo período, até que se chegasse à possibilidade da abstração no início do século XX. A
estética da arte moderna foi capaz de romper com as possibilidades da tradição naturalista e
chegar a conclusões simbólicas e representativas via abstração. Essa dissolução naturalística
alicerçou terreno para o que mais tarde (segunda metade do século XX) veio a ser chamado de
“pós moderno”.
Dentro desse período, novos valores acabaram caracterizando a produção cultural e,
ainda hoje (início do século XXI), fazem parte do universo no qual a moda tem significativa
importância como forma de comunicação, produção cultural, economia, expressão de estilo e
subjetividade, e também como proporcionadora do prazer estético.
A estética contemporânea caracteriza-se por alguns fatores que podem e devem ser também
analisados pelo viés da moda. Fala-se de “desconstrução da forma”, e a moda também tem suas
técnicas e linguagem para desconstruir e reconstruir, proporcionado coisas, em um primeiro
momento, sem ligação entre si; contudo, quando observamos com maior rigor, percebemos
que acontecem por intermédio de uma teia que envolve universos aparentemente distintos,

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
mas que são interligados e interdependentes. Cria-se, muitas vezes, o novo (ou mesmo só a
novidade) a partir do já existente, porém, com uma estrutura diferenciada.
Os aspectos do “pastiche” e do “ecletismo” também caracterizam a moda atual. Aglu-
tinar referências distintas e uni-las num mesmo pote; reler, plagiar e homenagear criadores e
criaturas são de fato uma prática da moda contemporânea - apesar de muitas vezes a obra ser
elaborada a várias mãos, não tendo uma única autoria. Esses aspectos antagônicos, ou seja, de
variadas referências num mesmo trabalho, culminam com a “paródia” e o “antagonismo”. A pa-
ródia é caracterizada por uma linguagem que simultaneamente remete e ridiculariza o objeto
retratado. É o caso de numerosas criações das propostas de vestir contemporâneas que tangen-
ciam o grotesco e o bizarro como forma espetaculosa de se fazer notar e consequente marcação
de presença. O antagonismo, por sua vez, já une os opostos em uma mesma proposta e a moda
também vem usando esse recurso como forma criativa.
A valorização do “cotidiano” como elemento de identidade de moda passou também, na
atualidade, a fazer parte da linguagem de moda na qual ela deixa de ser um sonho ou algo ina-
tingível para se tornar uma realidade do dia a dia, de fácil acesso coletivo. Temas e inspirações
da dura realidade cotidiana passaram a fazer parte dos editoriais e passarelas, aproximando as
pessoas do até então inacessível mundo da moda.
Outra referência é o processo de identificação com os valores dos “meios de comunicação de
massa” que, pelas facilidades de veiculação, tornaram-se acessíveis a um grande número de
pessoas, as quais se inspiram (e até mesmo criam uma dependência) na linguagem estabelecida
por tais meios - em especial a televisão - e, por intermédio do seu repertório cultural, fazem as
suas próprias interpretações daquilo que é tido como referência, padrão e gosto predominantes.
A “efemeridade” é outro aspecto da realidade cultural contemporânea. Nesse caso, talvez
a moda seja a grande contribuidora para a valorização dessa característica. A moda tem uma
natureza efêmera, passageira, transitória uma vez que esses são aspectos que a caracterizam
como moda. Ela precisa ter uma curta durabilidade para que possa sempre ser renovada e ter o
aspecto do novo ou da novidade. A realidade da moda é a transitoriedade.
Não como conclusão, mas como finalização deste breve escrito sobre a contemporaneidade da
moda, não se pode excluir a característica da “metalinguagem” como forma de expressão e de
construção da identidade cultural contemporânea. Usa-se, geralmente, hoje em dia o recurso
da apropriação e transposição de uma linguagem própria de outra área como forma de signi-
ficação, ou mesmo como recurso técnico, além da possibilidade de simultaneidade de mais de
uma linguagem em um mesmo trabalho.
Sendo assim, a moda como forma de expressão artística cumpre o seu papel de repre-
sentar e caracterizar o contexto da produção cultural contemporânea por meio das funções
simbólica, estética e prática. Talvez assim possamos compreender um pouco melhor, pelo en-
tendimento dessas premissas, a razão de um certo vale tudo na moda contemporânea.

Excerto do livro “Reflexões Sobre Moda” Vol. III. João Braga. São Paulo: Ed. Anhembi Morumbi, 2006.

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
Aula 6
Arte e moda conceituais
O conceito como máxima expressão artística em detrimen-
to da materialização.

O que viria a ser uma manifestação conceitual? No histórico das proposições artísticas,
registrou-se, nas décadas de 1960 e 1970, uma corrente que privilegiava mais o pensamento, a
elaboração mental - a ideia, a intelectualização, a informação e o conceito em si - como a pró-
pria obra de arte do que a real materialização da ideia.
Essas propostas aconteceram muito na Europa e nos Estados Unidos como forma de
sensibilização estética e de questionamentos social, político, ecológico e filosófico, além da
própria tradição das artes plásticas. Como disse Joseph Kosuth, um artista conceitual norte-a-
mericano, em 1969, “ser um artista, hoje, significa questionar a natureza da arte”.
Essa concepção de que a proposição, o conceito que está por trás da obra, tem maior valor
do que a obra em si passa-nos a ideia de que o que realmente vale é a poética e não a poesia,
a teoria e não a concretização mediante a prática. Prioriza-se analisar a linguagem e o pro-
cesso da obra materializada. É lógico que há a possibilidade de a arte
concei- tual, de fato, se materializar, contudo, não é esse o
compromisso maior desse movimento nas ar-
tes plásticas. Portanto, a mensagem de tais
asserções fica registrada em fotografias,
por meio de catálogos, panfletos,
postais, livros etc. Vídeos capturam
e eternizam o momento da mani-
festação do artista e, principal-

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
mente, a memória do espectador que teve a oportunidade de presenciar o fato, retém a obra.
De natureza efêmera no que diz respeito ao acontecimento em si, as manifestações se
imortalizam em lembranças ou registros mecânicos e, assim, criam suas identidades e futuras
tradições.
Na realidade, todo e qualquer pensamento, toda e qualquer ideia que há de ser materia-
lizada, não deixa de ser um conceito antes da concretização. Historicamente, talvez tenha sido
o dadaísta Marcel Duchamp, na década de 1910, o arauto de tais valores, tornando-se o pai
(ou o avô) da arte conceitual, uma vez que suas propostas de descontextualização dos objetos
denominados de ready made valorizavam mais a ideia, por meio do questionamento da arte e
da sociedade de então, do que o objeto em si.
Dessa forma, nas décadas de 1960 e 1970 (quando as propostas se tornaram um movi-
mento artístico) o conceito de arte conceitual talvez tenha sido melhor desenvolvido e assimi-
lado. Neste guarda chuva denominado “arte conceitual”, os gomos correspondem a algumas
formas de manifestação que fizeram escola, lançando possibilidades como: a performance - que
corresponde à mescla de artes visuais e espetáculo; as “instalações”- que substituem a obra por
meio de objetos em uma aproximação do espaço da obra com o ambiente; o environment - que
liberta a obra de limites do próprio objeto exposto no intuito de alargar a linguagem da obra ao
espaço da realidade; o happening- uma espécie de “acontecimento”, misturando elementos das
artes plásticas com a teatralidade, muito próximo da performance; a body art - que usa o corpo
do artista como expressão e meio de linguagem da manifestação artística; a land art ou earth
art - que usa o meio ambiente como referência e material artístico, com o intuito de conscienti-
zar sobre a preservação da natureza, assemelhando-se à ideia da intocabilidade da obra de arte,
assemblage - quando objetos são dispostos intencional ou casualmente, criando uma realidade
diferenciada e, assim, fugindo do previsível e/ou vulgar; e a intervenção -manifestação artística
que interfere na vida cotidiana e urbana das cidades, entre outras possibilidades do fazer artís-
tico.
O universo das ates plásticas parece que consegue (talvez por ter uma fundamentação
filosófica com viés estético bem mais aprofundado) fazer acontecer novos valores antes mesmo
de outras áreas da produção cultural. E, considerando a moda como possibilidade de criação,
que também envolve a experiência estética, pode-se dizer que existe uma moda conceitual.
Essas propostas manifestaram-se, em especial, a partir dos anos 1990 e passaram a ser uma
realidade do universo fashion. É lógico que ao especular uma ideia, o criador de moda faz uma
proposta conceitual. Todavia, a moda necessita, realmente, de materialização e aceitação para
que se torne verdadeiramente moda.
Há quem qualifique tal universo como efêmero e banal, mas a sensibilidade humana,
por meio de suas realizações, é capaz de fazer da moda uma manifestação artística e, até mes-
mo, conceitual. Alguns consideram a moda como o último setor da produção cultural que
manifesta a sensibilidade estética, privilegiando outras áreas, tais como a literatura, a música,
a arquitetura, as artes visuais e, mais atualmente, o design, como as mais significativas para a
expressão artística. Contudo, se a moda é a última área a interpretar e se pronunciar em valores
filosóficos, é importante destacar, se consideramos as artes em geral como uma célula, tendo no
seu perímetro diferentes manifestações culturais - portanto, num formato circular -, chega-se à
conclusão de que o fim (a moda) está muito próximo do princípio (as artes anteriormente ditas
plásticas), tendo a verdadeira e real proximidade de possibilidades de troca.

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)
Sim, a moda conceitual se expressou posterior-
mente à arte conceitual, mas ela, atualmente, tem um
poder muito grande de difusão de valores, ideias, lin-
guagens e mensagens. A realidade de uma moda con-
ceitual, paradoxalmente, muitas vezes, não consegue
sensibilizar o grande público (assim como a arte con-
ceitual), mas tem o compromisso de servir de reflexão
para os formadores de opinião que diluem e difundem
a ideia central - ou seja, o conceito de um criador - e
a transformam em realidades mais acessíveis. Trata-se,
então, de divulgar uma ideia e não valores associados
à produção em massa e, consequentemente, resultados
comerciais.
A moda conceitual é expressão de valores estéticos,
muitas vezes não usáveis, portanto, não comerciais,
mas que são capazes de nortear a produção em série.
Sendo assim, a moda conceitual está mais próxima do
estilo do que a moda propriamente dita. Ela é a forma
poética do criador, sendo sua maneira de entender e
interpretar o mundo e pela sua compreensão subjetiva
transforma-se em realidades de formas, volumes, cores,
textura se padrões difundidos por meio de exposições,
desfiles e performances nos quais o corpo é o suporte
de divulgação do conceito, em primeiro lugar, e, poste-
riormente, da concretização da ideia.
Tanto a arte quanto a moda conceituais, parado-
xalmente à sua essência, acabam se materializando e,
em grande parte das vezes resta-nos somente o registro
imagético. Ambas são linguagem, ambas são comuni-
cação, ambas são sensibilidade e sensibilização.
Como negar, portanto, que um desfile de moda
(leia-se desfile de estilo) seja um verdadeiro happening
contemporâneo? Quem não se lembra do já histórico
desfile de Jum Nakao, em meados de 2004, no São Pau-
lo Fashion Week, que sensibilizou o mundo quando
propôs a desmaterialização do concreto como forma de
conscientização, reflexão e questionamento dos valores
da moda por meio da sua natureza cada vez mais efê-
mera e transitória? De fato, foi uma manifestação ar-
tística, no qual o conceito era a máxima expressão em
detrimento da materialização.

Excerto do livro “Reflexões Sobre Moda” Vol. III. João Braga. São
Paulo: Ed. Anhembi Morumbi, 2006.

ESTE MATERIAL É PARTE INTEGRANTE DO CURSO ONLINE “CULTURA DE MODA” DA EDUK (WWW.EDUK.COM.BR) CONFORME A LEI Nº 9.610/98,
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL OU DIVULGAÇÃO COMERCIAL DESTE MATERIAL SEM AUTORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DO AUTOR (ARTIGO 29)

Você também pode gostar