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UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO INTERDISCIPLINAR EM CIÊNCIAS HUMANAS


SEMINÁRIO INTERDISCIPLINAR EM CIÊNCIAS HUMANAS I
Prof. Dr. Fernando Vojniak
Prof. Dr. Halferd Carlos Ribeiro Júnior

Interdisciplinaridade na Contemporaneidade: entre Didática e Prática de Ensino

Juliana Della Flora


Verônica da Silva Salvador

FAZENDA, Ivani. Interdisciplinaridade: Didática e Prática de Ensino. In:


Interdisciplinaridade. São Paulo, v. 1, n. 6, abr. 2015.

Em abril de 2015, Ivani Catarina Arantes Fazenda publicou, na Revista


Interdisciplinaridade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, um artigo intitulado
“Interdisciplinaridade: Didática e Prática de Ensino” no qual discute as contradições
existentes em relação a educação contemplando a durabilidade das questões didáticas e o
surgimento das proposições da interdisciplinaridade. A publicação é fruto do trabalho
realizado pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em Interdisciplinaridade (GEPI) da área de
Educação da PUC/SP.
Com uma formação completa voltada à área da Educação e diversos livros publicados
sobre a temática da interdisciplinaridade, Fazenda é um dos principais nomes desse campo e
suas pesquisas trazem perspectivas inovadoras que focam no respeito à diversidade e no
entrelaçamento da vivência do professor com as vivências dos alunos.
No artigo de 2015, a autora inicia sua reflexão questionando se a interdisciplinaridade
seria apenas uma união de disciplinas, pois essa definição transforma o pensar sobre o
currículo – que é a base da prática pedagógica –, em uma mera formalidade na grade escolar.
Ela indica, então, que a interdisciplinaridade vai além de uma simples definição, que deve
ultrapassar a visão limitada de conhecimento, proporcionar uma visão dinâmica de mundo,

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onde escola é tudo que a envolve – sua arquitetura, seu espaço físico, o contexto em que está
inserida e, principalmente, as pessoas que dela fazem parte –, valorizando a questão humana.
A definição clássica de interdisciplinaridade apresentada pelo Centro para Pesquisa e
Inovação do Ensino (CERI) em 1970, que entende interdisciplinaridade como “interação
existente entre duas ou mais disciplinas” (FAZENDA, 2015, p. 10), é resgatada pela autora
para demonstrar como conceituações muito amplas podem ser limitadoras, uma vez que essa
visão do CERI “[...] não é suficiente nem para fundamentar práticas interdisciplinares e nem
para pensar-se uma formação humana de professores” (2015, p. 10).
Para a autora, a interdisciplinaridade é a existência de duas ordens distintas, mas que
possuem ação recíproca; e que traz fundamentalmente sua razão de ser na descrição do
conhecimento que instaura para ensinar: uma ordenação científica e uma ordenação social,
onde o valor humano se sobressai.
Em sua abordagem, Fazenda apresenta que a ordem científica nos leva a construção
dos saberes interdisciplinares, e que tem como objetivo fazer com que as disciplinas
dialoguem entre si e se complementem. Essa organização de saberes teria como base o
conhecimento científico na formação de professores, bem como a hierarquia das disciplinas –
sua organização, funcionamento e aplicação no cotidiano –, possibilitando novos ideais, novas
motivações e novas barreiras a serem ultrapassadas. Cada disciplina “[...] precisa ser analisada
não apenas no lugar que ocupa ou ocuparia na grade, mas, nos saberes que contemplam, nos
conceitos enunciados e no movimento que esses saberes engendram, próprios de seu lócus de
cientificidade” (FAZENDA, 2015, p. 10). Assim, a interdisciplinaridade surge no momento
que desafia o professor a rever suas práticas pedagógicas, explorar novas áreas, ultrapassar os
obstáculos que dificultam a comunicação e a relação entre os sujeitos.
Já a ordenação social, de acordo com a pesquisadora, busca uma divisão dos saberes
científicos interdisciplinares ante as questões sociais, políticas e econômicas que garantem o
pleno funcionamento da ordem dentro de uma sociedade. Fazenda ressalta que essa
apreciação coloca em destaque uma divisão entres os saberes das ciências, as necessidades e
as interações da sociedade; além disso, “Estuda métodos de análise do mundo, em função das
finalidades sociais, enfatiza os impasses vividos pelas disciplinas científicas em suas
impossibilidades de sozinhas enfrentarem problemáticas complexas” (FAZENDA, 2015, p.
10) e busca uma análise do mundo e de toda a dinâmica que envolve o ser humano.

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Para estabelecer melhor os parâmetros dessas ordenações, Ivani Fazenda cita algumas
reflexões presentes na obra Les fondements de l’interdisciplinarité dans la formation à
l’enseignement (2001), dirigida por ela em parceria com Yves Lenoir e Bernard Rey e
publicada pela Sherbrooke, Éditions du CRP, da Université de Genève. Lenoir ressalta, nessa
publicação, que a ordenação científica é baseada na forma de pensar e cultura francesas – um3
saber/saber –, que expõe uma lógica do sentido; por outro lado, a ordenação social se
aproxima da cultura inglesa, da introdução de uma cultura essencial e básica – saber fazer –,
que evidencia uma lógica da funcionalidade.
A partir disso, Lenoir (2001) sugere uma terceira cultura: o saber ser, que coloca em
evidência a lógica da intencionalidade fenomenológica, baseada na forma brasileira de formar
professores, com a junção das duas anteriores em um denominador comum: a “busca de um
saber ser interdisciplinar” (FAZENDA, 2015, p. 11), que amplia nossas ações com inovações
para o futuro, não baseado somente na teoria ou na prática, mas numa junção das duas,
buscando uma Didática e Prática fundadas nos Direitos Humanos.
Fazenda ressalta a necessidade de inclusão do ser humano na organização dos estudos,
trazendo uma inquietação com relação as constantes mudanças e exigências da sociedade
capitalista, onde as exigências do mercado de trabalho são complexas e as disciplinas
tradicionais tornam-se cada vez mais despreparadas para lidar com essa realidade. Desse
modo, a interdisciplinaridade na educação lança vários desafios aos professores sobre a
formação continuada, respeitando a dimensão individual e social, fortalecendo a autonomia e
valorização profissional.
Um ponto relevante do artigo de Fazenda (2015) é a diferenciação que a autora faz
entre interdisciplinaridade escolar e interdisciplinaridade científica. A primeira diz respeito ao
processo educativo, com habilidades, técnicas, finalidades que fortalecem o ensino-
aprendizagem com os “saberes dos alunos e sua integração” (p. 13), enquanto a segunda, a
interdisciplinaridade científica, refere-se aos “os saberes constitutivos das ciências” (p. 12),
um caminho para elaboração do conhecimento.
Ao pensarmos em Didática, Prática de Ensino e Direitos Humanos, é preciso reafirmar
a diferença que existe entre integração e interdisciplinaridade, afinal, mesmos esses conceitos
sendo indissociáveis, eles são distintos. Fazenda afirma que, na integração, os atributos são de
ordem externa, de condições existentes e possíveis, necessitando de condições humanas
diferenciadas no processo de interação, no qual os saberes de professores e os saberes de

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alunos se integrem de forma harmônica. Assim, surge a necessidade de um outro tipo de
profissional com novas características.
A autora aponta que, após quase 30 anos dedicados ao estudo e à pesquisa sobre
interdisciplinaridade, verifica-se uma gradativa mudança na compreensão dos pesquisadores
que passaram por um processo de orientação voltado ao estudo de conceitos.
Nas pesquisas brasileiras tem-se constatado que o estudo de definições preliminares,
aos poucos, pode conduzir o pesquisador a enxergar além delas e dos conceitos produzidos
por meio delas, buscando cada vez mais a compreensão de sentido de Direitos Humanos.
Outro autor referenciado por Ivani Fazenda nesse artigo de 2015 é Paulo Freire e sua
obra Ideologia e Educação (1981). Segundo ela, Freire afirma que a pesquisa interdisciplinar
somente torna-se possível onde várias disciplinas se reúnem a partir de um mesmo objeto, no
entanto, faz-se necessário criar uma situação problema, onde a ideia de projeto nasça da
consciência comum, da fé dos investigadores no reconhecimento da complexidade do
processo e na disponibilidade destes em redefinir o projeto a cada dúvida ou a cada resposta
encontrada.
A interdisciplinaridade na formação profissional requer o desenvolvimento de
competências adquiridas por meio da conjugação de diferentes saberes disciplinares, que
podem ser de ordem prática e/ou didática. A didática é a arte de saber fazer e, ao mesmo
tempo, saber ensinar. De acordo com Fazenda (2008), é importante que o professor tenha
quatro tipos diferentes de competências: a competência intuitiva, que faz o professor buscar
sempre alternativas novas e diferenciadas para o seu trabalho; a competência intelectiva, que
faz o professor privilegiar todas as atividades que procuram desenvolver o pensamento
reflexivo; a competência prática, que permite ao professor copiar o que é bom de outros
professores – que apesar de pouco criativa, alcança bons resultados –; e, por fim, a
competência emocional, a partir da qual o professor trabalha o conhecimento sempre com
base no autoconhecimento, expondo suas ideias por meio do sentimento.
Nesse momento do texto, Fazenda retorna a Lenoir (2001) para apresentar a ideia de
circundisciplinaridade. De acordo com o autor belga radicado no Canadá, a formação
interdisciplinar de professores deveria ser vista de um ponto de vista circundisciplinar, onde a
ciência da educação fundamentada em princípios, conceitos e métodos converge para um
plano metacientífico. Começaria nesse ponto a intervenção educativa, que enxerga o processo
como mais importante que o produto.

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Fazenda explica, ainda com base em Yves Lenoir, que a circundisciplinaridade não
exclui a necessidade de uma formação disciplinar – cuja transmissão parte de um conteúdo
disciplinar pré-determinado, porém, amplia-se numa dimensão planetária de mundo onde os
estudos encontram-se sempre numa dimensão de esboços inacabados (2001).
Para Ivani, a afirmação defendida por René Lourau em 1993, e reafirmada por René
Barbier em 1997 e Maurice Maubant em 2010, que estabelece que “o olhar interdisciplinar
sustentado pela intervenção educativa nos convida, de fato, a questionar a prática profissional
dentro de uma perspectiva multirrefencial” (2015, p. 14), nos encoraja a identificar as teorias
e os modelos e propõe uma devolutiva compreensível da prática educativa interdisciplinar
tendo a didática como escopo, verificando, por meio dela, a relação com o processo de
ensino-aprendizagem e de professor-aluno e como esse relacionamento se estabelece nas
práticas escolares e demais práticas pedagógicas.
De modo geral, o artigo de Fazenda propõe que compreender a formação
interdisciplinar de professores nos direciona para uma ordenação científica e uma ordenação
social onde o caráter humano se evidencia. A primeira ordenação conduz para a construção de
saberes interdisciplinares, onde cada disciplina é analisada pelos diferentes saberes que
contempla, um saber/saber; e, a segunda, busca desdobrar esses saberes científicos para suprir
exigências sociais, políticas e econômicas, um saber fazer.
O surgimento de uma terceira cultura, que se refere a uma forma brasileira de formar
professores, está fundamentada na busca de um saber ser interdisciplinar, que inclui a
experiência docente em seu sentido, intencionalidade e funcionalidade, mas requer cuidados
de diferentes ordens, como questionar quais saberes referenciaram a formação do professor,
como eles se relacionam com o espaço e o tempo vivido pelo docente, quais os conceitos que
direcionam suas ações e se existe coerência entre o que diz e o que faz.
Ivani Fazenda lembra que o desenvolvimento do docente-formador interdisciplinar é
acompanhado de um recurso manifestado na análise das práticas. A autora explica as
fraquezas dessa formação essencialmente prática:

Esquecidos os saberes eruditos, esquecida a questão dos fundamentos


epistemológicos dos saberes docentes, infelizmente o que parece apenas contar hoje
é a capacidade dos estudantes em se adaptarem às realidades do mercado de trabalho
a partir de uma formação prioritariamente prática, proposta pelas universidades, uma
garantia de fazer apenas, de penetrar no ofício, sem a capacidade de recriá-lo. Total
anulação ao direito humano de criar (2015, p. 15).

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Isso significa, de acordo com Fazenda, que para que possamos rever a questão dos
Direitos Humanos na Educação, precisamos superar duas condições: o incentivo a
identificação, a leitura e a compreensão de uma prática cotidiana e a permissão da formação
universitária em garantir uma formação profissionalizante. Para Ivani, o desafio da formação
interdisciplinar para os próximos anos está na capacidade de identificar os diferentes saberes
em jogo no ato de ensinar, tornando-os incompletos e insuficientes. Segundo ela, é nessa
incompletude que a potencialidade do vir a ser se constituirá.
Assim, o artigo de Ivani Fazenda se constitui como uma importante contribuição para
o campo da interdisciplinaridade. Apesar da linguagem um pouco hermética, que pode
atravancar a interpretação em certos momentos, e da falta de revisão textual que prejudica o
andamento da leitura, a autora, por meio dessa publicação, dá continuidade a seu importante
trabalho na educação e trata de um tema que vem ganhando cada vez mais espaço na
atualidade, nos provocando a pensar a interdisciplinaridade como um fator para superar a
fragmentação dos conteúdos e dos currículos não só nas escolas e nas universidades, mas no
conhecimento como um todo: uma espécie de cosmovisão do conhecimento. Pensar a
interdisciplinaridade no contexto das práticas da Educação Básica significa atender às novas
exigências sociais e favorecer a formação dos estudantes para atuarem de forma crítica e
reflexiva no mundo contemporâneo.
Fazenda nos instiga a entender a interdisciplinaridade não somente como um método
integrador mas como uma alternativa transformadora para os paradigmas atuais do
conhecimento; o diálogo entre as ciências, tecnologias e saberes populares, sendo, então, um
método produtor de novos conhecimentos.

REFERÊNCIAS

FAZENDA, Ivani (Org.). O que é interdisciplinaridade? São Paulo: Cortez, 2008.

FREIRE, Paulo. Ideologia e educação: reflexões sobre a não neutralidade da educação. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

LENOIR, REY, FAZENDA. Les fondements de L´interdisciplinarité dans la formation à


L´enseignement. Canadá: Éditions du CRP/UNESCO, 2001.

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