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ELISABETH LUKAS
Coleção LOGOTERAPIA
Elisabeth Lukas
1. PSICOTERAPIA PARA TODOS - Viktor Frankl
2. MENTALIZAÇÃO E SAUD'E - Elisabeth Lukas
3. EM BUSCA DE SENTIDO - Viktor Frankl
4. A PRESENÇA IGNORADA DE DEUS - Viktor Frankl
5. DAR SENTIDO A VIDA - Vários Autores
6. AS SISTÊNCIA LOGOTERAPÊUTICA - Elisabelh Lukas
7. PREVENÇÀO PSICOLÓGICA _ Elisabeth Lukas
PREVEINÇA~O
"*hñn~^-_.

PSICOLOGICA
A prevenção de crises e a proteção do
mundo interior do ponto de vista da
Logoterapia

Tradução de
Carlos Almeida Pereira
Revisão técníca de
Helga Hínkenickel Reinhold

ICI

Petrópolis São Leopoldo


1992
m'1 Breisgau 1989
© Verlag Herder Freiburg
0 Basel ° Wien
Herder Freiburg

Título do original alemàoz


und
Psychologische Vorsorge - Krisenprâvention
Sicht
Innenwelrschutz aus logotherapeutischer

Direitos de publicação em língua portuguesa:


Editora Vozes Ltda.
Rua Frei Luís, 100
25689-900 Petrópolis, RJ
Brasil

Copidesque
Orlando dos Reis

Diagramação
Daniel Sant 'Anna
e AOS MEUS PACIENTES
Rosane Guedes
que me ensinaram mais que todos os tratados
escrztos e cuja conjiança me honra mazs' que
ISBN 3.451.08559.3 (edição original alemã)
a confíança dos mestres.
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ISBN 85.326.0798.5 (edíção brasilelr'a)

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Sumário
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W.vu4-.
Qual a gravidade da doença do mundo em que vivemos7
Prólogo de Andreas Schuhmann, 9
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du É POSSÍVEL VIVER COM SAÚDE NO MUNDO DE


ÍK HOJE?
Cl Um pequeno rratado de Psico-higiene, 37
A Psico-higiene é tão importante quanto a higiene corporaL 39
c1"'
ql Que precisamos fazer para sermos felizes?, 49
m O homem como “ser que decide”, 61
i

Quem escolhe assume responsab1'lidade, 75


CC O sentido e o não-sentido do sacrifício, 84
tzu As “neuroses coletivas" e seus sintomas, 99
Quatro atitudes pessoais propensas a crises, l l l
qu O “at0 coexistencial" do amor, 123
“C Modelo de uma lerapia familiar centralizada no sentido, 134
bc
O trabalho como realizaçào de valores criativos, 143
n r.
tcn Uma excmsão à logoñlosoña, 153
All A questão do sentido na velhíce, 168
Prc
bn
Gc
c.\
também a oponunidade de uma melhor saúde, e de chegarmos a Sabendo disto, o sábio estaria mais inclinado a deduzir a
percebê-la de forma mais consciente. tendência para o bem, o ímpulso - real ou presumido - para o
progresso, para o “evoluirsempre mais para o alto". Pois da crise
No seu ensaio “Doença como Metáfora" escreveu Susan
não procede a catarse, a pun'flcaça'o, a renovação, a mudança de
Somagz "Possu1'mos duas cidadanias, uma no reino dos sãos e
rumo e a conversão?
D rññmm

outra no reino dos enfermos. A segunda pode nos ser incômoda,


mas não podemos livrar~nos dela, que faz parte de nós como a Com isto estaríamos fazendo menção do princípio esperan-
própria sombra. ResIa-nos apenas explorar o reino da doença, ça, com que Ernst Bloch pretendeu ordenar as razões últimas do
n

para podermos empregar uma diplomacia adequada“ ser e do pensar - se bem que não no sentido teológico. Contudo,
ele se encontra aqui com Blaise PascaL na medida em que este
Aplicado ao mundo, “explorar a doença" signiñca pôr
pretendia alcançar uma ordem através de princípios e fundamen~
corajosamente o dedo nas feridas abertas pelo próprio homem tos que deveríam partír menos da inteligência que do coração.
no mundo enquanto orgam'smo, neste planeta com vida, alma e
"'9'.".5'=

Destas inspiraçóes do coração poderíamos esperar melhores


1'nteligência.
vislumbres da condição do homem, do que ele tem de discutível
Pela palavra “mundo" empregada aqui entendemos o nosso e de fraco, mas também da sua acessibilidade a Deus, da neces-
mundo terreno, o reino do homem, com o ambiente em que ele sídade que ele tem de Deus, e, ponanto, da salvação.
vive, com os seus semelhames, o mundo das nossas experiências
Mas como se encontram estas forças do coração nos dias
e do nosso trabalho.
de hoje? Não foram elas derrotadas pelas forças da inteligência?

Ultimamente o homem tem-se comportado como se fosse Prm'cípalmeme agora? Doenças como perturbações da harmonia
aa
o “Críador do mund0". Graças à força de sua inteligência e à sua não raro possuem um longo estágio de latência. As raízes dos
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famasia sem limites 1ibertou-se da condição de mero objeto da atuais fenómenos patológicos na esfera psicosocial penetram
rc
CL evoluçào, elevando-se à de sujeito que a evoca. Tomou posse do profundamente no passado. Podem ser buscadas no cartesianis-
qt reíno animal e vegelaL não só aproveitando-se deles mas conse- mo, com sua abolutização racionalista da razão. O cogito, ergo
m guindo modiñcá-los, produzir “criativameme” quimeras como sum de Descartes suplantou o credo, ergo sum de PascaL O
até agora não nos eram conhecidas senão através dos contos, das homem de hoje perdeu a lígação com a realidade íntegral e
CC fábulas e dos mitos. Inexoravelmente o homem vai estendendo esqueceu que tem necessidade tanto de uma máxima como de
Im seu domínio a todas as criaturas não-humanas. Pela primeira vez outra.
o destino de todos os seres vivos encontra-se em suas mãos.
qu Nosso tempo ainda continua sendo o tempo do modemo.
“C Perguntamosz qual a gravidade da doença deste mundo que Este modemo, assim dizem os ñlósofos, assim dizem os médi-
bc nos pertence7 E se nos imerrogamos sobre a gravidade da doen- cos, os físicos, os cientistas, aqueles que refletem, encontra-se
n 11 ça, nào deveriamos também pergumar-nos no mesmo momento atolado na crise. Crises, porém, impelem ao retomo e à mudança.
tcn sobre a saúde do mundo? Como é que o mundo deveria se Elas são precursoras de uma modiñcação dos padro'es, de uma
AJc apresentar? Será que um mundo são não existe a não ser em nossa mudança de todo o quadro das convicçóes, dos valores, dos
Pn imaginaçâ0, carecendo de qualquer sentido de realidade? E proced1'mentos, da concepçào das coisas, da vida como modelo
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chegamos à conclusão de que tal mundo nunca existiu, e nunca e como padrão.
há de ex1'st1r'. Nossos estudos da história universal informam-nos
c_\
que com muito mais freqüência a humanidade teve que viver em
períodos de crise que em períodos ditos normais. Mas quem pode
definir o que seja um “per1'odo normal”?

10 11
..

A crise pertence ao número daqueles físicos que, envolvidos pelo halo


da exatidão cíentíñca, portanto apresentando-se ao homem mo-
Faladas ou escritas, por toda pane se fazem ouvír advertên- demo como merecedores de maior crédito, pretendem falar à
cias, conjurações. profecias. Por toda parte o assunto é a crise. A consciência de seus contemporâneos, abalados e desesperados
nHHf7

intensidade da preocupação atual com a crise, com os teoremas pelas dificuldades, sobre Deus e o mundo, por conhecerem a
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e as análises da crise, fez Com que a literatura sobre estes temas miséria do homem na idade da técnica, ou talvez também potque
crescesse a perder de vista, quase ao inñnito. lhes dói a conscíência por esta evolução macabra, pelo divórcio
entre a ciência e a moral.
Somos surpreendidos com discussóes sobre crises de legi-
3095

h l1'midade, crises de identidade, crise de motivação, de racionali- Basta lermos Der Teil und das Ganze ("A parte e 0 Todo")
wr dade, de energia, do ambiente, dos sistemas etc. etc. Não foi sem de Wemer Heisenberg, Der Narurwissenschaleer vor der reli-
razão que Kurt Sontheimer falou aqui de um fenômeno de moda giõsen Frage (“O Ciemista Diante da Questão Religiosa") de
espiritual 3. A enxurrada de conceitos que provocam confusão e Pascual Jordan, Im Garten des Menschlichen (“No Jardim do
obscurecimento arrasta consigo o que o conceito de "crise” Humano“) de Carl Friedrich von Weizsa"cker.
possui de imponante e de significativq quando a ele se recorre Não teriam razão os analistas da cultura, quando acreditam
por qua lquer diñculdade. que está prestes a soar a hora, que 0 tempo é de reñexão7 E não
"Crise" em seu sentido próprio sempre esteve associada à estaria também Karl Jaspexs com a razào quando, sobre a nossa
idéía de um abalo profundo num organismo que se encontra em época, acha que, em grande parte, ela encontra-se diante do
luta de vida ou morte por sua existência. Não e' das muitas e problema de mudar de rumo? Os analistas, os ñlósofos e os
pequenas crises que queremos nos ocupar. A crise, conhece-a poetas muitas vezes têm anunciado de maneira marcante o ñm
muito bem o médico no decurso de uma doença grave, em cujo da nossa era.
cllm'ax chega-se a uma vírada decisiva. É uma questào de vida e Oswald Spengler descreveu o ocaso do Ocidente, Manin
mone. A invasão da doença atingiu seu momento de maior força. Heidegger profetizou o ñm da metafísica, Alfred Weber aposen-
m A condição do ser vivo está em suspenso e, abalada pela doença, tou toda a história que nos antecede, Romano Guardini falou do
a vida 1r'á conquistar tudo ou nada. O essencial da crise não é ñm da Idade Modema. HofmannsthaL Rilke e Kafka possuem
CC apenas a passagem de uma ordem para outra, mas o abandono em sua poesia traços quiiiásticos, de ñm dos tempos. É verdade
Kíll da continuidade ou da identidade do sujeito que profecias do ñm dos tempos nunca faltaram. Mas em nossos
Estaremos nós efetivamente numa autêntica crise desse dias a literatura apocalíptica cresce quase ao inñnjta Seriam
qu
u'po'? Estará nossa cullura, nossa e'poca, ou mesmo a humanidade todas vozes não convidadas a clamarem no deserto?
“C
bc inteira, numa evolução assim doentia, numa decisâo a ser tomada No início deste século o escritor satírico vienense Karl
nr entre o ser e o não-ser, ou ser de outra forma? Enconlrar-se-ia a Kraus, um implacável crítico da nossa época, escreveu o poema
tcn humanidade em um “Iurning point "'? “Temgo de mutação. Ele- Furcht (“Medo"). Nele encontramos este verso que nos desperta
Ah mentos para uma nova imagem do mundo" - esta a versão do sentimentos de apocalipse: “Vivo para o ocaso e moro em
Pra título original americano “Turning Poim ", o livro de Fritjof espaços ameaçados”. No ñnal do século, por volta de l900,
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Capra, o professor de física de Berkeley que também faz ñloso~ estava em jggo um mundo limitado, que efetivamente explodiu.
Gc
ña. A Cacânia de Roda Roda, onde Karl Kraus acendeu sua Fackel
As tribulações elementares em moda no nosso tempo são
* Nola do Rcvísorz Kakaníen é dcnoxninação sau'n'ca para o hnpério Auslm-hun'-
por ele colocadas debaixo da lupa, em busca de uma saida. Ele
garo (dc k.k.. kaíserIirI1-koeniglich - impcn'al-rval).

12 13
(“Tocha"). O clima de flm de mundo que surgiu daí impeliu não tempo? Ainda pode ser evitada a tremenda neurose de massa em
poucos ao suicídio. Mas não foi suñciente para que se imaginasse que parecemos condenados a deslizar ladeira abaixo?
como inevitável um éxodo quiliástico para toda a humanidade.
A ameaça foi relativa, não absoluta. A legião dos homens com distúrbios comportamentais
ainda pode ser curada? Ou tudo isto signiñca que estamos
Se hoje novamente brinca~se o jogo do medo, vendido na
entmndo na fase terminal de uma crise que leva ao ñm deñnitivo?
feira do possíveL não se poderia traçar um paralelo com o tempo
Conjuremos o princípio esperança. Esperemos, portamo, pela
em que Karl Kraus escreveu aquele inquietante verso citado
superação. Pois não nos resta outra coisa. No entanto, não estaria
acima? Será que este reluzente século XX não vai terminar da
certo fechar os olhos diante da arrogância de uma época que é
forma que começou? uma época sofrida, muito além do que conseguimos experimen-
Invoquemos mais uma testemunha deste tempo de crise, tar e ímaginar. A poesia lírica de Celan atinge o ponto nevrálgico
predorrúnantemente ocidentaL Já em l922, antevendo uma crise, deste nosso tempo. Quem senão um poeta para tocar com o dedo
na revista “Zwischen den Zeiten" escreveu o célebre teólogo a chaga aberta do seu tempo, agarrar-se a ela, um pouco como
protestante suíço Karl Banh, seu anticientíñco, inortodoxo, mas poetas malditos, como chegaram a ser chamados pelos assusta-
altamente comovente, comentário à Carta aos Romanos cap. 7. dos cidadãos do seu tempo.
Esta epístola diz: "Sabemos que a lei é espiritua1, mas eu sou de
Viesse, / viesse um homem, / viesse um homem ao mundo,
came, vendido como escravo ao pecado. Pois não entendo o que
hoje com / a barba luminosa dos / patriarcasz se falasse / deste
faço. Realmente, não pratico o bem que eu quero, mas o mal que
nosso tempo, / outra coisa não conseguiria / senão balbuciar/
odeio. Pois querer o bem está ao meu alcance, mas não o
sempre, sempre balbuciar // (Pal]aksch Pallaksch,) .
praticá~lo.“
Numa antologia que editou em 1981 Günther Kunert escre-
Num mundo conturbado, o teólogo Karl Barth lançou,
veu estas palavras de Celanz “... que a morte, uma espécie de
diante da teologia oñcial e consagrada do protestantismo, 0 seu mone, possui mais realidade própria que a assim chamada vida,
escrito “A Carta aos Romanos”, na época muito contestado,
que virou ñctícia e como que de segunda mào. Tomar consciên-
m interpretando a panir desta passagem bíblica o desequilíbrio do
cia de Inortiñcar-se ou de ser moniñcado desperta o pramo sobre
W

homem do nosso tempo. Entre duas épocas - num tempo de


tudo quamo aconteceu a alguém (ou presumivelmente a todos)...
CC Lransiçào ou de crise - sabe-se que as tradições já não são capazes Nós - quase todos nós - insensivelmente nos tomamos rodas da
líll de suportar as estruturas, nem as instituiçóes oferecem mais 7mega-engrenagem. Os novos sofrimentos realmente sâo novos.”
segurança. Sente-se a crise do estabelecido, fomenta-se a crise
qu pela crítica sem piedade. Entre uma e outra época não se sabe o
“C E são sofrimentos diante do pano de fundo de alguma coisa
que há de vir. Nào se sabe sequer 0 que é que deveria vir... E
bc que realmente se tomou ”diferente".
assim nasceu a “teologia da crise"
aI
ICI O que existe, em tudo isto, de parecido com os tempos mais Não teria 0 homem modemo também o seu motivo de
recemes? Ou: será que temos razões ainda mais acertadas para “vanitas“, a futilidade da vida terrena - que pouco fica a dever à
Pru desarmoniosa imagem do mundo e ao sentimento cósmico de um
considerannos a época presente enfenna e em crise? Será que
bn Andreas Gryphius? No recanto mais secreto e obscuro de sua
precisamos temer pelo futuro mais que Karl Kraus e Karl Banh?
Gc alma afastada de Deus, nào o faz estremecer a mais terrível de
O que é tào diferente hoje? O que nos añige e nos constema de
todas as ameaçasz o instante do holocausto atômico, do ocaso da
forma tào ameaçadora? Terá a nossa humanidade, no seu com-
criaçào pelas mãos do homem, que escapa ao nosso pensamento
junto, chegado ao “rurning poim" da enfermidade de nosso .
Dcsmução (C01]| annas aló1m'cu.x') alcm do nccc&("'m'o pam uma vnona nulllan

14 15
a natureza, o uso inadequado dos pesticidas attaves' de técnicas denunciada por Rachel Carson. Dispenso-me de ilustrar esLa
de pulverização, com suas conseqüências devastadoras. Nas añrmaçãa
regiões onde foram aplicadas, o equilíbrio ecológico foi em larga Fascinados pela técníca e pela indústría, a maioria dos
escala destruído, com a extingão quase completa de toda forma homens parece haver perdido o sent1m'ento de que nós mesmos
de vida. A comissão técnica dc 25 peritos instituida na época por somos um pedaço da natureza, que a vida sobre a terra constilui
Kennedy não pôde senão conñrmar as queixas e denúncias de uma unidade - decorrendo daí que um dano em algum lugar é
CarsorL capaz de provocar conseqüências no mundo inteiro. O homem
Hoje por toda parte estamos quebrando a cabeça sobre a não apenas extemúna as coisas criadas, ele está em vias Lambém
4s~M

maneira de enfrentar a mone das florestas, a extinção das espé- de cometer pecados muito mais graves ainda contra a natureza e
*

cies vegetais e animais, a poluição do ar e da água que resultam a criação. Sua ânsia de fazer impele-o a criar novos seres de
da contaminaçào do mundo provocada pelo homem em conse- acordo com seu bel-prazer. Com base na sua capacidade intelec-
qüêncía de poderes técnicos e industriais usados de forma tecní- tual e cientíñca ele acredita poder assumir a responsabilídade
camente competente e moralmente irresponsáveL Sobre este pelo conjunto da cn'aça'o, quando é evidente faltarem-Ihe de todo
problema da destruição do ambiente escreveu um ñlósofo natu- as condições morais para meter as mãos na obra divina ou na
ralista : “Nas árvores podemos ver como nosso mundo está evolução.
morrendo. Uns 2 anos atrás a revista cientíñca ínglesa “Nature ”
Mas não consaguimos enxergar que nesse meio tempo haja apresentava em sua capa uma “carbra Que é isto, uma “carbra”?
desaparecido cerca da metade das espécies animais e vegetais Quem é que sabe? Umamm'a1 que desperta espanto e cun'osl'da-
nativas da Europa central, apenas através da imprensa temos de. Ficamos com a impressão de havermos sido transportados
notícia disto. Se tives'semos visto como, antes de morrerem as para o país das fábulas. É um ser de proveta, que pode ser
florestas, pouco a pouco foram desaparecendo do mundo uma produzido através da engenharia genética: metade cameiro, me-
espécie vegetal depois da outra, a escovinha, a papoula, o mal- tade cabra. Uma imagem apenas? E, no entanto, “fact1'vel".
mequer-dos-pântanos, a drosera, a cardamina, só para mencio- Somos forçados a indagar-nos: será que se perdeu todo
narmos algumas, não teríamos demorado tanto tempo a ñcannos rüpeito perante a vida? Não existirá mais compreensão para o
assustados. Na realidade, a destruição ambiental só nos atinge inter-relacionamento global de tudo quanto é vida sobre a terra?
quando ela progride mais rapidamente que o embotamento de Será que o homem perdeu todo sentimento para o valor da
nossa capacidade de percepção. A destruição ambiental só pôde natureza no seu conjunto? Aqui é preciso que a questão moral
avançar tanto porque ao mesmo tempo os nossos sentídos se seja formulada como a questão radícal sobre a relação do homem
atroñaram - não no sentido ñsiológico, é claro, mas no que se consigo mesmo e com a natureza.
refere ao cultivo e à cultura sociaL
Encontramo-nos frente a frente com o sério problema do
Redobrada atenção - embora parcial e com atraso - é relacionamento entre a ciência e a moral, que em nenhum ramo
dedicada hoje à transformação tóxica dos alimentos, quase sem~ do conhecimento apresenta-se com mais agudeza que no da
pre manípulados em vista da conservação e da venda, da busca engenharia genética. É o preço que pagamos pelo fosso cada vez
do lucro. portanto. Os escândalos do vinho estão na memória de maior entre a fé e a ciência, entre a ciência e a religião, que veio
todos. A contaminação nuclear do homem e da natureza, hoje cada vez mais se aprofundando desde a era do Iluminismo e que
mais uma vez na ordem do dia por causa do acidente nuclear de levou a uma terrível deñciência ou mesmo à perda total do
Chemobyl, a longo prazo nada ñca a dever à guerra qu1m1"ca sentido da responsabilidade moral num plano mais elevado.

18 19
í
Este fosso dividiu primeiramente a nossa consciência, de-
1 genética, possibilitar-lhe-ia criar uma nova natureza antropogê~
:\u pois a nossa ação. Mas é preciso que se destaque aqui com toda nica? A bíologia, portanto, como senha mágica para a salvação
1
a clareza, para que não sejamos mal-interpretados: não são as do homem, depois de ele haver destruído o restante da natureza?
descobertas de pessoas inteligentes nem o engenho de dezenas
Não há dúvida de que é necessária uma certa dose de
de laureados do prêmío Nobel os culpad0s por nossa triste
cetlclsmo quando o homem pretende conñar unicamente em sua
situação atual; não é o fato de um Otto Hahn haver descoberto a
razão cientíñca ou técnica.
desintegração atômica, ou de Watson e Crick haverem explicado
a estrutura da molécula de DNA com sua dupla he'lice. Pela passagem do século XVIII para o XIX, certamente
antevendo o que a humanidade teria pela frente, Novalis alertavaz
A fatalidade reside no orgulho humano, na sua auto~exal-
“Se os homens pretendem dar um passo à frente no domínio da
tação, na sua pretensâo de jogar fora a idéia da criação, libenan-
natureza exteríor pela arte da organização e da técnica, eles
do-se do elemento de humildade e disciplina que nos impõe a
precisam antes haver dado tres' passos para dentro de sí, na
idéia do divino e do religioso. Ciência e moral! Nos seus “Prin-
díreção do seu aprofundamento moral."
cipia ethica ”, Gerald Edward Moore considera que o “erro do
naturalismo“ consiste em acreditar que o dever não resulta do Enquanto isso, lemos em Karl Jaspers, "Origem e Meta da
ser, como sempre de novo os ñlósofos têm tentado demonstrar, I-Iistória": “No seu próprio ser homem, na sua moral, bondade e
ao menos de David Hume para cá 11. E, no entanto, este dogma sabedoria, o homem não experímema nenhum progresso... Não
ditado pela razão não pôde impedir que se construísse a bomba existe progresso na substância do homem” 13. E Albert Einstein
atômica, como também não sabemos se ele será capaz de pôr teve que constatar resignadoz “Tudo mudou, só não mudou o
uma tranca na porta que leva ao reino das fantasias da engenharia pensar humano.” Aliás, não somente não progredimos no nosso
antropogenética, nascidas de um pensamento e de uma açào ser homens, como até regredimos, nos empobrecemos, estiola-
esquizofrênicos. mos em nossa índole.

Na evoluçào humana, Gottfried Benn chama a atenção para Tentaremos relacionar agora os diferentes cenários de nos-
uma chama cada vez mais destrutiva, a saber, a progressiva sas regressóes na esfera antropológica propriamente dita, os
cerebralização da espécie humana. Em seu célebre discurso fatores intemos de uma humarúdade enferma em vias de abdicar
acadêmico, ele se interroga se não estamos a caminho de um de suas idéias humanita'rias.
novo - e mais frio - grau de cerebralização. Será ue tudo Não temos em absoluto a intenção de combinar diferentes
caminha para ocultar-se atrás de funções e conceitos?1 opuu"o'es ou pareceres de peritos, prognósticos ou profecías,
Curioso. Temos a impressão de que, em certos cientistas panicularmente de futurólogos, para construir um panorama de
que vivem a falar de uma “revolução biológica" e parecem pavor; pois não temos a intenção de perder-nos em visões maca-
fascinados pelo surgimento de uma era antropozóica, este pro- bras e sombr1'as.
cesso de cerebralização apresentou um fone avanço. Do contrá- Todos sabemos, graças a Deus, que existem, que ainda
rio, como compreender que tanta gente admita livremente que existem neste mundo também coísas sadias, razoa'veis, amáveis,
em nossa era todo o mundo vivo encontra-se, é certo, abalado e belas e elevadas. Não há nenhuma razão para não nos alegrarmos
ameaçado nos seus alicerces, que a ação do homem tem produ- com isso. Mas o nosso tema aqui não é este. O que pretendemos
zido efeitos mortais sobre a parte não-humana da natureza, mas é demonstrar o que está enfermo, ou o que leva à destruição da
que no entanto podemos aluhentar alegria e esperança, porque o harmoma nas esferas extemas e internas de nossa vida. E o que,
espírito ciemíñco do homem, sua capacidade de inovar, de de qualquer forma, for possível dizer sobre isto sem que descam-
adaptar-se por meio de processos de aprendizagem e de evolução bemos para um desespero sem limites, isto deverá ser dito

20 21
efetivamente, sem pena e sem ressalvas, atraves' de alguns exem- Quando a precariedade da situação presente caracten'za-se
plos escolhidos. por um mútuo “não-conseguir-mais-entender-se“, por uma “au-
sência de linguagem" entre os seres humanos - com a conseqüên~
Polarização e radicalização cia de cada um estar contra todos, cada um se ter por competeme
em todos os assuntos, acreditando-se, como cidadão “de maiori-

A Lendência a polarizan a não querer acordo, a radicalizar, dade“, autorizado a falar de tudo sem conhec1m'ento do assunto,
às decisóes extremas, à idéia do snn“ ou não, do tudo ou nada, tem com a inarredável conseqüência de uma progressiva falta de
crescido de forma doemia por toda parte, não obstante os cons- solidaríedade7 Será de admirar que se passe a falar da desgraça
tantes apelos por mais compreensão e paciência. Tantas vezes de uma democracía total?
ñ.;-rm. _.

invocada, a harmonia capaz de conciliar os contra'n'os, com que


_ 4

Gerhard Szcesny teve a coragem de dar nome a este fracas-


os grandes espíritos souberam unir em síntese mais elevada a
so da mentalidade democrática extremada 15. A desenfreada
dialética e a ambivalência - basta que lembremos aqui a busca
líberdade de opinião não deve envenenar a informação, levar á
de Goethe por uma valorização equilibrada entre “Logos,
denúncia, à condenação e à difamaçâo mútuas, fraudando a
Mythos e Bios " -, tem-se tomado cada vez mais rara.
sociedade da solução de problemas urgentes. Karl Steinbuch
Há muito que o ideal do equillbrio não mostra mais sua comparou o camínho que possibilita tais situaçóes com uma
' . 4A›.nm_-._m

força. Ninguém procura mais superar antagonismos. É como se população de ratos numa gaiola apenada, onde a convivência já
aquele princípio criador de hannonia que tem acompanhado a lnóão consiste na ajuda mu'tua, mas na permanente agressividade
humanidade, ao menos no sentido da conservação da espécie
humana e de seu desenvolvimento ascendente, tivesse deixado
de atuar no pensar, sentir e agir da humanidade. O perigo de uma Um sintoma da doença do nosso tempo, baseado na pola-
rização e na radicalização, é o terror e o terrorisma O mais cínico
amitética pintura em preto-e-branco ameaça nosso futuro, mani-
e perverso nesta maís condenável de todas as formas de agressão
festando-se desde já por toda parte no embrutecimento da ima-
humana consiste em que ela atinge conscientememe vítimas
ginação cientíñca e na amm'alização da fantasia. Somos cercados
totalmente inocentes. Sob este aspecto, o terror e o terrorismo
por imagens cheias de violência, de brutalidade, obscenidade,
fazem pane de uma forma comportamental altamente psicopa-
crueza de sentímentos, cinismo. Ao pano de fundo da realidade
tolo'gica. Os métodos vão da tortura psicológica ao assassinato e
acrescenta-se o cenário ñctício da televisâo, trazendo gratuita-
ao genocídio. Terror é o que empregam os poderosos para
mente para o ínterior de nossos lares o crime como sensação e a
m'tirru'dar e atemorizar os advelsa'rios, os su'ditos, as minorias não
violência como lazer.
desejadas, espalhando o medo com o ñm de paralisá-los.
Antes que ao grotesco, esta tendência à polarização e à
Mas do terrorismo servem~se os fracos, os que ainda nào
radicalização tende ao diabólico, desembocando nos cataslróñ~
possuem poder, os desprezados, os desesperados, que alravés do
cos processos annamentistas, no overkill multiplicado por cem.
terror querem chamar a atenção do mundo para os seus proble-
“Inteligência cm'ica“, é o que temos a impressão de estar atuando
mas. No entanto, sem a grande facilidade de difusào através dos
aqui. Peter Sloterdijk criou esta expressão paradoxaL para dar
modemos meios de comunicação, sem a ditadura da ímagem na
expressào eloqüente à sua chamada crítica pós-modema da razão
era da informação totaL o objetivo dos atentados terroristas de
e da civilizaçào 14. Não estaria esta "inteligência cínica” atuando
espalhar insegurança, intlm'idação e terror, com as concessoe's
de forma destrutiva numa sociedade exageradamente pluralista,
que daí possam resultar, talvez não pudesse ser atingido. Terror
quando deixa de haver um mnu"mo de clareza e consenso sobre
e terrorismo dependem da propaganda e da publicidade l7.
os objetivos que aínda existem para esta nossa humanidade?

22 23
r-
caminhando para o esgotamento de uma cultura séria da lm'gua, constitui perigosa ligação. Que é que realmente permanece do
para um sucateamento da linguagem, a seu tempoja' responsabi- que não foi elaborado seríamente pela própria pessoa?
lizados por Karl Kraus pela decadência de toda uma época? A
. O valor contido na televisáo consiste em grande pane em
línguagem como vereda do espírito - será que isto já era?
Substituída pela imagem7 ocorrêncías isoladas, na confusa multiplicidade do plumlisma
Nenhum tema dominante, nenhuma ordem, nenhuma conti›
Chegamos assim à mais querida das ocupações do homem nuidade. Filmes de críme e de terror, cenas de homicidio,
de hoje, a televisão, a principal fonte de uma pretensa informação prostituição sexuaL nostálgicas orgias, relatos de cata'strofes,
globaL Como tudo no mundo, também a televisão possui face cenas massiñcadas, reportagens esportivas e culturais, uma
dupla. Quem já não teve 0 privilégio de assistir a esplêndidos atrás da outra, sem qualquer critério, não raro intercaladas por
programas cullurais, o prazer de ver p. ex. excelentes ñlmes do propagandas sedutoras e imbecis.
reln'o anímal?
E com que consequ"ências? Com o passar do tempo não
Mas cabe aqui também a crítica arrasadora de Neil Pos- estaríamos aqui diante de uma mutação da consciência? Nào está
tman: ele verbera os devastadores efeitos de uma enxurrada sem ocorrendo uma reorientação social para a irrealidade? Amold
controle sobre o desenvolvimento espiritual e moraL principal- Gehlen descreveu o estado da alma na era industriaL destacando
mente nos jovens. E faz sua crítica, interrogandoz pode uma duas alterações que ocorrem símultaneamente.
sociedade subordinar todas as suas instituiçóes ao domínio da
técnica e ainda conservar sua saúde menta1? Seja apresentada Por um lado, uma completa e universal racionalização,
aqui de forma abreviada a análise 7crítica de Postman, através das muitas vezes levando a uma linguagem conceitual e abstrata
cindo características que seguem ”0: difícil de entender, por outro, uma terrível primitivizaçào, com a
tendência de tudo apresentar da fomm mais simples e fácil
1. Nas suas horas livres, as pessoas nada mais fazem senão ver possíveL com perda de conteúdo, o que em última análise leva a
televisão, não se lê mais, e o que se ouve está quase sempre uma perda de realidade. O indivíduo, que nào pode mais fazer
subordinado à imagem. A palavra nos fomece um conceito, é experiências pro'prias, recebendo ludo de segunda mão com uma
um produto da força da imaginação. Uma imagem apresenta- enxurrada de impressóes superñciais, nào tem condições de
nos apenas um exemplo, uma particularidade. O espectador de analisar o que lhe é oferecído
TV é levado para um mundo de imagens representativas, não
Mas existe ainda outro ponto inquietante. Pela ñsiologia do
para o mundo dos conceitos lingüísticos.
cérebro sabemos da diferente valorizaçào qualitativa dos hemis-
. O que se vê diñcilmente se reflete e se analisa depois. O mundo férios cerebrais esquerdo e direito. Do lado esquerdo ñca locali-
da representação lingüística, com tese e antítese, com hipóte- zado o centro da Iinguagem, do pensamento conceitual-analitico
ses, argumentos, refutações, contestações e explicações, é e lógico-discutsivo, da audição, da apreensão linear e seqüenciaL
posto para trás, e com ele o desenvolvimento das capacidades O hemisfério direito, por sua vez, responde pela percepção
analíticas do pensamento. intuitiva e espacial, pela visào, o reconhecimento das imagens e
3. A televisão é incondicionaL ela não exige nenhuma habilidade, das infomIaçÕes visuais, pela apreensão global - uma qualidade
nanhuma aprendizagem. Nela também não existem diñculda- humana que no passado foi pouco exercida e descumda no
des gramaticaís ou sintáticas, como nos Iivros4 desenvolvimento do espírito europeu.

4. A televisão é quase que exclusivamente recreativa. O aprender Mas neste hemisférío direito ocorrem também os processos
e o lazer não permanecem separados um do outro, o que de uma modiñcaçào da consciência, como os provocados por
exercícios meditalivos e drogas alucinógenas ou psicodélicas. A
<h~nw

26 27
m;
Mudanças aceleradas Efeito doentio da incapacidade de fazer frente a uma época
O hedonismo como conseqüência febriL onde a extrema rapidez do efêmero é semida de forma
mais dolorosa do que nunca, eles domínam cada vez mais a cena.
Na apresentação global de um mundo enfermo, chamamos As relações com o mundo mateúal e ideal são constantemenle
ainda a atenção para um sintoma de especial un'portância. É o encurtadas. Surgiu a sociedade do descartáveL Mas não sào
aumento do ritmo de vida, a rapidez com que o tempo corre. A apenas as coisas mortas, os objetos de uso, que se descartam. São
este fenômeno, de fatídicas conseqüências para o desenvolvi- descartados também animais que de repente se tomaram incô~
mento psicolo'gico, dão os futurólogos o nome de “aceleração modos, laços humanos que parecem não possuir mais utilidade,
das mudanças". Se de qualquer maneira a nossa temporalidade solidariedades locais que passaram a enfastiar, organizaçoes~ e
já nos pesa sobre nossa existência, se temos que reconhecer que instituiçoe's que consideramos supérñuas e, por ñm, mmbém
a nossa vida reduz-se àquele cuño espaço, em que o que ainda ídéias e pensamentos que nos poderiam roer a consciência.
nào e', transforma-se no que não e' mais, àquilo a que damos o
Amold Gehlen considera a perda de realidade e de expe-
nome de presente e do qual queremos desfrutar, então a acelera-
riência, e o fato de o homem de hoje receber tudo de segunda
ção da mudança, a súbita invasão do futuro num presente cada
mão, como sendo, de acordo com uma lei psicológica, a causa
vez mais curto, só pode ser sentida como catastrófica para a
de sua insaciável cobiça. Mas a exacerbada ânsia de viver não
situação psicológica do homem.
estará também panicularmente condicionada pela aceleração das
O homem nào conseguirá mais manter passo com uma mudanças a que nos referimos, com suas nefastas conseqüên-
realidade que se modiñca cada vez com mais rapidez. Ele sente cias? A atitude de vida hedonista não seria uma resposta aos
diñculdades de adaptação. Terá que sentir-se antiquado, enten- paradoxos de nosso tempo, no sentido de uma repressão das
der~se biologicamenle como um ser deñciente. necessidades existenciais, que nào se deseja olhar de frente?
Uma avalanche de sempre novas e sempre diferentes mo- Nestas duas añnnações básicas sobre os nossos tempos
diñcaçóes provoca desengano, confusào, perplexidade e deso- podemos, portanto, enxergar as raízes da passividade, de um
rientaçãa Profundameme inseguro num mundo que se lhe tomou consumismo desenfreado. O que propriamente é uma atitude de
estranho, onde nâo consegue mais orientar-se, ele sucumbe ao vida que vira as costas ao mundo, de ínércia. Terá sido esta a
componamemo anonnal, à neurose e à depressão. Alvin Toffler, grande liberdade que o homem conquistou nos tempos moder-
um dos principais futurólogos sociais, descreveu de uma forma nos? É este o tão decamado paraíso que as religioe's sociais nos
a um tempo lúcida e assustadora, através de um grande número vinham apresentando e prometendo desde o início do século
de fatos, esta complexa situaçào do homem do nosso tempo XIX, numa fanática fé no progresso e na idolatria da técnica?

O avançado pr0cesso de neurotização da socíedade moder- Num trabalho de muita profundidade, Vomfalschen Leben
na já produziu tipos humanos e estruturas sociais extremamente in Freiheit (“Sobre a falsa vida em liberdade"), o ñlósofo Joseph
peculiares, que não deveríamos mais minimizar como excrescên- Schmucker-von Koch, de Regensburg, tece consideraçóes sobre
cias exlravagantes ou como rebentos ilógicos ou mesmo engra~ a importância histórica da ascese, confrontando-a com a ânsia do
çados de um laissez-fm're de democracias liberaisz comunidades lucro, do egoísmo e a insaciável cobiça de uma sociedade que se
de crentes a caminho do suicídio coletivo, antiuniversidades de autodenomina pluralista e liberada de compromissos. Cito tex-
27
loucos fanáticos que querem corrigir o mundo, bagwanismo, tualmente este trecho de Schmucker~von Koch :
clubes de lroca de parceiros, a subcultura dos adeptos do “fazer “O homem que se encerra na esfera do ñníto nunca alcança
nada", avessos ao trabalho etc. Eles são legião, os psicopatas e a satisfação de seus desejos. Mal consegue um bem temporaL já
neuróticos surgidos do seio de uma sociedade decadente.

31
30
a posse concebe o querer maís, ou o querer outra coisa, uma vez ainda capaz de proteger e curar a alma enferma num mundo
que nada do que sua cobiça consegue lhe traz satisfação dura- doente. Concluímos por isso com uma palavra de Hõlderlinz
doura. A negaçâo da transcendência da relação com Deus faz o
homem vítima e escravo de uma insaciável ânsia de ter sempre
maís. Cobiça atrai cobiça um desejo puxa o outro." "0nde o perigo ameaça, cresce também a salvaçâa "
Foram~nos expostos os caminhos para a morbidez e as
doenças já manifestas de uma era do medo. Mas a doença não Me'dico apos. Dr. med. Andreas Schuhmann
tem sempre que signiñcar necessaríamenle derrota, ocaso, mor~ Intemista e radiologista, membro atuante da Associação
te. Um sentimento de catástrofe e apocalipse diñcilmente poderá dos médicos escritores alemães.
scrvir-nos de auxílio para sair da crise do nosso tempo. Invoque-
mos maís uma vez o princípio esperança.
Nossa chance encontra~se no esforço para rompennos o
círculo vicioso de uma racionalidade exacerbada e de uma ina-
cionalidade exacerbada, reconquistando novamente o equilíbrio
entre os dois pólos que conslituem o nosso ser. Pois o racional e
o irracional não implicam conlradição, tampouco como não
existe comradição entre razão e o sentimento. Devolver à alma
enferma a força do sentimento, ou seja, acabar com a atroña e o
desprezo daquela essência básica que denominamos sucintamen~
te de sentimenta
Enxergar a ponte entre as polaridades de nosso ser numa
realidade globaL onde todos os níveis de experiência confluem
para a aquisição do conhecimentoz tanlo a ciência como a arte, a
ñlosoña como a religião. Uma tal referêncía na “dimensão do
profundo" é o que o teólogo Paul Tillich chama de “fé“ 28.
E disto faz parte aprender novamente a sentir o divino, o
lemor respeitoso, o mysterium Irenzendtmz,fa.s'cinosum et augus-
tum diante da criação.
Uma das poucas mestras capazes de ensinar-nos estas
coisas e a Logoterapia criada por Viktor E. FrankL que nem
signiñca uma terapia que prometa o paraíso na terra, nem atiça
o hoje tào difundido medo da cata'strofe, com suas advenéncias
e ameaças. A meu ver, é ela o retomo ao principio da esperança
na psicoterapia, porque abre ao homem o caminho para aquela
relaçào na “dimensão do profundo“ ou - usando a sua própría
linguagem - para aquele Logos na “dimensão da altura", o único

33
32
"

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34 35
É POSSIV'EL VIVER COM SAUD'E NO
MUNDO DE HOJE?

Um pequeno tratado de Psico-higiene


A Psico-hígiene é tão ímportante quanto a

.›-.~.&.L«41:
.u
higiene corporal

w_'.-'. 4›
mankuL
.' AÍL
__4'.
_,.
Não someme a proteção do meio ambienle começa demro de

-».
nossas quatro paredes, como Iambém a “proteção do mundo
imen'or" começa dentro da própña alma.
E. Lukas, em “Gesimmng und Gcsundheit ", p. 164.
(Mentalização e Sau'de, p. l38)

Diz um antigo provérbio que prevenir é melhor que reme-


diar. No que diz respeito ao terreno corporal, a validade deste
provérbio já penetrou bem fundo na consciência do povo; j0g-
ging, cooper, díeta íntegral fazem parte da ordem do dia das
pessoas que se preocupam com a sua sau'de. Mas em que pé
andam as coisas no terreno psíquico? É possível prevenir tam-
bém as crises da alma, e em caso añnnativo, de que maneira?
Sobre isto, pouco tem sido divulgado, e menos ainda se tem posto
em prática uma forma de vida sadia, no senlido da psico-higiene
atíva. A razão disto está em que para a esfera corporal existem
normas uníversalmente va'Iidas, que nos dizem, por exemplo, que
no tocante à comida, o açúcar, as gorduras e as substâncias
químicas devem ser reduzidas a um mínimo, ao passo que são
recomendáveis uma dieta natural e uma alimentação rica em
vitaminas; ou, no que diz respeito ao movimento, que o esporte
ao ar livre é bom para as proñssões sedentárias, ao passo que
todo esforço constante e exagerado precisa ser evítado. No
terreno psíquico são poucas as normas deste tipo, e nem todas

39
são aceitas sem discussão. Mais precisamente, exístem apenas
tem sentido quando a saúde recuperada também tiver sentido, um
duas teorias populares a este respeítoz
sentido que vá além da simples conservação da sau'de.
l. A Teoria do stress (da terapia comportamentalL segundo a
Campo de ação da Campo de ação da psicologia
qual o stress psíquico é prejudicial e pode até causar doenças,
.

psicologia e pedagogia clínica e da psicolerapia


pelo que precisa ser evitado enquanto e' possivel, e \__._~_..__4
__,_J
2. a Ieoria da repressâo (da psicanálise), segundo a qual a
não-elaboração dos traumas psíquicos é prejudicial e pode até | /\
levar a neuroses, pelo que sempre deve ocorrer uma elaboração Prevenção ¡ Tratamenlo ¡ Acompmlhamento

\/
(_prevenção de crises) | (in(ervenção nas cn'ses) I (proñlaxia de recaídas)
posterior ao trauma.
l
M

|
Ambas as teorias, contudo, estão sujeitas a muitas restri-
çóes, principalmente porque muilas vezes não conseguimos evi-
Campo de ação da
tar o stress, e as repressões geralmente ocorrem de uma maneira psico«higiene
inconsciente, o que faz com que seja difícil proteger-nos de umas
e de outras. Com este Iivro queremos contrapor a isso um
Hubert Rohmcher, o “pai da psicologia experimental"*,
pequeno tratado de Psico-higiene a panir da visão logoterápica, distinguia entre as “forças psíquicas“, a cujo número pertencem
que oferece às pessoas condiçóes para enfrentarem os desaños e o instinto, o sentimemo e a vonlade, e as “funçóes psíquicas",
os problemas da vida, e isto - venha o que vierl Por conseguinte, que incluem a percepção, a memóña e o pensamenta
é válido também quando a doença, a afliçào e os peñgos proje-
Ambos, tanto o convívio com as “forças psíquicas" como
tarem suas sombrias ameaças sobre a vida do indivíduo, como
o recurso às “funçóes psíquicas", são muito imponantes para a
deverá ocorrer com freqüência cada vez maior nas próximas
Psico-higiene, mas ñca faltando ainda um elemento de ligaçào.
décadas, num mundo que, como um todo, se encontra enfenno.
Que é que no homem lida Com as próprias “forças psíquicas",
Mas o sentido da vida não consiste em que não se ñque que é que põe em açào as “funções psíquicas” da pessoa7 O Eu
doente. A vida tem ou não tem um sentido; e só se ela possui um pessoal do homem transcende a esfera psíquica e deve ser
sentido é que existe razão para proteger-nos das doenças, para considerado e entendido como localizado numa dimensão mais
tratá-las ou procurar supera'-las na medida do possiveL Uma elevada, na dimensão noétim Segundo Viktor E. FrankL a esfera
higiene para a saúde corporal e uma higiene para a saúde psíquica noética é a esfera da espiritualidade humana ou, mais precisa-
não são, portanto, fms em si mesmas mas, como de longa data mente, a dimensão da liberdade espiritual a que 0 homem con-
se tem reconhecido na logoterapia de Viktor E. Frankl, elas têm segue se elevar.
como objetivo preencher de sentido a vida do homem, pleniñca-
Citaçãoz “Com o animal compartilha o homem a dimensâo
ção esta que não depende da saúde corporal ou psíquica mas que,
biológica e psicológich Por mais que sua animalidade
dado o caráler frágil do corpo e da alma, poderia vir a ser
seja dimensionalmente superada e marcada por seu
impedida de forma prematura e desnecessa'ria.
ser-homem, de alguma forma 0 homem nâo deixa de
Além da ptevenção psicológica, a psico-hígiene também ser também animaL Um avião não deixa de poder
pode ajudar na convalescença e na prevenção de recaídas quando taxiar na pista, isto é, andar no plano, exatmnente
já houverem ocorrido graves crises psíquicas e doenças na vida
de uma pessoa. Onde mais uma vez vale que evitar a recaída só * Calcdnilico na Univcxsidudc dc Vicn'.1. falecido cm l972; cf. a rcslxiloz Hubcn
Rohrachcn Kleiue Cllaraklerkunde, Wicn~lqusbruck. Urbáu1& SchwarLcnbcrg. 1969

40 41
.. Ú«w. «~MW-_m
como um automóvel; mas ele só se mostrará de fato snn'ples da Vontade e do pensamento, já presentes também no
como avião quando elevar-se ao ar, ou seja, ao espaço rem'o animaL
tridimensionaL Da mesma forma, o homem também
é um am'mal; mas ele também é inñnitamente mais Como não se trata aqui dos atos especiñcamente humanos
da vontade e do pensamento, os dois são colocados entre parên-
que um an1m'al, superando-o por nada menos que uma
d1m'ensão imeira, a dimensão da liberdade. teses. No centro do diagrama ocorre a “sobrelevaçào humana”,
o salto à dimensão noética, onde as “forças psíquicas" unem-se
Evidentemente, a liberdade do homem não é uma liberdade na “vontade de sentido”, e as “funções psíquicas" põem-se a
dos condicionamentos, sejam eles biológicos, psicológicos ou serviço do “conhecimento do sentido“. Enquanto no “conheci-
sociológicos; ela não é, aliás, liberdade de alguma coisa, mas mento do sentido“ trata-se do reconhecimento de possibilidades
líberdade para alguma cozsa, a saber, a liberdade para se posi- externas de sentido, a “vontade de sentido“ expressa a promidão
cionar perante todos os condicionamentos. E, assim, um homem interior do homem para a realização, o seu consenso, seu 'fi'at "
só se mostra com*o verdadeiro homem quando se ergue à dimen- com relação ao que foi reconhecido como possuindo sentido.
são da liberdade” .
Uma lei da ativaçâo de Hubert Rohracher añrma que não
No plano noéti*c*o as “forças psíquicas” desembocam na há atividade funcíonal sem que exista impulso. Estendendo esta
“vontade do sentido" , e as “funções psíquicas” num “conheci- lei à d1m'ensão noética, podemos agora estabelecer uma lei da
mento do sentido“, sendo que o conhecimento antecede a vonta- realização, que diz que não existe realização de sentido sem a
de do conhecido, mas, ao mesmo tempo, a “vontade do sentido" “vontade de sentido” mais o “conhecimento do sentido”. E um
constitui a motivação pnm'ordial para que alguém busque e se tratado de Psico-higiene na visão logoterápíca sígniñca então,
empenhe pelo conhecimento de algo assim como um sentido. nada mais nada menos, que o tratado da otimizaçâo da realização
interior de senlido do homem sob os condicionamentos vitais
'f'orças psíquicas" dimensão 'fu'nçães psíquicas "
(seg. Rohracher) noétíca (seg. Rohracher) dados, sejam eles quais forem,
Isto é, toda prevenção de críses ou proñlaxia de recaída
bem~sucedida consiste em ajudar o homem a encontrar um estilo
de vida pessoal (= que lhe é adequado), que lhe garanta a melhor
Instinto Vontade Conhecimen<to Percepção
realização imerior de sentido, independente de como se modiñ-

\/S°""'d°
Sentlm'ento > de Memória
do (Pensamento) cam as condiçoes' de sua vida. Caso ele encontre um tal estilo de
(Vontade) Sentido
vida, suas “forças psíquicas" do instinto, sentimento e vontade
se enfeixam harmonícamente na “vontade de sentido", e suas
“funções psíquicas" da percepção, da memória e do pensamento
Realização enfeixam-se da mesma forma haxmonicamente no “conhecimen-
do sentido to do sentido”.
À esquerda e à direita o esquema mostra as “forças ps1'qui- Quando não se consegue este enfeixamemo harmônico, as
cas" e as “funções psíquicas” (segundo Rohracher), ordenadas dimensões psíquica e noélica do homem, falando em imagens,
de acordo com seu desenvolvimento ñlogenético, a começar pelo tomam caminhos diferentes, o que pode ser observado na maioria
instinto puro e a percepção simples e elevand0-se até as funções das doenças e dos conflitos psíquicos. Tais pessoas não estão em
paz consigo mesmas, sentem-se interiormente divididas, fazem
* Viklor E. Frankl, Ârztliche SeeLmrge, lO' cd., Wicn, Dcuu'ckc, p. 3. o que não querem ou querem o que não fazem, repelem-se ou
** Viktor E. FrankL Der Wllle zum Silm, 3' cd., ch. Vcrlag Hubcr, l982.

42 43
MWW-7.AH
mesmo odeiam-se ou envergonham-se de si próprias, não se Alfred Adler, o fundador da psicologia individuaL Uma pesquisa
compreendem a si próprias, castigam-se etc. de 1986 do ministério da saúde do Canadá fomeceu a conñrma-
Seguem-se exemplos da falta de enfeixamento harmônico: ção empírica disto, quando comprovou que para a saúde do
homem o seu estilo de vida comribui com 37%, enquanto o
ambiente contribui com 24%, os fatores hereditários com 29% e
“Forçaspsíquicas " (segundo Rohracher) a assistência médica apenas com 10%. Nos EUA, o “Nati0nal
Heart, Lung and Blood Institute ” chegou em 1981 a resultados
instinto VONTADE semelhantes, quando numa ampla pesquisa descobriu que o
sentun'ento DE principal fator de risco de doenças coronarianas, a causa número
um de óbito na população, ao Iado da hipertensão, do nível de
(vontade) SENTIDO colesterol e dos excessos do fumar, é representada por um assim
chamado “padrão comportamental típo A“, que no essencíal tem
a ver com o estílo de vida da pessoa, ou seja, o espírito de
Mania: a vontade - de ter o objeto do vício - colide com a concorrer, de alcançar ou resolver cada vez mais coisas em cada
“vontade de sentido“. vez menos tempo, e com a inclinaçãg a reagir com raiva e
Promiscuidadez o instinto - da sexualidade desregrada - nervosismo às ocorrências do dia-a-dia .
colide com a “vor1tade de sentido”. Desta forma, pode-se concluir que o estilo de vida de uma
Fobiaz o sentimento - do medo exagerado - colide com a pessoa deve ser visto como o resultado da maneira como foi
“vontade de sentido". estruturada a sua vida, por um lad0, mas por outro também que
o decuxso de vida da pessoa é consideravelmente influenciado
por seu estilo de vida.
“F1uzçõespsíquicas " (seg. Rohracher)
Viktor E. Frankl aplicou estes conhecimentos sobre a pes-
soa sadia à pessoa doente, em particular ao doente mentaL
CONHECIMENTO Percepção chamando a atenção de que a “patoplástica“ do decorrer de uma
DO Memória doença (em oposição a sua patogênese) *e'*sempre o resultado de
como se estruturou o decorrer da psicose . De acordo com isto,
SENTIDO (Pensamento) o comportamento manifesto de um doente mental nunca pode ser
ínterpretado SIm'plesmente como conseqüêncía de sua doença,
mas ele sempre é expressão também de sua atitude espiritual
Depressãoz a percepção - exclusivamente do que é negati-
perante a doença. Exatamente da mesma maneira como a sítua-
vo ~ colide com o “conhecimento do sentido".
ção de vida atual de uma pessoa nào psicótica e sadia também
Desamparoz a memória - com uma programaçào errada não é simples conseqüência do decurso de sua vida até o presente
ammzenada - colide com o ”conhecimento do sentido”. momento, mas expressâo exata de sua alitude interior.
Idéiasflxasz o pensamento - sob a fonna de idéias fixas -
colide com o "conhecimenlo do sentído".
A imponância do estilo de vida para o decurso de vida de
* Amcñcan Hcan JoumaL voL 108_ n° 2 (1984),
uma pessoa foi apontada com clareza desde os anos 30 por ** Vikior E. FrankL Ârzlliche Seelsorge_ 10l cd., Wicn, Dvuu'ckc_ 1982_ p. 203.

45
UNNMn
Esfera psicofísica Esfera psicofísica quando o avíão está perfeito e imacto, ao passo que um bom
piloto deve ser capaz de aterrissar são e salvo até com um avião
bg tica vida defeituoso.
plano plano

°ê
Jed

.0¡
noético noético

ap osmoaq
Palo
Não há

Estilo
asauaâo

docnça

epgA
.' Do'e'n'Ça' '_ ~ _ Do'énça. “

'
psíquica
Quadro manifesto Sítuação de
da doença vida atual

O que daí resulta para a prevenção de crisesz Seja o que for


que possa ocorrer na vida de uma pessoa em matéria de preocu-
pações e risco de contrair doenças, desempenha um papel o
padrão básico de vida desta pessoa, determinado por sua atítude
m_

espirilual para consigo própria e para com as eventuais ocorrên-


cias, mesmo no caso de um câncer ou de uma psicose. O que vai
ser determinado por isso é menos o “quê" do que o “como",
menos o fato da doença em si que a maneira como ela decorre, Assim, existem crises em caso de doença fts'ica (medo,
o seu grau de dramaticidade e a capacidade de suponá-la. desespero, revolta contra o destino, autodesistência), de doença
A essa altura convém acrescentarmos algumas palavras pszq'uíca (distúrbio comportamental e reações inadequadas, pro-
sobre o conceiro de crise, pois a doença, seja ela de natureza blemas sociais criados pela própria pessoa, propensão a ações
física ou psíquica, não se identiñca necessariamente com uma precipítadas), de doençafúica e psíquica (processos de desequi-
crise da vida, como também existem crises de vida apesar de a líbrio psicossomático e somato-psíquico) e nos períodos de
pessoa possuir saúde física e psíquica. Pois a crise está muito saúde (deñciente superação de ocorrências negativas ou falta de
pouco relacionada com 0 “quê” e muito mais com o “como" de aproveitamento e apreciação de ocorrências positivas). A região
uma ocorrênciaz como esta ocorrência é entendida, superada, sombreada no esquema acima pretende mostrar isto simbolica-
experimentada e vividzx mente.

Do ponto de vista logotera'pico, a crise pode ser definída Existem pessoas, pelo contra'rio, que sofrem de doença
como “um perigo para a capacidade de realizar-se especiñca- física ou psíquica e no entanto mantêm as rédeas de suas vidas
mente como pessoa", ou seja, na liberdade, na autodetermínação sem cair em crises se'r1'as, o que está relacionado com sua alítude
e na dignidade espirituais. Apelando para a comparação que positiva frente à doença. Estas podem ser atribuídas à regiào
Frankl fez do homem com o avião que pode elevar-se aos ares, pontuada do esquema acima. Que existe este tipo de atribuição
portanto ao espaço tridmIensionaL poderíamos dizer: doença é já era conhecido desde a antiguidade grega, quando p. ex. Epic-
quando o avião está com defeito, mas críse é quando o piloto teto escreveuz
perde o controle sobre o avião. O que também pode ocorrer

47
ñ
›-.'A
“Não sào as coisas que inquietam os homens,
mas sua opinião sobre as coisas.
Quando enfrentamos diñculdades,
ou nos inquietamos e aHing'os,
nunca lancemos a culpa
sobre outros, mas apenas Que precisamos fazer para
sobre nós mesmos, ou seja,
sobre nossa opinião a respeito das coisas.“
sermos felizes?
Para sermos completos, não deve ser omitido que uma crise
não sígniñca apenas um risco para a realização humana especí-
ñca da pessoa, mas também uma chance de a pessoa alcançar
esta realização especíñcm pois através da experiência do sofri-
mento ela pode levar a pessoa a modificar seu pensamento, a
novas idéias ou - nas palavras de Epicteto - a uma modiñcação
de sua opinião sobre as coisas. O piloto que num momento de
crise perdeu o domínio sobre o avião irá se tomar cuidadoso e Dissemos que do estilo de vida de uma pessoa depende o
nos seus próximos vôos haverá de evitar toda falta de atençã0. “como” irão se desenrolar as ocorrências em sua vida, mais que
Mas ele pode também cair, por isso a psico-higiene visa primei- o “quê" dessas ocorrências. Nâo obstante, como conseqüência o
ramente impedír a ocorrência de crises na vida, deixando à “quê“ também pode ser influenciado pelo “como", o que se
psicoterapia, no caso de as crises já se haverem instalado, fazer manifesta no fato de não raro as pessoas sadias adoecerem
com que sejam proveitosas ao paciente as chances que até nelas quando entram em crise, e de um doente que não entra em crise
exlstem. recuperar a saúde com mais rapidez.

Decisão se irá ocorrer doença

Doença \\ / Saúde

Decísão se a doença \ / Decisão se, apesar da


leva a uma crise \ , saúde_ haverá uma crise

Leva a Não leva / \\ Haverá Não haverá


uma crise / \ crise
\/ \/

48 49
Que explicação existe para esta ligação entre o “como” e o
Por exemplo, ninguém vai a uma clínica de prevenção do
“quê", nas ocorrências psíquico-corporais? Ela é explicada pelo câncer “por prazer”, mas um'camente porque acha que isto tem
seguinte princípio básico: A situação imunológica depende entre
sentido, da mesma forma que ninguém faz donativos para os
outras coisas da situação afetiva, e a situação afetiva depende famintos do Terceiro Mundo “por prazer", mas unicamente
no essencíal de a pessoa realizar interiormenze o sentido de sua
porque despenou para o sentido de uma tal ação. Qual é então a
vida. Isto signiñca que a tn'dimensionalidade do homem só pode função do prazer na vida humana? Bem, o prazer não é o ñm mas
ser correspondida por uma “noo-psicossoma'tica” que, ultrapas- é o fenômeno concomitante de um agir que possui sentido.
sando a psicossomática tradicionaL que se ocupa com as cone- Passado o exame preventivo, feita a doação para os que passam
xoes' entre a sítuação afetiva e a situação imunológica, estabeleça fome, ocorre uma “boa sensação”. O prazer é o “eco afetivo“ da
ainda a ligação com a esfera especiñcamente humana, a dimen- realizaçâo do sentido.
são noética, na quaL como já foi mencionado, o despertar do
Invertamos agora a pergunta. Que deve uma pessoa fazer
humano decorre paralelamente ao despenar da questào do sen-
para conseguir o eco afetivo na linha do “prazer"? Logicamente
tido, com o surgimento de um “conhecimento do sentido” e o
desenvolvimento de uma "vontade de sentido”. a resposta seriaz ela deve fazer alguma coisa que possua sentido.
Mas esta é exatamente a resposta errada, pois quando alguém faz
uma coisa que tem sentido afím de obter prazer, o prazer passa
Dimensão espiritual Realizaçâo do Considerar a própria a ser o ñm e não o fenômeno concomitante, o que faz com que
(noét¡ca) sennd'o exístêncía como tendo aquilo que possui sentido deixe de ser visto como um ñm digno
J sentido do homem, e com isso 1m'pede-se que ocorra 0 fenômeno conco-
D¡m'ensão ammlíca Situação Prazer ou desprazer mitante do “prazer“.
(psíquica) afetiva da disposição
Ninguém descreveu melhor este paradoxo do que Viktor E.
pessoal
Frankl, que demonstrou mais de uma vez que, embora sendo um
Dimensão corporal Siruação Sistema de defesas do
(somática) imunolágica organísmo contra
efeito concomitante de um agir com sentído, o prazer não pod*e
doenças ser obtido intencíonalmaznte por meio de um agir com sentido .
Ninguém vai a um exame preventívo para depois sentir uma
“sensação agradável”. Quando vai, certamente é por compreen-
der que com isso pode prevenir doenças mais se'rias. Também
Não possuindo a capacidade espiritual correspondente, o
diñcilmente alguém faz doações para a África a ñm de depois
comportamento do animal é regido por instintos, sendo o ele-
experimentar uma sensação agradáveh mas faz doação para
mento regulador o prazer. Na esfera animal o prazer funcíona mitigar a fome na África. O sentido não é um meio para o ñm,
como o ñm regressivo que leva o indivíduo a fazer o que para
ele contém o fim em si ou então deixa de ter sentido. Se alguém
ele tem sentido - mas de cujo sentído ele nada sabe -, p. ex. efetivamente for fazer um exame médico por causa do prazer,
procurar alimento, escolher um parceiro sexuaL ou deitar-se ao ele é um doente, p. ex. um masoquista, ou se acontece alguém
sol para aquecer-se. No homem, naturalmente, também existem dar dinheiro para satisfação própria ele é também um anormaL
as experiências de prazer, mas ele não é “regido” por elas, uma portador. p. ex., de um irracional complexo de culpa, ou vítima
vez que tem condições de apreender o sentido de uma coisa e de de um tique nervoso de ajuda.
agir de acordo com este sentido, em certas círcunstâncias até
contrariamente ao que lhe causaria prazer. * Viklor E. Frdnld, Psycholherapiefürdeu Laiem l2' bd'., Frciburg, Hcrdcn l986.
Introduçãa (Viktor E. FrankL Psícoterapia para Iodos. Pcuópolis. Vozcs, l990. hum-
dução.)

50 51
Para a prevenção de crises, isto significa que a perguntaz seu verdadeiro alvo; analogamente, a busca obstinada do prazer
“Que devo fazer para ser feliz?" é uma pergunta mal colocada e da felicidade também só se manifesta onde se deixou de lado
desde o princípia Não existe absolutamente nada que se possa o verdadeiro objelivo da existência humana, onde alguém fracas-
fazer “para ser feliz“, que realmente leve à felicidade. Existe sou em realizar o sentido de sua vida.
apenas alguma coisa com que se pode contribuir para realizar um
Mas o que tem a ver a situação afeliva com a situação
sentido, e que, como um fenômeno concomitante não intencio-
imunológica do homem? Bem, as doenças não se devem apenas
nado e que se manifesta progressivamente, nos faz felizes.
a agentes extemos, como p. ex. aos vírus e bacte'n'as, mas têm
Segue daí que buscar o prazer, a felicidade ou afetos que ver também com fatores biológicos intemos que reforçam
posítivos é um fator gerador de crises, pois isto simplesmente ou reduzem a força de resístência e a defesa do corpo contra os
retha a possibilidade do prazer, da felicidade, dos afetos positi- fatores de doença, e estes fatores biológicos intemos são por sua
vos! Mas isto não apenas é um fator gerador de crises, como vez sensores precisos da evemual disposição psíquica da pessoa.
também é típico da neurose, como o sabemos da psicoterapia,
Pode-se observar a toda hora que pessoas que sofreram um
pois todo neuro'tico, sejam quais forem os sintomas de que sofre,
grande abalo ou passam por grandes perturbações adoecem com
busca exageradamente a qualidade de sua siruaçâo afetiva, seja
mais facilidade que as outras. Mas não é apenas um excesso de
o prazer sexual, seja o sentimento do próprio valor, seja um sono
aflições que pode sobrecarregar a esfera afetiva e com isso a
agradáveL ou seja o que for, ele busca obstinadamente, procura
capacidade de defesa do corpo, mas também uma deñciência de
forçar, e quanto mais se esforça tanto mais piora sua situação
conteúdo na vida. Assim, por exemplo, depois da entrada na
afetiva, Lanto menos ocorre o prazer sexual desesperadameme aposentadoria a monalidade sobe abruptamente, como o com-
procurado, o senlimento do próprio valor de que tant*o ele sente provam as estatisticas.
falta, ou o Lão ansiosamente esperado sono reparador .
A sobrecarga e a pressão do trabalho nào sào, portanto, os
A busca exagerada de uma situação afetiva positiva é muito
critérios exatos para o desencadear de doenças físicas, como
difundida hoje. Vivemos na era da “compulsão da felicidade“, muitas vezes se acredita. Trata-se antes da questâo de como
isto e', onde se tenta de toda maneira manipular artificialmente
experienciamos o sentido da própria atividade. Quando se tem
os sentimentos, seja colocando narcisisticamente o próprio corpo que trabalhar sob a pressão da falta de tempo e com muito
no centro de toda atividade criativa, para por assim dizer explo- dispêndio de energia, mas se sente que o trabalho tem sentido,
ra'-lo como fonte de prazer permanente, seja interferindo díreta- não ocorre nenhuma deterioração da situação afetíva e, por
~

mente nos sentlm'entos, exacerbando~os por meio de substâncias conseguinte, também não piora a situação imunológica. Não é
químicas Ievadas ao organismo para modificar o estado de suas em vão que se tem dito que médicos e voluntáríos que estão
imagens psíquicas, ou por fim deixando-se seduzir por promes- convencidos da importância do seu trabalho podem passar anos
anu-_u-»

sas ideológicas ou sectárias de felicidade de toda espécíe, que e anos sob as condições mais difíceis em postos avançados longe
prometem tranqüilidade, iluminação e, nào em último lugar, a da civilização ou mesmo em leprosários, sem que adoeçam
-m

entrada numa nova era, contanto que a pessoa se comprometa Valendo também o inversoz um trabalho que é experimentado
com a “nova religiosidade” oferecida. Viktor E, Frankl compara como carente de sentido causa frustraçâo, e por mais “cômodo”
este esforço mais ou menos inúlil a um bumerangue que volta que seja, ele põe em risco a saúde do trabalhador.
para quem o atirou e o abate, mas só quando deixa de acertar o

* Vllvaor EA ankL Dle Psyclmlherapie iu der Prax15', S'- cd., Mun"chcn, Pipcr,
I986, I_›. 525.

52 53
Umfracasso na realização do sentido experiência de sentido dos m'div1'duos volatilizou~se, os slm'bolos
(que signiñca um rísco para a realização e os ritos por eles manuseados ñcaram esvaziados de sentido.
especiñcameme humana)
Ákvmvxh ú

Citaçãoz “Depressão anômica é uma neurose noogênica no sem-


tido de FrankL tendo como sintomas característicos
deteriora a situação afetiva
um estado disfórico de frustração existencial com in-
(aumenta o risco de doença psíquica)
tensos sentimentos de desânimo, humilhação e auto-
desvalorização, acompanhados da perda de oriemação
deteriora a situaçãa imunológica
e da identidade cultural. A depressão anômica é muitas
(o que aumenta o risco de doença física).
vezes camuñada por males somáticos ou por um com-
Vemos que o bem-estar do corpo e da alma do homem portamento agressivo sob efeíto do álcool. Sofrer de
possui não pequena relação com sua aütude espíritual perante a depressão anômica signiñca sofrer por não e*nxergar
vida e suas exigências - ele contribuí para determinar o surgi- conteúdo na dimensão sócio-cultural da vida.“
mento e o desenrolar das doenças, mas também para manter a
Como uma séria conseqüência da perda de valores e da
saúde e detetminar o decorrer da vida.
crise de sentido foram observadas a “somatização” (= morrer por
E a “crise por excelência“ é aquela “frustraça'o existencial" motivos insigm'ficantes) e a “ação agressiva (= matar~se um ao
(Frank1) relacionada não apenas com um trabalho frustrante ou outro por coisas ínsigniñcantes), o que demonstra que tanto nas
com uma parceria frustrante, mas que acompanha a convicção civilizações de técnica avançada como nas túbos indígenas vale
subjacente de uma pessoa de que, no fundo, a vida não tem o mesmo príncípio básico primordial da natureza humanaz
sentido, ou não tem mais sentido; convicção esta que o armsta à
Umfracasso da realização de sentido
autodestruição, sob qualquer das máscaras em que elacostuma (p. ex. pela perda de valores sócio-culturais)
ocultar-se.
As relações apontadas aplicam-se não apenas à modema deteriora a situação afetiva
sociedade industriaL que se encontra atualmente numa “frustra- (p. ex. sob a forma de inclinação para o vício e agressividade)
WWW

ção existencial” coletiva que a impele à infeliz “compulsão da


felicidade". Aplicam-se igualmente aos povos de lodas as cultu- deteriora a situaçâo imunológica
=_ ,_ .,

ras. O casal Wolfgang e Louise JlJe'k, ambos professores da (p. ex. sob a forma de achaques somatízados)
Universidade da Columbia Britânjca em VancouverlCanada', Em nossa esfera culturaL a depressão anômica também não
realizaram importantes pesquisas a esse respeito entre os índíos é desconhecida. Ela ocorre com mais freqüência principalmente
MA

norte-americanos ( 1980) e entre as populações de Papua-Nova com pessoas de mais idade, quando atingidas pela mudança de
Guiné (l984), chegando à conclusão de que as mencionadas
4 . ._4

valores de uma época em rápida mutaça'o, de forma semelhante


tribos, pela modemização ocidentalizante, sofreram uma perda
.4-› -.s=v

aos indígenas atropelados pela modernizaçãa Acrescente-se a


de seus valores tradicionais e culturais, o que as levou a uma
r›- .

ísto o fenômeno muito comum de as pessoas decaírem física e


depressâo anômica Estes povos não conseguíram assun'ilar as psiquicamente após a perda de suas tarefas proñssionais e fami-
idéias estranhas que lhes foram propostas como ideais ou como liares. Em nossa esfera cultural isto ocorre quase sempre com os
substitutivos de seus próprios ideais perdidos, e mesmo os bens
e as técnicas recém-adquiridas não conseguiram compensar essa * Jilck W. G. c Jilck-Anll L., “lniliau'ou und Sinntfuduug-Beobachmngeu in
perda. Púvados de suas idéias de valor e de seus ideais, a Papua-Neuguinea ", cm “Loga!l1erapic "_ rcvisla da Socicdadc Alcmà dc Logolcmpia,
ano 1,n*2, 1986,p. 184.

55
homens após o encerramento de sua atividade proñssionaL com mente divexsa, como a de ser o imcio de uma nova mas não menos
r*u~_ rvw_\r~

o assim chamado “choque da aposentadorl'a“, e com as mulheres pleniñcame etapa da vida.'


com a entrada dos filhos na ídade adulta (“síndrome do ninho
vazio“) ou com a entrada na menopausa (“choque do climaté- normal l l
___H*_.Vida Vída nonnal recslruturada
. _.

rio“).
ocorr\/ência
Na realidade, nem a aposenladoria nem o desencargo da
matemidade ou o climatério são em si mesmos a causa do
choquez tudo isto faz parte dos estágios naturais da vida, que
possuem seu lado bom. É uma teoria errada acreditar que estas
ocorrências têm que provocar forçosamente um choque ou de-
sencadear uma crise nas pessoas que as atravessam Levando este aspecto em consideraçào, toma-se compreen-
.v vuñvWMA

sível que na logolerapia a ênfase da prevenção de crises não


___H_____Vida
nomml Crise (com ou sem manifeslação de doença)
esteja colocada no lidar com as "experiências traumáticas" nor-
y
/ mais, tais como a "elaboração psíquica" da aposentadoria ou do
Í ocorrênci\/acom
y começo do climatério, mas muito mais em ajudar a encher de
efeito de choque
sentido a etapa da vída posterior à ocorrência, disto dependendo
em última instância como esta ocorrência irá ser valorizada mais
tarde.
De Viktor E. Frankl procede a notável observaçào de que
a consciéncia de Ier ainda uma mrefa a cumprir possui o efeito
Na realidade, o vazio de sentido e a falta de realizaçào que
segue-se a uma detenninada ocorrência evoca a crise na pessoa, de prolongar a vida e prevenir doenças.
com o que esta ocorrência passa a ser considerada o “início de Observação esta que possui igual hnportância para homens
uma crise“, ou mesmo o fator “desencadeante da crise”. e mulheres. Para a pessoa de mais idade quase sempre é irrele-
vame se uma tarefa desse típo traz ou não lraz lucro, se é
______|_›_-_____1Vida
nomlal Crise (com ou sem manifestação de doença) remunerada, ou se é de outra maneira reconhecida. O que importa
é unicamente que, “por mais idoso que seja, desperte nele o
sentimento de es*tar aí para alguma coisa - para alguma coisa ou
ocorrén\/cia
alguma pessoa." O que impona é que oriente esta pessoa para
um objetivo que mereça ser por ela assumído, que evenlualmente
necessite de sua ajuda para ser melhorado, e com isso ela deixe
de estar voltada unicamente para os próprios estados físicos e
psíquicos, que em vista da idade estão sujeitos a uma crescente
deterioraçào.
Se, ao invés, depois da ocorréncía aquela fase da vida
receber novo conteúdo, o que se dá junto com uma reoñentação
e uma reestruturação nos objetivos dessa pessoa, então a ocor-
rência receberá retrospectivamente uma qualiñcação inteira- * Viklor E. l~'rankl_ Psychorherapiefuer deu Luimh l2"> rd., Frciburg. Hcrdrn
l986,p. 56/57.(Víklor E. Franld,Psicolcmpiapara Iodos. Pclro'polis.V01cs. 1990.p 52)

57
56
No que conceme às mulheres que não têm mais atividade para aliviar por algumas horas as mães superocupadas, brincando
como màes ou como esposas, eis aqui algo que elas poderiam com os ñlhos delas. Para ela trata-se de “objetos" entre seus
levar em consideraçàoz A pessoa que gosta de cuidar de alguém semelhantes, de mães atarefadas e de crianças choramingas, em
com certeza também pmsui um dom para isso, pois em geral a favor das quais ela gostaría de fazer alguma coisa.
geme gosta de fazer aquilo para que está capacitado. Estas
Não estamos interessados aqui no valor moral do ato de
mulheres devem aproveitar este dom, tomando conta de pessoas
brincar com as crianças, num e noutro caso. Enquanto elas
que têm necessidade de algum cuidado. Justamente as mulheres
demonstrarem solicitude, o motivo mais profundo do seu agir
sem ñlhos ou as mães de ñlhos adultos podem assumir o papel
pode ñcar em segundo plano. Mas interroguemo-nos sobre as
de “mães por um dia" ou de babás das cn'anças dos Vizinhos que
conseqüências psíquicas para cada uma. A primeira sentirá uma
de outra maneira haveñam de ñcar abandonadas (ou trancadas
sensação muito agradável enquanto estiver brincando com os
no apartamento), ou vimr crianças de rua; precisamente as mu-
ñlhos dos outros, mas então ela terá que parar, terá que deixar as
lheres que vivem sós e as viúvas é que podem atuar no serviço
crianças com os pais e voltar para o seu lar vazio. Não é de recear
da comunídade, envolvendo-se na ação caritativa.
que aí retome todo o sofrimento de sua solidão, que ela seja
Poís quem senâo elas haveria de preocupar-se com tantas invadída de ciúme pelas mães, de inveja e de despeito, e tomada
pessoas solita'rias, necessitadas de ajuda e de afeto humano, que pela tristeza de um objetivo que nunca poderá alcançar na vida?
vão ñcando pelo caminho como "sobejo” de uma acelerada e
Se for este o caso, o seu estado psíquico há de piorar,
oponunística sociedade de consumo, impondo às nossas organi-
ñcando talvez ainda pior que anles da visita à praça onde as
zações de assistência sobrecargas cada vez mais elevadas em
crianças brincavam; seja como for, o risco de crise aumentou no
pessoal? Quem haveria de ocupar-se com estas pessoas senão
seu caso.
essas mulheres de esplêndidos sentimentos matemais, que ainda
não foram vitimas da nova mentalidade da emancipação mas A segunda mulher, ao inves', brincando com as crianças
mantêm no mais profundo de si mesmas a intuição feminina, de estranhas, faz uma experiência de sentido que pemmneca Ela
par com a humildade simples do verdadeiro amor ao pro'xímo, e possibilitou um pouco de repouso às mães atarefadas, fez as
que desde sempre representaram o elemento de carinho e prote- crianças deixarem de choramingar, trouxe-lhes alegria, foi bom
çâo para tudo quanto busca crescer e desenvolver-se? ela ter estado lá. Ao voltar para casa pode levar consigo a
sensação de ter tido um dia u'til, de haver alcançado o objetivo
É verdade que precisamos distinguir entre uma compen- que a levou a sair de casa. Não se pode alé mesmo imaginar que
sação no sentido negatívo da psico-higiene, que a partir de seja bom ela desfrutar agora um pouco do silêncio de casa, para
motivos egocêntricos impele a buscar substitutivos para a satis- recupemr-se? Seja como for, mesmo o menor indício de uma
fação, e uma compensação no sentido positivo da psico-higiene, ameaça de crise foi afastado.
que a panir de uma abertura para o mundo leva a uma busca do
serviço ao necessitado. Tentando ilustrar isso, consideremos o A primeira mulher queria alegrar a si própria e perdeu a
alegria, a segunda quis alegrar os oulros e ganhou alegria - é
cxemplo de duas mulheres sem ñlhos que vão a uma pmça da
este o paradoxo da felicidade, que não pode ser senão efeito
cidade para brincar com crianças estranhas. A primeira mulher,
concomitanle. Por isso guardemos como uma das teses básicas
tendo-lhe sido negada a felicidade de ter fllhos próprios, gostaría
da psico-higiene: Compensação no sentido negativo aumenra a
de pelo mcnos desta fonna sentir o prazer de brincar com
frustraçâo que pretendia compensar, compensação no sentido
crianças. Seu motivo é melhorar o seu próprio estado psíquico,
posizivo neutraliza a frustraçáo, aumenlando a realizaçâo do
ela está à procura de satisfação. A outra mulher considera que,
sentida O “negativo" ou “positivo", como já foi dito, nào é para
livre e desvinculada de deveres familiares como ela e', tem tempo

58 59
ser julgado do ponto de visla moral mas do da psico-higiene,
embora todas as íeorias morais das culturas humanas estejam
_

basicamente de acordo, pois trata-se de um antiqüíssimo tesouro


da humanidada A saber, que mais que qualquer orientação
,

egocênlrica faz bem ao homem o orientar sua vida para ter um


_

sentida O homem como “ser que decíde”


= 4

Para encerrarmos o tema “mulheres", guardemos na mente


_4

o seguime, que alude ao titulo de um best-seller: Nem todas as


_.v

mulheres “amam demais", muitas amam de menos, e muítos


.~. . _-

amam na medida certa Foram estas últimas as que descobriram


.4 ;4.

o segredo da felicidade

Chegamos ao conhecimento de que uma compensação no


sentido positivo atua no sentido de mitigar e prevenir crises, o
que pode ser de importância principahnente para as pessoas que,
por natureza, são inclinadas a reações vegetativas ou neuróticas
exageradas. Mas esta compensação no sentido positivo supóe
uma decisão interior, o “sim” interior à realização do sentido, e
por isso queremos voltar-nos, no que segue, à capacidade de
decisão do homem, à sua “capacidade de dizer su'n”.

Citaçãoz A base psicopálica-constitucional da neurose e', portan-


to (do ponto de vista pedagógico e terapêutico), per-
feítamente capaz de ser compensada. Como também a
neurose talvez não seja outra coisa senão um “fenóme-
no de descompensação", a descompensaçào de uma
“c0nstituiçâo insuñciente” (Emest Kretschmer). Em
certas circunstâncias pode tratar-se de pôr à disposiçào
do doente, através da logoterapia, aquele apoio espiri-
tual paniculamlente firme que o homem sadio comum
precisa menos, mas que o homem interiormente inse-
guro necessita com urgência, justamente para Compen-
sar a sua insegurança. Uma vez na vida todo psicopata
x

encontra-se na encruzilhada desta decisão enlre dispo-


síção branda, por um lado, e por outro o fato de ela
tomar forma como psicopatía propriamente dita. Antes
Í ÊTÁÂ

desta decisão talvez ele nem possa ser considerado


Jz
zmav
~á,._ ._

61
60
_
ííip
_
como psicopata. Aquilo de onde nasce, pode nascer, Ação Atilude
mas não tem forçosamente que nascer sua psicopatia,
poderíamos denominar, em vez de psicopatia, de “psi-
~

colabxlldade
v ,,*

. ^^
Potência Ato Hábito
Uma veZ na vida todo psicopata está colocado diante desta
Vhábito /
encruzilhada... Esta tese da psiquiatria pode ser generalizada e do que
ampliadaz Sempre de novo na vida o homem normal e sadio setornou
encontra~se na encruzilhada de uma nova decisão, ou seja, uma
decisão sobre si próprio, sobre a pessoa para a qual ele está Se alguém, por exemplo, viajando no seu carro debaixo de
evoluindo. Não apenas o homem age de acor*d*o com o que é, mas uma chuva torrenciaL vê à beira da estrada um homem idoso
também ele será como a sua maneira de agir! . Viktor E. Frankl enfrentando a chuva sem proteção, caso elejá haja adquirido uma
deñne a ação como sendo a “transferência do possível ao real”, atitude fundamentalmente altruísta, será muito natural que pare
de uma “potência“ nasce um “ato“. para dar uma carona a esse homem Para isso não se fez neces-
sária nenhuma decisão difíciL porque a atitude correspondente,
Açâo
baseada em muitas decisões prévias ocorridas ames, indica de

^
maneira clara e direta o rumo da ação. Mas se, ao invés, até então
0 motorísta esteve habituado a uma atitude indiferente para com
Potência Ato o próximo, não será natural que ele ofereça carona ao homem
que está se molhando na chuva. Pode até facilmente acontecer
Quando muitas vezes se agiu da mesma maneira, o que que ele nem pense no caso e simplesmente nem veja a pessoa
pressupõe que muitas vezes se decidiu da mesma maneira, surge que se molha caminhando à beira da estrada.
uma detexminada atitude na pessoaz o “an ” transformou-se em Mas também pode acontecer algo diferente, uma coisa
“hábito nova. Talvez pela primeira vez na vida o motorista se mostre
prestatívo, domínando suas inclinações, e, por mais estranho que
Ação Atitude isto lhe pareça, ele pare para abrir ao homem a porta do seu carro.
Ao fazer isto, sua atitude indiferente sofreria uma modificaçâo,

^^ ele próprio iria mod1'ñcar-se. Vemos que, embora da ação resulte


a atitude, não é obrigatório que da atitude resulte a aça'o, qual-
Poléncia Ato Hábito quer que seja a atitude sempre é possível uma nova ação!

A partir desta atitude determinada muitas vezes age-se da De acordo com isto, as decisóes do momento determínam
mesma maneira, sem que cada vez tenha que haver uma nova a evolução de uma pessoa, mas a partir daquilo que a pessoa se
decisão; a atitude representa como que o conjunto das decisões tomou sempre são possíveis novas decisões. É este o milagre de
prévias já tomadas. todo crescímento e de toda curaz por mais deñciente que seja o
desenvolvimento de alguém, através da tomada de novas deci-
sões do momento ele pode avançar a um novo degrau do seu ser
* Vlhor ankL Thearie uud Therupie der Neurosem 5l od., Mun"chcn,
RcinhardL UTB 457, 1983_ p. 131. homem.
** Vikmr E. Frankl', “Der leidende Mensch ch, Hubcr, 2' cdição l975, p.
20~1.

62 63
ação atitude
reatou velhas amízades e voltou a tomar conta da casa normal-

^^
potência ato hábito
mente. Ela estava considerando se não deveria voltarnovamente
a trabalhar. “Do contrário me sentirei uma inútil", dizia ela. Eu
apoiei este propósito, pois do ponto de vista terapêutico parecia-
me indicado e necessário ela envolver-se novamente no processo
no¡
de trabalho, que tivera de abandonar por causa das doras de
cabeça pen'o'dicas.
Alguns meses antes de termínar sua licença para tratamento
Do que ñcou dito conclui-se claramente que faz parte do
de saúde, encorajei-a a procurar trabalho em alguma ñrma, e ela
especiñcamente humano, da dimensão noética do homem, poder
chegou a apresentar-se algumas vezes, mas sempre, do seu ponto
tomar decisóes. Este poder-Iomar-decisóes inclui executar 0 que de vista, havia um obstáculo. Ou o salário era pequeno demais,
foi decidido, pois quem nào executa sua decisão (não a transfor- ou 0 local muito distante, ou ela não se achava capaz de enfrentar
ma em açào) a anula de certa forma. Evidentemente, como ñcou
as tarefas. Por último ela simulou ao seu médico de conñança
explicado, uma nova decisào pode tomar o lugar de uma decisão uma grande depressão a ñm de movê-lo a prorrogar seu atestado
antiga, mas o simplesmente-deixar-de-executar de uma antiga de incapacidade para o trabalho, mas o médico não se deíxou
decisão ainda não é uma decisão nova. Toda decisão precisa de envolver. Em nossa próx1m'a convexsa pergunteHhe direlamente
um motivo a favor, um motivo contra não é suñciente, o que se ela havia decidido assumir de fato ao menos um emprego
deverá ser explicado mais adiante. como diarista. Expliquei~lhe que ela estava com bastame saúde
Por enquanto basta que ñxemos uma coisa: Deñmmos a para isso e que o que aínda lhe faltava em estabilidade psíquica
crise como sendo “um n'sco para o poder-ser-homem especíñ- haveria de vír logo que ela se reintegrasse ao processo de
co", e como faz parte do especiñcamente humano poder decídip trabalho, e que isto ocorreria juntamente com um aumento de sua
se, e isto não apenas proforma, mas com todo o seu Eu, quase autoconsciência e independência. Ela reclamou do meu ceticis-
sempre uma crise séria vem acompanhada de inseguranças, mo e garantiu-me que tinha a intenção sincera de ganhar o seu
fraquezas, bloqueios de decisóes, das decisões da boca para fora, próprio sustento.
como se diz. A começar de que o homem psiquicamente doente Desde então passaram-se dois anos. A mulher nâo está
inevitavelmente tem que tomar uma verdadeira decisão afavor trabalhando, nem está mais procurando emprego, aliás ela recu-
da recuperação da sau'de, se nào quiser pennanecer doente. Mas sou até várias ofertas da repartição de trabalho porque nenhuma
também o homem psiquicamente sadío tem que se decidir por lhe servia. Eu encerrei o tratamento. Financeiramente ela está
uma añrmação da vida, do contrário, diante de qualquer obsta'- sendo sustentada pela previdência, de resto está criando em
culo, ele cairá no desespero. escala crescenle um mundo isolado e distante da realidade, e suas
dores de cabeça estão retomando com freqüência cada vez maior.
Exemplos de minha clínica psicoterápica
l Uma mulher de meia idade eslava em tratamento comigo 2 Um homem estava fazendo terapia de grupo comigo. Sua
pre'-histo'ria caraclerizava-5e por grandes problemas no terreno
por causa de dores de cabeça psicossomáticas tensionais, ao
da convivência, que puderam ser superados. Ele nn'ha cerca de
mesmo tempo que tomava medicamentos homeopáticos. As
60 anos de idade e possuía uma pequena galeria de arte, que
dores dc cabeça diminuíram sensivelmenle. Depois que passou
estava indo razoavelmente bem.
a sentir~se melhor, ela empreendeu todo tipo de atividades,

64 65
Certa vez ele contou no grupo que seu grande desejo era Perguntemo-nos: Quando alguém diz que tem a intenção
editar um livro sobre “pintura primitiva“. Mandara reproduzir sincera de ganhar seu próprío sustento mas deíxa passar 2 anos
para impressão uma série de quadros deste gênero com valor sem fazer nada para consegui-lo, isto é resisténcia comra seu
artístico e só lhe faltava redigir algumas linhas de explicação conselheiro que o encorajou a procurar trabalho? Ou quando
sobre a origem e o assunlo de cada quadro. Era uma coisa fácil alguém diz que quer separar-se deñmtivamente do seu parceiro,
para ele, já que a maioria dos artistas ele conhecia pessoalmente. mas permanece anos e anos com ele, embora conte com o pleno
Mas o que ele achava difícil era ter a coragem de iniciar o apoio do seu círculo de conhecidos para realizar o divórcio, isto
trabalha Os outros componemes do grupo procuraram conven- é resisténcia contra o ambieme?
cê-lo a iniciar o trabalho de qualquer jeito, pois nunca se sabe A resposta é: Infelizmente não. É antes a resistência da
quanto tempo a gente ainda tem para realizar um projeto desta pessoa contra seu melhor saber e sua consciência! E isto é
'natureza. Deram~1he até várias dicas para enganar a preguiça. tra'gico, pois como é que uma tal pessoa enxerga-se a si própria?
Entretanto, já se passaram vários anos e o homem até hoje Não se vê ela forçada a desprezar-se no mais íntimo de si, a nào
não conseguiu superar a preguiça, e diñcilmente seu grande conñar nela mesma? Todo o tempo ela trama comra o seu próprio
desejo irá se tomar realidade um dia. De lá para cá os processos Eu, e isto, do ponto de vista da psico-higiene, é muito pior do que
de impressão foram modiñcados e provavelmente seus quadros se, na realídade, ela não quisesse trabalhar ou não quísesse
teriam que ser fotografados outra vez, mas como muitos deles divorciar-se, e apenas estivesse enganando as pessoas do seu
foram vendidos há muito tempo seria um empreendimento difícil ambiente. Se ela realmente quisesse trabalhar, se realmente
visitar os diversos compradores e conseguir deles autorização quisesse divorciar-se e não o ñzesse, isto seria uma coisa que só
para fotografá-los. A chance de o planejado livro vir a ser inleressaria a ela! Ela decide comra sua própria decisão, que
publicado é cada dia menor. 'continua a valer porque não foi substituída por uma decisâo nova.
Porém, uma decisão que foi tomada apenas comra alguma coisa
não é uma “decisão intencional", isto e', não nasce da “vomade
3 Uma mulher é casada com um noruegues^ _e tem tres^ ñlhos. de sentído”, mas de outra vontade, talvez da vontade do prazer,
O marido é alcoólatra, só trabalha como diarista, gasta com do comodismo, do menor esforço, e assim, em última análise,
bebida quase tudo quanto ganha, tiraniza a família e a deixa flca uma vontade contra a outra.
passando necessidade. A mulheré conhecida em todos os postos
de servíço social e instituições caritatívas por comparecer a eles
a intervalos regulares dízendo que agora vai separar-se deñníti- Decísão por alguma coisa Decisâo comra alguma coisa
vamente porque nào agüenta mais o marido, e pedindo auxílio
para ela e para os filhos. Cada vez o auxílio é concedido, mas, é uma “decisão intencional" Não é uma “decísão intencional"
quando se trata de efetuar o divórcio, loda vez ela volta atrás.
nasce da “vontade de nasce da vontade do poder, do
Sempre de novo volta para o marid0, aqui acolá ñca grávida, faz
sentido” prazer, do comodismo etc.
aborto justiñcando-o pela situação de necessídade, jura que não
quer mais saber do marido, e no entanto permanece com ele.
Por isso, guardemos mais uma das teses fundamentais da
Não quero aprofundar-me na problemática mencionada
Psico~higienez Quando na esfera voluntária nâo predomina a
nestes casos, mas apenas fazer uma constatação básicaz a de que
“vontade do sentido "facilmente chega-se âs decisões da boca
uma decisão tomada com uma certa orientação, ponanto por uma
parafora ( = "decisões intencionaís " que não são executadas),
coisa que se reconhece como possuindo sentido, e que então não
o que leva a crises permanentes.
é mantida, leva a uma “crise de pennane^ncia”.

67
66
"forças psiquicas" Dimcnsão "funçoes' psiquicas"
3 Que intencionava a mulher que queña dívorcíar-se do
(seg. Rohracher) noética (seg. Rohracher)
marído alcoólatra? Ela sempre alegava que tinha obrigação de
oferecer a seus ñlhos uma vida organizada, com refeições regu-
lares e sem brigas dentro de casa. Evidentemente, a intenção dela
Inslímo n Reconhecíme<nto Percepção era um clima de harmom'a para educar os ñlhos, que para ela
Sentimento > wm/ dg do Memória eram os “objetos intencionais" para os quais ela estava orientada.
(Vonlade) ,/ Senhdç Sentido (Pensamento)
O comportamento destas tres^ pessoas não correspondeu de
forma adequada à orientação de cada uma, e por isso foram elas
as que mais sofreram com o resultado ñnaL Como isto pode ser
Decisões Reâüzação evitad0? A “vontade de sentido" pode ser fonalecida? Infeliz-
“da boca para fora“ d/ose^tni\do mente isto só é possível numa escala limitada. Frankl escrevez A
Uma dominância do psíquíco sobre 0 noélíco questiona a capacidade
“vontade de sentido' é um ato intencional que não pode ser
eSpecíñca de ser~homem e leva a cn'ses existenciais, pois a realização de intencionado nele próprio. P*ara que ela possa ocorrer é preciso
sentido cone pen'go. que lhe seja dado um objeto”

Devemos o conhecimento da “intencionalídade dos fenô- I us O “homem“ como sujeito

menos humanos“ a Viktor E. Frankl, que por sua vez apo'ia-se II s^ percebe um objeto
\ \./
em trabalhos de Franz Brentano e Edmund HusserL Este conhe-
F. int.
cimemo añrma que os fenômenos humanos, particularmente as III iQs e o objelo percebido desperta u.m
decisões humanas, sào ordenadas e orientadas cada qual para um “fenômeno intencional" no sujeito,
com o que o objeto passa a ser um
“objeto intencional", sendo que *o sentido e os valores são “ob-
“objeto intencional“ para este sujeita
jetos intencionais" desta espécie . Consideremos mais uma vez
sob esse aspecto os exemplos de minha clínica psicoterápicaz Frankl chega mesmo a añrmar que “e' só pela intencionali-
l Que é que a mulher que queria voltar a trabalhar depois dade, pela ordenação e orientação aos objetos imencíonais como
da doença intencionava? Ela dizia: “Senão sentir-me-ei uma objetos próprios, que o sujeito se demonstra como sujeito“.
inútil”, ela íntencionava um aproveitamento de seu tempo livre Mas quando um homem decidiu-se por um objeto como seu
que tivesse sentido, queria ser útil para alguma coisa. Esta “objeto intencional", mas nào leva avante sua decisão, então ele
“alguma coisa” era o objeto 1n'tencional para o qual ela se perde de vista 0 seu objeto.
orientava ^
I ds F. int. Uma “decisão intencional" (por
2 O homem que queria publicar uma obra sobre “pintura alguma coisa ou por alguma pessoa)
prlmlítivaÉ que é que ele intencionava? Ele queria, antes de
morrer, transmitir um pouco dos seus conheclm'entos, que mes- II ÇDS F. ínL reduz~se a uma decisão de boca, se
mo depois de sua morte deveriam permanecer conservados para se perde de vista o objeto

as pessoas que se interessassem por “pintura primitíva”. Eram


III ,@ com o que lemlina desaparecendo
estes parceiros artísticos, ou a posteridade nisto interessada, que também o "fenômeno intencional".
constituíam seus “objetos intencionais", para os quais ele estava
on'entado.
* Vihor E. ankL Der Wille zum Silm, 3-' odn ch, HubcL 1982, p. 164. * Viklor E. lekL Der Wille zum Siun, 3' cd., Bem, Hubcr, l982, p. 183.

68 69
O sujeito não pode mais añnnar-se como sujeito, o que
2 e 3 O mesmo vale para o homem que pretendia redigir os
contradiz ao seu ser-homem. Como é possíveL então, ajudar uma
textos para o livro que planejava escrever e para a mulher que
pessoa, ou como é que devemos trabalhar conosco mesmos para
que as decisões que têm sentido sejam levadas adiante? Só existe desejava modíñcar sua situação de vída. Com ele devia-se falar
uma u'nica coisa qlle podemos fazerz manter espiritualmente do livro em si, com ela do desenvolvimento de seus ñlhos. É
verdade que um tal procedimento não é fa'cil, porque na entre-
preseme apercepçao do objeto. O “objeto intencional” não pode
ser perdido de vista! vista este tipo de paciente gosta de sair do tema propriamente
dito, do “objeto intencional”, para voltar a falar de si próprio.

OIhemos mais uma vez os exemplos de minha clínica psicotera'-


pica: A seguir um caso de aconselhamento onde os conhecimentos
logoterápicos apresenradosforam posros em prática de maneira
1 Com a mulher que queúa voltar a trabalhar não se deveria
conseqüente e com bons resultadosz
discutir o que o trabalho pode trazerpara ela, p. ex. em estabili-
4 Trata-se de uma mulher jovem, estudante de música e
dade psíquica, independência ñnanceira ou reconhecimento por
composição. Como trabalho final ela tinha que elaborar uma
parte das outras pessoas Todos estes efeitos estão relacionados
ampla peça orquestral e escrever a partitura da mesma. Ela tinha
com o sujeito. Devia-se antes falar das possibilidades de sentido
na cabeça um esboço para a composição, mas ia constantemente
do trabalho em si, isto é, argumentar com relação ao objeto.
protelando o escrever a partitura, com receio do imenso trabalha
Mostrar, por asslm' dizer, como o trabalho dela poderia contribuir
Por essa época acabou-se a sua bolsa de estudos e o professor
para modiñcar positivameme o mundo, mesmo que se trate
começou a ñcar 1m'paciente. Além disso, ocorreram atritos pes-
apenas de uma parte muito pequena do mundo.
soais que aguçaram ainda mais o drama que se iniciava. Ela
Observaçãoz Argumentos relacionados com o sujeito não sentiu-se extremamente infeliz, e como que paralisada em sua
são eñcazes pelo simples fato de que o trabalho também exige produtividade, pelo que procurou-me para pedir conselho.
esforço e fadiga, que precisam ser primariamente ínvestidos para Recomendei-lhe que não se preocupasse por enquanto em
que eventual e secundañamcnte se possam reaver ganhos. Tudo forçar a escrita da partitura, mas que ao inves' deixasse o trabalho
que tem valor tem seu preço. repousar por uns tempos. Mas eu estava interessada no esboço
musical que ela tinha na cabeça e pedi-lhe que o escrevesse para
Paga~se um preço Realização mim. Conversamos durante horas e horas sobre as diversas partes
de valor de sua peça orquestral e o que cada parte pretendia expressar.
Recordo-me ainda que um motivo de oboé fora concebido como
o núcleo central da composição e que este motivo deveria ressoar
nas mais diferentes variantes, a que os outros ínstrumentos
faüam eco.

Durante seis meses nos encontramos regularmente, e nem


Se argumentarmos a panir do sujeito, com a possibilidade
uma úníca vez perguntei à estudante se ela já havia escñto
de se obter um lucr0, o resultado é um balanço de perda/lucro
qualquer coisa. Apenas encorajei-a a aprofundar~se nos detalhes
para aquela pessoa, no qual o preço deve ser pago a) antes e b)
da composição, que também para mim ganhavam forma mais
com certeza, enquanto que o lucro a) só virá mais tarde e b) é clara a cada dia que passava. Um dia ela compareceu à nossa
m'certo, um balanço claramente negativo, que bloqueia a decisão. entrevista com uma flta cassete onde havia gravado os motivos

70 71
de sua peça musical, reproduzidos ao piano. Ela quexia que eu
ou deve fazer, mas não o faz. Se o “conhecimento do semido"
pudesse fazer uma idéia ainda melhor destes motivos. Para isto,
não estiver bem desenvolvido, a pessoa, ao ínves', não reconhece
porém, ela teve que escrever as melodías em notas musicais, para
qual o valor supremo a ser realizado numa situação de escolha.
que pudessem ser tocadas ao piano. E veja só: a panir deste dia
Ela fíca então sem saber o que é que quer ou deve fazer.
“quebrou-se o gelo“, ela mergulhou na escrita, e em poucas
semanas toda a composição estava pronta. Seu professor ñcou
tão entusiasmado com o resultado que fez a peça ser apresentada
Situação ínicial
publicamente por uma orquestra. Querer o que tem sentido,
Sem dúvida alguma um importante elemento para a pre- AH pagando o preço
venção de crises é reforçar a capacidade de decisão da pessoa. Pr
Disto faz parte uma dominância da “vontade de sentido" sobre Pr
Reconhecer o que tem
outros processos voluntários, dominância esta que, como ñcou
explicado, depende da maneira como a vontade se oñenta para v sentido, sob a fonna do
valor mais elevado
o objelo, bem como da capacidade da pessoa para o “conheci- v
memo do sentido”.

(A percepção do semido antecede o querer o sentido, mas


Esquema de uma situação de escolha e decisão o querer o sentído é indispensável para que ele seja
realizado.)

Situação inicial

Citaçã0: '“Uma fraqueza original da vontade não exíste; é verda-


AH
de que a força de vontade é personalizada pelo neuró-
Pr Pr tico, mas ela não é uma coisa estática, dada de uma vez
Pr
por todas, antes é função, conforme o caso, de um claro
í:JV conhecimento do alv0, de uma decisão honesta e de

v J v
__ DV um certo treinamento. Enquanto a pessoa cometer o
erro de, antes mesmo de tentar, ficar a imaginar cons-
tantemente que a tentativa irá fracassar, ela de fato não
Toda possibilidade de escolha (na medida em que passe a
poderá ser bem sucedida, já pela simples razão de que
ser considerada em termos concretos) orienta-se para a
realização de um valor, e esta realização sempre tem não gostamos de ser desmentidos. Tanto mais impor-
lambém um preço a ser pago. tante é que ao formular interiormente um propósito
seja excluído de antemão todo contra~argumento apa-
rentemente facultativo; quando alguém diz para si
Uma decisão ideal do ponto de vista psico-fu'giên1'co é uma próprio, p. ex.: “Eu não quero beber”, deve-se contar
decisão pelo valor mais elevado, incluindo a prontídão para que logo irá surgir todo tipo de objeção, como: “- mas
pagar o respectivo preço. Se a “vontade de sentido” não domina, não tem jeito", ou: “- de qualquer forma não vou
o preço necessário para a realização do valor mais elevado conseguir“ etc. Contudo, se a pessoa dissesse de ma-
escolhido não será "pago”. A pessoa sabe então o que ela quer

72 73
neira simples mas repetida: “Não se bebe mais - e nãg
adianta discutir", ela teria tomado o caminho certo.“
Deste texto, de muitas formas esclarecedor, conclui-se o
que é que Frankl consídera como sendo a função da força de
vontade e da capacidade de decisãoz
l. Um claro conhecimento do alvo (= “conhecimento do senti- Quem escolhe assume responsabilidade
do"),
2. uma decisão honesta (= “vontade de sentido"),
3. um certo treinamento (e' aí que estão as chances para a
prevenção e terapia).
Até aqui ocupamo-nos com a “vontade de sentido” como
“alo intencional", e vimos qual poderia ser a feição de um certo
treinamento para favorecê-la, ou seja, para manter sempre espi-
ritualmeme presente o seu “objeto intencional”. Voltemo-nos
Existe um provérbio que dizz “Quem não sabe para onde
agora para o “conhecimento do sentido“.
quer ir, vai dar onde não quer." Há muito de verdade neste
provérbio. Constitui uma condição indispensável para se consi-
derar alguém adulto e responsável que ele saiba o que quer.

A seguir mais dois exemplos da minha clzn'ica psicoterápica, que


dão 0 que pensar:
5 Uma ex-professora de dança procurou-me em busca de
conselho.
Ela aprendera por uma determinada escola e me'todo, e mais
tarde não conseguiu adaptar-se a um método um pouco mais
modemo exigido pela escola em que trabalhava, pelo que veio a
perder o emprego. Freqüentou depois diversos cursos, como
retórica, corte e costura e autoconhecimento, experimentou uma
coisa e outra, mas não concluiu nenhum curso de formação
suplementan Vivia de uma pequena herança de seus pais, que
aos poucos foi se acabando. Que é que ela devía fazer?
Refletimos em comum sobre as possibilidades que lhe
pennaneciam abertas em termos de sentido. Aulas de dança para
crianças, ginástica para gestantes, emprego domes'tico morando
com a família e babá de cúanças foram algumas das possibilida-
des discutidas. Mmh'a proposta foi que prlmeiramente ela deveria
* Viklor E. FrankL Àrzrliche SeeLmrge, 105 edq Wicn, Dculíckc, 1 982, p. 100. informar-se nas faculdades populares e nos centros de formação

74 75
familiar se existia interesse em sua colaboração. Quando ela pnm'eiramente havia outra decísão a ser tomada: não entre a
retomou, não havia procurado informações mas apenas ajudara mulher e a amante, mas entre sustentar esta relação dupla ou
provisoríamente em casa de uma vizinha. Discutimos que ela modiñcar o estado de coisas. Só quando ele realmente estivesse
teria que esclarecer a essa vizinha que o que ela procurava era decidido a modiñcar o atual estado de coisas é que se poderia
alguma coisa mais permanente, mas quando a ex~professora de perguntar se ele queria separar-se da mulher ou renunciar à
dança retornou à terapia ela já havia deíxado a vizinha há muito amante.
tempo e inscrevera-se num curso de meditação. Depois que O homem concordou, mas, embora reconhecesse que a
concluísse este curso ela planejava conseguir alunos de dança manutenção de sua relação dupla signiñcava uma carga insupor-
atraves' de anúncios. Mais uma vez insísti que ela tinha necessi- tável para todos, ele nada modiñcou, pelo que ñcou sem sentido
dade de ir preparando passo a passo o seu plano. Enquanto isso, discutir se ñcava com “a mulher ou com a outra".
podia ir procurando uma sala adequada para as aulas de dança,
Tanto a ex-professora de dança como o homem do “triân-
além de outras coisasma1's.
gulo amoroso" deixaram de escolher, não por não conseguirem
Passaram-se va'rias semanas, o curso de meditação foi entender qual a decísão mais sensata, mas porque o não decidír
intexrompido e ela nem procurou encontrar uma sala de aulas também e' uma decisâo, alia's, na maioria das vezes, é a decísão
nem publicou anúncios. A ex-professora queixou-se de que eu de manter a atual situação indefinida! É uma decísão que se
não lhe havia ajudado muit0. A seguir coloquei-a diante da orienta não pelo “conhecimento do semido“, mas que busca ñcar
altemativa: ou ela colaboraria com o processo de aconselhamen- com a situação encontrada, com o que é conhecido e expen'-
to, ou teríamos que pôr um ponto ñnal neste processo. Mas nem mentada
nestes tennos ela conseguía decidir-se por uma coisa ou por
outra, e repetidamente me telefonava, sem no entanto marcar um “forças psíquicas” dímensão “funções psiquicas”
horário para a retomada de nossas entrevistas. Receio que desde (seg. Rohracher) noétíca (seg. Rohracher)
então a vida não tenha sido muito agradável para ela.
Observaçãoz A hístória de vida desta mulher é perfe1'tamen-
te sintomática para as pessoas que deíxam passar o mais impor- Instinto Vontade Co\|\hec5m'e/n<to Percepção
tante por se dispersarem com o que e' menos importante. Semimento > de Áo Memória
(Vontade) Sentido 6ent1d\o (Pensamento)
6 Um homem conceituado, pessoa de boa posiçãão proñs- /
sional, sofria sob uma “situação tríangular” que ele próprio
criara. Ele era afeiçoado à mulher e aos 4 ñlhos, mas gostava \ /
\ / -
também apaixonadamente de uma amante com quem se encon- Reaxiaçao Manutenção de uma
trava regularmente há vários anos, o que a famílía não deixara da senlido situação indefinida
/ \
de perceber. Esta “situação triangular” era insuponável para
todos os envolvidos, m'clusive para ele próprio, o que veio a
manifestar-se atraves' de violentas crises cardíacas e circulatórias Por isso anotemos mais uma das teses fundamentaís da Psico-higiene:
para as quais não pôde ser encontrada nenhuma causa orgâníca. Quando o “conhecimento do sentido“ ñca obscurecido. deixamos de tomar
decísoe~s vitais importantes, o que leva a estados de indefmição
Quando procurou-me ele afmnou que não se sentia em
insuponáveis que equivalem a crises permanentes.
condições de decidir entre as duas mulheres. Nem queria perder
a mulher, nem desejava renunciar à amante. Expliquei-lhe que

76 77
Observe-se: Nas decisões da boca para fora a pessoa acre- uma dose muito grande elevam de igual maneira o risco de
díta estar tomando uma decisão quando na realidade não esta', fracasso e de crise. Paralelo este que pennile levantar a suspeita
porque loma sem efeito sua própria decisão deixando de execu- de que em todo ato de não-decisão está presente uma boa parcela
ta'-la. Nas situaçoes' de indeñníção, a pessoa acha que não toma de medoz o medo de uma decisão errada e o medo da própria
nenhuma decisão mas na realidade ela toma, porque a ausência responsabilidade. (O que é tão pouco racional como todos os
de decisão, em última ana'lise, também é uma decisão. padrões de reação da neurose do medo, pois deixar de lomar uma
decisão que precisamos tomar e' geralmente a mais errada de
Existe uma combínação que, do ponto de vista da Psico-hi-
todas as decisões e a maior das fallas de responsabilidade.)
giene, pode ser considerada “mortal”, ou seja, sem saída. É a
combinação destas duas componentesz Como medida de prevenção são necessários, por conse-
guinte, os dois passos seguintes de educação e treinamento.
a) deíxar inalterada uma sítuação de vida (que pode ser modiñ-
Devemos acostumar-nos a
cada)
b) ñcar a queixar-se disto, lamun'ar-se, sofrer por causa disto. 1. não ponderar com muita pressa quando temos quefazer
Uma donúnância do psíquico sobre o noético põe em uma escolha, mas considerar com calma todas as possibilidades
concretas daquela situação de vida, conñando que o conhecun'en-
dúvida a capacídade especíñca de ser-homem e leva a crises
to da possibilídade mais sensata virá por si mesmo. Este conhe-
existenciais, porque pÕe em rísco a realização do sentido.
cimento ocorre graças à dimensão noética do homem, contanto
As duas coisas junLas levam o homem a uma contraditorie- que haja tempo e calma interior suñcientes para a atividade
dade intoleráveL Pois, ou ele pane para modiñcar a situação, e espiritual que aí ocorre.
neste caso poderá queixar-se e lamentar-se, já que sua insatisfa-
ção e seu sofrimento são os elementos motores que o 1m'pelem a
um agir modiñcativo, ou ele pára de queixar-se e de ter compai- Lchasso Léeñgo
de cñse
xão de si próprio e deixa propositadamente a situação como esta',
mas neste caso tem que aceita'-la também interiotmente, aceíta-
ção esla que faz com que a siluação deixe de lhe provocar
sofrimenta Uma situação m'deñm'da é como ñcar preso na
mencionada contradiçãoz quando a pessoa não reconhece o “sen-
tido do momemo presente”, muitas Mezes sua situação de vida
toma-se 1'nsupor1ável, mas ao mesmo tempo permanece sem ser
modiñcada, embora no mais profundo de si mesma a pessoa
queira e possa modiñcá-la.
Interroguemo-nos agoraz De que maneira pode-se favore-
cer o “conhec1m'ento do sentido”? Com base numa longa expe-
Medo de menos Medo demais Ponderar de Ponderar
riência com pessoas que me têm procurado em busca de provoca erros produz bloqueios menos provoca demais provoca
conselho, eu diriaz comparando e ponderando entre si as diver- por descuido de pensamento decisoes' situaçoes~ de
saspossibilidades, sendo que a intensidade desta ponderação não precipitadas indeñmção
pode ser demais, nem de menos. Neste processo de ponderação

¡"r»",.
encontramos um notável paralelo com a função em forma de U
do medo, ísto e', lanto uma dose excessivamente pequena como

78 79
Mas devemos acostumar-nos também a A esse respeito, um caso de uma sessâo de tempia de grupo
2. nâo ponderar demasiadamente nas situações de escolha. quefoi discutida e conlrovertida num congrcsso de medicinaz
Uma vez reconhecida qual a altemativa mais sensata, deve-se de 7 Era a primeira sessão de grupo após as férias de verão, e
ímediato tomar a decisão correspondente e então não se ocupar todos os partícipantes, com exceção de um, retomaram recupe-
mais com o assunto - com tudo quanto as coisas humanas rados e queimados de sol. Pálido e frustrado, este ñcou sentado
possuem de provisório e de arriscada Continuar a remoer e a a um canto e contou que durante as u'llimas semanas não dera um
lamuriar-se iria um'camente diñcultar o reconhecimento do que passo fora de casa. Pois durante as férias havia mergulhado num
é mais sensato, bloqueando retroativamente a decísão. Pois toda trabalho cientíñco, e por isso também entrara em conñito com a
Iamúria favorece uma certa dominância do psíquico sobre o família, a qual queixava-se amargamente de que para ele não
noélico, já que desperta emoções que restringem o horizonte havia mais jeito.
espirituaL
Mas este era um grupo oñentado psicanaliticamente, e na
Pondemr Esquema geral dos proccssos dc decisão Psicanálise não existem “objetos intencionais" mas apenas “con-
flitos íntrapsíquicos“, pelo que o orientador do grupo tentou, das
decidir não pensar mais no assunto trevas do inconsciente, trazer à tona um conflito psíquico que
pudesse explicar o dilema mencionado. Ele perguntou ao pacien-

ponderar /\
não agir confotme agir conforme o
te o que é que ele havia querido obter para si pro'prio, ou, noutras
palavras, qual a necessidade que ele havia pretendido satisfazer
de novo
o que se decídiu que foi decidido com este trabalho cientíñco. O paciente não tinha muita certeza,
ficou hesitante, mas sob a pressão de ter que responder disse por
suspender propensão à cn'se!
a decisão fim que era possivel que ele houvesse prctendido críar fama com
o seu trabalho.
resultado da resultado da
ponderar O orientador voltou a pergumarz Se o paciente tivesse
ação não ação
novamenlí
confmna a conñrma a deixado o trabalho e em vez dele tivesse lirado umas férias na

decídír
l decisào
como tendo
decísão
como tendo
praia com sua família, que necessídade ele teria podido satisfa-
zer? Mais uma vez o paciente pensou longamente antes de
sentído sentido responder, hesilante, que no caso de umas férias na praia certa-
mente a família teria ficado satisfeita, o que lhe havería de ter
ponderar mais
uma vez ponderar mais ocasionado sentimentos posítivos. O resullado do diálogo tera-
uma vez pêutico culminou procurando-se esclarecer o paciente de que não
elc. | é possível satisfazer duas necessidades ao mesmo tempo, pelo
nova decisão que de qualquer maneira uma delas teria ñcado sem ser satisfeita.
propensão à cn'se prevenlívo No congresso onde, entre outros, foi debalido o diálogo
de cn'se acima levantaram-se vozes critícas, sendo questionado se uma
O esquema panorâmico ac1m'a lembm-nos o fato paradoxal
compreensão deste tipo realmente haveria sido de ajuda ao
de que não são as decisões erradas que provocam as crises na
paciente. Pois ele poderia dizer para si próprioz “Pelo menos
vida do homem, mas antes aqueles estados de indeñnição surgi-
satisñz uma necessidade, e se tivesse decidído de outra maneira
dos com a não-tomada de decisões, ou aquelas decisões da boca
eu também só teria satisfeito uma necessidade", mas a questão é
para fora que depois de tomadas não são transformadas em ação.

80 81
se o seu interesse primordial era o número de necessidades que
7 Assim, o orientador de um grupo de pacientes de orien-
poderia satisfazer. Seu verdadeiro interesse não teña sido antes
tação logoterápica teria oferecido aos paciemes oporlunidade de
a preocupação de se ele havia tomado a decisâo correta, isto e,'
reflelirem sobre os valores do seu trabalho cientíñco ou sobre os
a que Ieria tido mais sentido, quando resolvera trabalhar durante
valores da sua família, para com isto esclarecer se a decisão
as férias? Mas um interesse desse tipo ultrapassa o modelo do
tomada tinha ou não tínha tído sentído. Em caso añrmativo, ele
conflito intraps1'quico, ele só pode ser compreendido entrando-se
teria aconselhado ao pacienle que, mesmo depois de tudo passa-
num conñito de valores que ocorre na região do transpsíquico,
do, discutisse ainda com a famílía as razões do seu “sim”, e
na esfera do noético.
eventualmeme propusesse algum tipo de compensação, como
Numa dada situação pode ocorrer que um trabalho cientí- excursões de ñm de semana etc. Além disso ler-lhe-ia aconse-
flco seja tão importante e urgente a ponto de ser perfeitamente lhado a que não sentisse inveja dos colegas queimados do sol,
sensato sacriñcar por ele as férias e pedir à família que supone mas que antes pensasse com orgulho no que ele havia produzido
este sacrif1'cio, ou entào que viajem sos' para as férias. Neste caso, de importante e pleno de sentido durante as férias.
a conclusào do trabalho merece que depois a pessoa se apresente Mas se a resposta fosse negativa, ter-lhe-ia recomendado
pálida e cansada, é uma coisa que tem que ser levada em conta que admitisse isso francamente diante da familia, reconhecesse
em vista da n°npol1ância de concluir este trabalho. O trabalho é perante si próprio o engano e a seguir tomasse uma decisão que
o “objeto intencional" para o qual estâo orientadas as forças
tivesse sentido e pudesse, de alguma forma, reparar o erro.
espm"tuais. Perante os colegas que1m'ados do sol se teria proposto ao paciente
Mas também pode dar-se o caso, numa situação diferente, que dissesse de si para si: “Bem, de qualquer forma adíanteí meu
de a família necessitar com tanla urgência da presença do pai que trabalho, mas eu aprendi com o fracasso e da próxima vez irei
para este o que realmente tem sentido é pôr de lado o trabalho, componar-me de uma forma mais sensata.“
pormais importanle que seja, e dedicar~se inteiramente à família Vê-se que nem sempre a tarefa da Psicoterapia consíste
durante todo o período de férias. P. ex., para consolidar a harmo- apenas em revelar o inco¡zsciente, às vezes ela tem também que
nia conjugaL para intensiñcar as relações com os ñlhos ou revelar o desconhecida É a capacidade de decidir, até mesmo
proporcionar à família a alegria de empreendimentos comuns, o sobre 0 sentido ou a ausência de semido de uma ação passada,
que refaL as forças de cada um. Neste caso, as férias vívidas em que realmente eleva o homem à sua condição de homem En-
comum merecem que se deixe o trabalho esperando para ser quanto ele continuar a ser considerado, no esquema da Psicote-
reassumido mais tarde, de forma um pouco estressante, o que rapia, como um “ser impelido” (por suas necessidades), ele não
tem que ser levado em conta pelo bem da fam1'lia, que é 0 “objeto estará sendo compreendido no que ele tem de mais essencial -
intencional” da decisão. só quando ele for levado a sério como um “ser que decide” é que
Numa ponderação mental deste tipo não se trata de uma a Psicoterapia pode realmeme ajuda'-lo a chegar mais próximo
ocorrência intrapsíquica do tipo do seu verdadeiro Eu e a pennanecer em hamwnia consigo
mesmo.
uma necessidade conlra outra,

mas de um valor mais elevado entre dois valores objelivos que


correspondem à situação atual, ou seja,
Irabalho versusfamília

82 83
possui o caráter de coisa particular e privada. Pois o objetivo
desta interação é libertar o paciente, enredado numa teia de
sintomas, para que ele possa abrir-se para o mundo; libertá-lo
para que perceba as exigências a ele dirigidas e que o trans-
cendem Por ísso, no contexto da logoterapia, o essencial não
0 sentído e não-sentido do sacrifício consiste em 11'berta'-lo do sintoma, através da concentração neste
sintoma, mas o ponto central do interesse está antes em encami-
nha'-lo para uma tarefa de vida quePossua sentido, e, consequ"en-
temente, liberta'-lo dos sintomas."
Mas encontrar uma tarefa que dê pleno sentido à vida e
dedicar-se a uma tal tarefa como “objeto intencionaP da abenura
do homem para o mundo e do seu auto-superar-se não signiñca
que, sempre e em toda parte, deva o homem sacriñcar-se por
determinadas coisas e pessoas até exaurir-se num esgotamento
Nas consideraçoks feitas até aqui sobre como é possível totaL Um tal autodesgaste haveria, antes, de levantar dúvidas
viver com saúde no mundo atual (um mundo doente?), a entrega sobre o sentido da intencionalidade vivida. Por ísso, nas 5 regras
aos “objetos intencionais" desempenhou um papel centraL Só complementares que no decurso de minha carreira prática con-
esta entrega é capaz de despenar em cada um de nós as forças segui reunir sobre o processo de decisão e sua relevância para a
espirituais que nos tomam aptos a enfrentar as fraquezas psico- Psico-higiene, na última e mais importante delas analiso a pro-
f1'sicas, despertando ainda em muitos a prontidão espiritual para blemática do sentido e do não-sentido do sacrifício.
fazer deste nosso mund0, não obstante todos os obstáculos reais,
Vejamos as regras uma por uma.
um mundo mais adequado ao homem
Citaçãoz “Se é verdade que uma possível cadeia de catástrofes
Regra I: As decísões existencialmente importames nâo devem
parciais ameaça impelir o mundo a uma catástrofe
ser questionadas ou su bmetidas a novas decisões mais
global, então a Psicoterapia, que busca possibilitar a
do que o estritamente necessária
auto-realização orientada para necessidades puramen-
te subjetivas, não é adequada à nossa e'poca, antes ela Isto vale para a escolha do parceiro, da proñssão, da pám'a,
e' até mesmo um perigo... para a decisão de ter f1'1hos, e assim por diante. Se cada vez que
entra no consultório um médico se questiona se na verdade ele
Se nos ímerrogarmos sobre o desaño fundamental do mun-
do em nossos dias, temos que mencionar em primeiro lugar a gosta de tratar de doentes, este médico está cavando o chão
debaixo dos seus pés, da mesma maneira que uma mãe de dois
conquista de um futuro digno do homem Nada menos do que
ñlhos que a todo momento se indaga se ela não levaria uma vida
isto. A interaçào psicotera'pica, que, embora em aspectos e seg-
melhor se tivesse ficado sem ñlhos. O homem necessita de um
mentos inñm'tesimais, sabe que está envolvida na responsabili-
mínímo de estabilidade na orientação dos seus valores, do con-
dade pelo mundo, rapidamente perderá o aspecto de uma
trário facilmente ele perde o apoio interior e “entra em pane".
subcultura apócrifa tendo por único objetivo um cuidado psico-
lógíco ameno e etéreo. Terapeuta e paciente certamente comun-
gam um com o outro a consciência de reñetirem e realizarem * Wolfmm KurL, in Simfrrage und Suclnproble¡rw, c.d. DHS. llzunm, Hohcucck,
l988, p. 38/39.
coisas muito m'timas e pessoais. Sua interação, no entanto, nunca

84 85
Esta pode ser uma das razões por que as pessoas viciadas dos da personalidade e evitar a hipertroña daquelas áreas que se
no álcool e no fumo não conseguem beber ou fumar controlada- expandiram às custas da capacidade funcional do conjunto da
mente. Depois de cada trago e de cada cigarro tem queser tomada personalidade.”
uma nova decisão para a renúncia provisória que consiste em
poderesperarpelo próximo trago ou pelo próx1m'o cigarro, além Regra II: As decisões de maior gravidade e responsabilidade
da decisão da renúncia ser cada vez novamente punida com devem ser tomadas de acordo com a consciência e não
sintomas de privação. Isto sobrecarrega espiritualmente a pes- de acordo com 0 superego.
soa, com o resultado de que chega o momento em que a renúncia
Em geraL os parâmetros da consciência e do superego
exigida deixa de ser fcita. As chances são incomparavelmente
com'cidem. Consciência é a percepção espiritual do que é etica-
maiores quando ela toma uma decisão única e defmitiva para
deixar de beber ou de fumar. Naturalmente a pessoa que toma mente ac'eita'vel, superego é o conjunto das regras comportamen-
tais aprendidas no interior da sociedade humana. Numa situação
uma decisão destas também é perseguida pelos incômodos da
privação, mas logo que Iorem superados estes momentos difíceis concreta da vida, as duas podem divergir uma da outra, e além
disso precisamos estar lembrados de que uma decisão contrária
estará recuperada a autêntica liberdade. A saber, a liberdade de
servir a uma decisão em proI de alguma coisa, daquilo que foi e à voz da consciência é fator propenso à doença, mesmo quando
tal decisão esteja em harmonia com o superego, ou seja, com a
que continua a ser o objeto da decisão básica - pois uma mera
voz do ambiente social.
decisão contra alguma coisa, contra aquilo em que a pessoa se
viciou, jamais será suñciente, como sabemos. A seguh um trecho Um exemplo de minha clínica de psicoterapia
da concepção de uma instituição hospitalar de terapia prolon- 8 Uma conhecida minha, psicóloga de um intemato, pro-
gada para recuperaçâo psíquica e social de vítimas de droga na curou-me para pedir um conselho como colega. Num dos grupos
Bavieraz do intemato onde ela trabalhava havia um menino de onze anos
“No caso de nossos pacientes estamos lidando com pessoas e meio com tendências homossexuais exib1'ciom'stas. As medidas
muito sensíveis, que no decorrer de sua vida de drogados apren- pedagógicas e as tentativas de tratamento não tinham até o
deram a dar atenção às suas sensações do momento e a fazer com momento obtido êxito. Agora ela estava com a responsabilidade
que seu comportamento dependesse inteiramente disto. Um tra- de decidir se o garoto devia ou não ser expulso do intemato.
balho terapêutico centralizado na esfera do sent1m'ento é, portan- Estava inclinada a concordar com a exclusão do meníno, com
to, muito bem aceito pelos nossos Racientes Experiências na base na seguinte justiñcativaz “Que irão dizer os pais das outras
esfera das sensações eles as conhecem melhor que ninguém É crianças do grupo quando casualmente souberem das tendências
aí que se encontram os objetivos pelos quais sacriñcaram tudo, anormais deste garoto?”
pelos quais alguns deles chegaram mesmo à criminalidadez para Este argumento, no entanto, onde claramente pode-se par-
não verem sua “sensibilidade* ser sacriñcada de forma lamenta'- ceber um medo de fundo social (“Não irei ser responsabilizada
vel na sintomática da privaçàa O ponto fraco de nossos pacientes se o meníno seduzir sexualmente outras crianças?"), não é o que
não se encontra na esfera do emocional mas na vontade, que está deve ocupar o primeiro plano no processo da decisão, como fiz
intimamente relacionada com a esfera cognitiva das idéias e dos ver à minha colega. Por mais concreto que fosse o seu med0, o
valores (so' se faz com espontaneidade e perseverança aquilo que que devia ser colocado em primeiro lugar era a preocupação
a gente considera que tem sentido). Situa-se aqui mais um dos pelos crianças, por todas as crianças do intemato, inclusive por
motivos por que escolhemos a abordagem logoterápica: uma este menino! Por conseguinte a pergunta não devia ser: “Que irão
terapia sensata visa desenvolver os aspectos menos desenvolvi- dizer os pais...?”, mas simz “É possível assumir o risco de

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sedução para as outras crianças?" e “Que sucederá com este e 1m'atura. Em geraL ela concordou plenamente na época do
menino se ele for arrancado do ambiente onde está familiarizado casamento, no mínimo para se opor aos pais ou para satisfazer
e sun'plesmente for mandado embora?“ ao desejo do parceiro. Os motivos podem ter sido os mais
diversos, mas o querer foi da própria pessoa. Mais tarde, entre-
Juntas procuramus respostas a estas duas u'lt1m'as perguntas tanto, ela veriñca haver agido com precipitação, ou que havia
(que são questoes' de consciência) e chegamos à conclusão de 1m'ag1n'ado que a parceria não iria ser tâo difíciL e agora os pais
que poden'a ser indicado transferir-se o menino para um grupo
ou a outta partc são transformados em “bode expiatório".
de jovens de mais ídade dentro do próprio intemato. Pois estes
não iriam sem mais nem menos aceitar suas brincadeiras anor- Esta manobra de justiñcação não traz nenhum alívio, por
mais, o que pennitiria esperar que ele perdesse a vontade de mímm'o que seja, na esfera psíquica, pois negando sua “culpabí-
fazê-las. Meninos menores na fase pre'-puber1ária, ao invés, lídade" (entendida como culpa a decisão errada) a pessoa tem
estariam muilo “expostos" ao comportamento dele, estes preci- que negar também sua °°maturidade" espiritual (matun'dade de-
savam ser protegidos de sua influência negativa. finida como capacidade para decidir). Com isso a pessoa conse-
gue uma desculpa pagando o preço do respeito para consigo
Se depois disto os pais daqueles jovens de mais idade própria. O respeito consigo mesmo, entretanto, é um componente
viessem a protestar, ísto era uma coisa que deveria ser levada em 1m'ponante da saúde psíquíca e nunca deveria ser perdido ao
consideração; pois um jovem como este também tem que viver
longo da vida. A auto-aceítação ou a autoconñança podem
em algum lugar, não é possível trancá-lo num quarto isolado! vacilar, pois uma e outra podem ser reconstruídas, mas o auto~
No que conceme às nonnas sociais recomenda-se, de ma- respeito tem que ser preservado em todas as circunstâncias, pois
neira geral, a adaptação no que é menos imponame e a inde- ele constitui a mais segura defesa do Eu contra a aulodestruiçãa
pendência no que é mais hnponante As decisões de consciência, Não é quem confessa suas decisões falhas e as mantém, ou
de qualquer forma, são decisões a serem tomadas com inde- quem as revoga atraves' de novas decisões, que perde o auto-res-
pendéncia e não sob pressão da sociedade, é preciso que se escute peito, pois a maturidade espiritual inclui a capacidade de auto-
o âmago da coisa, o chamado ético vindo de dentro, e não as criticar~se. Quem diz para si mesmoz “Mas como eu fui burro!” J
opinioe°s que vêm de fora. este de alguma maneira ainda tem respeito diante de si próprio,
porque, ao falar assim, o seu Eu já deixou de ser “burro". Ele
Regra IIIz Devemos assumir a responsabilidade por todas as toma consciência do desconcertante fenômeno de o Eu pessoal
decisões Iomadas na vida. do homem poder ser ao mesmo tempo a instância que julga e a
instância que é julgada. Mas quem diz: “Fizeram com que eu
Disto faz parte que não neguemos retrospectivamente as
fosse burro", este identiñca-se com o burro que submete-se à
decisões erradas que tomamos no passado, ou que façamos de
violência de um estranho, e isto significa que no fundo ele não
conta, apenas para nosjust1'ñcarmos, que não tivemos liberdade
respeita senão aquela violência, mesmo que a odeie.
para decidir. Quantas vezes, em casamentos fracassados, tenho
ouvido um ou outro dizerz “So' casei para sair da casa de meus
pais“ ou “- porque meu parceiro insistiu". Com isto, o próprio Regra IV: Não devemos temar tirar das outras pessoas as
“sim” ao casamento dado na ocasião aparentemente ñca desmas~ decisões que elas tém que tomar.
carado como se não tivesse sido autêntico e desta forma a pessoa Toda decisão é um assumo pessoal e como tal não pode ser
deixa de parecer inñel a si própria quando retira mais tarde o assumida por outrem Evidentemente pode-se influenciar outra
“sím” que deu um dia. Na realidade, para uma pessoa em nosso pessoa propondo-lhe outras maneiras de decidir em que ela
país casar contra a sua vontade, ela tem que ser bastante limitada

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talvez nunca tivesse pensado, ou apresentando-1he argumentos íkrgm
V: Do sentido e do nâo~sentido do sacrf11"cio: Uma renu'n-
cia tem que ter senzido, do contrário ela torna~se
que advoguem uma decisão em determinada direção. Não obs-
tanle isso, fundamentalmente ninguém decide contra a própria patológica ou patogénica
vontade, apenas pode ocorrer ele agir contra suas decisões. Existem renúncias que possuem sentido e renúncias que
Consideremos uma manipulaçãoz A manipula B. O que é não possuem, e entre as que não possuem sentido existem as
que ocorre aí? A exerce pressão sobre B para que B execute uma renun'cias patológicas e as patogênicas.
ação x. Se B decide-se pela ação x, e conseqüentemente faz x, Uma remincia patológíca, na sua forma extrema, é um
isto não é nenhuma manipulação, mesmo no caso de A haver sintoma de masoquismo e de autotortura. Existem pessoas psi-
antes apresentado a B argumentos de peso em favor de x. Mas quicamente doentes que, por assim dizer, põem a coroa de
se ao inves' B não se decide interiotmente pela ação x, mas faz x espinhos na própria cabeça e por nada no mundo querem retira'-
unicamente por medo de A (ou para fazer um favor a A, ou por la. Gostam de fazer o papel de “ma'rtires”. Nisto está em jogo
fraqueza diante de A), B foi manipulada Podemos dizer também uma certa inclinação perversa, uma componente de histeria. Elas
que B deixou-se manipulan A não tinha poder sobre a decisão degustam o sofnm'ento auto-infligido, utilizando-o como subs-
de B, mas pôde seduzír B a agir contra sua própria decisão. tantivo para satisfazer uma agressividade impedida de manifes-
Neste contexto cabe uma palavra sobre a relação terapeu- tar-se para fota. Uma tal renúncia patológica é sempre um
ta-paciente. Em psicoterapia não é tarefa do terapeuta manipular sacrifício que carece de sentído, que cria sofnm°ento desnecessa'-
o paciente, mesmo que seja para o bem deste. Em pedagogia é rio no mundo e que também não encontra reconhecmento por
um pouco díferente. Antes da puberdade, a criança às Vezes tem parte do mundo.
que ser “manipulada” para seu próprio bem, porque ela ainda não Uma renúncia patogénica, ao invés, pode até ser bastante
é capaz de uma decisão pessoal. Mas depois da puberdade a útil para o mundo, mas a longo prazo ela faz o autor da renúncia
criança não deve máis ser manipulada, para que sua capacidade doente. Trata-se de sacrifícios realizados por fraqueza interior -
de decisão pessoal possa desenvolver-se. O paciente adulto, p. ex., quando alguém não quer decepcionar outras pessoas - e
enf1m, deve ser orientado para a concordância entre o seu querer não por fonaleza interior - p. ex., quando alguém realmente quer
e o seu agir, o que seria impossível através de mam'pulação. A ajudar às outras pessoas.
tarefa do terapeuta consiste, por isso, exclusivamente em apontar A esse respeito destacamos mais uma das teses da Psico-
possibilidades de sentido e confrontar o paciente com sua res- higienez O motivo de uma ação e' tão importante para aquele que
ponsabilidade perante as possibilidades de sentido com que ele apratica como a bondade desta ação o e'para aquele ou aqueles
se defronta. O apelo para alguém fazer o que reconheceu como
que são objeto dela.
tendo sentido permanece sempre uma coisa discutida.
Um motivo bom é um motivo que esteja centrado em algo
Por esse motivo, quando se busca mudar a prática psicoló~ que possua sentido, orientado para a realização de um valor.
gica de uma estrutura baseada no vir, no espontâneo, para outra
Sacrifícios que nascem de um bom motivo nunca prejudicam,
baseada no levar, no insistir, como em parte se tenta fazer hoje
pelo contrário, eles conferem à pessoa que se sacriñca motivos
em dia, a meu ver estamos diante de uma modiñcação perigosa.
(de crescimento) adicionais. Um mau motivo é um motivo ego-
Ajuda náo deve ser imposta nem oferecida com insistência, do ce^ntn°co, que em últ1m'a análise será orientado para uma vanta-
contrário ela perde sua função de ajudar. Pois aquele que neces- gem pessoal ou para evitar um desgosto. Sacrifícios nascidos de
sita de auxílio deve de qualquer forma decidir-se por procurar e um mau motivo são prejudicia¡s, ao ponto de favorecerem até o
aceitar ajuda - se ele não procura mas a recebe açodadamente,
no seu 1'ntimo ele não a aceita.

91
crescimento de células malignas no organismo, eles retiram Renúncia patológica Renúncía patogénica
forças (de resístência) daquele que se sacnñca.
Enquanlo a renúncía patológica, que se origina de uma orígina-se de doença leva o que renuncía á
(psíquica) de quem renuncia doença (corporal)
doença, é típica do masoquista, a renúncia patogênica, que leva
à doença, é típica dos “egoístas que querem satisfazer a todo \/
mundo“. Ele investe muito, mas também procura obter lucro do
seu investnm°ento; para tais pessoas o sacrifício é a moeda com não se centraliza no semido
mas é egocêntrica
que tentam comprar para si amor, reconhecimento e agradeci~
mento, ou pagar a alforria de discussoes' ameaçadoras e rejeição,
uma contabilidade que raras vezes dá ceno. /\
pretende satisfazer pretende trazer ao Ego
Para o ambiente a renúncia patológica é inteiramente su-
o Ego de maneíra doentia mensagem positivas, ou evitar
pérñua e incompreensíveL mas o resultado ñnal o deixa indife~ experiências negativas
rente, porque não o atinge Quando alguém à noite deita-se sobre
uma cama dura ou deixa de cobrir-se apesar do fn'o, mesmo tendo
não e' de utilidade pode ser útil
cobenores quentes no seu guarda-roupa, isto não 1m'porta muito
para ninguém ao ambiente
às pessoas, mesmo que às vezes elas balancem a cabeça de
espanto.
é visla com indiferença é bem aceita pelo ambiente
Com a renúncia patogênjca é diferente. Nesse caso o mo- ou rejeítada pelo ambiente mas pouco reconhecida
tivo de onde ela procede também não m'teressa aos que o ro- \/
deiam, mas o que lhes é prestado pela renúncia bem que lhes
pode ser de proveito. Pelo que o ambiente aceita de bom grado o saldo final
a renúncia, reforça-a, favorece-a cada vez com mais freqüência, para o Ego é nulo
e aos poucos passa a considera'-la como uma coisa natural, o que
toma cada vez mais dífícil a quem renuncia tomar uma decisão
Um exemplo da minha clínica de psicoterapia
nova e independente. Sua fraqueza ínterior aprofunda-se e favo-
rece o surgimento de doenças f1'sicas. 9 Uma mulher que havia extraído um seio por causa de
câncer contou-me no tratamento posterior que tinha um grande
horror à festa de Natal. Desde que casara, todos os anos ela
convidava seus pais a passarem o Natal em sua casa, o que para
ela signiñcava um grande sacrifício. Todos os anos ela passava
os tresA dias que antecediam o Natal trabalhando na cozinha,
fazendo bolos, biscoitos e assados, enfeitando os quartos e em-
brulhando presentes, de modo que na hora da despedida dos pais
enconlrava-se totalmente exausta. Como ela própria dizia, “sa›
criñcara-se pelos pais“.
Ora, como já sabemos, um sacrifício que termina com o
esgotamento é necessariamente um sacrífício sem sentido, que

A_ -._ m
92 93
não pode ter nascido de um bom motivo. Qual fora o motivo desta Meses mais tarde, no início do ano seguinte. recebi uma
mulher? Nas entrevistas logo ñcou claro que o convite aos pais
íum desta mulher. Ela dizia que havia passado o Natal mais
nunca ocorrera por afeição mas apenas por medo de que, do
tranqüilo de que tinha lembrança. Nâo obstante houvesse deci-
contrário, eles pudessem ñcar magoados. A mulher preferia
dido, plenamente consciente de possuir liberdade para poder agir
martirizar-se a correr 0 risco de uma desarmonia na família; ela também de outra foxma, trazer o pai para passar a festa em sua
arranjava desgosto de um tipo para evitar desgosto de outro tipo
casa, a ñm de que ele não ñcasse triste e sozinho em casa. Pela
- é este o exemplo clássico do sacrifício sem êxito.
primeira vez ela ñzera um sacrifício que possuía sentido, por
Os pais, evidentemente, gostavam de passar os dias de festa amor a uma pessoa próxima - e pela primeira vez semiu-se bem
com sua ñlha, do contrário não leriam colaborado (a não ser que com isto, embora tendo que cozinhar para uma pessoa a mais.
eles também pensassem de maneíra semelhante e não quisessem Um sacrifício por amor não fere, pelo contra'n'o, ele cura.
magoar a ñlha com uma recusa). Mas pelo que se pode depreen- Observaçãaz Pessoas com inclinações patogênicas para o
der das palavras da mulher, eles realmente gostavam de passar a sacrifício não devem ser levadas a caírem no extremo oposto e
festa em sua casa.
“ñnalmente aprenderem a pensar em si mesmas”, a nào mais se
Diante de uma tal constelação de aconselhamento, seria um sacn'ñcarem, a aprenderem a dizer “na'o" etc. Isto iria aguçar
grave erro contestar diante da pacieme o sentido do sacrifício que ainda mais sua motivação egocêntrica e leva'-las a uma situação
ela assumira e dizer-lhe que todos esses anos ela havia sido em que, mais uma vez, deixariam de estar em harmonia consigo
“burra“ e deixara-se explorar. Com isto se haveria de negar-lhe mesmas. Logo elas passariam a dizer interionnente “sim" a muita
retrospectivamente a única coisa boa em sua ação, embora os coisa e exterionnente dizerem “não“. O objetivo da terapia não
motívos não fossem tão bons. Por isso eu disse à mulher com pode ser levar os pacientes a supn'm1'rem qualquer prontidão para
espontaneidadez “Bem, pelo menos a Sra. proporcionou aos seus ajuda e a sempre dizerem “não".
pais muitos natais agrada'veis". Depois expliquei-lhe que, apesar O importante, antes, é que aprendam a harmonizar o exte-
disto, no sentido da Psico~higiene os seus motivos não haviam rior com o ínterior e adequar o ínterior ao sentido da situação!
sido os melhores. O que faltara fora a harmoma consigo mesma.
Inleriormente ela dizia "não" e exteriotmente dizia "sim”, e esta Resurru'ndo.' um sacrifício que possui sentido não é nem
falta de congruência favorecc toda espécie de doença. (Existem patológico nem patogênico, além de independer de uma eventual
gratidão do ambiente. Quem fez em favor de outrem um sacrifí~
fortes correlações comprovadas entre o câncer e as inclinações
patogênicas para o sacrifício!) cio que possui semido não irá depois ñcar alegandoz “Fiz isso
por causa de você...“ e ñcar à espera de aplausos e retribuição,
À época de nossa entrevista a situação da mulher havia-se mas dirigirá seu olhar para o outro e pensará consigo mesmoz
modiñcado, porque nesse meio tempo sua mãe falecera e 0 pai “Fiz isto porque decidi fazer algo por você“, e pronlo. Um
ñcara morando sozinho. Com o pai a mulher sempre se dera sacrifício que tenha sentido é um sacrifício decidido, querido,
melhor que com a mãe, e encorajada por minhas explicações ela interionnente aceito, que possui um bom motivo, este motivo
semia-seagora em condições de dizer abertamente ao pai que no estando siluado no mundo exterior.
próximo Natal preferia viajar com a própria familia a celebrar a
O fato de o motivo situar-se no mundo exterior não signi-
festa com ele em casa. Não comentei este seu propósito, apenas
ñca, entretanto, que ele tenha que ter sido apresentado à pessoa.
chamei-lhe a atençáo de que o que ela ñzesse tinha que ser feito
Pelo contra'rio, o que é trazido de fora deve manter o equilíbrio
por decisâo pro'pria.
com o que surge da concepção interior. Este é um úllimo ponto
de vista que desejamos aprofundar em nossas consideraçoe~s

95

sobre o sentido e o não-sentido do sacrifícia Existem tarefas que Lnascidas de sua “vida m'ten'or"; se a B forem apresentadas de fora
AM

são trazidas defora a uma pessoa. Por exemplo, quando pergun- 5 tarefas e ele realizar todas 5, não há mais lugar para a iniciativa
tam a alguém se ele pode substituir outra pessoa numa loja pro'pria. B perde mais e mais a capacidade de descobrir mrefas
vizinha por alguns dias durante as férias. Se isto estiver dentro plenas dc sentido a partirdo seu próprio mundo de idéias, e pouco
das possibilidades e for considerado por essa pessoa como uma a pouco ñca condicionado a que as tarefas lhe sejam trazidas de
coisa que tenha sentido, ela concordará. Mas também existem fora.
tarefas que surgem do mundo ínteñor de idéias de uma pessoa e Conseqüência n°- 3:
- não raro desencadeadas por uma experiênciawhave - alcançam
A, em todas as situações, pode manter constante o seu
uma fonna concreta. Por exemplo, um conhecido cirurgião con-
“nível de carga”. Se p. ex. lhe forem trazidas 10 tarefas de fora,
tou-me que, quando adolescente, estava fazendo, muito satisfei-
ele escolhe 3 delas e acrescenta mais 2 “de própña lavra", assim
to, sua primeira viagem aérea, e que precisamente neste voo^ um
ele tem 5 tarefas para cumprir. Mas se só lhe for trazida l tarefa
passageiro sofrera um ataque cardíaco perigoso. Foi perguntado
de fora, ele a aceita e acrescenta outras 4 “pro'prias“, e mais uma
entào pelo alto-falante se havia algum médico a bordo, mas não
vez tem 5 tarefas para executar. Embora este seja um exemplo
havia nenhum Isto o tocara tão profundamente que ele resolveu
extremamente simpliñcado de ca'lculo, ele mostra no entanto
ser médico.
claramente que B, ao inves', quase se mata de trabalho, ao mesmo
tempo que morre de tédio se não for mais procurado pelo seu
Permitamo-nos a seguir um pequeno jogo mental: ambiente. Além do maís, B perde ainda o equilíbrio da realização
Sejam A e B duas pessoas perfeítamente “abnegadas”, isto do sentido na sua vida, ele ñca oscilando entre o stress e o tédio,
e', prontas a assumir tarefas que tenham sentido e que lhes sejam entre a sobrecarga e o vazio.
apresentadas de fora. Conseqüéncia n°~ 4:
A pondera com cuidado o que lhe é apresentado, seleciona Para poder sempre produzir algo de dentro de si próprio, A
e cumpre o que escolheu. tem que preservar sua saúde. Isto é, ele preocupa-se consigo
B esforça-se por assumir e cumprir tudo quanto lhe é mesmo, já que para que possa ocupar-se com outras coisas e
apresentado. Quais serão as conseqüências para os dois? outras pessoas, o que expressa em outras palavras o muito citado
paradoxo do “sadio egoísmo“, que não é outra coisa senão um
Consequ"énc1'an-° 1: “sadio altru1'smo”.
Como B tudo aceita, o ambiente lhe traz cada vez mais
B, ao inve's, preocupa-se pouco consigo mesmo, porque,
tarefas, entre elas também solicitaçoe's, pedidos e propostas
como todos sabem, o “preocupar-se-consigo-mesmo” diñciL
menos possuidoras de sentido, que B, por engano, também
mente é apresentado a alguém como uma tarefa desejada pelo
executa. B vai perdendo a capacidade de distinguir entre o que
mundo exteriot Ele “fica exausto”, perde força e saúde, perde a
possui mais e o que possui menos sentido, ou, dito com todas as
capacidade de cumprir tarefas, com o fatal resultado de que a
letras, ele deíxa-se cada vez mais explorar.
essa altura o mundo exterior deixa de apresentar-lhe larefas. B
Conseqüéncia n-° 2: “não serve mais para nada", e com isto ele entra no ritmo do seu
Como A não aceita tudo, ele tem tempo e reservas de força desmoronamento existenciaL
para ter suas próprias idéias e realizar as tarefas que delas O resultado de nosso pequeno jogo mental é o seguintez
nascem Em termos matemáticosz Se de fora apresentarem a A Mesmo entre as várias possibilidades aceitáveis de envolvimento
5 tarefas e ele escolher 2 delas, ainda tem lugar para outras 3 que a vida oferece ao homem, é preciso que se saiba pesar e

97
96
escolher. O sacrifício que realmente tem sentid_ío é o sacrifício a
serviço de uma tarefa que tenha sentido, mas não raro isto
significa que se deve renunciar a outra larefa que eventualmente
também poderia ser uma tarefa com sentido.
Citaçâoz “Se me perguntarem como eu explico a origem do
sentimento de ausência dc sentido, só posso dizer que, As “neuroses coletivas” e seus sintomas
ao contrário do amm'al, o homem não possui um ins-
tinto que lhe diga o que ele tem quefazer, e ao contrário
do homem de outras épocas nenhuma tradição lhe diz
mais o que ele devefazer - e agora ele parece não saber
mais d1r'eito o que é que ele realmente querfazer. Desta
fonna, pode ocorrer que, ou ele só quer o que os outros
fazem - e aí temos o conformismo -, ou então só faz
o que os outros querem, *o que querem dele - e aí
estamos no totalitarismo." Travamos conhecimento com a regra que diz que “da ação
O só querer o que os outros fazem°° e' 0 egoísmo doentio, resulta a atitude”. E embora da atitude nem sempre resulte
que destrói toda felicidade através da ânsia da felicidade, de necessariamente a açâo, de fato muitas vezes age-se a partir de
acordo com o motez ”Eu também quero isso'. ", e o só fazer o uma determinada atitude. Isto vale também no terreno coletivo.
que os outros querem“ é a abnegação doentia de quem aceita tudo As açõcs de um grande num'ero de índivíduos transformam-se
quanto lhe trazem de fora, de acordo com o motez “Tenho que no “espirito da época”, e o “espín'lo da época", por sua vez,
fazer isso também!“ Abracemos, portanto, como séría advertên~ inñuencia as açóes de muitos indivíduos.
cia, mais este lembrete da Psico-higiene: 0 Sentimemo da au-
sência de semido, como fator número um de crise, está
“Espín'to da e'poca”
relacionado com ofato de alguém saber o que ele quer ou não
quer, e se ele quer o que tem sentido ou 0 que nâo tem.

^
ato semelhante hábito semelhame o “esp1'rito da e'poca“
de muitos de muitos é a atítude
\_/ comum de muitos

Como o hábito ou atitude representa, confonne sabemos,


como que a totalidade de muitas decisões tomadas anteriormente
por uma pessoa, assim também o “espírito da época" representa,
de certa forma, uma decisão prévia em larga escala. O indivíduo
que irrefletidamente obedece ao espírito da época não tem ne-
À_
cessidade de decidir, de certa forma, a totalidade dos outros
' Viklor E. FrankL Der Mensch vor der Fmge nach dem Sinn, 5' edição.
MUncthL Plpcr, l986, p. 16, decide por ele.

98 99
Um claro exemplo disto é a ditadura da moda. Um jovem a) dele mesmo (= do conjunto de decisões próprias tomadas
que compra uma calçajeans, porque todo mundo usa calça jeans, anteñotmente por ele) e
não precisa reHetir qual a roupa que lhe senta bem, qual a que é b) dos outros (= do conjunto das decisões tomadas pelo ambiente
mais prática ou que possui outras vantagens. Naturalmente, é socíal),
possível que as calças jeans lhe sentem bem, e não há dúvida de mas que delas não se deduz necessariamente o seu agir, pois
que sejam prálicas, no entanto não foi esse o motivo que o levou sempre o indivíduo pode escolher e realizar novas possíbilidades
a escolhê-las, mas ele aderiu à escolha ou à opinião de outras e desta forma rever suas próprias atitudes, e em certa medida
pessoas, presumindo que esta deve ser uma escolha correta, também as atitudes dos outros.
porque muitos a consideram correta. Não é necessário lembrar
que, quando extrapola o terreno da moda, esta presunção pode Nos capítulos que seguem eu desejaria analisar atítudes que
levar a erros extremamente perigosos. são pronunciadamente propensas ao surgimento de crises, por
levarem a ações que 1m'pelem às crises psicológicas e a outras
Mas de forma nenhuma o indivíduo está obrigado a agir de catástrofes maiores. Falaremos não apenas das atitudes pouco
acordo com o “espírito da epoca", ele também pode resistir, e sadias dos indivzd'uos como também dosfenômenos patológicos
por sua maneira diferente de agir pode até contribuir para uma do espírito da e'poca, que naturalmente, por exercerem uma
lenta modiñcação do '“espírito da época”! O esquema gráfico a inñuência sobre o componamento e o estilo de vida de povos
seguir pretende mostrar como é complicado o entrelaçamento do inteiros, são ainda mais perigosos.
individual com o coletivo.
Para o leitor versado em Psicologia não deixa de ser inte-
soma~se multando em soma-se resultando em ressante, além disso, saber que certas atitudes são não apenas
propensas ao aparecímento de crises, mas até podem gerar neu-
açào qímñuemia
/_\
atilude “espírito da época” roses e psicopatias, como o demonstra Viktor E. Frankl em seus
trabalhos sobre este assunto.

poténCIa do ato do hábito do ato de hábíto de Classfíicação geral das neurgses


indivíduo indivíduo indivíduo muitos muitos (segundo Viktor E. Frankl )
\ \
\
K/ Neurose em sentido estrítoz
Vescolhav
neuroses psicogénicas Neuroses em senlido
_ tx
Ncurose em semido latoz

_
clmlco
(pseudo)neuroses somatogénícas,
neuroses noogénicas

Quase-neuroscs em sentído figuradoz Neuroses em sentido


neuroses coletívas paraclíníco
ao contráno da sua ao contráño do o “modemo”
atilude anlerior, o “espín'to da e'poca", transfonna-se no
indlvíduo sempre o indivíduo sempre costumeiro
pode escolher uma pode escolher uma
nova poténcia nova poténcia * Viktor E. Frankl', Theorie und Therapie der Neurosem 5' cd., München
(possibilidade) (possibilídade) Rcu'1hardl. UTB 457, l983, p. 142.
** Traladas com mais dclalhc no livro Von der Trolwmclu des Gels'les, dc
Pelo esquema acima depreende-se que as atitudes do indi- Elisabclh Lukas, Fmiburg, Hcrdcr, l986. (“L0golcmpia -A força dcsafíadom do cspín”lo",
viduo dependem SP, Loyola, l989.)

100 101
Os fenômenos patológicos do espírito da e'poca são por extremas. Com base nestas observaçoes' Frankl e*numera 4 sinto-
Frankl englobados sob o conceito de “neuroses coletiva5”, e só mas das “neuroses coletivas". São os seguintesz
estas, no esquema acima, podem ser objetos da psico-higiene, 1. A atitude provisória perante a existência
porque permanecem ainda na esfera paraclínica. Quem e' vítima 2. A atitude fatalística pemnte a vida
de uma “neurose coletiva“ não se encontra doente, pelo menos 3. O pensamento coletivístico
doenle no sentido clínico, embora nele esteja aberto o caminho 4. O fanatismo.
para uma deformação psíquica: não tanto a formação de uma
neurose “verdadeira" quamo o desenvolvmento de uma psico-
Ref. a l): Viver do pr0visório signiñca viver sonhando
patia (associal). Pois as “neuroses coletivas” manifestam-se atra-
acordado, sem se íncomodar com nada, sem planejar, sem nada
ves' de 4 sintomas d1'ferentes, que podem todos ser reduzidos a
preparar com antecedência.
uma “fuga da responsabilidade” (Frankl), que é também o que
caracteriza toda psicopatia desenvolvida. Donde pode-se tirar a As necessidades momentâneas são satisfeitas sem que se
conseqüência, imponante tamo do ponto de vista preventivo pense no que irá acontecer depois. Orientada pelo prazer do
quamo pedago'gico, de que reforçar a consciência da responsa- momento e indiferente a todo o resto, esta atitude não só impos-
bilidade possui o efeito de 1m'unizar contra as “neuroses coleti- sibilita levar-se uma vida com objetivo, mas também uma vida
n
VZS . onde exista a conscíência da responsabilidade, pois a pessoa que
tem a mentalidade do provisório considera supérfluo e desneces-
Antes de nos voltarmos para os 4 diferentes sintomas das sário ocupar-se com as conseqüências que possam advir mais
“neuroses coletivas" lancemos ainda um olhar sobre as atitudes tarde para ela própúa e para o próxima Em geraL ela alega um
pouco sadias dos indivzd'uos, que justiñcam também uma aten- argumento qualquer para mostrar que este “mais tarde" nunca irá
ção preventiva. Elas nem sequer são neuroses no sentido para- ocorrer, ou então que ocorrerá inevitavelmente e da maneira mais
clínico, mas antes estratégias erradas para enfrentar a vida desagradável possível. “A próxima guerra vem de qualquer
(“wrong coping mechanísms"), que, pore'm, favorecem o desen- jeit0" ou “De qualquer jeito o mundo vai se acabar”, são alguns
volv1m'ento de neuroses “verdadeiras" no sentído clínico. destes argumentos, que arrastam consigo a complementação
“neuroses colelivas”
tácitaz “... por isso, enquanto é tempo, vou gozar a minha vida,
(atítudes pouco sadias de psicopatias fazendo o mínimo de esforço possível”.
muitos, manifestaçoes~ favorecem de Em certos casos, as conseqüências reais podem ser crue'is.
patológicas do espírito da toda espécíe
A saber, no dia em que a pessoa que tem esta mentalidade do
época)
provisório encontrar-se de mãos vazias, sem amigos, sem famí-
atitudes pouco sadías dos neuroses no lia, sem proñssão, sem dinheiro; e sem que a guerra tenha
m'div1'duos (“wrong favorecem sentido acabado com as pessoas nem o mundo tenha deixado de existin
coping mechanisms") clíníco Nada mais lhe resta a não ser um novo motivo para continuar
vivendo de maneira provisória, com o argumento de que “de
qualquer jeito, agora é tarde para começar uma vida que tenha
Mas voltemos aos fenômenos patológicos do espírito da
sentido”.
época. Frankl observou que existe uma espécie de añmdade entre
as psicopatias e algumas correntes políticas. Freqüentemente os
psicopatas são inclinados a posições políticas ou filosóñcas
* Viktor E. ankL Der Ieidende Mensclh 2' cd., ch, Hubcr, l984. capíluloz
“Pa|.hologic dkcs Zcitgcistcs".

102 103
Não contestamos que existem situaçoes' na vida onde a
ísi mesmas. Certas mentalidades religiosas também favorecem
esperança de um futuro positivo não é la' tão grande, p. ex., no
uma atitude deste tipo. Num caso extremo, não há nem mesmo
caso de uma grave doença, de idade avançada etc. Masjustamen-
a necessidade de prestar socorro a um acidentado; pois se for a
te estas situaçoes' exigem que, antes que se concretize a ameaça
“vontade de Deus", ele de qualquer fotma ñcará bom. Até para
do ñm, sejam aproveitadas todas as chances de sentido, do
c1m'a de Deus dá para empurrar a nossa responsabilidade pessoaL
contrário o ñm será terríveL Quem toda a vida viveu sem pensar
no futuro, no máximo reunindo algumas experiências superñ~ No terreno político, esta é uma atitude muito difundida nos
ciais de prazer, pode-se dizer que na sua morte não irá restar países em desenvolvimento, levando os habitantes desses países
muita coisa, já que nada buscou e nada alcançou, nada empreen- à ruína. Eles têm numerosos ñlhos que não têm condiçoe's de
deu e nada concluiu, nada amou e nada realizou, que tudo deixou alimentar, retiram da terra suas matérias-primas e seus alimentos,
ao acaso e nada pôde chamar de seu. Se o acaso lhe foi favorável ao mesmo tempo que se entregam conformados à sua pobreza.
não foi por merecimento de1e, se não o foi então azar! - mas do Nos países industrializados lançou raízes uma forma modiñcada
ponto de vista da psico-higiene, de qualquer modo, ele foi um de fatalismo que serve de desculpa para as ações erradas (“não
azarado, pois é o responsavel único pelas conseqüências, que não pude fazer de outro modo“), muitas vezes com uma fundamen-
são pequenas, de sua vida irresponsável e provisória. As pessoas tação psicológíca ("uma força interior impeliu-me a fazer tal e
que têm a mentalidade do provisório terão uma velhice difíciL tal coisa”). Muitos leígos interpretam a literatura psicanalítica
um adoecer difíciL uma morte difíciL divulgada para consumo popular inteiramente na linha do fata-
lismo, o que lhes tolhe todas as iniciativas, levando-os a omis-
Sob o aspecto político temos que reconhecer que a crescen-
soes', de forma especial no tocante às possibilidades de realização
le destruição do ambiente, que hoje nos preocupa como nunca,
de sentido.
é uma conseqüência clássica desta atitude existencial do provi-
sório. Inúmeros contemporâneos nossos vivem de acordo com o Não iremos contestar mais uma vez a existência de um
lemaz “O importante é que hoje eu esteja bem'.", e não querem destino. Também não poremos em dúvida a "vontade de Deus",
saber como irão ñcar nossos netos e bisnetos. Para citar apenas e certamente muitos de nós já experimentamos que algumas
um exemplo enlre milhares, é como se jogássemos no esgoto a casualidades diñcilmente podem ser interpretadas como mero
água de beber, sem nos incomodatmos se daqui a 30 ou 40 anos acaso. Não obstante isto, o destino de cada pessoa sempre
os reservatórios de água potável ainda serão suñcientes. Os constituiu, de certa forma, um questionamento ou um desaño
pessimistas poderão concluir que também a nossa geração não para essa pessoa, a questão do que ela irá fazer dele, questào cuja
írá ter uma morte agrada'vel... resposta não é o destino que fomece. As respostas têm que ser
dadas por nós mesmos, e mesmo uma resignação cega pode ser
uma resposta, embora nunca uma resposta responsáveL O fata-
Ref. a 2): A pessoa de nzentalidadefatalzs'tica presta fé num lista toma-se culpado de não senlir-se culpado por coisa alguma.
destino todo-poderoso que se manifesta responsável por tudo.
Nega-se a si próprio toda possibilidade de decidir, o que eviden-
temente não deixa de ser uma posição cômoda. Se tudo se Ref. a 3): A mentalidade colerivista leva a generalizações
encontra previamente determinado, seja pela conñguração dos e globalizações que impedem uma formação adequada de opi-
nião e que podem levar a avaliações incorretas e a julgamentos
astros, seja pelas leis da biologia, das estruturas da sociedade ou
da dinâmica do ínconsciente, então não há mesmo necessidade falhos de toda uma nação. Em princípio, pore'm, ela não passa de
uma snn'plificação e de sinal de um processo mais ou menos
nem possibilidade de uma contribuição própn'a. Então estamos
certos em cruzar os braços e deixar que as coísas aconteçam por avançado de embrutecimento.

104 105
Quando ouvun'os alguém añrmar que “todos os trabalha- Ref. a 4): Não raro o pensamento coletivista desemboca no
dores estrangelr'os são sujos”, um segundo garantir que “todos fanatismo, que se caracteriza pelo fato de não deixar lugar para
os psicólogos são meio malucos" e um terceiro dizer que “a quem pense de forma diferente. A maneira de ver, própria ou do
televisão não tem nada que preste", estamos ouvindo julgamen- grupo a que se pertence, passa a ser a “escala de todas as coisas”.
tos que aplicam-se a objetos diferentes e atingem cada um de Contudo, o drama maior, de acordo com Viktor E. FrankL
maneira díferente, mas por trás de cada um deles esconde-se o consiste em que para os fanáticos todos os recursos para impor
mesmo clichê pueril de quem não consegue enxergar senão e fazer valerseus pontos de vista são 1egít1m'os. Em vista dos seus
dentro do esquema do bem e do mal, de quem não quer esforçar- objetivos políticos, religiosos ou outros, o fanático literalmeme
se para saber distinguir. passa por c1m'a de cada'veres, desconhecendo qualquer míseri-
córdia e perdão, não recuando sequer diante do inocente que nada
Além de constituir um perigo para o “coletivo que é o
tem a ver com o assunto. Um exemplo extremamente atual disto
objeto dojulgamento", a mentalidade coletivísta prejudica tam~
é o terrorismo modemo, em todas as suas formas.
bém o que pensa de acordo com ela, pois quem gosta de classi-
ñcar os outros, de levianameme coloca'-los por assim dizer em Citaçãoz “Não é o objetivo que importa, mas sim o estilo da
°°gavetas“, não tardará a estar ele próprio encaixado e trancado politica. Porém, existem dois estilos de política e duas
numa gavela. As pessoas de mentalidade coletivista com facili- espécies de polítícosz Aqueles para quem o ñm justi-
dade degradam-se ao m'vel de seres impessoais, de produtos da ñca os meios - e aqueles que têm conscíência de que
massa, ou identiñcam-se com determinados grupos, com as também existem meios que profanam o mais legítimo
qualidades e os objetivos destes grupos. Fazem-se punks, mar- dos ñns. Efetivamente nem é verdade que o ñm justi-
g1'nalizados,juppys etc., vestindo-se de acordo, componando-se ñque os meios; pela simples razão de que, se para uma
de acordo, fundindo-se inteiramente com o tipo escolhido e nele pessoa todas as coisas não são senão meío para o ñm,
perdendo o que possuem de próprio e de inconfundíveL para essa pessoa nem mesmo o ñm pode serjusta Pois
ara uem qual uer meio é 'usto, ara este não existe
É de causar espanto como justamente entre os jovens
cpoisaqalguma quqe seja justa p
podem ser observados hoje fortes “anseios de fusão“, da mesma
forma que, lamentavelmente, padrões de pensamento coletivis- A pessoa de mentalidade fanática quase sempre tem um
tas (“Não conñe em nínguém com mais de 30“). Num simpósio alvo à sua frente - ao contrário daquela que pensa pelo proviso'-
sobre a juventude ouvi certa vez um orador traçar uma ímpres- río, que não visa alvo algum -, mas ela pretende atingir o alvo
sioname comparaçãoz “Se em nossos dias observarmos osjovens libertando-se de todo freio e de toda responsabilidade. Isto faz
num festival de rock, podemos observar ao vivo os mesmos com que seu alvo perca o valor e lira todo o sentido ao seu agir
fenômenos de massa que no passado foram desencadeados pelos orientado para um alvo.
discuxsos incendiáños de Hittler". E acrescentou o orador que, O perigo do fanátíco, mesmo que não levemos em conta
pressionadopelas idéias coletivistas, um jovem de hoje é incapaz sua intolerência para com o ambiente, consiste no aspecto unila-
de aventurar-se a não gostar de música de rock, da mesma forma teral e estreito do seu sistema de valores. Se não consegue
que os nazistas não conseguiram fonnar uma opim'ão crítica alcançar o seu objetivo ou pôr em prática as suas idéias, ele cai
sobre a política do Fu"hrer. Mesmo que tenha seus pontos fracos no desespero. É um escravo permanente do “princípio do tudo
e seus senoes', de qualquer forma é lamentável que esta compa- ou nada”, que acompanha todos os seus passos, e em cujo ñm
ração ainda possua tão grande dose de paralelismo, suñciente quase sempre se encontra o “nada“.
para fazer com que possa ser discutida com seriedade.
* Viktor E. ankL Der leidendc Mensch, 2l ed., ch. Hubcr, 1984, p. 195.

107
106
Descrítos os sintomas maís importantes das "neuroses co- mente sadias e mentalmente não prejudicadas conservam sua
letivzs“, não nos será difícil compreender por que elas são fatores liberdade e responsabilidade. Entre os psiquicamente sadios e
que podem gerar psicopatias. Contanto que estejamos suñc1'en- mentalmente não prejudicados, cntretanto, existem alguns que
temente fanúliarizados com o fenômeno das psicopatias, pelo desistem de sua Iiberdade e de sua responsabilidade. São os
que pode ser útil acrescentar aqui umas poucas palavras sobre neuróticos, que “em liberdade decidem-se contra a liberdade", e
este tema. os psicopatas, que “irresponsavelmente decidem-se contra a
Pela palavra “psicopatia” estamos designando formas responsab1'lidade”. Como ambas as anomalias possuem uma
anormais de vivéncia e comportamento que não pertencem ao °^parcela volunta'ría" que, em última ana'lise, não é uma categoña
num'ero das psicoses nem das neuroses, e que de forma geral não clínica mas um elemento pessoaL tentaremos a seguir uma
possuem senão “cara'ter doentio" condicionado. A parcela doente comparação enLre as características das neuroses e das psicopa-
é aquela à qual falta a liberdade. São as formas anormais de tias, levando em conta de uma maneira especial a capacidade que
vivência que conhecemos pelas descrições dos psicopatas. Mas possuem as atitudes de “neurose coletiva“ para provocarem
como uma de suas formas anormais de componamento é a pslcopatxas
mentira, nunca sabemos exatamente até onde vai a anormalidade
de suas vivências. As formas comportamentais anoxmais, ao
v

tem medo de menos


-›' í
inves', claramenle são comportamentos voluntários, e a questão
se uma pessoa é doente quando não quer o que deve querer é uma procura scnsações de prazcr P. C 1
pergunta que nunca foi satisfatoriamente esclarecida.
l› pouca realização interior de sentido
Pode-se supor que as foxmas anormais de comportamento dá 1m'por1áncia excessiva a não leva a sério coisas Ft, P
(como p. cx. mentir, roubar, bater, enganar, violentar, matar)

1
bagatelas, Ieva-as muito a seno un'ponantes
sejam conseqüências de formas anormais de vivências. Mas, por
não quer am'scar nada arrisca demais P,F
outro lado, tais pessoas podem comportar-se de forma absoluta-
mente normal quando a isso obrígadas, ou quando impedidas de Êbusca compulsivamente a esforça-se de menos para ser
perfeição perfeito
apresentar o comportamento anormal, de modo que pelo menos
pode-se partir da suposição de que, não obstante suas possíveis VÍ desenvolvimemo prejudicado da personalidade
l
vivências anormais (como a tendência a provocar incêndio, o Inobedece cegamente a suas extmvasa cegamente suas F, P
desejo sexual exagerado, os sentimentos de raiva repentina, ou \emoçoes~ emoçoes"
também a ausência de sentimentos como compaixão, compreen~ \ .
¡ tem bom senso, a que nao obedece não lem mu1to bom senso
são social e pudor), elas são capazes de dirigir o seu próprio

Í
Í _ .
I emoçoes dommames

1
componamenta
I . .
1 sente~se responsável no momento slmplesmente nao assume P, C
Em última ana'lise, ñcará sempre envolta em mistério a
responsabilidades
razão por que, em tantos crimes que se tomaram ce'lebres, os
|tem baixo conceito de si própño tem baixo conceito das outras F. C
encarregados de julgá-los não chegaram a um acordo sobre como
pessoas
pessoas às vezes responsáveis e muito inteligentes deíxaram-se

T
levar a cru'nes que causaram tanto prejuízo a elas próprias e a sofre desnecessañamente faz os outros sofrerem

In
desneccssañamcmc
outros. Apenas podemos dizer que as pessoas psiquicamente
doentes (como os psicóticos) e mentalmente prejudicadas podem Í egocentrts'nzo exagerado
perder sua liberdade e responsabílidade, enquanto as psiquica-

108 109
A comparação manifesLa os aspectos em que as duas atitu-
des psíquicas são diferentes, mas também o que elas possuem
em comum. O excesso de egocenm'smo, em oposição a uma fraca
realização de sentído, e a dominância das emoções na esfera
psíquica, em oposição ao desenvolvimento da parte noética da
personalidade, apontam para alguma coisa muito essencial que, Quatro atitudes pessoais propensas a crises
à maneira das agulhas que nas linhas férreas determinam as rotas
dos trens, está envolvida no surgimento de crises e doenças
psíquicas.
As abreviaturas na coluna da direita designam os sintomas
de “neuroses coletivas“ que favorecem determinadas caracte-
rísticas psicopáticas. P representa a “alitude existencial ptoviso'-
ria", Ft a “atítude de vida fatalisla", C a “mentalidade coletivista”
e F o “fanatismo". Vemos que todos os caracteres típicos da
psicopalia possuem pelo menos duas raízes nas patologías do Consideremos mais uma vez o esquema da página 102,
espmHto da época. Seguindo a tendência atual, que prefere falar onde ao lado das “neuroses coletivas" são mencionadas as “ati-
em "otimização" em lugar de “normalidade“, vale então a se- tudes pouco sadias dos m'dívíduos" que foram consíderadas
guinte nomxa a ser lembradaz “As 'neuroses coletivas ' afastam propensas ao apareclmento de crises, não tanto no sentido de
a pessoa de sua condiçâo ótima, ao passo que uma resisténcia provocarem psícopatias mas principalmente de provocarem neu-
â 'patologia do espírito da e'poca' aproxima a pessoa de sua roses no sentido clnu"co. Viktor E. Frankl subdívide estas atitudes
condição 0'Iima. " Ou com outras palavrasz Nós não somos res- em duas ca*tegon'as, que ele denomina de “ma' passividade" e "ma'
ponsáveis pela época em que vivemos, mas somos responsáveis atividade” . Como uma má passividade ele considera a vontade
pela medída em que segu1m'os o seu espírito e pela maneira como forçada de evitar todo lipo de incômodos, siluações de angústia
contribu1m'os para marca'-lo. ou ameaças de fracasso; caso exista uma “ressonância do orga-
m'smo” (= existindo fatores de disposição e de constituição), esta
atitude pessoal pode descambar numa neurose de ansiedade.
Como má atividade ele classifica a luta forçada contra
idéias fixas e compulsões, bem como a vontade forçada de
experiências de prazer e que visam obter sucesso na esfera
sexuaL Também a esse respeito Frankl demonstrou, através de
um grande número de casos, que caso ocorra também uma
“ressonância do organismo“, a luta contra as compulsões irá
produzir uma neurose obsessívo-compulsiva, e a vontade de
obter êxito sexual, uma neurose sexuaL

* Viklor E. ankL Theorie und Therapie der Neurosen. 5' cd., Mun"chcn.
Rcmhar'dt, UTB 457, 1983, p. 154/155.

111
110
À vontade forçada de conseguir alguma coisa, ao “hiper-
inlender", quase sempre associa-se uma reflexão forçada, par-
luta exagerada vontadc reflexão
tamo uma auto~observação e auto-reñexão exagerada, que
:,.-M. -. un~

exagerada de contra alguma exagerada de exagemda sobre si


prendem o Eu demro de limites mentais doentios. Neste contex- evítar alguma coisa conseguir algo pro'pn'o
to, Frankl faz uma crítica à Psicologia atual, que fez o homem coisa
tomar-se desconñado em relação às suas própñas motivações. recusar e constame consmnte constanle
De qualquer forma, a tendência à auto-interpretação e à auto-re- desculpar-se insatisfação insalisfação com auto~observaçáo e
velação tomou-se tão difundída a esta altura que nos vemos constantemente consigo e com os as circunstaílcias auto-reflexão

\
da vida
obrigados a falar de uma "neurose obsessivo-compulsiva da outros

coletividade". od'io, cobiça, insegurança,


íncapacidade de ãnsia de poder desconñança
As atiludes críticas apontadas por Frankl am'da podem ser reconciliarse
apresentadas de uma forma mais geral do que em sua teoria das
falta de dísposição falta de disposíção falla de disposiçño falta de disposição
neuroses, a saber, comoz
para superar-se para perdoar pam renunciar para esquecer~se
l. Vontade exagemda de evitar alguma coisa de si
2. Luta exagerada contra alguma coisa clinicamente: clinicamentez tendência à auto-
3. Vontade exagerada de conseguir alguma coisa fuga do medo -. luta contra a luta pelo interpretaçào

\
4. Reflexão exagerada sobre si próprio. neurose de compulsão a prazer_. ~ - neumse
neurose neurose sexual obsessívo-
Presente em todas as quatro atitudes, o adjetivo “exagera- obsessivo~ compulsiva
do" traz-nos à lembrança as palavras que estavam escrítas no compulsiva coletiva
pónico do templo de Delfos, na Grécia antigaz Meden agan, em
portuguêsz Nada demais! Os quatro padrões fundamentais men-
cionados acima levam a formas componamentais insensatas, a Ref. a l): Por trás de toda vomade exagerada de evimr
relações conñituais e ao desenvolvímento de qualidades huma- alguma coisa encomra-se o medo do incômodo. Em si, evitar
nas pouco apreciadas, porque em cada caso o arco encontra-se incômodos é correto, só chega a tomar-se crítico quando o
tensionado além dos limites e a medida sadia do emprego de próprio fato de evitar e de esquivar-se leva a pessoa a situaçóes
energia foi ultrapassada, provocando destruiçãa Além disso, cada vez mais desagrada'veis; e toma-se docntio quando o medo
falta em cada caso a disposição para alguma coisa que não pode do incômodo (em linguagem clínicaz a "ansiedade de expectati-
ser dispensada na vida: a disposição para superar~se, a disposição va) chega a ocasionar sintomas psíquicos e físicos de doença.
para perdoar, a disposição para renunciar e a disposição para Muitas pessoas, por exemplo, acham desagradável entrar
esquecer-se de sí próprio. numa loja' superlotada e alropelar-se nas escadas rolantes em
meío à multidão. O fato de isto ser desagradável é inteiramente
normaL O fato de alguém preferir visitar a loja em dias de menor
freqüência não somente é normal, como é até mesmo bastante
sensata Mas quando algum dia for necessário providenciar
alguma coisa na loja em hora de grande movimenlo, e alguém
deixa de tomar essa providência por medo de tropeçar nas
escadas rolantes ou repentinamente ñcar com falta de ar, então
a sua atitude está começando a se tomar crítica. Logo ele passará

112 113
a andar cada vez mais ratamente nos lugares muito movimenta- situações muito mais dcsagrada'veis. Mui sabiamente foi isto
dos. E se mesmo assim o ñzer, pode acontecer que de tanta formulado por Frankl quando escreveu: “A pessoa que acha que
excitação ele efetívamente venha a sentir qualquer coisa, algum o seu destino está selado fica sem condições de modíñca'-lo".
mal-estar, um peso no coração, o que terá por efeito lhe reforçar Talvez esteja aí a chave para a compreensão deste curioso fato
o medo. Com o tempo ele passa a evitar ôm“bus, trens, elevadores, que muitas vezes pode ser observado, que em épocas de guerra
reslaurames, cinemas, etc., e a claustrofobia estará instalada. ou logo após uma guerra o num'ero de neuroses e distúrbios
psicossomáticos cai bruscamente. Na hora da necessidade é
lsto signiñca, pura e simplesmente, que aqui e acolá temos
muito fone o desaño para a pessoa enfrentar o seu destino e
que aceitar coisas desagradáveís e incômodas, quando isto for
assurrur' a luta pela sobrevivência. Ela tem que dominar~se em
1m'portante e tiver sentido, e que para este flm precisamos domi-
muitas coisas, e ísto parece fortalecê-lo interiormente e enrijecê~
nar-nos. Graças à sua capacidade espirituaL o homem é capaz
la por fora.
disto enquanto não se convencer que não tem esta capacidade. A
teoria do ”eu-não-posso“, que impede a pessoa de superar-se, é Em épocas de bem-estar é possível esquivar-nos de muitas
encontrada com extraordinária freqüência nas cluu"cas psicote- coisas, mas pagando o preço do próprio enfraquecun'ento.
ra'picas, além de ser um sintoma decorrente do excesso de
bem-estar em nossa sociedade. Quem for sincero poderá recon-
Ref. a 2).' Existem coisas que quanto mais as combatemos
hecer nela também, vez por outra, uma desculpa cômoda para
piores se tomam. Pertence a este num'ero a tendência compulsiva
sua falta de vontade e de autodísciplína.
de cenas pessoas ao perfeccionismoz quanto mais se esforçam
para não fazerem erros, tanto mais erros cometem. Mas isto não
A seguir uma lista de frases de pacíentes que freqüeme- vale apenas no tocante às próprias falhas, mas também quanto às
mente podem ser ouvidas nas clínicasz formas erradas de nos comportarmos no ambiente social: quanto
mais criticamos o próximo e reclamamos dele, tanto mais nega-
não posso mostrar~me alegre de manhã cedo porque sempre
tivamente ele se comporta. Aquele que quer ser perfeito e com-
acordo rabugento.
bate suas próprias fraquezas de maneira compulsiva, toma-se
nunca posso fazer compras em dia de sábado porque as pessoas cada vez mais imperfeito, e quem combate com ira o comporta-
que enchem as ruas me írritam mento falho das outras pessoas despena cada vez mais imm°izade.
eu não consigo adormecer sem antes tomar uma cerveja.
hoje eu não posso dizer nada que se aproveite, porque meu Enquanto as pessoas com vontade exagerada de evitar
bio-ritmo está em baixa. alguma coisa procuram escapar de todas as diñculdades e não
não consigo controlar-me quando ñco com raiva, aí eu perco conseguem senão arranjar cada vez mais diflculdades, da mesma
a cabeça. forma os que lutam desesperadamente contra todas as diñculda-
não posso fazer carinho a minha ñlha, porque minha mãe não das não conseguem senão aumenta'-las.
costumava ter contato físico comigo. A seguir o exemplo de um círculo vicioso que costuma
Na verdade, todas estas pessoas são capazes de fazer todas ocorrer em 95 % das problemas matrimoniais:
estas coisas, apenas elas negam a si própñas esta capacidade.
Com isso fecham as portas que se encontram abertas, candída-
tando-se ao desconlrole e ao desamparo. Quem nunca se expõe
a situações desagradáveis e as supera, aos poucos vai-se tomando
m'capaz de enfrentar tais situações, o que o deixa exposto a

114 115
Insatisfação com o As atitudes da pessoa, como sabemos, são a expressão das
comportamento do parceiro
"ele devia. . atitudes do espírito, e estas transcendem o terreno do sentlm'ento
na medida em que temos necessídade de posicionarmos também
em relação aos nossos próprios sentimentos de ódio, de raiva e
sofmnento com o comportamemo sofrímento com o próprio fracasso, de dor, e não apenas em relação à pessoa que os provocou. Quem
do outro (ñcar infeliz) joga a culpa sobre o parceiro põe um termo àqueles sentimentos, tratando esta pessoa com um

I pouco de atenção, indulgência e bondade, supera-se inte-


riormente, e vice-versa: A pessoa que possui grandeza interior
tentaliva desesperada de modiñcar desengano com o
não se mostra mesquinha.
o parceiro, por meio de acusaçoes'. ms'ucesso destes esforços
pressão, influéncia (desãm'mo, ira)

Ref. a 3): Na busca exagerada de conseguir algo, trata-se


experiéncia das lun'itaçoe's também de uma luta, porém não uma luta contra algo ou contra
da própña influência alguém, mas sim de uma luta por algo ou por alguém. Evidenle-
(pressào provoca mente, é necessário lutalmos por muita coisa na vida. Presentes
contrapressão e resistência)
de mão beijada são raros. Mas, por oulro Iado, toda luta encami-
çada e exagerada por alguma coisa traz como diabólica conse-
qüência a certeza de que esta coisa não será alcançada. Um
“presente" tem que ser presente-ado, o sucesso tem que ser
Temos que aprender a aceilar certas coisas, a suporta'-las e alcançado, a felicidade, a alegria, o amor e a satisfação não
tolera'-las (em nós mesmos e nos outros), a simplesmente agüen- podem ser conquistados à força. Além do mais, por maís banal
tá-las, só assim elas deixarão de ser importantes. Caso contra'rio, que possa parecer esta añnnação, não se pode ter tudo, muitas
irão se acumulando e terminarão por levar ao ódio e à ímpossi- esperanças terão que ser deixadas para trás em nossa vida. Quem
bilídade de reconciliação. Isto não signiñca que tenhamos que não estiver disposto a ísto, não tardará a cair num "estado
atumr tudo, mas precisamos saber com clareza que nenhum permanente de insatisfação“, que para sempre haverá de destilar
poder deste mundo - e muito menos uma briga ou uma descom- fel em sua felicidade interior.
postura - é capaz de modiñcar uma pessoa se ela mesma não De acordo com minha experiência de longos anos, são
quisermodiñcar-se. E se ela não modiñca, cabe a nós decidirmos principalmente as mulheres que mais estão expostas a isso, sem
se ñcaremos à distância ou se permaneceremos ao seu lado, e, que eu saiba dizer por quê. Nas entrevistas com as pacientes
nestc caso, se a trataremos com amabilidade ou com hostilidade. muitas vezes não consigo evitar a impressâo de que todo o seu
Odiar e recusar-se a perdoar pertencem ao número das problema reside na insatisfação, na etema ânsia por circunstân-
atitudes mais trágicas que existem, que permanecem por anos a cias que não encontram em sua vida atual e sobre as quais nem
ño “no coraçã0“, principalmente quando ocorrem com os fami- sequer existe ceneza de que as pacientes seriam maisfelizes se
liares. Uma pessoa com estes sentimentos jamais encontra paz. as encomrassem
É verdade que um sentimento de o'dio pode ter razões realistas, Existem as mulheres proñssionalmente ativas com poucas
p. ex. quando alguém sofreu realmente uma injustiça; no entanto, relações de amizade e sem ñlhos - estas anseiam por uma
tem que chegar o dia em que o sentimento de o'dio precisa ser matemidade e pela felicidade de um lar. Há as mães e donas-de-
superado por um ato de perdão, do contrário ele irá provocar no casa que não trabalham profissionalmente - e que lamentam-se
que odeia efeitos patológicos.

116 117
do vazio de sua vida na prisão domes'tíca. Há ainda as mães que deve satisfazer a dois critérios: ser realista, e positiva. Surge daí
trabalham, as que apesar da felicidade do lar abandonam a prisão a questão: o que acontece quando alguém, realisticamente, tiver
- e que vivem a queixar-se de seu stress de cada dia. Por úlum'o, que formar uma 1m'agem negativa de si próprio7 Na prática só
há am'da as mulheres que nem trabalham nem cuidam de crianças existem duas possibilídades para esta pessoa: ou ela tenta enga-
- e que acham que vão morrer de tédio.
nar-se a si própn'a, fazendo ilusões a respeito de si mesma, ou -
O que se toma mam'festo deste confronto é o seguinte: ela se envergonha. (Esta é uma problemática que desempenha
Nm'guém possui uma vida ideaL a vida de cada um tem seus altos um papel importante, p. ex. no comportamento dos víciados).
e baixos, suas chances e seus desgostos. Temos que libertar-nos A saída do dilema consiste em esta pessoa introduzir um
em pensamento daquilo que não nos é possível conseguir, e
fator posítivo realístico em sua vida, o que automaticamente
renunciar a querer “romper o muro com a cabeça”, o que facil-
com'girá sua auto-1m'agem, possibílitando-lhe esquecer-se de si,
mente nos pode levar a conseqüências mais sérias.
em vez de viver zangada e com vergonha de si própria. Mas um
A vontade forçada de conseguir alguma coisa não somente fato positivo realista só pode ser criado em relação ao mundo
nasce de uma insatisfação, mas ela também aumenta a insatisfa- exterior, o que signiñca que a primeira coisa a fazer é retirar o
ção, transformando-5e num alo de violência destrutiva que nada olhar de si mesmo, a ñm de que, como efeito ñnaL a pessoa possa
consegue. Recuar, conservar a modes'tia, saber renunciar, ao ser “redimida" de toda rejeição própria.
inves', aliado ao corajoso aproveitamento das chances que a vida auto.1m'agem o olhar auto-1m'agem sadio esque-
nos oferece, é um ato de añrmação da vida, que produz satista- realista negativa - ñca realista positiva -° cimento de
çao. (auto-rejeição) preso ao eu (auto~aceitação) si próprio

l I
Ref. a 4): Desde muito está demonstrado que um excesso o olhar precisa “redenção“
desprender-se da
de observação de sipróprio toma a pessoa psiquicamente doen-
, do eu auto-rejeição
te, porque contraria a natureza do homem. Pois sendo o homem
um ser espirituaL faz parte de sua natureza ser aberto e receptivo l
para 0 mundo, e quanto mais alguém olha para dentro de si, tanto o olhar no mundo extemo
mais ele submerge no torvelinho de suas angústias existenciais din'ge-se pode ser cn'ada
de criatura, ao mesmo tempo que perde de vista a multiplicidade para o alguma coisa
mundo .realisla posiliva
de coisas e valores que existem em tomo dele. Além disso, extemo_ › ' (não obstante a
sabemos também pela Psicologia que as pessoas que não gostam pontos dc 4
4 auto-¡m'agem
z
de si próprias sempre se encontram muito ocupadas consigo intervenção lerapêutica negatíva)
mesmas. enquanto as que, de certa forma, se identificam consigo No fluxograma ac1m'a há dois pontos em que pode ser
mesmas pouco pensam em si. Quemsedespreza dirige a atenção prestada*uma assistência terapêuticaz quando o olhar se despren-
para si mesmo! A atenção só permanece voltada para o próprio de do eu , e quando é realizado um propósito positivo e pleno de
eu quando alguém se tomou inseguro de si mesmo, quando sentido orientado para o mundo exterior. O resto quase que
desconfla de si ou não acredita mais em si,
Evidentemente, todo homem possui uma certa auto-1m'a- * Cf. a cssc rcspcilo o método da “dcncñexão" na Logolcrap1'a, drcscñlo cnue
gem, só as pessoas muíto jovens é que ainda têm sua auto-ima- oulros por .Flisabclh Lukas no livro Von der Tralzmachl des GeBmL Frciburg, Hcrdcr.
1986. (cm partugucS'2 "Logolcrapia - A força dcsañadora do cspín'lo", S. Paulo, Loyola,
gem em formaçã0. Na medída do possível, esta auto-imagem 1989.)

118 119
ocorre por si mesmo: Quem se entrega a uma coisa que possui ícomc críticas ou como geradoras de crises, encontraremos es-
semido e com isto se esquece de si mesmo, lnlucia o processo de pantosos paralelos.
positivização de sua auto-imagem. Quem se entrega à observa- A atitude existencial provisóría muitas vezes tem que ver
ção forçada de si mesmo nem chega a perceber quanta coisa cheia com uma Iuta fracassada contra alguma coisaz luta-se contra o
de sentido está à sua espera, e o fato de achar que nada o espera que a vida possui de ameaçador, recusando-se a fazer planos que
reforça sua auto-1m'agem negativa. Com que belas palavras o poderiam ser objeto de ameaça, preferindo viver-se como as
poeta Carl Peter Frõhling expressou esta sabedoria, quando coisas vêm acontecendo. A atitude de vida fatalista, por sua vez,
escreveu2 é exatamente a atítude de quem é vítima de uma neurose de
Tudo e' presente: ansiedade, que añrma que não consegue fazer nada por causa do
juventude e vida, medo de não o conseguir, e que por isso ñca sem experimentar
a velhice e a morte, aquilo de que, apesar do seu medo, ele é capaz de fazer. A

n-
e 0 amor tambe'm, mentalidade coletivista é um pensamenlo bitolado por padróes e
afelicidade e a aflição, frases de efeito, do qual foi retirado todo o aspecto de multipli-
e o próprio sofrimento cidade e variedade que existe no mundo e nas cn'aturas. Uma
tudo quanto herdaste, semelhante limitação do pensamento é produzida também pela
o que conquistaste, auto-reflexão forçada, que da mesma forma perde de vista toda
Iudo quanto e' teu. a plenitude de sentido existente no mundo. Por último, o fanatis-
Tudo e' presente. mo é caracterizado precisamente pela vontade de alcançar obje-
Nem teu próprio ser tivos nascidos das próprías idéías, mesmo que com ísso se tenha
que passar por c1m'a das outras pessoas. Fica assim claro que as
a Ii pertence.
manifestações patológicas do espírito da época refletem as atitu-
Por último vamos refletirz Como poderemos imaginar uma des pessoais ba'sicas, que já são prejudiciais aos indivíduos, e
correção destas quatro atitudes propensas a crises? Embora fale com mais razão ameaçam a sociedade, encontrando seu ponto
de um "apelo à consciência da responsabilidade” como “terapia culm1n'ante, na grande política mundiaL no perigo da guerra.
_. _ .-

para as neuroses coletivas", Viktor Frankl, no tocante às atitudes


pessoais, fala também de uma “reta passividade” e de uma “reta Neuroses coletivas Alitudes pessoaís
atividade” como corretivos terapêuticos adequados. A “reta pas- E criticas

de
UJ
sividade" consiste no ignorar (não dar atenção), ou mesmo no é
... Atitude existencial Desejo exagerado
._ ._ ._ .

ironizar (não dar tanta importância, olhar com humor) o que é

perigo
â provísória de evitar algo

op
o
temido, odiado, buscado desesperadamente, e se necessário - o

op oãpad
.°...

_, opuaAeH
Atitude de vida Luta exagcrada

a
próprio eu. A “reta atividade", por sua vez, signiñca o “deixar U
'c fatalista contra alguma coisa

gucrra'
de lado o que incomoda", o “existir para alguma coisa que tem
S

de politímção,
U Mentalidade Desejo excessivo
sentido“, o “estar aí para algo ou para alguém", sem se preocupar

'“OU.IS!UBOJO
co
coletivista de alguma coisa

¡9som9u
se isto traz lucro, mas sabendo que, do ponto de vista da Psico- o

9!OUBUOSSQJ
.._°°
higiene._ tmz mais proveito que todo o resto, a saber, o conheci- Fanatismo Reflexão exagerada
H
0
lL
caso

sobre si mesmo
mento, antes inconsciente que consciente, de não se haver vivido
em vao.
Enñm, se comparannos os achados da “patologia do espí-
nto da e'p0ca" com aquelas atitudes pessoais que classiñcamos

120 121
Citaça'0: “O fanatismo não ñca atrás do fatalismo em 1m'portân-
cia ou em ameaças; pois ele representa uma epidemia
psíquica Como as outras epídemias, esta epidemia
psíquica é um resultado necessário da guerra; ao con-
lran"o das outras epidemias, esta epidemia psíquica é
também uma possível causa de guerra. É, além disso, O “ato coexistencial” do amor
mais infecciosa; difunde-se com mais rapidez. Seus
agentes transmíssores são as palavras de efeito, e -
uma vezjogadas na massa - desencadeiam uma reação
psicológica em cadeia mais perigosa que a reação
física em cadeia que constitui a bomba atômica. Pois
a reação em cadeía física da bomba atômica nunca
haveria de ocoxrer s*e ames não ocorresse a reação em
cadeia psícolo'gica."
Como já foi lembrado na citação da pa'g. 84, a “abertura Fiel a seus pontos de vis|a, Sigmund Freud mencionava
para o mundo” tomou-se hoje uma coisa m'dispensável num ldds objetivos a serem alcançados pela terapia: os pacientes
sistema de pensamento psicológico. Uma psicologia que se psíquicamente enfermos precisavam readquirir
empenhe apenas pela estabilidade pessoal das vítlm'as da neurose a) a sua capacidade de experimentar prazer
não está à altura do desaño de nossa época. Hoje precisamos de b) a sua capacidade de trabalhar.
uma psicologia quetambém leve em consideração os fenômenos
Viktor E. Frankl modiñcou um destes objetivos terapêuti-
coletívos e desenvolva normas para as correçoes' necessárias, cos e acrescentou outro. De acordo com seu ponto de vista, os
pñncipalmente as correções no espirituaL nas atitudes e nas
pacíentes psíquicamente enfermos precisariam readquírir
idéias das pessoas. Pois são estas que 1r'ão determmar o destino
da terra e de seus habitantes. Ou, expresso com outras palavrasz a) sua capacidade de amar (em vez da capacidade de sentir
Se o próximo século não for um se'culo espíritualizado, não prazer)
haverápróxímo se'culo. b) sua capacidade de trabalhar
c) (e além disso) sua capacidade de sofrer.
Se são estes os alvos da terapia a serem atingidos na
m'tervenção nas crises, isto signíñca que na prevenção das crises,
na medida do possível, estas três capacidades acima precisam ser
conservadas, que elas não podem perder-se, pois do contráúo
sobrevirá ameaça de enfermídade psíquica, tomando necessária
uma psicoterapia. Por essa razão, para concluir nosso pequeno
tratado de psico-higiene, queremos reñetir agora sobre o que é
que sustenta e faz crescer no homem a capacidade de amar e de
trabalhar, sempre procurando ver como ele pode manter a esta-
bilidade psíquica mesmo no caso de as relações de amor ou as

* Viklor E. ankL Der Ieidende Mensch. 2l cd., ch, Hubcr, 1984, p. 198.

122 123
chances de realização no trabalho estarem prejudicadas, ou seja, Amor é entáo o estar voltado diretamente para a pessoa
quando estiver em jogo a capacidade de sofrer do homem espirítual de quem é amado, para a pessoa no que ela
possui de único e írrepell'vel... Enquanto ao que se
Voltemo-nos inicialmente para a capacidade de amar.
envolve sexualmeme ou ao apaíxonado agrada uma
Viktor E. FrankL mui conscientemente, substituiu a “capacidade
característica corporal ou uma propñedade psíquica
de gozar" pela “capacidade de amar", por considerar o amor não
“no" parceiro, ponanto uma coisa que esta pessoa
como um meio para obter prazer com o ñm de satisfazer uma
“tem", quem ama, ama não somente algo “na pessoa
necessidade própria - mesmo que sob a roupagem de uma
amada, mas ama a própria pessoa; portanto, não algo
“sublimação da sexualidade" -, mas como expressão de algo que
que a pessoa*amada “tenha", mas precisamente o que
supera de muito a salísfação de uma necessidade, ou seja, um
a pessoa “é"
“ato coexistencial". Quando ama, a pessoa humana, como ser
tridimensional em sua totalidade física-psíquica-espiritual, pode À luz desta definição pode-se mostrar muito bem a diferen~
a-preender outra pessoa humana na mesma totalidade física-psí~ ça entre os pontos de vista de Freud e de Frankl. Freud chamava
quica-espin“tual, de certa maneíra, de uma existência para outra o estado do apaixonado uma fonna de “pulsão iníbida quanto ao
exislência. Mas ela pode também permanecer numa relação em alvo“, entendendo “inibida" no caminho do prazer de uma uniào
duas ou mesmo em uma dimensão, e neste caso pode chegar a sexual. Frankl haveria de concordar também em considerar o
um conçto físico e psíquíco, mas não a realizar um "ato coexis~ estar apaíxonado como uma forma de “pulsão inibida quanto ao
tencial“ . alvo”, porém “inibida“, ao invés, no caminho para o amor
verdadeiro e autêntico.
Uma relação unidimensional é conslituída por um interesse
meramenle sexual no parceiro, despertado por sua atratividade
corporaL Já o envolvimento bidimensional apresenta uma rela- Dimensão espiritual amor verdadeiro
“pulsão inibida
çâo para com a estrutura psíquica do parceiro, cujas qualidades, e auténtico ›
quanto ao alvo"
fomms componamentais e irradiaçào despertam a emocionali- D¡m'ensão psíquica paíxão segundo Frankl
dade do espectador na linha do “apaixonar-se“. Mas até aqui o emocional
"pulsão inibida
parceiro am'da contmua podendo ser trocado ou substituído por Dimensão corporal puro interesse quamo ao alvo"
outrem com qualidades ou formas componamentais semelhan-

|
sexual segundo Freud
tes, por um “tipo" que possua uma irradiação comparáveL Só o
amor verdadeiro penetra até o âmago da estrutura de outra pessoa
e toma consciência de seu núcleo essencial e inconfundívelz o
espírito a-preende o espírito. Com isto ñca explicado como Frankl introduz o conceilo
da “capacidade de amar” onde Freud fala da “capacídade de
Cítaçáo “Quem ama neste sentido já nào está mais excitado em gozar” como um dos objetivos da terapia. Por isso, a logoterapia
sua corporalidade nem estimulado na sua emocionalL não añrma que não se possa estar uma ou outra vez apaixonado,
dade, mas está tocado em sua profundidade espirituaL mas que, quando nunca se chega a uma relaçào profunda entre
tocado pelo portador espiritual da corporalidade e do duas pessoas, está faltando na vida do homem uma grande área
psiquísmo de seu parceiro, por seu núcleo pessoal. de realizaçáo. A não ser que alguém renuncie a isto voluntaria-

* Todas cstas coisas cslão dcscrilas no Iivro Ãrzlliche SeeLsorge dc Viktor E.


* Viklor E. Franld.Ãrztlic/w SecLsorge. lO-' cd.. Wicn, Dcuu'ckc, l982. pag. 1344

125
124
chances de realização no lrabalho estarem prejudicadas, ou seja, Amor é então o estar voltado diretamente para a pessoa
quando estiver em jogo a capacidade de sofrer do homem. espiritual de quem é amado, para a pessoa no que ela
possui de único e irrepetível... Enquanto ao que se
Voltemo-nos inicialmeme para a capacidade de amar.
envolve sexualmente ou ao apaixonado agrada uma
Viktor E. Frankl, mui conscientemente, substituiu a °°capacidade
característica corporal ou uma propriedade psíquica
de gozar” pela “capacidade de amar", por considerar o amor não
“no" parceiro, portanto uma coisa que esta pessoa
como um meio para obter prazer com o ñm de satisfazer uma
“tem”, quem ama, ama não somenle algo “na pessoa
necessidade própria - mesmo que sob a roupagem de uma
amada, mas ama a própria pessoa; portanto, não algo
"sublimação da sexualidade" -, mas como expressão de algo que
que a pessoa*amada “tenha“, mas precisamente o que
supera de muito a satisfação de uma necessidade, ou seja, um
a pessoa “é"
“ato coexistencial", Quando ama, a pessoa humana, como ser
tn'dimensional em sua totalidade física-psíquica-espiritual, pode À luz desta deñnição pode-se mostrar muito bem a diferen-
a-preender outra pessoa humana na mesma totalidade física~psí- ça entre os pontos de vista de Freud e de FrankL Freud chamava
quica-espin'tual, de certa maneira, de uma existência para outra o estado do apaixonado uma forma de "pulsão inibida quanto ao
existência. Mas ela pode também permanecer numa relação em alvo”, entendendo “inibida" no caminho do prazer de uma união
duas ou mesmo em uma d1m'ensão, e neste caso pode chegar a ísexual. Frankl haveria de concordar também em considerar o
um con*tato físico e psíquico, mas não a realizar um “ato coexis- estar apaixonado como uma forma de “pulsão inibida quanto ao
tencial” . alvo", porém “inibida”, ao invés, no caminho para o amor
Uma relação unidimensional é constituída por um interesse verdadeiro e autêntica
merameme sexual no parceiro, despenado por sua atratividade
corporaL Já o envolvimento bidímensional apresenta uma rela~ D1m'ensão espiritual amor verdadeiro
“pulsão inibida
ção para com a estrutura psíquica do parceiro, cujas qualidades, e auléntico
quanto ao alvo"
foxmas comportamentais e irradiação despenam a emocionalí- Dlm'ensão psíquica paixão segundo Franld
dade do espectador na linha do “apaixonar-se”. Mas até aqui o emocional “pulsão inibida
parceíro am'da continua podendo ser trocado ou substituído por Dímensão corporal puro interesse quanto ao alvo“
outrem com qualidades ou formas comportamentais semelhan- sexual segundo Freud
tes, por um “tipo" que possua uma irradiação comparáveL Só o
amor verdadeiropenetra até o âmago da estrutura de outra pessoa
e toma consciência de seu núcleo essencial e inconfundívelz o
Com isto ñca explicado como Frankl inlroduz o conceito
espm"to a-preende o esp1'ríto.
da “capacidade de amar" onde Freud fala da “capacidade de
Citaçáo: “Quem ama neste sentido já não está mais excitado em gozar” como um dos objetivos da terapia. Por isso, a logoterapia
sua corporalidade nem estimulado na sua emocionali- não afnma que não se possa estar uma ou outra vez apaixonado,
dade, mas está tocado em sua profundidade espíritual, mas que, quando nunca se chega a uma relação profunda entre
tocado pelo ponador espiritual da corporalidade e do duas pessoas, está faltando na vida do homem uma grande a'rea
psiquismo de seu parceiro, por seu núcleo pessoaL de realizaçáa A nào ser que alguém renuncie a isto voluntaria-

* Todas cstas coísas cslão dcscrilas no livro Ãruliclze SeeLsorge dc Vihor E.


* Viklor E. FrankL Ãrzlliclze SeeLsorge, 10' cd., Wicn, Dcutickc, l982, pag. l34.

124 125
mente, seja com o objetívo de intensiñcat uma relação transcen-
dente mais intensa, ou para poder ficar “livre” para o serviço do
próximo, duas coisas que 1m'plícam mmbém numa proxmu"dade relação infeliz a melh/or relaíão
e irrealizada /de amor
espiritual a um Alguém, embora sem expressão corporal, e que
__ /
por isso representam uma área semelhante de realização. Abs- namoro nsem
traindo deste caso, isto sigm'ñca, para a pessoa individuaL que com rronu'sso“ relação
infeliz c
a) ou ela estacíonou no estágio do interesse puramente sexual
pelo outto sexo, o que lmu'°ta seu campo de percepção e
vivência ao instinto sexual e à sua ab-reação, ou
b) que ela estacionou na veneração de um tipo anônimo de
parce1r'o e sempre de novo “de1x'a-se apanhar“ pelos que É portanto uma das grandes tarefas da pedagogia e da
pertencem a este tipo. profilaxia de crises ajudar para que se supere o estágio do puro
ínteresse sexual e da simples paixão, e que as pessoas cresçam
Para as parcerias isto signiñca ainda que até ao plano do amor verdadeiro. Quando isto acontece, a pessoa
a) elas estão relativamente pouco expostas a crises quando cada está capacitada também para a ñdelidade (o parceiro de amor não
parceiro encontra o outro no mesmo degrau do amor, e espe- pode ser trocado) e para a estabilidade (durabi1idade da relação
cialmente que a melhor situação é aquela em que o encontro de amor), e nas condiçoes' normais surgirá por si mesma uma
se dá no degrau mais elevado do amor verdadeiro, mas que vida sexual sadia.

b) ocorrerão críses, principalmente relações infelizes ou irreali- Alingir a estatura do


amor verdadeiro
zadas, e bloqueios sexuais, quando os parcexr'os encontram um
ao outro em degraus diferentes do amor.
/\
O perigo maior para as parcerias matnm'oniais existe quan- o parceiro não a relação
pode ser substituído toma-se pexmaneme
do se questiona que um parceiro de amor não pode ser trocado
ou que uma relação de amor zem que serpermanente. No âmbito
da deñmção dada por Frankl para o verdadeiro amor um tal tem o efeito dc prevenir crises por
questionamento é inconcebíveL
Pois os estados corporais são passageiros, as atitudes ll ll
problemas de cium'e, distanciamenlo.
de sentlm'ento não permanecem, mas os atos espirituais sobrevi- bn'ga, separação,
adulte'n'o,
vem de certa maneira a si pro'príos” (FrankJ), o amor a outra troca de parceiro. .. divo'rcio._
pessoa, como se sabe, sobrevive até mesmo à morte desta pessoa.
Ele não depende da corporeidade nem da vibração emocionaL I I
antes, na visão da logoterapia, é a condição para a união dos um “redirecionamento" a “morte“

corpos e das almas, e mesmo que esta não seja, ou que não seja
mais possíveL nem por isso a sua condição deixa de existir.
\/
do amor do amor

os maiores penÀgos
para as parceñas

127
126
Interroguemo-nos: na prática, que se pode fazer para favo- 10 “Gostaria de casar-me, mas teria que ser com a pessoa
recer um “cresc1m'ento no amor", particularmwte a passagem do certa. Ela não pode ser muilo temperamentaL porque do contráño
“estar apaixonado” para o amor verdadeiro? Eu diriaz entre minha vida ficaria muito agitada, mas também não pode ser
outras coisas, conversando sobre a essência do amor humano. insossa demais, pois entediar-me eu também posso sozinho.
Apesar de sua indescritível presunção em muitas coisas, o Teria que ser bonita, mas não a ponto de fazeros homens virarem
homem modemo sente-se de tal maneira inseguro que tem ne- a cabeça...“
cessidade de que lhe sejam novamente reveladas as coisas mais (Homem de 40 anos, que a cada 6 semanas vai ao bordel e
simples e naturais que conslituem a sabedoria da vida, mesmo as que nunca teve uma relação de amor mais profunda com uma
que já se acham incorporados ao tesouro da humam°dade há mulher.)
milhares de anos. Muitas vezes, como já explicamos, ele não sabe
o que quer. Também muitas vezes não sabe o que fazer com seu
ll “Veja so', gasto 200 marcos por mês com produtos de
tempo livre, e isto constitui um inacreditável atestado da penúria
beleza, freqüento os estádios e dancings, que em nada me inte-
do nosso tempo. Não sabe, ainda, como educar os ñlhos, como
ressam, com o ñm de achar um namorado. Já pus até anúncio no
o mostra a grande confusão reiname entre os pais de hoje. E, por jomaL mas nunca deu ceno. Nunca tive mais que conhecimentos
u'ltimo, não sabe mais o que é amor. Numa transmissão de fugazes, que sempre terminam como começaram. E no entanto
televisão na Alemanha disse Elisabeth Kübler-Ross: “Nós temos
não sou mais feia que as outras. Qual será a razão disso?“
que aprender novamente a morrer", o que esclarece como é
extensa a faixa da naturalidade perdida na maneira de viver dos (Mulher de 35 anos que já teve uns 20 parceiros de curta
nossos dias. duração, além de 2 abortos resultantes destes contactos.)

Precisamos, portanto, aprender novamente a amar. Este


“aprender-a-amar" pode receber um empurrãozinho de fora, se 12 “Depois que as crianças nasceram, minha mulher passou
deixarmos de ñcar indiferentes e de nos conformarmos com as a me recusar cada vez mais, pelo que busco meus direitos em
atitudes erradas, e passarmos pelo menos a discuti-las. Em minha outros lugares. Ela não tem de que se queixan além disso, cuido
atividade de aconselhamento repetidamente ouço declaraçoe's de bem delña e dos filhos, que é que ela quer mais?"
pacientes que evidenciam como sua capacidade de amar está (Empresário bem sucedido, que é pai de quatro ñlhos e
limitada, como ela estacionou nos estágios imaturos, e cada vez “amigo" de amantes que mudam sempre. Sua mulher está pen-
tomo tempo para analísar e refletir sobre estas declarações, sando em divorciar-se.)
mesmo que nada tenham a ver com o lado mais agudo do
problema. No fmal não é raro comprovar-se que Iermina existin-
13 “Desejo ñlhos, é ceno, mas no tocante aos homens sou
do uma conexão com o fracasso atual, pois quem não sabe amar
um “gato escaldado". Os homens são todos iguaisz primeiro eles
também não ama a si próprio nem a sua vida, ou, díto ao inverso: mimam a gente com presentes, e quando a gente cede querem
se alguém fracassa na vida, é porque, em algum momento ou em que a gente os sirva pelo resto da vida. Não, preñro a minha
algum lugar, ele amou de menos. liberdade ! "
(Mulher jovem, que viveu 5 anos num tipo de relaciona~
Excmplos de declarações de pacientes caracterzs'ticas dos mento matrimonial que veio a fracassar e do qual não teve ñlhos
estágios imamros do amor: Ela sofreu um colapso nervoso e desde então vive so'.)

128 129
Consideremos estas 4 declaraçoes~ sob o ponto de vista das laridade dela. Podemos supor que sua mulher se tenha afastado
concepçóes sobre o amor que elas contêm. Tudo decorre sob a dele por sentir que o desejo dele não se dirigia para ela, que não
ótica do ter e do querer ter, em nenhum momento se comegue era a expressão de um amor verdadeiro, mas apenas impulso de
perceber uma consciência da pessoa, do seu ser pessoaL obter satisfação e prazer. A recusa dela era dirigida ao fato de ele
“satisfazer-se através dela".
10 O paciente, quando muito, exigc que haja paíxão para o
casamento, isto e', que lhe agradem as qualidades e as caracterís- Quer dizer, foi a sua atitude “sem amor " que levou à recusa
ticas de uma parceira. Ela tem que possuir o que ele precisa. Não por parte da mulher, após as muitas escorregadelas, e, por úlum'o,
pensa no que ela “seja" ou no que ela “possa ser", mas no que à perda da felicidade do lar. Numa autêntica relação de amor
ela deve “ler" - que deve terpara ele. Esta é uma atítude mental entre doís parceiros diñcilmente ocorre uma recusa sexual, mas
perigosa, pois tudo que uma pessoa possui pode ser perdido e quando isto vem a acontecer não desempenha um papel muito
trocado, de acordo com as circunstâncias qualquer coisa pode ser 1m'portame; um espera pelo outro, e mais cedo ou mais tarde
comprada ou vendida. Tudo isto é incompatível com a solicitude chegará o dia em que este estará disposto. E mesmo quando o
do verdadeiro amor, com o compromisso dos parceiros e com a relacionamento sexual se tome impossível por razões de saúde,
responsabilidade baseada neste compromisso. A paixão quase isto não chega a constiluir nenhuma catástrofe - o amor como
que chega a ser uma contra-indicação para o casamento! alo de intencionalidade e coexistêncía espiritual não é alingido
pelos obstáculos corporais.
A atítude deste paciente encomra uma expressão lógica no
fato de ele freqüentar regularmente prostitutas. Aí os doís “par-
ceiros" combinam: ela quer ganhar dinheiro, ele quer obter 11 e 13 Ambas as parceiras são muito infelizes. Uma, por
satisfação sexual; os doís encontram-se no plano do ter, e neste ter sobrevalorizado uma parceria em sua vida e querer a todo
mesmo plano se separam Não existe nenhum “problema de custo tealiza'-la. E isto desfazendo-se de sua individualidade e
relacionamento“, e, no entanto, do ponto de vista da higiene assumindo (cosmética e comportamemalmente) um padrão: o
psíquica, a prostituição não é menos questionável que da higiene “tipo da mulher desejável“, o que - e é este precisamente o erro
física. Pois o seu consumidor exercita-se numa “sexualidade em que ela incorre! - faz com que desapareça a singularidade de
despersonalizada", o que facilmente lhe fecha o caminho para seu ser, a única coisa que poderia fazê-la “amável“.
voltar depois a levar uma vida de amor que seja digna do homem A outra paciente, por sua vez, é infeliz por desvalorizar
uma parceria e fechar-se entre as quatro paredes de sua amargura.
12 Também este paciente desenvolveu uma atitude pareci- E islo negando a individualidade dos parceiros em potencial e
da, embora encontrando-se numa sítuação diferente. Ele já é reduzindo todos os homens a um tipo comum: o “tipo do homem
casado e pai de quatro ñlhos. Enquanto ao paciente anterior só autocrático", o que - e aqui estamos em presença de um erro
pode ser aconselhado que nunca se case ou então que faça uma ana'logo! - de antemão t1r'a a todos os parceiros em potencial toda
revisão completa de sua compreensão do amor, no caso do e qualquer “amabilidade”.

empresárío estamos diante do fato de seu casamento estar des- O amor autêntico, defmido como a visão da originalidade
moronando e de seus ñlhos eslarem em perigo de se tomarem e da unicidade do ser de outra pessoa, enriquece a vida do homem
Órfãos de pai vivo. Deve-se no entanto ainda tentar corrigir a
~._4

em todos os casos, mesmo no caso de não ser retribuída Quando


atitude mental deste paciente, mostrando-lhe quejustamente sua uma pessoa passa pela experiência de um amor nào correspon-
colocaçãoz “O que não recebo em casa procuro em outro lugar" dido, só depois de ela tomar consciência disso e quando, apesar
demonstra como para ele sua mulher é comum e substituíveL e da não-retribuiçâo, ainda for capaz de experimentar gratidão, é
quão pouco ele apreendeu ou esforçou-se por apreender a singu-

130 131
que ela estará aberta para novos “encontros coexistenciais". Do dimensoe's jamais vistas, quando começam a surgir escolas de
contra'n'o, como a u'lt1m'a paciente, a pessoa fechar-se-a' ao seu namoro, "flirt schools" que mediante pagamento ensinam a som°r
ambiente social, porque não quer sofrer uma segunda vez. Em- e fomecem instruções sobrc como abordar uma mulher, quando
bora este fechar-se, em últ1m'a ana'lise, traga-lhe um sofr1m'ento cresce a massa de informaçôes sobre prátícas sexuais, o que é
aínda maiorz o sofrimento da solidão. um sinal inconfundível de que anda mal a sexualidade praticada,
Seña portanto terapeuticamente emdo tentar consolar uma quando vemos tudo isso temos a certeza de que toda uma geração
pessoa que sofre de desgosto amoroso dizendo-lhe que existem não soube encontrar o amor.
outIas pessoas no mundo - pois ela chora por alguém que é um"co,
e se ela teve amor autêntico, essa pessoa é para ela insubstituíveu
Só poderá encontrar consolo se lhe mostrarmos quanto ela foi
enriquecida pelo encontro com a pessoa amada, mesmo que este
encontro tenha sido de duração lmu"tada.
Olhemos mais uma vez o esquema da página 127. Os
campos onde se lê “re]ação infeliz e irrealizada" caracterizam
situaçoes' nas quais um dos parceiros ama e o outro não. A
denominação “relação irreaiizada” refere-se à parte que ama, a
quem foi negada a retribuição do seu amor em forma de amor
correspondido. Mas a “relação infeliz" aplica-se à outra parte,
que não tem condiçoe's ou vontade de retribuir amor com amor

p-_ ._ _ F»
- a esta pessoa permanece fechada a felicidade do “ver com os

.
olhos do espírito“, do “conceber com os sensores espirituais”,
que constitui o encanto do amor. Felicidade que continua aberta
a quem “ama sem ser correspondid0“.
O perigo de bloqueios sexuais, por sua vez, ocorre quando

-_.4_. _-\._ .
um parceiro procura apenas o "sexo" e o outro 0 “sentimento".
Geralmente é o parceiro masculino a parte que procura “sexo",

_4
e a que busca o “sentimemo” a parceira fenúmna'. Como um não
é capaz de dar o que o outro procura, não se consegue atm'gir
nem o carinho procurado nem uma sexualidade satisfatória; e se
o carinho ainda pode ser simulado, o organismo rebela-se contra
uma função sexual dele exigida contra a sua vontade.
Com Frankl consideramos o amor, o amor autêntico e
verdadeiro, como uma condição prévia da sexualidade humana.
Por ísso sabemos que a sexualidade não pode ser bem sucedida
quando esta condição estiver ausente. Mas quando consideramos
toda esta “onda de sexo" que varre os povos, quando de um
momento para outro a oferta de artigos pomográñcos assume

132 133
liberdade de decisão e possibilidade de escolha no que diz
respeito ao seu comportamento. Ninguém é simplesmenle uma
“função do sistema”, uma madonete manipulada por cordoes' que
partem dos demais membros da familia e conñuem para ele. Um
modelo causal como explicaçâo para os processos de ação demro
Modelo de uma terapia familiar centralizada da família está fadado ao fracasso, porque o comportamemo de
no sentido cada um poderia ser reduzido ao comportamento dos outros
membros da família, e isto sem ñm, até “Adão e Eva". Um tal
procedmento não leva a explicação nenhuma, ele apenas sus-
pende a responsabilidade do indivíduo numa espécie de “respon-
sabílidade comunitária", que é o mesmo que responsabilidade
nenhuma. A ser assim, não existiriam culpados no caso de uma
desavença familían

intcnsiñca
No bem-estar da família assentam as raíZes do bem-estar
do individuo, e quando o clima familiar está “deter1'orado“ fica
difícil que o indivíduo se mantenha com sau'de. Numa pesquisa
cientíñca encomendada pela Associação dos Médícos da Previ-
dência Social em 1978 constatou-se que aproximadamente 40%
de todas as doenças são de condicionamento psicossomático,
portanto possuem também uma componente psíquíca, e que desta
componente cerca da metade esLá relacionada com desavenças e
conflitos famíliares. Falando cIaro, islo signiñca que 20% de
todos os casos de doença poderiam ser evitados caso a vida
familiar das pessoas estivesse em ordem. Mximüomáüm
Mas não é apenas na gênese das doenças psicossomáticas
que o papel da vida familiar é 1m'portante. A doença, por sua vez,
também age sobre a vida da fam1'lia, onerando-a. Ou, díto de uma
maneíra maís geralz não apenas as doenças psicossomáticas estão
sujeitas a fortes influências íntemas e extemas, elas também
retroagem fortemente sobre o plano sociaL psíquico e somático
que fazem com que tais doenças se tomem crôm'cas.
Perguntemo-nos: como é que surge uma desavença famí-
liar, como é que se chega a um “clima envenenado na farm'lía"? esfcra
A leoña de que sempre todos os membros da família têm que ter esfcra psíquica
somática
uma parte da responsabilidade está errada. Em últ1m'a ana'lise,
também na família isto depende de cada um, e cada um possui

134 135
Exemplo de uma tentativa de explicação causalz 0 pai bebe “acausal", a partir da consciêncía de um objetívo ñnaL elas
porque sua mulher o recusa, a mulher o recusa porque todo dia tomam um rumo inteiramente diferente do anterior.
ela ñca com raiva do ñlho mais velho, o ñlho mais velho faz
raiva à màe porque desde criança sentiu-se rejeitado por ela, a Cadeia causalz
mãe rejeitou-o porque na época ela ainda não queña ter um ñlho,
ela engravidou contra a vontade porque ela e o marido ainda não
estavam em condições de fazer um planejamento familiar razoá~
m
vel, e não tinham condições porque para os pais dcles o tema interrupção “acausal"
/ - .
“sexo" ainda era tabu, etc. A cadeia causal lambém é inñnita no na dlreçao de um
sentido opostoz objetivo que possua
sentido
Como o pai bebe, a ñlha busca sair cedo de casa, como ela
saí muitas vezes os innãos mais novos ñcam com ciúme, como
eles têm inveja da irmã componanrse mal com a mãe, como a
mãe tem que suponar coisas erradas ela desenvolve sintomas
psicossomáticos, como ela muitas vezes adoece negligencia o
cuidado da casa, como a casa é desarrumada o pai nâo gosta de
voltar para casa, como ele prefere ñcar fora vai para o bar beber...
Para continuamxos com o nosso exemplo: Suponhamos que

_. _
Como podemos ver, a explicação causal ou perde-se nas a panir de certo momento o pai não beba mais e passe a ser
brumas da história (os avós comportavan1-se de tal e tal forma

_,__
amável e atencioso com sua mulher, apesar dc ela o recusar
porque os bisavo's...), ou forma laços fechados que retomam (porque o ñlho lhe faz raíva, etc.). Que é que irá acontecer? A
sempre ao ponto de panida (“padrão do círculo vicioso"). É este filha irá sentir-se melhor em casa, ela sairá menos, haverá menos
o ponto fraco da terapia familiar sistêmica que se empenha por atútos entre ela e os imlãos mais novos, estes deixarão de
descobrir processos de ação intrafamiliares, mas se enrola na
atenazar a mãe com reclamações, a mãe semir-se-á física e
explicaçào causaL com o resultado de que no ñm existem apenas psiquicamente melhor, ela suponará melhor as provocações do
vítimas e não responsáveis. Se todo membro da família é vítima filho mais velho e não decepcionará mais o marido - de repeme
do comportamento de outros membros da família, ou assim se o pai já não tem mais motivo para beberl Ele dcixou de beber
considerzL não existe ajuda possível. quando ainda tinha razáo para beber, e como deixou de beber a
Na logoterapia, a abordagem causal é superada pela abor- mzáo desapareceul Para interromper um desses sinistros círcu-
dagem ñnaL isto e', o componamento de cada um é julgado los viciosos basta, portanto, que um único membro da família
menos por sua génese que pela forma como se orienta para um realize um “pagamento antecípado em vista de umjím ”, que dê
sentido e um objetivo. Para a logoterapia nào deixaría de ser às ocorrências causais um rumo novo e que tenha mais sentido.
interessante descobrir por que o pai bebe, mas a seguir ela haveria Sobre tais pagamentos anlecipados pode-se dizer o seguinte: eles
de perguntar se para o bem da família tem sentido ele beber, e a são atos da vontade de natureza intencionaL realizados pela
resposta sendo “não“, ela questionaria se, pelo bem da família, “vomade de sentido", poder-se-ia dizer também: pela “vontade
ele nâo poderia deixar de beber, seja qual for o motivo por que do sentido para a família”. Não sào efeito ou resullado de coisa
começou a beber e independente de se o motivo continua a existir alguma, são simplesmente imencionados, por isso são acausais
ou não. Pois quando as cadeias causais são quebradas, de forma (propriamente deveríamos reagir de outra maneira, ou estaríav
mos ínclinados a agir de outra maneira), mas também são ñnais,

136 137
isto e', realizados em vista de um ñm. O efeito deles pode ser bem No âmbito de uma terapia familiar centralizada no sentido,
explicado com base no eco. Se eu, ou alguém perto de mim, gñto ao lado do trabalho com os membros individuais da família. são
coísas negativas diante de um obsta'culo, retoma um eco (senti- intercaladas também aqui e acolá entrevistas com vários cnvol-
mentaD negativo, que leva-me novamente a emitir coísas nega~ vidos, ou com todos. a ñm de concentrar a alenção comum sobre
tivas, e assim por diante. Também este processo só pode ser o bem da família, que ultrapassa as pessoas individuais. Aí se
interrompido por um "pagamento antecipado em vista de um tomarão visíveis as sememes que frutiñcaram das enlrevistas
f'1m“, ou seja, se, apesar de ouvirmos um eco negalivo, ou mesmo indíviduais anteriores e as cadeias causais que já foram “quebra-
sem razão alguma, proferirmos alguma coisa positiva em direção das". Naluralmente ñcará pateme também o que ainda precisa
ao obstáculo; mas não analisando a origem do eco negativo. ser feitoz os sentidos que não são percebidos ou os que não são
Nesta forma de abordagem mentaL as pessoas não são todas desejados. Se os primeiros representam o centro da prevenção e
vítimas umas das outras, mas cada uma é “a1guém que age” de da intervenção logoterápica, os segundos marcam a sua limilação
própria iniciativa, mesmo que sua ação consista unícamente em e as suas fronteiras. Todo membro da fmnília pode ser guiado até
reagir de tal e tal maneira ao que lhe é feito. Com isto a o limiar de sua própria responsabilidade, até ao ponto em que ele
responsabilidade - também a responsabilidade pelo bem de toda reconhece qual é “sua" parte, sua responsabilidade para susten-
a família - permanece em cada um, sem dissolver-se numa difusa tar, conservar, salvar ou mesmo valorizar a familia e fazer com
“responsabilidade comunitária" que não é assumida por nin- que ela se tome um lugar de encontro e de amor mútuo digno do
guém A Ierapia familiar cemralizada no sentido, fruto desta homem; mas para lá deste ponto nào existe nenhuma orientação
abordagem logotera'pica, trabalha, assim, principalmente com as terapêutica, como também nenhuma oricntaçào logoterápica,
pessoas individuais. Ela as auxilia a descobrirem o que Ihes é pois além deste limiar está o próprio Sim ou Nào existencial de
exigido e imposto no interesse da família, na busca do sentido um ser que é espirituahnente livre.
que cada um pode realizar no aqui e no agora em benefício da
Do que até aqui foi exposto, deduz-se claramente que a
comunidade a que penence. E encoraja-as também a investir um
terapia familiar centralizada no sentido está orienlada para a
ou outro “pagamento antecipado em vista de um ñm”, como
manutenção da família, mesmo tendo, ev1'dentemente, que res-
contribuição pessoal para a hamloma da família, como quem
peitar as livres decisóes de seus membros individuais. Por isso,
planta para ter uma colheita e dela participar - mais como
à maneira de conclusão, gostaria de abordar 0 argumento tantas
fenômeno concomitante que como objetivo visado.
vezes citado de que às vezes seria melhor para o casal se sepamr
“forças psiquicas” dimensão “funções psiquicas” do que viver num etemo sofrimento. Este argumento parece
(seg. Rohracher) noética (seg. Rohracher) muito claro, no entanto, tac1'tamente, ele deixa de levamar a

/\ Percepção
queslão se não existe uma outra possibilidade de tmnsformar o
sofnm'ento de uma situaçâo de fato numa outra siluação aceitável
Instinto Vontade de dar Reconhecimento
e mais próxima do que devia ser. Para mim, este argumenlo
Senlimento > para a família da contribuição< Memória
(Vomade) rukma comribujção própn'a plena (Pensamento) sempre me traz à lembrança os candidatos ao suicídio que
própña e que de senlido para a conheci,' eles sempre argumentavam de maneira semelhante, isto
tenha sentido família é, que é melhor deixar esta vida do que vivar num etemo

\/ sofnm'ento.

Do ponto de vista logoterápico, não se considera num casal


A vida famíliar pemlanece em
unicamente a situaçào de fato não fomos feitos um para o
harmonia (ou pelo menos suponável n u
nas situações maís difíceis outro , somos por demais diferentes", aconteceram coísas

138 139
demais“), nem apenas a realidade tal como ela e', mas também o terapia familian A terapeuta submeteu toda a família a algumas
possíveL “o que pode vir-a-ser“, o sentido que ainda pode surgir sessoes' “reveladoras“, e por ñm ofereceu aos pais a seguinte
prccisamente por força das decisoe's pessoais. A este “poder-vir- explicação “causal" para a origem da “idiotice" do ñlho, consi-
a-ser" acrescenta-se como que um “postulado ético": o sentido derado como o “portador dos sintomas de um sistema relacional
posswel deve realizar-se, o casamento é “dado ao casal como perturbado":
uma tarefa“, assim como aos pais a patenu'dade, - ele nâo e'
a) A mãe detesta o pai, mas não tem coragem de manifestar-lhe
simplesmente uma realidade que possamos considerar boa ou
seus sentimentos. Só quando 0 ñlho é “bastante idiota" é que
ruun', mas antes uma tarefa com que nos confrontamos.
o pai ralha com o ñlho, e então a mãe tem a ocasião que
Meros fatos poderiam ser supnm'idos do mundo quando desejava para também discutir e brígar com o marido, para que
considerados inconvenientes, mas o que é dado a alguém como deixe a pobre criança em paz. Para este ñm ela precisa de um
uma tarefa ou será cumprido, ou deixará de ser cumprido, e ñlho “idiota”.
ambas as coisas permanecem no mlmdo, o próprio sucesso como
b) O pai tem medo de perder sua mulher que é jovem e vivaz,
o próprio fracasso. Efetivamente é parecido com o suicida, o qual
para quem ele não é mais suñcientemente atrativo e ma'sculo.
também nunca resoive um problema, nem suprime do mundo o
Mas o filho mentalmente deñciente prende a mãe em casa,
que pesa sobre ele de negativo, mas que unicamente suprime do tirando-lhe o élan de procurar aventuras fora de casa. Para este
mundo a si próprio, deixando para trás o problema não resolvido
ñm, o pai tem necessidade de um ñlho “idiota“.
- nào resolvido por ele -, o peso do negativo. Por isso, todo
divórcio e separação quase inevitavelmente criam uma experiên- c) 0 ñlho percebe os desejos dos pais e cumpre-os, pennanecen-
cia de fracasso, mesmo em quem não contribuiu muito para isso, do “idiota”. Na linguagem dos especialistas isto signiñca: ele
mas simplesmente fez o desejo do parceiro. Bem no âmago da adapta-se a um ambiente perturbada
alma permanece um desconfonoz alguma coisa que devia ser Bem, mesmo conendo o risco de ser ridicularizada como
realizada deixou de realizar-se. uma inveterada idealista, gostaria de acrescentar a este relatório
Por isso uma prática ideal de aconselhamento familiar e que, mesmo após quase 16 anos de intenso trabalho terapêutico
malrimonial deve esforçar-se por ajudar os pais e os casais a com famílias de todas as camadas, não consigo acreditar que uma
levarem a bom termo a tarefa que um dia eies próprios escolhe- mãe sacriñque inescrupulosamente o seu ñlho para poder brigar
ram. com o marido, que um pai sacriñque sem escrúpulos o ñlho para
prender sua mulher em casa, nem que uma criança esteja disposta
Com o ñm ae estabelecer um contraste, gostaria de conclu1r'
a ser vista como “idiota” pelos amigos e camaradas só para
este capítuio com um exemplo de uma terapia fan*1i11'ar sistémica
satisfazer docilmente os pervelsos desejos dos pais. Menos ainda
(não centrallzada no sentido) que me foi relatado
consigo acreditar que estes pais “desnaturados“, possuídos de
14 Trata-se de uma famíiia formada por um pai idoso e semelhantes intenções, fossem procurar o auxílio de um especia-
fraco, uma mãe mals jovem e disposta, e um ñlho "idiota“, isto lista por estarem preocupados com o desenvolvimento de seu
é, retardado mentaL Os pais haviam consultado um especialista ñlho. Porém, o mais difícil de tudo é acreditar que uma ajuda
para saber se havia uma maneira de est1m'ular o desenvolvimento deste tipo possa contribuir o mínimo que seja para que no futuro
intelectual da criança, tendo sido por ele enviados à clínica de a criança se comporte de maneira menos “idiota“, e que a
convivência da família se tome mais haxmoniosa.
" Rclalada p01 Mam S. Palazzoli, quc din'gc cm Milào Lml gmndc ccnuo dc lcrupia
familiur snslàuúca

140 141
A única coisa que acredito é que muitos tratamentos tera-
pêuticos de nossos dias têm urgente necessidade de serem re-hu-
manizados no sentido de FrankL
A terapia familiar sistêmica, onde o homem aparece um°ca-
mente em função de um sistema, não pode ser aceíta sem
objeçoes'.
O trabalho como realização de valores
criativos

Mencionamos três objetivos terapêuticos da logoterapiaz


fazer com que o paciente recupere sua capacidade de amar, sua
capacidade de trabalhar e sua capacídade de sofrer. Conclumxos
daí que, para a psico-higiene, estas três capacidades precisam ser
desenvolvidas e conservadas no homem para que ele esteja em
condições de enfrentar as exigências da vida. Em seguida, ocu~
pamo-nos com a capacidade de amar das pessoas no casamento
e na família, e agora voltaremos nossa alenção para a sua capa-
cidade de trabalho.
No que diz respeito à importância do trabalho, existe um
amplo consenso entre lodas as escolas terapêuticas, pelo menos
as de origem ocidentaL Nas doutrinas terapêuticas nascidas da
sabedoria orientaL a un'portância da ação ñca um pouco em
segundo plano diante da contemplaçãa Ao lado dos ritos religio~
so-meditativos, nestas doulrinas o libertar-se de si próprio, o
desprender-se e aprofundar-se em si mesmo, é uma aptidão
altamente valorizada. Do ponto de vista da logoterapia este lipo
de experiências, ao contrário dos “valores criativos“ do trabalho,
seriam incluídas na categoria dos “valores vivenciais", para os
quais se faz necessária a capacidade de amar, entendida como a
possibilidade de impressionar-se e de emoc1'onar-se por alguma
coisa ou por alguém

142 143
_____.-_-_r---------_

Calegotias de Valores Valores Valores de atitude corajosa para com um destino negativo irrevoga'vcl",
valoresdeFrankl cn'alivos vivencíais alitude existe uma extensão, de acordo com Lukasz os valorcs de alilude
Condição para sua Capacidade de Capacídade de Capacidadc de generalizados, deñnidos como “uma atitude abnegada peraníle
realização amar sofrer um destiuo positivo que não teria sentido dc ser modiñcado" .
Disposição para a Disposição para a Disposição para a Também estes são úteis à comunidade, mas sobretudo eles
ação contemplação paixão
também possuem uma relação com os valores criativos, com o

W
('“homo faber”) (“homo amans“) (“homo patiens“)
trabalha Pois um destino positivo que cabe a uma pessoa,
Princípal centro 'Va|ores próprios Valores própños Valores própños quando esta possui a atitude correta perame ele, em vez de
dc gravidade da concepção da sabedoña da ñlosoña de
de vida ocidenlal de vida on'emal vida cn'stã simplesmente servir à satisfação de desejos egoisticos, pode ser
usado como uma fonte de bênçãos para aqueles a quem o destino
\ Correspondéncia Valores Valores
não foi tão pro'digo; pode ser transfonnado em amor ativo e em
1

no coletívo sociais
(seg. Wiesmeyr) auxílio ao próximo.

Tipo Integração dos


"anima" tipos “animus” Exemplos de realização de valores de atirude (general¡zados)
e “anima"

Deslino negativo que Destino positivo que não


*As três conhecidas categorias de valores de Viktor E. não pode ser modiñcado tem senlido ser modificado
Franld , que correspondem indiretameme aos seus três objetivos
Doença grave Boa saúde
terapêuticos, já que estes conslituem a condição para a realização
daquelas, possuem múltiplas correspondências de natureza ñlo- O doenle pode supormr corajosamenle
seus sofrimentos
sóñca, coletiva e tipológica, das quais mencíonaremos apenas
A pessoa com saúde pode usar suas forças para
duas: a ligação, apresentada por Otmar Wiesmeyr, com a d1m'en- cuidar do doente e infundir-lhe coragem

de alitudc
ap saxoleA
são dos valores culturais, sociais e éticos no coletivo (l987), e a
Pobreza irremediável Riqueza herdada
añnidade com a tipologia de Jung, demonstrada por Wolfram

gcneralizados
Kurz ( l985). O pobre pode assumir sua pobreza com dignidade.

Valores
O ríco pode utilizar sua herança para amenizar a

apmpe
O trabalho, portanto, seja proñssional ou particular, anda pobreza do mundo.
lado a lado com a realízação dos valores criativos e possui quase
sempre uma relação com a comunidade. Embora também possa
haver trabalho que pouco aproveita à comunidade, como traba-
Se usarmos as categorias dos valores logoterápicos como
lhar na própxia horta, que, não obstante, possui valor criativo.
escala para medir a relação entre o indivíduo e a comunidade em
Vice-versa, também nem toda contribuição à comunidade é
que este vive, veriñca-se surpreendentemente que flui uma per-
prestada atraves' de trabalho criativo. Assím, por exemplo, o
manente troca de valores entre o individuo e a comunidade, que
modelo de uma pessoa pode servir à comunidade, incítando
qual pulsação regular e cadenciada devolve em valores ao indi-
outras pessoas a imítá-Ia. Além disso, no que diz respeito aos
víduo o que este realiza em valores para a comunidade.
valores de atitude, que segundo Frankl são realizados por “uma

* Viktor E. FrankL Àrzlliche SeeLs'orge, Dcuu'ckc, Vicna, 10' cd., Wicn, Dcull'ckc, * Eli'sabclh Lukas, Logorhempie aLs Persànlichkeils-lhe0ne, diswnaçâo u'1cd¡la.
1982, p. 595. Univcrsidadc dc Vicna, 197l.

144 145
Devemos concordar, sem dúvida, que não é qualquer pro-
Individuo Sociedade ñssão nem qualquer relação de trabalho que possui as condiçoes'
valores criativos
suñcientes para uma atividade criativa. Permanecer horas e horas
kUVCTendimeJo
do trabalho“)
ao lado de uma esteira rolante faz com que o 1rabalho seja
vivenciais
\/Valores expenm'entado antes como uma carga ou uma fruslração. Não
obstante, quase toda proñssào oferece suas oportunidades prÓ-'
("reconhecimemo")
prias: a oportunidade de realiza'-la de uma forma individual
valores vivenciais
própria, de 1m'primir-lhe uma nota pessoal, de fazer dela, atraves'
da maneira como é execulada, um pedaço de "vida vivida", que
'_\desun'o
Cposixíivo negativo de outra forma permaneceria “sem ser vivida". Trabalho é uma
transformação do ser-homem substancial no ser-homem funcio-
nalz temporalidade e corporeidade confluem na eñcácia.
Diante da significação existencial do trabalho, Viktor E.
Frankl analisou dois fenómenos paniculares que, quais dois
pólos opostos, poderiam representar um de menos e um demais
Pelo esquema percebe-se que a realização de valores de de trabalho. São os fenômenos por ele designados como “neurose
atilude (generalizados) e de muilos valores criativos representa do desemprego“ e “doença do executivo". Ambos podem e
uma contribuição para a comunidade, um “agir com sentido para devem ser prevenidos, porque constituem o terreno pnra uma
o bem dos outros“, o que para o indívíduo possui uma eminente série de outras doenças graves, inclusive mone prematura.
ação curativa, porque o coloca numa relação com a comum'dade Que do ponto de vista psíco-m*giênico o desemprego cons-
que lhe garante muitos valores vivenciais e apoio pra'tico. Neste titui um perigo para as pessoas em condíçóes de tmbalhar, é coisa
contexto, ñca claro que, na vida do homem, o trabalho, entendido sabida desde longa data. Porém, salvo o caso de uma evemual
no sentido mencionado de realização de valores criativos e de seqüela por falta de alimento, não se sabia com suñcienle clareza
contribuição à comunidade, possui uma imponância que não em que consiste este perigo. Viktor E. Frankl foi o primeiro a
pode ser subestimada. O trabalho é a melhor prevenção para as descobrir, durante a crise económica dos anos 30, que o desem-
crises e um dos melhores recursos terapêuticos, podendo perfei- pregado (com base na já mencionada relação do trabalho com a
tamente concorrer com o diálogo terapêutico. Alia's, no vasto comunidade) em primeira linha sente-se um imitiL e por isso
campo da psicoterapia, chegamos até a nos deparar repetidas considera a sua vida como carecendo de senrida Esta carência
vezes com pacientes aos quais a única coisa que ainda lhes é um terreno onde vícejam reações neuróticas, que - e é nisto que
poden'a aj udar era uma terapia permanente de trabalho; mas que reside o perigo - tomam ainda mais difícil a retomada do traba-
quase sempre deixa de realizar-se, por falta de vontade de sub- lho. Pois não é apenas a subnutrição que favorece a apatia, mas
meter-se espontaneamente a esta terapia. Mas, nos casos em que uma atitude neurótica de “depor as armas", de “entregar-se“,
é possível incluir o trabalho - trabalho reaL não uma simples favorece também a apatia e a depressão, capazes de inibir toda a
ocupaçâo - num plano terapéulico, como em fazendas de reabi~ energia e toda a iniciativa para a procura, a reaprendizagem e a
litaçào ou instituições semelhantes, os resultados ñcam bem reorientação do trabalho.
acima da média.

146
147
Já que a neurose do desemprego Izâo é uma conseqüéncia
' . a CO
imediata do desemprego, não somos obrigados a sucumbir a e1a.
/\›\o\°%\c ns° psi
Subalimentação 9\.
0$°A' , 0016g. Pelo comra'rio, é perfeitamente possível colocar sentido numa
cp reação ne uróuca 'ca
fase de desemprego. Para isso precisamos renunciar às reaçoes*
Desemprego ^ Apalia neuróticas, particulamleme sob dois aspectos. Por um lado, nào
nos despojemos da liberdade que ainda nos resta. Não há dúvida
que é cômodo responsabilizar o desemprego por tudo quanto dá
errado na vida, mas ao fazer isto estamos capitulando ao nosso
destino social e nos entregando a ele em defínitiva Mas quem
reconhece e tem consciência de que, apesar das diñculdades, ele
Este “círculo vicioso", entrelanto, nào precisa necessaria- próprio é o responsável por suas açóes e omissóes, esle nào será
mente originabse na fatalidade do desemprego, ele também pode uma vítima do desemprego.
surgir da tendência neurótica de uma pessoa. Por outro lado, devemos preslar atençáo para que realmente
Citaçâoz “A neurose do desemprego não é nenhuma consequ"ên- nâo nos tomemos “inúteis", e se o conseguirmos também não
cia u'nediata do desemprego, antes é perfeitamente nos sentiremos inúteis. Tarefas na comunidade exislem por toda
possível q*ue o desemprego seja uma conseqüência da parte e em número não pequeno, apenas é raro que sejam remu-
neurose." neradas, pelo menos em moeda corrente. Dispondo de tempo e
de forças, duas coisas que constituem um grande cabedaL por
As pessoas neuróticas tém mais diñculdade para encontrar que um desempregdo não devería aceitar uma das muitas tarefas
trabalho que as outras pessoas, e mais facilidade de perdê-lo,
não remuneradas até que volte a assumir novamente a vida
porque sempre traZem à tona os seus conflitos consigo mesmas
proñssional? Toda comunidade precisa de voluntários, nenhuma
e com o ambiente, coisas que a nenhum empregador são simpa'-
sociedade pode remunerar cada gesto, e toda convivência de
ticas. Além disso elas “somatizam”, isto e', o seu desequilíbrio e
vizinhos conta com que eventualmente um preste serviços ao
sua falta de maluridade interíor manifestam-se corporalmente,
outro. As possibilidades criativas do homem ñào se limitam ao
elas tendem ao mal-estar de origem psíquica e às vezes até ao
emprego, e muitas coisas que normalmente são proleladas por
envelhecmento precoce, o que igualmente as impede de serem
causa do trabalho, como o aprofundamento da formação escolar
inseridas num processo de trabalho produtivo.
ou proñssional, a renovação da casa, o espone e as caminhadas,
mas também o engajamento ativo em associaçóes, clubes, orga-
/. \,À\ Envelhecmlento °o m'zações políticas ou caritativas, podem ser enfrentadas em
eíc'\\° q \ precoce \%9Úebo
. época de desemprego. Com isto, não estou querendo de forma
la
efeito social alguma minimizar as neccssidades econômicas e psicológicas do
desempregado, mas apenas salientar que a necessidade constitui
Tendência Desemprego
um desaño para o espírito do homem, a ñm de que concentre
neurót\_f/ica
suas energias naqueles “gennes de sentido" que encontram~se
retroação psíquica adormecidos em absolutamente lodas as situaçoe's, e com mais
razão nas épocas de necessidade.
A experiência mostra que as pessoas que, quando desem-
pregadas, atribuem ao desemprego toda a culpa de uma vida
* Viklor E. Framd. Ãerliche Seelsorga 10' ed., Wicn, Dculickc, 1982, p. 127.

148 149
ínfeliz, são as mesmas que quando estão trabalhando atübuem em uma coisa, tomando-nos fana'ticos, intolerantes e obstinados
ao trabalho toda a culpa pelos seus problemas. Ou que guamecem Se esta única coisa assume uma importância exagerada, não
seu trabalho com reaçóes exageradas igualmente neuróticas, o suportamos perdê-la; o fantasma de sua perda perturba até du-
que nos coloca no assumo da "doença do executivo". rante o sono, impedindo a pessoa de repousar. Quem, ao inves',
possui muitos valores, às vezes pensa num, às vezes em outro, e
Apesar do nome, não são apenas os executivos que se
mesmo a idéia de uma perda do valor não lhe relira o chão
sobrecarregam de trabalho, para terminarem sucumbindo um dia
debaixo dos pés. Pois o trabalho não é “tudo“, e se para alguém
sob uma pressão permaneme. Em nossos dias, o sistema agres-
ele for “tudo", este está arriscando mais que o trabalho, está
sivo de trabalho, com duras regras de concorrência, cobra um
arriscando a saúde e a vida.
alto preço pelo conforto nos países industrializados. No entanto,
cada um pode contribuir um pouco para dar uma reta orientação Ref. a 3): Um alívio súbíto após períodos de trabalho
à sua vida, pouco este que pode ser decisivo para a saúde. intenso é física e psiquicamente perigosa Viktor E. Fra*nkl chega
a falar numa contrapartida à doença do mergulhador : Quando
Às numerosas boas dicas que costumam ser dadas para
um mergulhador vem de uma grande profundidade onde encon-
evítar o stress gostaria de acrescentar a seguir a perspectiva
d_. .,4

trava-se exposto a uma forte pressão, e sobe bruscamente à


própria da logoterapia, que pode ser resumida em três itensz
superfície onde a pressão se reduz repentinameme, ele corre
nv-_

1. Não perder de vista o sentido do trabalho!


perigo de vida› De maneira análoga ocorre com as pessoas que,
2. Não desenvolver pirâmides de valores!
após uma fase de atividade febriL saem de férias para a praia a
3. Nâo reduzír subitamente a carga após um período de atividade!
fim de repousarem deitados na areia sem fazer nada, ou com as
Vamos a cada uma das dicas em particularz que durante muito tempo sacññcaram-se abnegadamente tratan-
-~. _

Ref. a l): O trabalho nunca deve degenerar num "lrabalho do de um parente, e, após a morte deste, de repente ñcam livres
-.-

pelo lrabalho". Ele nào deve ser ñm em si mesmo, mas deve de todos os seus deveres. Estas podem caír em sérias crises, e
servir a alguma coisa, a uma tarefa, a uma pessoa. Quem, ao isto não por a carga anterior haver sído demasiada, como muitas
longo do seu trabalho, continua enxergando o verdade1r'o sentido vezes erroneamente se admite, mas porque a descompressão
do trabalho, aquilo a que o trabalho serve, este está 1m°unizado ocorreu rápído demais, sem lhes deixar tempo para uma “adap-
contra o excesso de excitação, por dois motivos: a) Um eventual tação psíquica". Por isso, as pessoas que trabalham muito preci-
fracasso o abalará tão pouco quanto um eventual sucesso lhe sam garantir transições, como que “eclusas de aliv'idade" emre
subirá à cabeça, já que não se trala do seu sucesso ou do seu fases de pressão e descompressão, e cuidar para que um stress
fracasso pessoaL mas do objetivo em si. b) Como o que lhe que não pode ser evitado vá diminuindo Ientamenle, como um
interessa é o objetivo, ele se preocupará o mínimo possível com corredor que depois da corrída ainda dá algumas passadas a mais
as questões que não pode modiflcar, e o máximo possível com para “acabar de correr". Do contrário, a parada pode provocar
as que pode modiñcar. Isto o mantém livre da opressão causada uma crise maior que toda a febril atividade anterior...
pelo que nào pode ser modificado, a qual é supérflua e prejudicial Para tais “eclusas de atividade", como também para com-
á saúde. servar um sistema múltiplo de valores, o uso sensato do tempo
Ref. a 2): Sistemas de valores unilaterais, as assim chama- livre é o “reme'dio ideal", e por isso o tema “neurose do desem-
das “pirâmides de valores“, em cujo vénice encontra-se um prego e doença do executivo“ deverá ser concluído com uma
único grande valor, são sob todos os aspectos perigosos, pois
reduzem a flexibilidade do espírita Pois nesse caso não nos * Viktor E. Frankl', Psycholherapiefúr den Laiem 12' CAL Frciburg. Hcrdcr, I986.
limitamos apenas a nos preocupar com a coisa, mas ñxamo-nos p› 118. (cmponugucs“: Psicolempiaparalodos, Pcu0'polís, Vozcs, 1990. p. 107.)

150 151
u'ltima referênciaz Sempre que se pergunta às pessoas centenárias
como elas ñzeram para chegar aos 100 anos de idade, elas
respondem a uma voz que tiveram que trabalhar a vida toda.
Como com certeza estas pessoas não exercem mais atividade
profissional há dezenas de anos, isto só pode signiñcar que elas
trabalharam também no seu tempo livre, e isto mais uma vez só Uma excursão à logofilosofia
pode sígniñcar que - a salvo de todo stress - nunca deixaram de
preencher o seu tempo de maneira criativa e útil.

Talvez seja nisto que consista o verdadeiro milagre do


trabalhoz ele faz falta aos que fogem dele, oprime quem nele se
afoga, mas dá asas à pessoa que o realiza procurando fazer uma
obra que esperou por esta pessoa e por sua atividade - e ísto
durante toda a vida e sempre de novas maneiras.
Depois de nos haVer ocupado com o que mantém a capaci-
dade de amar e a capacidade de trabalhar do homem, precisamos
discutir agora o que é que fortalece sua capacidade de sofrer. Pois
toda situação de vida é formada por uma “a'rea intacta" e uma
“área ainda não, ou não mais intacta", sendo que nesta u'l(íma,
além de uma parte modiñcáveL sempre está envolvida também
uma pat1e que não pode modiñcar-se, mas que precisa ser
carregada, suportada, ou seja, sofrida.

Situaçâo de vida

/\
Area intacla Area ainda
l não ou nâo mais
ímacta

Convite à alegña / \
e à gratidào modfhcável não Inoflflcávcl

|
("valores de vivência")

Desafio a modifica'-la Desafio a aceitá-la


e melhora'-Ia com coragem
("valores cn'ativos") ("valores de atitude")

Seja qual for, porém, a conslituiçào de uma área nào


modiñcável da vida, sempre pode o homem ainda tomar posiçào
em relação a ela de uma maneira à sua escolha; e se nada mais

152 153
ele pode mudar, pode não obstante modiñcar-se a si próprio Explicaçâo do modelo da página anleriorz
díante do imutável - o que não raro pode constituir o sentido do O “reino do real” é deñnido como o conjunto de todas as
sofrimento. possibilidades do mundo realizadas até agora, é idêntico com o
Na logoterapia faz-se uma dislinção muito clara entre o que é.
mutável e o 1'rrevoga'vel, entre liberdade e destino, entre o possí- O “reino do possível“ é deñnido como o conjunto de todas
vel e o reaL O homem é entendido como um ser que se moví- as possibílidades do mundo ainda nào realizadas (= o conjunto

r
menta no limiar entre as duas coisas, na encruzilhada entre o que de todas as possibilidades ainda não realizadas, mas que virão a
pode ser e o que e', responsável pelo possível que dele depende ser realizadas, mais o conjunto de todas as possibilidades que
e confrontado com o que é e o que pode ser, mas que estão fora pennanecem sem ser realizadas), é idêntico com um “pre'-esta'gio
do seu alcance. A uma melhor compreensão do fundamento do ser" de onde pode se desenvolver o que é e o que não é. Pois
filosóñco mais profundo das teorias logoterápicas, formuladas e o conjunto de todas as possibilidades que permanecem irrealiza-
deñnidas por Viktor E. Frankl*e seus precursores, e de modo das Hui para o nada. Só as possibilidades que terminam por ser
especial por Nicolai Hartmann , pretende servir o seguime es- realizadas se incorporam ao ser: ao serem realizadas, elas trans-
quema. fomlam-se de possibilidades em realídades. As possibilidades
que pennanecem irrealizadas se extinguem, islo é, em algum
Reino dos Valores
(a'o Logos supratemporaU momento deixam de ser possíveis, já não são mais possibilida-
des.
O que deveria vír a ser
Exemploz Um casal tem a possibilidade de ter ñlhos. Se ele
l l IIl | l

Wm_._
realiza esta possibilidade, os ñlhos, que primeiro “existiram"
Fluxo do tempo como possibilidade, virão à existência, tomar-se-âo realidade.

////M//IIIA'/I/IWIV Porém, se esta possibilidade não for realizada pelo casal, um dia

m__ _,.
ela desaparece: seus ñlhos já não são mais “existentes“ nem
Reiuo do real Reino do possível
como possibilidada A possibilidade deste detenninado casal de
(da realidade existente) (das possibilidades existentes)
ter filhos transforma-se em nada.
Oqueé O que pode ser
Do nada faz parte, portanto, o impossível (o que nunca
O preseme “existiu" como possibilidade), mais todas as possibilidades que
de uma
pessoa permaneceram irrealizadas (cuja “existência" se extingue no
não-realizar-se).
“Destino (o possível
ÊWW

que está dentro de suas O “ñuxo do tempo" astá univocamente orientado do pos-
possibilidades de escolha) sível para o real, e não vice-versa. O possível é fugaz, ele urge
"Deslino" (o realiza/Í(do,
por "Espaç0 livre" (o possível pelo ser (como numa espécie de horror do va'cuo, de acordo com
isso'fora de qualquer que está dentro de suas FrankJ). O “pré-estágio do ser” é instáveL ele desfaz-se no fluxo
possibilidade de escolha possibilídades de escolha) do tempo, e só o que é, o que no ñm se realizou, é que é estáveL

* ESIC assunlo pode srr csludado com mais dclalhcs cm Viklor E. FrankL Der
Wille zum Sinn, 3' ch, Bcrn. Hubcr. 1982. capílulo Zeil und Verunrwormng

154 155
Conjunto de todas realizada. Caim tinha a possibilidade de tomar-se o amígo ou
as possibílidades assassino de seu irmão. Ambas eram possibilidades existentes
não realizadas para ele, mas ambas não eram igualmente merecedoras de ser
“Pre'-esta'gio do ser” realizadas. Ao “rem'o do possível" (do que pode ser) e ao “reino
do real" (do que e') associa-se o “reino dos valores“ (do que
/\ deveria ser).
op oan

Possibilídades que Possíbilídades que


se realizam não se realizam O “reino dos valores” é deñmdo como o conjunto de tudo

l l aquilo que deveria ser e vir-a-ser; em termos religiosos sería a


“vontade de Deus“. Ele é supratemporaL isto e', não está subme-
odw91

Emram no “reino Deixam o “rem'o tido ao “fluxo do tempo”, pois refere-se tanto ao possível quanto
do real" do possível”
ao reaL A possibilidade de Caim tomar-se o assassino de seu
I
Incorporam-se ao ser
l
Fluem para o nada
irmão era uma possibilidade “que-não-devia-ser-realizada”, exa-
tamente como sua tealização foi, é e permanece uma realização
“não-devida“, Mesmo daqui a bilhões de anos a realização desta
possibilidade não se transformará numa realização devida.
Um aspecto logoterápico interessanle é que as possibilida~ Neste ponto surge uma certa polarização entre o que merece
des são a u'nica coisa propriamente mortaL pois elas são "exís- ser realizado e o que não merece ser realizado, onde deixam de
tentes" e, apesar disso, fugazes (deixam de ser “existentes” a existir os tons cinzentos que sempre exislem entre o branco e o
partir de um certo momento), elas são o únjco verdadeiramente preto, entre o bom e o mau: uma possibilidade ou merece chegar
perecíveH ao ser, ou seria melhor que ela nâo chegasse ao ser, mas que
A vida humana é estendida pelo “fluxo do lempo": ela entra fluísse para o nada. É sobre isso que baseia-se o momento de
no fluxo do tempo pela concepção e sai novamente do fluxo do decisão a que o homem está exposto todo o tempo de sua vida.
tempo através da morte. Frankl salienta que com a mone o Por exemplo, para um detemlinado casal num determinado mo-
homem não Iem mais sua vida (ou maís precisamentez suas mento ou e' melhor ter um ñlho, ou é melhor ñcar sem ñlhos,
possibílidades de vída), mas que tornou-se sua vida (mais preci- entre as duas coisas não existe nenhuma zona cinzenta de esco-
samentez as possibilidades realízadas de sua vida, sua “realidade lha.
de vida“). Com a mone, o homem passa totalmente do “pré-es- Olhemos agora para a pane inferior de nosso modelo na
tágio do ser” para o ser. página 154. A vida humana, que está no “f1uxo do tempo“,
Fora do “fluxo do tempo" reina uma para nós inimaginável desenrola-se sempre no limite entre o possível e o real, no
intemporalidade ("etemidade"), e isto não pode signiñcar senão presente. Neste presente, a “a'rea do destino“ está contígua à "área
simultaneidadez as possibilidades realizadas estão stm'ultanea- livre”, onde à “a'rea do destino” pertence não apenas todo o
mente presentes uma ao lado da outra, etema e imperecívalmem passado da vida, ponanto o já realizado, mas também aquele
te. futuro posslvel que não se encontra nas mãos do homem O
“espaço livre“ do homem envolve apenas o futuro possível que
Até aqui temos um modelo bidm'1ensional, com as duas
depende do própdo homem - mas isto é muita coisa.
coordenadas “reino do possível" e “reino do real". Como terceira
coordenada entra agora o aspecto ético. Nem toda possibilidade
deve ser realizada, nem toda possibilidade e'merecedora de ser

156 157
Presenre do homem
livre o homem pode estabelecer direções* para o futuro, para si
WI e para os outros homens, e até mesmo é desañado a fazê~lo na
l consciência de sua responsabilidade; mas se o trem do tempo irá
Possibilidades Possibilidades Possibilidades | Possibilidades
realízadas, que realizadas, que ainda l aínda passar por este trilho, ele não sabe. Quantas direções são deter~
não puderam ser pudemm ser irrealizadas, entre | I'rrealizadas, minadas por outras mãos...
escolhjdas pela escolhjdas pela as quais se pode | entre as quals'
pessoa pessoa (e deve) escolher l não se pode A logoterapia afasla-se do princípio psicoterápico da neu-
|
\/ l escolher tralidade dos valores, sem com isso transferir do terapeuta para
l o paciente qualquer concepção de valor ou qualquer concepção
l do mundo. Mas, em comum com o paciente, enfrenta-se a
o que se tomou o que se subtraem-se ao
questão de saber se suas atuais possibilidades são merecedoras

|
l
“destino" presente oferece homem
de realização, de saber qual é a psico-higienicamente melhor e a
como “espaço (“disposição",

|
I
livre" “providência", eticamente mais defensável escolha que ele possa tomar.

|
I “ldsmet“ árabez a
l parte que nos Citaçâoz “O verdadeiro problema é apenas adiado e, pior, além
I coube) acaso do mais encoberto por parte daqueles que sempre
I falam apenas da realização das próprias possibilida~
l
des, em uma palavra, pelos potencialistas, como gos-
atitude ação responsável atitude de taria de chama'-los; pois o verdadeiro problema é e
conciliadora ou ou menos expectativa permanece um problema de valor, e do confronto com
menos responsável confiante ou
o problema do valor inerente à decisão de qual das
conciliadora menos confiante
eventuais possibilidades é merecedora de realização,
de qual das eventuais possibilidades e' a eventual me-
Da plataforma do presente o olhar do homem espraia~se em cessidade - do confronto com esta problemática do
três díreçõesz para tra's, para o que já tomou-se “destino"; para a valor, e ísto signiñcaz do confronto com*n*ossa respon-
frente, para o que possivelmente virá para ele como destino; e sabilidade - não podemos eximir-nos."
para dentro do espaço livre que se lhe oferece. Do ponto de vista
Este “ser-merecedor-de-realizar-se" das possibílidades
da psico»higiene ele pode mover-se em cada uma destas três
tem que estar ñxado “em algum lugar“; ou nas idéias de valores
direções de maneira a evitar ou a provocar crises, confonne
puramenle subjetivas dos povos e das gerações, ou num “reino
assuma uma atitude conciliadora ou menos conciliadora em
dos valores” objetivo a que exista índependentemente das idéias
relação ao passado, uma atitude de expectativa conñante ou
humanas, dos povos e das gerações. Para voltarmos mais uma
menos conñante em relação ao futuro, ou realize ações respon-
vez ao exemplo de Caim, que (ao lado de muitas outras) teve as
sáveis ou menos responsáveis no interior de seu espaço 1ivre.
duas possibilidades de tomar-se o amigo ou o assassino de seu
A menção de que ao lado do destino já realizado, para o irmão - enquanto aceitarmos que a possibilidade de ser o amigo
qual o homem cooperou e que ajudou a escolher, existe algo era mais merecedora de ser realizada que a possibilidade de ser
como um destino possível que subtrai-se ao homem e cujo
“processo de escolha” se oculta para além dos limites da com- * Nola do Rcvísor: Em alcmào "Weicheu slellen ", quc significa "acionar as
preensão humana, na transcendência, prova que a logoterapia agulhas, ou scja, o sislcnm dc cams dc fcrro móvcis para facililan nas linhas fc'rmas, a
passagcm dos lrcns dc uma via para oulra”.
não é uma “ideologia de auto-redençào”. Ao destino possível só
** V iktor E. FrankL Drr Mensch vor der Frage nach dem Sinn, S' cd.. Mux"lchcn,
a oração tem acesso. É verdade que dentro de seu alual espaço Pipcr, l986, p. 77/78.

158 159
o assassino, temos que amarrar em algum lugar este ser-mais- detemlinada constituiçào do sujeilo é o meio ou órgão
digno-de-ser-realizado de uma possibilidade em face da oulra. necessário da apreensão do valor. Mas isto não exclui
Podemos agora ñxá-la em uma instância superior, dizendo: se a a objetividade dos valores, antes a pressupoe”. Pois os
existência de Abel não fosse uma existência com sentido e uma valores estéticos, como os éticos, exigem, da mesma
existéncia “devida", ela por assim dizer nem teria surgido. Quer forma como os objetos do conhecimento para serem
dizer, alguém que am'qui|a levianameme a Vida infrínge a “von- apreendidos, os atos adequados; nestes alos. entrelan-
tade de Deus" (5°- mandamento). Ou então, podemos dizer: como to, é apreendida ao mesmo tempo a transcendéncia de
nenhum homem gosta de ser morto, convenciona-se que em todos os objetos em relação aos atos orientados para
tempos de paz os homens se deixem muluamente vivos, de eles, e com isto a sua objelividade. Nisto não altera
acordo com o lema: “O que não quiseres que os oulros te nada o fato já mencionado de que nosso quadro de
façam...“ Quer dizer, alguém que levianamente destrói a vida, valores, bem como nossa imagem do mundo, só nos
infringe uma lei moral da sociedade. pemútem ver de cada vez como que um setor do
mundo, um simples cone, que, ponanto, estamos ligav
Esta segunda versào, entretanto, poderia ser uma “penúlti- dos a uma perspectiva. Talvez propriamente seja assim
ma interpretação". Pois, por que é que nenhum homem gosta de que todo “deVer" do homem só exista no concreto, na
sermorto? Cenamente porque traz em si uma “vontade de viver“. concreçào daquilo que ele “deveria" fazer “aqui e
Mas não se reproduz por sua vez nesta “vontade de viver" o que agora". Os valores se manifgstam nas exigéncias do
nos é dado de antemâo como possuindo sentido, o que é devido dia e nas tarefas da pessoa...
para com uma instância superior, eu, em termos mais simples,
para com a “vontade de Deus"? Reino dos valores

Na logoterapia, de qualquer forma, pane-se de um “logos" /\


supratemporal (e supra-humano), de um' “supra-sentido", a partír %Àmado dcstino Es'paço de libDrdade
do qual todos os valores recebem sua hierarquia e todas as do homcm do homem
possibilidades humanas o seu ter-sentido ou o seu não-ter-senti- (não há possibilidade (há possibilidades
do. O fato de as idéias de valor e as concepçoes' morais dos povos de escolha) de escolha)
haverem-se transformado no correr das geraçóes nào está em
contradição com isto. Pois lambém a idéia subjetiva do sol
mudou muito, começando por um deus~sol, passando por um
"corpo" celeste, uma bola de fogo a girar, até chegar à fusão
nuclear dos átomos em escala gigantesca, e, apesar disso, obje-
tivamente o sol permaneceu o mesmo que era desde o princípio
da humanidade e muito antes.
Citaçãoz “Quando reconheço um objeto como real, nísto já está
implícito que reconheço sua realidade também inde-
pendentemente de eu, ou qualquer outra pessoa, o
conhecer efetivamente em algum momento. O mesmo
vale para os objetos de um conhecimento de valor... É
verdade que um determinado estado subjetivo é a
condição para se descobrír certos valores, que uma * Viklor E. FrankL Ârzlliche Seelsorge, lO' cd., Wicn. Dcul¡'ckc. l982. p 54I55.

160 161
Só no fato de o “ser-merecedor-de-ser-realizado“ de uma Abstraindo disto, muito tempo antes que houvesse artistas
possibilidade de escolha não estar sujeito ao arbítrio do homem humanos, já a natureza atuava artisticameme, fazendo surgir,
- embora só possa ser apreendido no âmbito llm'itado da com- com auxílio de processos de mutação e seleção, uma incrível
preensão subjetiva dos valores -, mas de ser dado objetivamente, quantidade de seres vivos, como o sabemos da história da evo-
é que está fundamemado o mérito de uma pessoa quando ela lução. Mas o que são mutações senào concreçóes de “novas
realiza coisas dignas de serem realizadas (quando faz aqui e possibilidades do real” que sào postas à disposição? E que são
agora o que ela “deveria" fazer), ea culpa de uma pessoa quando seleções, senão “valon'zações“ destas novas possibilídades de
realiza o que não é digno de ser realizado, ou deixa de realizar o acordo com seu “ser-merecedor-de-sobreviver“? O que prova
que é digno de ser realizado (deixa de fazer aqui e agora o que que o ser e o vir-a-ser desde sempre efetuou-se entre realídades,
ela “deveria"). Se não fosse assim, em última análise seria possibilidades e valores, ou seja, que existiram critérios de valor
indiferente o que um homem escolhesse dentro do seu respectivo muito antes que os homens sobre isso quebrassem a cabeça.
espaço de liberdade - ele poderia justiñcar qualquer possibilida-
Ponhamos agora o “reino do possível" em relação com o
de de escolha.
“reino dos valores“, mas não do ponto de vista evolutivo, onde
Aliás, não só o “ser-merecedor-de-ser-realizado" de uma o-que-deveria-ser é o que sobrevive, e o-que-não-deven'a-ser o
possibilidade de escolha não está subordinado ao arbítrio huma- que morre, mas da vísão antropocêntrica do homem. Oblemos o
no, mas também a própria possibilidade de escolha não depende seguinle quadroz
do homem; não apenas o “reino dos valores", mas também o
“reino do possível“ é um dado objetivo, se bem que só possa ser
descoberto subjelivamente. Pois também as possibilidades, a
“matéria de que é feita a realidade", estão aí antes de serem
descobertas e aproveitadas por uma pessoa, e se não estivessem
aí também não poderiam ser aproveitadas.
Um professor de ñlosofia perguntou-me certa vez: “Não
pode o homem dar sentido a uma coisa que não tem sentido, por
exemplo, quando ele trabalha um bloco de pedra que jaz aí sem
sentid0, até que surja dele uma ñgura bela e que tenha sentido?”
“De certo“, respondi, “o homem pode fazer isto. Mas só porque
muito antes de ele encontrar o bloco, quanto mais de toca'-lo, já
existia adonnecida na pedra a possibilidade de ser esculpida dela
uma bela ñgura. Se a possibilidade de surgir dela uma ñgura não
existisse desde o principio na pedra aparememente sem sentido,
nenhum artista seria capaz de chegar à sua realização." Esta
resposta fez o professor de ñlosoña refletir, e levou-o a abando- quando chega a
quandno chega a
nar a ídéia de um sentido conferido pelo homem. E poderíam0s, reahzar-se: reahw-.se-'
mm
referindo-nos à idéia anterior do logos supratemporaL acrescen- graça, dom,'
felicidade
tar: “E se a possibilidade de surgir uma ñgura não merecesse ser
realizada - “nã0 merecesse' no sentido estético -, nenhum anista
responsável haveria de querer realizá-la.” quando chega a
reahzar'-se:
men"to pessoal

162 163
O homem não pode realizar nenhum “que-deveria-ser" que 6. Em face da pressão para a realização de uma possibílidade de
não esteja dentro de suas possibílidades de escolha (p. ex., escolha e do “reconhec¡m'ento de possibílidades de escolha que
endireitar o mundo todo), mas ele é responsável quando realiza possuem sentido”, o homem decide se a escolha feita por ele
ou deixa de realizar um “que-deveria-ser" que esteja ao alcance possui ou não sentido.
de suas possibílidades de escolha (= sentido da situação).
7. Por esta decisão tomada em liberdade o homem tem que
Dejinições logoterápicasz assumir a responsab1'lidade. A escolha de uma possibílidade
Graça = um “que-deven'a-ser" que está fora do alcace das possi- que possui sentido é seu mérito pessoaL a escolha de uma que
bílidades de escolha de uma pessoa e que sucede a essa não possui sentido é sua culpa pessoaL
pessoa. Na deñnição do sofrimento infligido pelo destino, que foi
Sofrimento = um “que~não-deveria-ser“ situado fora do alcance identiñcado como um “que-não-devería-ser", aludiu-Se a que
das próprias possibilidades de escolha e que sucede a uma num “plan0 superior“ ele poderia, apesar de tud0, possuir seu
pessoa. (Pode ser um “que-deveria-ser” num plano que sentido, um sentido, é verdade, que supera de longe a compreen-
ultrapasse a compreensào humana, mas com este assunto são humana. Se uma menina de lO anos e' assaltada e violentada,
ocupar-nos-emos mais adiante.) isto, na esfera humana, é e permanece contrário a todo e qualquer
sentido. O sofrimento infligído à criança e aos seus pais é uma
Méríto = um “que-não-deveria-ser” situado denlro das possibí- coisa que não devia ocorrer; a ação da pessoa que o infligiu, e
lidades de escolha e que é realizado pela pessoa. com isso tomou-se culpada, permanece uma escolha oposta ao
Culpa = um “que-não-deveria-ser" situado dentro das possibíli- sentida
dades de escolha e que é realizado pela pessoa. Apesar disso, de uma maneira misteriosa, é possível que
Teses da logoterapia a esse respeitoz surja daí algum bem, que, portanto, algo que foi realizado com-
trariamente ao sentido se transforme num sentido possíveL Que,
l. Nem todas as possibílidades de escolha (de um homem numa p. ex., depois muitos pais se tomem mais cuidadosos e não
determinada situação de vida) são ígualmente merecedoras de deixem seus ñlhos sem vigilância à noite. Ou que o culpado
ser realizadas. supere sua culpa e tome-se outro. Com isto o sofrimento e sua
2. O que merece ser realizado é sempre o “que-deveria-ser" ausência de sentido não foram retirados do mundo, nem foram
dentro do “que-pode-ser“. anuladas a culpa e sua ausência de sentido, e no entanto entrou
sentido no mundo. Sentido atraves' do sofrimento e da culpa. Por
3. Localizar o “que-devería-ser” dentro do “que-pode-ser" é
mais insondável que isto seja, corresponde no entanto ao pensa-
tarefa da consciência. mento logoterápico de que tudo, de que todo o universo, possui
4. O ato de localizar o “que-deveria-ser” é vivido pelo homem seu sentido, um “supra-sentido". O supra-sentido para nós ho-
como “conhec1m'ento das possibílidades de escolha que pos- mens totalmente irrealizável - é “o sentido do sentido e o sentido
suem sentido". do não-sentido", é “o bem que não precisa do mal para ser bom
em contraste com ele“, o “bem em si“. O que nos pemlíte esperar
5. Entre as eventuais possibílidades de escolha (em conseqüência
que o mal - sob a roupagem da ausência de semido - não exista
da pressão para a realização provocada pelo “fluxo do tem-
em si, pelo menos nâo no mesmo plano em que o bem - sob a
po"), uma tem que ser escolhida. A omissão da escolha tam-
roupagem do sentido. O não-sentido é o desvio e a aberração do
bém é uma escolha.
sentido, mas o sentido não é o desvio nem a aberração do não

164 165
sentido! Só na esfera humana é que o “s1m' ao sentido” e o “não cos que merecem ser salientados. Um deles realíza-se no “espaço
ao sentido” encontram-se num mesmo plano, como se o bem e de liberdade" de cada homem É o espaço de suas decisoes' e de
o mal fossem forças antagôm'cas com igual razão de existirem, sua responsabilidade, e nenhum sofr1m'ento, nenhuma humilha~
como se ambos mantivessem em equillbrio o pêndulo do mundo. ção suportada e nenhuma dor, por maior que seja, podem deter-
De acordo com nossa fé de tempos 1m'emoriaís, no plano supra- minar-lhe como ele tem que decidir neste seu espaço livre. O
humano só existe uma força, a u'nica que pervade todo bem e sofnm'ento pode doer ao homem que sofre, mas isto também é
todo mal, duma maneira e numa sabedoría que são inacessíveis tudo, ele não pode força'-lo a nenhuma reação, qualquer que seja,
ao homem. 0u, numa formulação diferentez o homem pode à dor, sem que ele a “aprove" do mais íntimo de si mesmo. Isto
colocar no mundo o que não tem sentido, mas não pode evitar vale antes de tudo para o sofrimento que os outxos nos ínñigem,
que, apesar de tudo, o que ele colocou no mundo tenha sentido quando nos odeiam, nos humilham, nos agridem etc. Em nosso
num “plano superior". espaço de liberdade eles não podem penetrar, sobre nossa reação
eles não podem decidir. Nós é que determinamos se devolvemos
Supra~senl1do
ou não ódio com od'io, humilhação com humilhação e agressão
esfera com agressão. Nós que detemlinamos sempre o que sai de nós,
mobem supra-humana e quando o que sai de nós “possui sentido“, então a ausência de

74k.
ÁA ___
em si sentido que parte dos outtos ricocheteia em nós - sem que
envenene nosso comção e nossos sentimentos.
O segundo padrão de resposta logoterápica manifesta-se

7 que
0 bem, o que
tem sentido não lem sentido
esfera
humana
em relação ao “destino”. Destino não precísa necessariamente
signiñcar sofr1m'ento, destino também pode signiñcar felicidade.
Somente que mn'guém pergunta pelo “sentído da felicidade“, mas
todo aquele que é atingido pela dor clama e luta pelo °°sentido do
Citação: “O alcançar um sentido que tenho diante dos olhos sofnm'ento”. O que pode ajuda'-lo é saber que não se pode
depende do meu agir ou do meu omitirz confonne o questionar o sentido da dor e que, no entanto, ele pode existir. A
que eu faça ou deixe de fazer, ou acontece alguma palavm de Frankl: “Só a partir do sobre-mundo é que o sofnm'en-
coisa - ou não acontece nada; mas o supra-sentido se to humano recebe seu sentido últ1m'o, aquele supra-sentido que
un°poe', independente do meu agir e omitirz ou com a ultrapassa toda capacidade de compreensão humana" e pode
minha participação ou sem ela, ou com minha coope- servir de consolo, ao mesmo tempo que oferece ocasião para
ração ou apesar de mim. Numa palavraz A história, deixannos de lado as perguntas e cnfrentarmós com dignidade o
onde o supra-sentido se cumpre, acontece ou através sofnm'ento quando ele for inevitáveL
dos meus gmpreendimentos - ou apesar das minhas
Pois sabemos que nada realizado se perde, nada do que nos
omlssoes.”
aconteceu e nada do que aconteceu atraves' de nós. O que acon-
Se, portanto, - para retomarmos de nossa excursão à logo- teceu através de no's, contudo, é nosso, é a base da valorização
ñlosoña ao ponto de partida deste capítulo - nos intenrogarmos de nossa vida; o que aconteceu a no's, pelo contra'rio, podemos
o que é que favorece e reforça a capacidade de sofrimento de tranqüilamente jogar sobre os ombros alheios e sobre as áreas de
uma pessoa, perceberemos dois padrões de resposta logotera'pi- responsabilidades alheias, sobre os ombros das pessoas pelas
quais aconteceu, e também - nas mãos de Deus.
* Viklor E. lekL Logotherapie und Est'teuza¡Ialyse. Mux"|chcn, Pipcr, l987. p.

166 167
.
. . .-.
.
O esquema anteríorik indica que todos os conteúdos possí-
veis de sentido que esperam pelo homem no futuro tém que
_ uxzr

passar pelo buraco de agulha do “sentido do momenlo", para


passarem a preencher 0 passado deste homem como conteúdos
de sentido realizados. Quem, por exemplo, quer educar um ñlho,
A questão do sentido na velhice o que sem dúvida alguma representa um importante comeúdo de
sentido para um casal, só o pode fazer enfrentando dia por dia e
minuto por minuto as exigências da patemidade, até que por ñm
o ñlho saia para enfrentar a vida de forma independente, e o
processo de sua educaçãó se cñslaliza como um valor realizado
na vida dos pais.

Na morte, os possíveis conteúdos de sentido do fuluro sào


cortados de um só golpe, mas os conteúdos realizados no passado
permanecem, porque, como foi explicado, o fato de se terem
Interpretamos a vida como um rio que corre entre o possível
realizado os põe a salvo da perecibilidade.
e o real. As possibilidades borbulham, por assim dizer, da fonte,
isto é, as possibilídades que a vida oferece a um homem, e a Juvenlude Velhice
realidade é o mar no qual este rio desemboca. Para lá, para o mar
incerto CCTÍO
da realidade, o homem leva as possibilidades transformadas em
realidade, aquilo que ele realizou em sua vida. E o que aí se
realiza, ou também o que deixa de reah'zar-se, constitui os
conteúdos de uma vida, a essência da vida humana, aquilo para
Àcomeúdos de kaomeúdos de
que se viveu. Pore'm, nem toda possibilidade de sentido oferecida sentido possíveis sentido realizados
pela vida chega a realízar-se. Algumas possibilidades de sentido _4______4___
conteúdos de conteüdos de
passam sem ser aproveitadas, elas “naufragam no meio do ca- sentido realizados semido possíveis
minho" e nunca chegam ao mar da realidade - mas aquilo que
chega é imperecíveL pois da realidade nada pode ser retirada
Se em nosso esquema comparannos a juventude com a
velhice, constataremos com surpresa que a velhice leva uma
nítida vantagem Pois o tesouro que a juventude possui, a pleni-
tude de possibilidades que ela tem diame de si, é incerta; mas o
tesouro que a velhice possui em comeúdos já realizados é impe-
MConteúdos
Contcúdos de de recível, é ceno.
sentido sentido No capítulo anlerior mencionei que da plataforma do pre-
Fluxo do realizados no possíveis no Curso da
tempo sente o homem contempla em tres^ direço'es, e destas Ires' direçóes
passado futuro vida
._____*__-_v eu gostaria de obler, no que segue, tres' perspectivas para o
“Sentido do
momento
presente" * Do livro Psychologische SeeLsorge dc Bisabclh Lukas, 2l cd.. Frc1'bmg. Hcrch
l988.

168 169
homem idoso, que denominarei “o olhar para trás“, “a tarefa são estes. às vezes encontrados na terra banhando em ouro a vida
presente" e “ o olhar para a frente“. “Olhar para a frente" tanto do homem!
em relação ao futuro, como em relação também à intemporali-
Outro, por sua vez, contemplará uma 1m'ensa prálica pro-
dade após o futuro.
ñssionaL e, contemplando-a, admirar-se-á de quanto realizou, de
quanta coisa passou por suas mãos e por sua cabeça, desta e
daquela maneira, qualquer que tenha sido seu campo de ativida~
de. Outros ainda olharão para os amigos e conhecidos, para as
excursoes~ e as viagens, para os espones e passatempos, os leatros
e bailes, as luzes de alegre exaltação, mas também para as
catástrofes que mais uma vez tiveram um êxito feliz, para os
momentos de perigo em que um anjo da guarda esteve ao seu
lado. Existe uma frase tirada do baú de sabedoria da vovó e que
os jovens nunca querem entender plenamente quando tentamos
consolá-los com ela. Diz assim: “Quem sabe para que isso vai
ser bom..." Pois bem, o olhar para lrás do homem idoso para 0
que foi bem sucedido em sua vida é exatamente este saber para
Iniciemos com o olharpara tras': é o ato de fazer o balanço. que issofoi bom, ou, de uma maneira ainda mais geral: para que
Um balanço existencial tem que ser feito, pois existe muíto em foi bom ele ter vivido.
dever e haver, ou melhor, em ser e devír, pois todo existencial Certo, há uma coísa pela qual mesmo 0 êxito é afetado: um
ultrapassa o ter para atingir o ser. Que é que encontramos num dia ele chega ao término, um dia ele estará completo. Isto nada
tal balanço de vida? O vivido e o na'o-vivido em sua historicidade, lhe subtrai ao fato de ter sido um êxito, mas todo ñm, todo limite
o criado, experimentado, sofrido, e o perdido, o não-criado, também dói um pouquinho.
não-experímentado e não-sofrído.
Os ñlhos que educamos saíram de casa, só vez por outra
Fiquemos inicialmente nos êxítos. São as açóes bem suce- dão not1'cia, ocupados que estão com seus próprios afazeres.
didas, são as experiências felizes, é o que foi suportado com Assim deve ser, mas - a gente ñca so'. Também o casamento,
coragem, são os frutos da própria existência, que nunca teriam este casamento de tantos anos, talvez tenha tem1inado. Termina-
crescido e amadurecido se nós não tivéssemos existído. É, ao pé do por uma separação que foi inevitável, ou completado pela
da letra, a contribuição própria que foi prestada para o êxito do mone do parceiro, não menos inevitáveL Sim, e a proñssão em
mundo, da criaçãa que nos engajamos, em que reunimos lantas experiências, foí
São coisas de que podemos orgulhar-nos, interiormente substituída pela aposentadoria Para não falar das relaçoes', dos
plem'ñcados, o coração ardente e a transbordar. É a colheíta passatempos, das viagensz passaram, talvez para não serem
conseguida, que sempre de novo podemos contemplar com os reencontradas senão em folos pouco lembradas nos álbuns da
olhos do espírito. Alguém há de contemplar os ñlhos e netos que família. O homem idoso, ao contemplar com orgulho os êxitos
ele criou e que se tomaram pessoas honestas e de valor. O que é de sua vida, confronta-se com “êxitos prontos”, '“êxitos concluí-
muito, muito mesmo. Outro olhará talvez para o seu casamento, dos”, e a opção será sua se simplesmente ele sofrerá com o limile
que durou tantos anos, que sob os vendavais da vida vergou mas e a Ilm'itação, ou se apreciará e valorizará o limitado, o que surgiu
resistiu. Amor recebido e amor presenteado, que dons celestiais dentro dos limites, e alegrar-se-á com isso. Ninguém expressou
isto de fonna mais bela que Immanuel Kant, quando escreveuz

170 171
Dias luminosos... amassa a argila, sabendo que não vaí mais conseguirmuita coisa.
não chores Para esta criança, e só para ela, é lamentável que daqui a pouco
por terem passado, o tempo esteja se esgotando. As outras aceitam bem que o tempo
antes sorrias de bríncar esteja se acabando; elas completaram a sua obra,
por haverem existidol usaram e gastaram a sua argíla. Não haveria mais nada a acres-
centar.
Penso que posso dizer: Mesmo que um idoso seja tão fraco
e débil a ponto de não poder fazer mais nada, que mal possa ter A parábola exagera no rigor, na medida em que na vída real
ainda experiências próprias, talvez nem seja mais capaz de sempre há esperança de mesmo a uma vída perdida se poder
pensar muita coisa, ou esteja preso a uma cadeira de rodas ou a acrescentar alguma coisa que possua semido. Aínda que seja
uma cama, uma coisa ela ainda pode: sorrir sobre os dias lumi- apenas o reconhecimento de que muita coisa foi perdida, este
nosos que teve e que nada e ninguém pode fazer com que deixem slm'ples conhecun'entojá é um passo de crescimento interior, que
de ter acontecido. é benéñco e suprime coisas erradas.
O olhar para trás de que estamos falando evidentemente Em minha longa prálica com pessoas que buscam aconse-
também traz outras coisas à lembrançaz os fracassos, e a vída que lhamento, sempre de novo tenho sentído que não é o sofrimento
não foi vivida. Os dias cinzentos do luto, os dias gelados do ódio, que a vída tenha infligido a alguém, mas antes as possibilídades
os dias parados da estagnação interior. Viktor Frankl chega a de sentido desperdiçadas, ou o sofrimento que causamos, que
añrmar que atrás de toda angústia da mone, portanto de todo ñcam mais longa e profundamente marcados no inlimo - nào são
medo de morren no fundo encontra-se uma angústia da consciên- os ferimentos sofridos que amargam o entardecer da vida, mas
cía. Ou seja, não tanto a angústia do perecer da vída quanto a as decisóes erradas que tomamos.
preocupação pelo que existe de bom e de valioso que perece com
ela. 15 Lembro-me, por exemplo, de uma senhora idosa que me
O tempo de vída não aproveitado ou erradamente aprovei- contou como teve que fugir do Leste europeu nos distúrbios da
tado pesa de forma especíal na alma da pessoa idosa, que não guerra, e como os soldados russos incendiaram a casa de seus
dispõc mais de muito tempo para preenchê-lo novamente. Gosto pais com todo o precioso 1'nventa'rio. Mas o que é que lhe pesa
às vezes de apresenlar a parábola de um grupo de crianças hoje na alma, quase 45 anos depois? Não são os tapetes persas
encarregadas de trabalhar com argila durante um tempo determi- queimados, não são as arcas pintadas à mão por seu avô e que
nado, digamos das 4 ás 6 da tarde. Cada criança fabrica alguma foram vítimas das chamas, nem mesmo o fato de haver perdido
coisa com a argila que lhe foi entregue: um vaso, um animal, etc. a pátria, o chão e o lar.' Tudo isto está superado há muito tempo.
Uma única criança ñca a brincar com a argíla, fazendo distrai- Mas havia um cãozinho na casa, um cachorrinho novo que havia
damente uma coisa qualquerz molda, desmancha, faz uma bola trazido muita alegría à famí1ia. E aquela senhora se interroga
de barro, joga bola com ela, e assim por diante. ainda hoje se naquele dia, quando ela se encomrava diante da
casa em chamas e teve que fugir, se não teria havido um jeito de
Às 10 para as 6 quase todas as crianças já aprontaram sua
ter tirado o cachorrinho enrolado num pano e de tê-lo trazido
ñgura e apenas a estão enfeitando mais um pouco. O vaso recebe
consigo. Se não teria havido então uma possibilidade de sentido,
um omamento de ñores na beirada, o anímal um rabinho engra-
uma possibilidade de, apesar de toda a confusão em lomo, ela
çado. Para estas crianças não é ruim que o tempo de fazer coisas
haver feito uma coisa com sentido e que nào foi aproveitada por
esteja terminando, elas fizeram o que estava em suas mãos. Mas
ela. É nisto que ela ainda pensa depois de quase 45 anos.
aquela criança assusta-se de que seja tào tarde. Fica nervosa,

172 173
Deixemos isto servir-nos um pouco de advertência, nós que colocá-lo sobre um pedestaL O que foi bom permanece bom -
nos encontramos ainda no meio da vida. No ñm nada dói mais mesmo que ninguém mais saiba disto, e que se lenham passado
do que a própria culpa, ou aquilo que sejamos obrigados a milhões de anos, e que a humanidade tenha deixado há muito de
registrar como um fracasso em nossa própña conta; é um “me- existir, aquilo que foi bom, ainda permanece bom, jamais perde
nos”, que precisa de muitos “mais“ para ser compensado. Tam- o seu ser bom. Por isso, distanciemo-nos interionnente da ingra~
bém a este respeito existe um dito notável de Viktor Franklz tidão do mundo, que experlmlentamos em medida crescente na
“Vive como se estivesses viwzndo pela segunda vcz, velhice, e estejamos abertos a uma grata satisfação com o que
e como se da pn'meira tivesse feito tudo tão errado está guardado para jamais ser perdido nos memoriais do ser.
como estás em vias de fazê-lo agora! ” De mane1ra' geral, gostaria de recomendar às pessoas idosas
serem conciliadoras no seu olhar retrospectivo. Quem perdoa
_._~.-_ ._._ -~*

Do ponto de vista da psico-higicne é esta a melhor previ-


àqueles que o ofenderam e o ñzeram sofrer, quem for “indulgen-
déncia de velhice que existez quem vive consciente da responsa-
te", cste experimentará também indulgência, mesmo que seja na
bilidade pode olhar tranqüilo para a velhice e a morte.
esfera das relações entre os homens, e a partir desta experiência
Uma última coisa eu gostaria de mencionar dentro do tema lhe será mais fácil ter esperança de que, também a ele, há de ser
“olhar para tra's“. Às vezes, quando consideramos ludo quanto perdoado o que fez de errado - pelas pessoas que ele talvez tenha
foi realizado, suportado e sofrido, vem-nos à consciência a ofendido e feito sofrer, e, se quiser dar mais um passo à frente,
.-_ . ._,-.4

ingratidão do mundo, que nunca valoriza convenientememe o por seu Deus. Como já dissemos, nada pesa tanto e por tanto
que foi feito, e que há muito esqueceu o que alguém suponou e tempo na alma como as possibilidades de sentido que deixamos
sofreu. Esta é uma coisa que afeta de maneira especial esta nossa passar sem realização. Ora, perdoar é uma das grandes oponu-
época apressada. 30 anos, por exemplo, que alguém tenha servi- nidades de sentido na velhice, e realizá-la equivale a expiar as
do numa ñrma são imediatamente postos de lado quando a próprias culpas.
pessoa é substituída por outra, e esta outra não demonstra o
Com isto já nos encontramos na segunda perspectiva, que
mímm'o imeresse na experiêncía de seu antecessor. Sim, pode até
denominei de tarefa presente. Como sabemos, o homem cresce
ser que o outro mande logo instalar um computador e ñque
por suas tarefas. Mas não apenas ele cresce com as tarefas, ele
sorrindo do velho que ainda fazia tudo muito mais complicado
também dlm'inui com a perda das tarefas, e por isso é necessário
do que se faz hoje em dia. Também a questão do que as mães
que, em cada fase da vida, se imponha tarefas adequadas à
enfrentaram em outras épocas, sem o conforto, sem os eletro-do-
própria situação e às próptias forças. Onde, propositadamente,
mésticos e com muito mais ñlhos para criar que as mães de hoje
digo: ele deve impor-se, e não: elas devem lhe ser dadas.
- por não existir ainda a pílula anticoncepcional - pouco interesse
encontra, a não ser que coincida com uma campanha política e a Compreendo perfeitamente os argumentos tantas vezes
senha do dia seja a das mulheres exploradas. usados em congressos de gerontologistas, mais ou menos nos
seguinles tennosz A sociedade precisa utilizar o potencial das
Mas consideremos: não é o aplauso do mundo o que
capacídades ainda existentes nas pessoas idosas, mas que perma-
importal Tudo termina por cair no esquecimento. Se não nesta
necem sem serem utilizadas, como colaboração de honra e
geração, certamente na geração seguinle, nenhuma recordação
ponanto gratuita - desta fonna os idosos não sentirào te'dio, e os
consegue realmente ser conservada. E, no entando, tudo que foi
outros, envolvidos no processo febricitanle do trabalho, poderão
ñca guardado, ou, como costuma dizer ViktorFranklz toda ação
ser aliviados. Isto possui, evidentemente, o seu lado correto,
e' o seu próprio monumemo. O homem constrói seus próprios
apenas é preciso que não esqueçamos uma coísa. O idoso já
monumentos através do seu agir, ele não depende de o mundo realizou sua parte para a sociedade. Ele não pode ser convocado

174 175
como um servíçal barato para outros serviços, apenas podemos De forma alguma é verdade que o homem que envelhece
pedir-1he sua ajuda onde ela se ñzer necessária. O que ele faz, esteja igualmente sujeito à desinlegração e à decadéncia em todas
fá~lo espontaneamente, e esta espontaneídade também corres- as d1m'enso'es do seu ser-homem. O que diminui são as funçoes'
ponde ao “cara'ter da vida como tarefa" (Frankl); pois a todo corporais, d1m'inui também a Hexíbilidade psíquica, que se toma
homem, em qualquer situação, é conñada uma tarefa, mesmo que mais rígida, a capacidade de adaptar-se a novas situaçoes', e o
seja apenas a de suportar sua situação com paciência e de bom desempenho da memória. Mas o enfraquecimento psicofísico
humor, mas esta não é uma tarefa imposta por outros homens não precisa necessariamente ser acompanhado do enfraqueci-
nem pela sociedade, mas snn' pela vida mesma. É o sentido do mento das capacidades esp1'n'tua1's, pelo contrária Com base em
momento que a exige dele! A este sentido do momento presente esludos cientlñcos, mas com base também em num'ero suñciente
pode o homem responder Sim ou Não, pode cumpri-lo ou deixar de exemplos, sabemos que as capacidades espiñtuais e criativas
de cumpri-lo - mas quando o cumpre cumpre-o sempre livre- do homem podem crescer até á mais avançada idade. Sobre isso
mente e não obrigado nem empurrado por um impulso interion gostaria de citar Ursula Lehr, a conhecida gerontologisla de
nem forçado pelas outras pessoas do seu ambiente sociaL Bonn:
Na infância, osentido do momento presente é esclarecido Citaçdoz “Não esqueçamos as muitas e importantes obras criadas
aos que se encontram em crescimento pelos seus pais e mestres, para nós por pessoas de idade avançada! Assim, p. ex.,
eles recebem, por assim dizer, um ensino suplementar para o célebre psicólogo Wilhelm Wundt só aos 68 anos
aprenderem a ouvír o que lhes é dado como tarefa, e recebem começou a escrever sua monumemal °Psicologia dos
também uns “empurrõezinhos” na sua motivação para aceitá-lo, Povos', cujo décimo volume concluiu aos 88 anos.
com êxito maior ou menor. Os pais podem, p. ex., chamar a Alexander von Humboldt começou aos 76 anos a
atenção de que taIVeZ tenha mais sentido estudar para a prova de redígir o seu 'Cosmos', uma obra em cinco volumes,
amanhã do que ir jogar futeboL ou que poderia ser sensato que apresenta uma símese do um'verso físico. Leopold
cedermos nosso lugar no ônibus a um passageiro incapacitado von Ranke, o grande historiador alemão, começou
de andar, quando nossas pemas são jovens. ' com 80 anos a escrever sua Hislória Universal e a
concluiu com 9 l. Theodor Fontane aos 77 anos escre-
Na idade adulta nínguém mais nos chama a atenção de
veu seu romance “Efñ Briest', Goethe concluiu aos 82
forma semelhante para o sentido do momento presente. Mas a
seu “Fausto, 2-“ parte'. Michelangelo supervisionou a
geme vive sob um espartilho rígido de normas e pressões, que,
construção da catedral de São Pedro muito depois de
embora não seja sempre inteiramente sensato, oferece muitas
haver completado 80 anos de idade. A 'Deposição da
vantagens no tocante às tarefas a serem cumpridas Temos que
rcalizar o trabalho, temos que ganhar o dinheiro, temos que Cruz', de Ticiano, foi feita quando ele tinha 99 anos
cuidar dos ñlhos, arranjar isto e aquilo. O espaço de liberdade é de idade. Giuseppe Verdi ainda compôs óperas e sin-
fonias com a idade de 90 anos; Veit Stoss criou aos 86
estreito, embora nunca desapareça inteiramente.
a chamada “Saudação Angélica', uma obra-prima do
Na velhice, estas vantagens no tocante às Iarefas a cumprir gótico tardio! Mas ainda hoje existem realizações de
se esvaem aos poucos, o esquema rígido desafoga-se. Esta é uma ponta de pessoas muito idosas nos mais diversos terre-
chance para que desabroche a proverbial sabedoria da velhice, nos: basta lembrarmos Pablo Picasso, Karajan, mas
que não deve ser desperdiçada por novas vantagens artiñcíais também grandes estadistas, como Komad Adenguen
nem pelas restrições da sociedade. Ou seja, é a chance de que Charles de Gaulle, Winston Churchill e Perlini."
agora se pode e se deve escutar com relativa calma aquilo para
* Manuscn'lo u'1cd'ilo de uma palcsua dc Ursula Lchn
que se e' chamado.

176 177
Nem todo mundo, evidentemente, tem “vocação” para a maneira sensata com seus pais na velhíce, ora mais ora menos
arte ou para a política, mas, no am^bito de suas possibilidades, caprichosos, desconñados e maldosos.”
todo homem é chamado para alguma coisa. Um conhece um
Bem, a paranóia da velhice que transparece da carta é
grande num'ero de receitas de cozinha, que poderia ainda passar
detemúnada orgam'camente e certamente a responsabilidade por
a 11m'po orgam'zando-as por verbetes, outro é perito em consertar
ela só pode ser atribuída a esta mãe com muitas reservas. Apesar
bicicletas e podería ajudar os garotos e garotas da localidade a
disso, não estou convencida de que ela não pudesse tomar as
consenarem pequenas panes. Um terceüo que am'da está bem das
coisas um pouco mais fáceis para os seus ñlhos.
pemas engaja-se no clube dos caminhantes, enquanto o quarto
gosta de ir à igreja rezar diariamente pelo bem do mundo. Cada A materrúdade ou patemidade começa sendo assumída a
um tem um chamado para alguma coisa, cada um tem ainda partir de um ato de amorz a cenlelha do amor salta para os ñlhos,
alguma coisa como tarefa, mas esta “alguma coisa" não lhe pode sustenta sua educação e por ñm libera-os para viverem sua
ser imposta. Ele mesmo tem que encontra'-la com a sabedoria do própria vida. Pore'm, mais uma vez ela é exigida dos velhos pais,
seu coração, ele mesmo precisa añrma'-la como o últlm'o sim a saber, no lempo breve ou longo que dura sua despedida dos
incondicional à vida pronunciado por ele. ñlhos. Conseguem os pais ñcar humildemente em segundo pla-
no, ou são imperiosos no exigir a atenção dos ñlhos? São
E tem mais uma coisa: a questão dos parentes. Sobre as
ouvintes bondosos e compreensivos, ou “megeras“ eternamente
múltiplas tensões e conflitos entre velhos e jovens não há neces-
a brigarem? Vivem a cobrar 0 que deram um dia, ou sabem
sidade de falar em detalhes. É lamentável que as diversas gera-
doar-se no próprio ato de terem que receber? Criam momentos
çoes~ só consigam conviver com diñculdade. Mas da obúgação
de desconsolo, ou sabem transmitir consolo àqueles que os
de preocupar-se de alguma forma com os pais e avós idosos e
acompanham em suas homs mais difíceís? Se estamos nos ocu-
necessitados de cuidados, nem as gerações modemas escapam,
pando com as tarefas atuais do homem idoso, não podemos
e para as pessoas idosas isto pode signiñcar uma coisa bastante
esquecer o 1m°enso sentido que existe na tarefa de tomar as
amarga. Elas tomam-se cada vez mais um peso, cada vez mais à
conseqüências da própria velhice tão leves quanto possíveis às
mercê daqueles contra quem sustentaram mais de uma guetrinha
pessoas do cu'culo mais m't1m'o, portanto também aos parentes e
e de quem possivelmente se tomaram estranhos. Esta situação
às pessoas encarregadas de cuidar deles, e isto por nenhum outro
produz sofnm'ento de ambos os lados.
motivo que não o amor - 0 amor patemo, o amor ao pro'x1m'o.
Aqui está um trecho de uma carta que me chegou há pouco Um amor que, como sempre sói fazer o amor, reflete seus raios
tempo e que ilustra esta problemática a panir do ponto de vista de volta sobre aquele que ama e contribui para o bom êxito da
da geração mais nova. despedida.
Com isto chegamos à u'ltima perspectiva, o olhar para a
16 “Temos problemas com nossos pais - meu sogro e ffenta Também o homem idoso não deve viver apenas no
minha mãe. Com 83 anos, minha mãe é tem'velmente desconfia- passado e no presente, ele também ainda tem um futuro diante
da e cada vez mais hostil em relação a mim. Qualquer palavra de si, mesmo que este futuro esteja resumido a poucos dias,
leva-a a ímaginar coisas, ela lorce e inventa as coisas - e logo semanas ou anos. E mais uma coisa tem ele diante de si: a saída
somos nós que estamos querendo tira'-la de casa, priva'-la de suas do tempo e a entrada da intemporalidade, seja como for que a
roupas, etc. Minha mãe exige de mim muita força e muita 1m°agine.
disposição de vida. Não conheço nenhum livro que, para bene-
Sobre o futuro há o seguinte a dizer. Muitas pessoas idosas
fício de ambas as partes, ensine aos ñlhos como tratar de uma
não começam nada de novo porque pensam que não vale mesmo

178 179
a pena. Atrás disso está o medo de deixar uma obra incompleta do esp1r'ito humano de seu envoltório psicofísico, e do retomo do
quando de repente se vier a ser chamado. Mas a este perigo temos espm"to à sua pátria situada para além do espaço e do tempo.
que nos expor, e não apenas na velhice, mas ao longo de toda a Mas neste caminhar para a pátña verdadeira do ser humano
nossa vida. Nunca sabemos até que ponto havemos de chegar a vanguarda é constituída pelos idosos - vamos, portamo, ao seu
quand01'm'cíamos uma coisa nova. Nunca sabemos se uma coisa encontro com atenção e respeito! Asslm' nós, os mais jovens,
em que invesnm'os nossas energias valerá a pena. Tudo, toda a teremos menos medo da vida, e os mais velhos menos medo da
vida do homem, permanece uma obra fracionária, e no entanto mone.
ela permanece, e pode ser tão completa em si como a “Inacaba-
da” de Schubert, que é uma de suas mais belas smf'om'as. Por isso,
a velhice não deve impedir ninguém de olhar para o futuro ou de
planejar. Mesmo que o futuro não venha mais a realizar-se, o fato
de olhar para ele e de planeja'-lo foi uma experiência bom'ta, uma
vivência que valeu a pena ser vivida.
O olhar o futuro, sem dúvida, traz consigo também o olhar
para a morte, que está à espreita no fmaL A consciência da mone
é um distintivo do espírito humano, ou seja, uma prova de que o
homem, na sua dimensão espiritual, pode erguer-se do aqui e do
agora, que em pensamento ele pode transferir-se para um outro
espaço e um outro tempo, o que o amm'al não consegue. O animal
vive sempre unicamente no aqui e agora, não pode elevar-se
acima disso, e por isso também ele nada sabe da mone a não ser
no momento de morrer, ele vive em paradisiaca inconsciência.
Mas o homem é espiritualmente independente do espaço e
do tempo, e isto já durante a vida. Ele pode, por exemplo, pensar
num amigo que se encomra na América, e emão interiormente
ele está com este amigo, mesmo que no espaço e no corpo ele
esteja na Alemanha. Ou pode em pensamentos transportar-se de
volta para a sua infância ou para a Antigüidade, para o tempo dos
gregos e dos romanos, embora vivendo no ano de l988. Em
amorosa recordação pode o homem demorar-se com uma pessoa
já falecida, e então ele está com ela, fora da estrutura terrena do
espaço-tempo. Desta forma, o espm"to, e também a pexsonalidade
espm"tual do homem, já está sempre fora do espaço e do t*empo,
está no corpo em lugar nenhum, e também não no túmulo . E o

_ ,
saber da mone nada mais é que o saber da separação deñnitiva

_vr-',.~
* Sobm cssc tcma, cf. Viklor E. FrankL Der Iezde'nde Mensch, 2' ed., ch, Hubcr,
1984, capilulo Das Problem des Gew'les.

180 181
IDÉIA_S ADICIONAIS PARA A
PROTEÇAO DO MUNDO INTERIOR
O anseio do homem pelo sentido

Se nos interrogarmos o que é exatamente que faz o homem


ser homem, forçosamente chegaremos à resposta de que não são
as emoço'es. Pois o medo, a raiva, a dor e o prazer podem ser
facilmente observados também nos animais mais evoluídos. Se
não são as emoçoe's, porém, seriam talvez as cogniçoes"? Não há
dúvida de que no homem a capacidade de pensamento supera de
longe a dos animais mais evoluídos. No entanto, também não
pode ser negada a existência de cognições do mundo animak
percepções, recordações, processos de adaptação e de aprendi-
zagem, chegando ao ponto de compreender e responder a sínais
e outras formas de infonnaçào.
A esta altura de nossas considerações vemo-nos confron-
tados com duas possibilidades. Ou deñnimos a diferença entre o
homem e o animal como uma diferença unicamente gradual, o
que equivaleria a admitir que em última análise o homem não
passa de um animaL embora extremamente favorecido pela
evolução, que graças à sua alta complexidade cerebral é incom-
paravelmente superior a todos os outros animais, ou continuamos
considerando a diferença entre o homem e o animal como uma
díferença fundamental e perseveramos na busca daquele princz'-
pio que eleva o homem acima do animal, a uma dimensào do ser
não apenas quantitativa mas também qualilativamente nova. Este
segundo foi o caminho trílhado por Viktor E. FrankL que em sua
busca por este princípio deparou-se com o “espaço de existência

185
espiritual~pessoa1”, que permanece vedado aos animais. De acor- mundo, num superar-se de amor acima de si mesmo, num pres-
do com sua deñnição, a existência é uma forma do ser, a saberz sentir e perceber de uma ética que se revela. E dos puros atos de
pensamento, por sua vez, que no psíquico sempre se desenrolam
Citaça'o: o ser humano, o ser próprio e especz_/i'co do homem,
de par com uma inteligência inata, uma compreensão bem mai-
cuja originalidade consiste em que no homem nâo se
nada e um conhecimento aprendido, em obediência às leis da
trata de um ser defato mas de um serfacultativo, não
lógica, faz-se no plano espiritual e pessoal um reconhecer e
de um “ter-que-ser-assim-porque-não-existe-outro-
apreender quase alógico, ou antes “pré-lógico”, radicado numa
jeito“, como o homem neurótico erroneamente se
espécie de sabedotia, intuição ou inspiração, ponamo, mais uma
compreende, mas de um “sempre-poder-ser-também-
vez numa espécie de vísão antecipativa das coisas e de suas
de-outro-modo“.
ligaçoes'.
Ex~istir signiñca sair de si mesmo e colocar-se diante
de si mesmo, com o que o homem sai da esfera do Quando, ponanto, cenos críticos añmmm hoje que a psi-
corporal e do psíquico e atraves' do espiritual chega a cologia tradicional ter-se-ia feito culpada de um “descre'dito da
si mesmo. A ex-istência ocorre no espírita E o homem cabeça em benefícío da barríga", sigmñcando que teda dado
coloca-se diante de si mesmo na medida em que como mais imponância à esfera do sentimento, símbolizada pela bam'-
pessoa espiritual confr*onta-se consigo mesmo como ga, que à esfera da razão, simbolizada pela cabeça, a isto a
organismo psicofísico." logoterapia, lembrando-se das barrigas e cabeças de cães, gatos
e camundongos, gostaria de acrescentar, reliñcando, que nem a
O homem como “pessoa espiritual", que se confronta com
bam'ga nem a cabeça constituem o especiñcameme humano. Os
suas ocorrências biológicas, psicológicas, sociais e históricas, e
fenômenos propríamente humanos encomramo-los lá onde se
se necessário até as enfrema, forma assím o tema central da
trata dos fenômenos espirituais, da instância, no homem, que
logoterapia de Frankl. Quais são os anseios da "pessoa espiritual"
valoriza, que toma posiçâo e que decide, a qual nào é possível
do homem, quais suas possibilidades, ou mesmo, quão grande é
simbolizar por nenhuma parte do corpo, mas que pode ser melhor
o seu “direito de panicipação" nas doenças físicas e psíquicas,
represemada em termos religíosos com “o espírito que Deus
nas crises e nos estados de sofrimento da vida humana? Abre~se
infundiu no homem“.
um grande leque de perguntas, que a psicologia tradicional,
basicamente empenhada com a esfera das emoções e cognições Do que ñcou dito toma-se evidente que, embora reivindi-
comum ao homem e ao animaL não se colocou e, por conseguin- que ser uma forma eñcaz de psicoterap1'a, a logoterapia não es*ta'
te, também não respondeu. Pois é na esfera espiritual e pessoal pnm'ordialmente em busca “de fatores relevantes de doença" .
que as emoções e cognições se transñguram, pode-se dizer que O que a logoterapia pretende não é trazer à consciência os
é só aí que elas se tomam humanas. Os meros sentimentos, que distur'bios psicofísicos, nem aplicar métodos de evitar Lais distur'-
no psíquíco sempre representam o eco afetivo a alguma coisa bios, mas SIm' apelar para o até hoje mais altamente evoluído bem
extema ou intema, a um efeito vindo de fora, como uma recom- da evolução ou da cn'ação, como quer que se preñra chamar,
pensa ou um castigo experimentado, ou a um processo nascido àquele espírito do homem que, embora ela o considere “sujeito
de demro, como a exigência do instinto ou a força do impulso, a distúrbios, em últíma análise é indestrutível”. É a ele que ela
no plano espiritual e pessoal transformam-se em uma vibração
emocional antecipativa, numa busca e anseio por sentido no * Alusáo à nova raiaçao das Dircmzcs dc Psicolcmpia nos Scrviços dc chums
da Alcmanha dc l976, ondc a “busca dc falorcs rclcvmnes dc docnça" c' cxigida como
objclivo do lmlamcnlo da psicolcrapia dc orícmaçáo cliolo'gica, o quc do pomo dc visla
* Vlklor E. FrankL Logolherapie uIltIEx1"AleI1mllalyse, Muülchan Pipcr, 1987, p. logolcrápicu mprcscma uma cxigéncia baslnmc insuücicmc A pm'nazia lcn'a quc scr dada
61. à “busca dc fatores de conscrvação e rccupcraçáo da saúdc".

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quer ativar ou conquístar, como co-participante na fonnação de Um lobo feroz ameaça há algum tempo os habitanles de
uma vída que merece ser vívida e na luta pela saúde e cura de uma aldeiazinha da Itália, sua vida e seus rebanhos. Quando ouve
uma vida afetada pela doença. falar disso, Francisco vai corajosamente ao encontro do lobo em
sua cavema e pergunta-lhe por que ele eslá assustando desta
Nunca até hoje foi provado que concentrar a atenção no
maneira os aldeoe~s. O lobo rosna-lhe em resposta que está com
negativo, na análise do mal e de sua gênese, tenha fomecido um
muita fome e que tem que comer alguma coisa. A seguir Fran-
motivo suñciente para a superação do negativo, para impedir a
cisco oferece-se como mediador entre o lobo e os aldeóes e faz
atividade e a propagação do mal. Antes, todas as experíências da
um acordo pelo qual os aldeões deixarão num determinado lugar
psicoterapia depoe'm unanimemente em contra'n'o. Nenhum abu-
came para o lobo faminto, e este, em contrapam'da, comprome-
so de drogas diminui quando descoberta a razão por que pela
te-se a deixar os aldeóes e seus rebanhos em paz.
pn'meira vez alguém apelou para a droga. As angústias e senti-
mentos de inferiorídade não desaparecem quando seu portador A fábula obedece a um modelo causal de pensamento,
sabe, ou acredita saber, donde elas procedem. As depressões não freqüentemente reencontrado na psicoterapia. Diz este modelo
desaparecem depois que sua génese tomou-se conhecida. Para que uma vez descobertas e removidas as causas de um compor-
combater o vício, a neurose ou a depressão necessita-se da plena tamento falho, como ocorreu na fábula com a agressividade do
cooperação do pacieme, da manifestação de sua sincera vontade lobo, então o próprio comportamento falho regredirá por si
de recuperar-se, tal como se expressa no empenho de todas as mesmo. Na esfera subumana é esta, sem dúvida alguma, a melhor
suas forças intactas e sadias. Porém, cooperação e empenho de e única possibilidade de solução. Mas deve-nos ñcar claro que
forças só podem ser alcançadas onde encontramos um verdadei- no momento em que, por um motivo qualquer, o lobo não
ro morivo para recuperar a saúde e não unicamente uma causa enconlrar mais a came que lhe foi deslinada, ele voltará nova-
da doença; um motivo para recuperar-se ao qual se possa aderir mente a atacar os aldeóes e seus rebanhos.
também no espírito - pois jamais foi inventado um método capaz Ele não se transfonnou em “outro“ lobo, não compreendeu
de curar o homem que não concorde interiormente em ser curado. o sentido de renunciar à agressividade, nào resolveu inte-
Com isto chegamos à questão de descrever aquilo que o rionnente ser um lobo “bom", isto é, pac1'ñco, nem tomou
homem como "pessoa espiritual” pode aprovar, e isto a partir de posição em relação ao comportamento errado aceitando com
um anseio pr1m'ordial cuja fonte está voltada precisamente para toda sua pessoa um comportamento oposto em vista daqueles a
o que ele deveria aceitar na liberdade e na responsabilidadez para quem seu comportamento atinge. Evidentemente, o lobo de São
o sentido. O estar orientado para o semido, baseado no existir Francisco não é capaz de fazer nada disso, mas 0 homem, que no
espiritual do homem, é o que constitui a garantia de que, a cada fundo é o objeto da fábula, pode; e ele precisa também ser
razão plena de sentido para tomar-se e permanecer sadio e para pedagóglca e terapeuticamente guiado para tudo isto, se quiser-
crescer na sau'de, pode ser dado o assentimento interior, bastando mos que ocorra uma “reorientação existencial" dele mesmo,
que antes seja percebido como tal, o que constitui a condição para como Viktor Frankl o expressa; precisa ter diante dos olhos o
que todas as forças autocurativas físicas, psíquicas e espiñtuais motivo para um modo de agir novo e pleno de sentido, para poder
de que o homem dispõe possam ser engajadas ou aproveitadas ser curado de suas más ações. De acordo com isto, a logoterapia
no processo terapêutico. Uma pequena fábula pode explicar até é a arte de o terapeuta buscar, em comum com o paciente, o que
onde a orientação da "pessoa espiritual” do homem para o desaña a este esp1'r1'tualmente, aquilo a que ele reage eticamente,
sentido distingue-se da orientação do instinto e do prazer no nível o que espera por elez espera ser cumprído por ele, de acordo com
psicofísico que ele compartilha com os animais. É a fábula de o “logos” - o sentido de sua vida, em panicular o sentido de cada
São Francisco e o lobo. situaçâo de sua vida.

188 189
Mas que é que se deve entender por "semido”? E principal- Hofstãtter, ou não, e seja ou não obedecido por esla pessoa o que
mente, o que é que detennina o que tem sentido e o que não tem? se apreendeu como possuindo sentido.
Não poderia o lobo de nossa fábula dizar que o saborear tenra Com base no fato de a exístência humana ser oriemada para
came humana lhe parece extremamente cheio de sentido, ao que o sentido e no daí decorrente anseio primordial do homem por
os aldeóes de nossa fábula retrucariam dizendo que consideram uma vída plena de sentido, temos a convicção de que ambos os
como possuindo sentído o caçar e o matar lobos? Peter R. fatores, tanto o na'o-apreender as formas de sentido, como o
Hofstãtter dá a isso a segumte resposlaz “Viktor E. Frankl per- não-obedecer às formas apreendidas, levam a sérias cn'ses e
tence ao pequeno num'ero daqueles que sabem que... não pode- estimulam certas dísposíçoes' físicas e psíquicas latentes para a
mos definir arbitrariamente o sentido da vi*da, mas que eclosão de doenças. Por isso, o diálogo logoterápico equivale a
unicamente o podemos apreender com devoça'o". um tatear e sondar, a um de1'xarmanifestar-se do que “possui
Islo signiñcaz o que o lobo busca não é realizar um sentid0, possibilidades de sentido sobre o fundo da realidade do pacieme"
mas saciar uma necessidade, e a maneira de saciar qualquer (Frank]), a um apelo ao pacíente para apreender tais possibilida-
necessídade sempre é arbitrariamente ñxada. O que alguém des de sentido e inserHas no seu viver. Nisto o ser tem absoluta
empreende para savciar sua fome de alimento, de sexualidade, preferência sobre qualquer reflexo emocionalz o objeto da inter-
proteça'o, poder, prestígio, lucro e sucesso depende de suas venção logoterápica nào é que o paciente “sinta-se" bem, mas
possibilidades e de sua vontade, a não ser que voluntariamente que ele "seja“ bom, bom para alguma coisa, que sua vída seja
ele submeta a escolha de seus meios ao critério do sentido daquilo uma vída boa, porque nela se realizam boas coisas. Pois então,
que escolheu. Mas entào acabou-se a arbitrariedade, o semido como decorrência, ele também sentir-se-á bem. Analogamente,
não existe nem pode ser posto ou retirado de acordo com o não é objetivo da logoterapia reduzir ou remover pela terapía os
arbílrio de ninguém. Se, por exemplo, os aldeões, em vez de sentimentos de culpa ou de luto, p. ex., após um golpe do destino,
seguírem cegamente seus impulsos de segurança e desta foxma, mas antes assistir o paciente no seu confronto espiritual com a
agindo também “como lobos”, termínarem por matar o lobo, se culpa cometida ou com a dor sofrida, e, em comum com ele, até
em vez disso eles puserem~se a refletir se realmente possui destes fatos dolorosos arrancar uma perspectiva de sentida Pois
sentido matar o lobo, considerando, por exemplo, que também é então, e só então, ele aceítará e supcrará psiquicamente a culpa
possível fazer amizade com ele, ou que nào existem mais muilos e a dor.
lobos sobre a terra (um argumento talvez mais atual), emão eles
não conseguirão mais escolher arbitrariamente o resultado de sua Um caso da minha clínica psicoterápica pode ilustrar a
busca de sentido; terão que considerar a situação objetiva, que explicação acima.
diz que a amizade tem mais semido que a inimizade e a conser~
vação da vída mais sentido que a destruição da vída, quer isto 17 Uma mulher solteira de 44 anos vive desde a infância
lhes agrade, quer não. 0 sentido não pode ser dado, nem pelo com a máe viu'va. Nos últimos anos esta convivência passou a
terapeuta ao paciente, nem pelo paciente à sua vida, o sentido ser um grande peso para ela, porque a mãe tomou-se muito
mesquinha e ímplicante; porém a mulher nào conseguiu decidir-
simplesmeme está az', numa maravilhosa, sobre-humana ou mas-
se a “desfazer-se” de sua mãe cada vez mais doente, empurran-
mo transcendente objetividade, e isto para cada pessoa, em cada
do-a para um abrigo de velhos. Agora a màe está quase chegando
situação, seja ele “apreendido com devoção“, como o disse Peter
ao ñm, e a mulher éjogada de um lado para outro por sentimentos
contradito'n'os. Por um lado, experimenta um medo pânico de
* No prcfácio ao livro Das Ringen un Simz, dc Joscph B. Fabry, Stullgarl, Ed perder a mãe, por outra surge às vezes dentro dela uma certa
Híppokralrs, l973. alegria, de que ñca profundamente envergonhada. Por outro, ela

E 190 191
Ê
l
!
surpreende-se fazendo planos para uma refonna da casa depois tranqüila nesta soleira, o olhar dirigido para as duas direçóesz
da morte da mãe, passando em seguida a acusar-se de sua falta para tra's, com orgulho e gralidào, e para a frente. com cxpectativa
de coração. Desta forma, não apenas ela se encomra debaixo de e curiosidada
um grande stress exten'or, como também sob um forte conflito Uma vez elaborada esta maneim de ver, a mulher consegue
interior que a loma extremamente excitada e nervosa; por vezes suportar bem o dífícil período de acompanhar sua mãe até à
passa dias e dias a chorar, recorrendo a altas doses de calmantes mone, e isto - após o aconselhamento logoterápico - sem o uso
e soporíferos. de qualquer medicamento.
No aconselhamento logoterápico lhe é dito o seguintez Ela Com base neste exemplo apontarei a seguir três marcas
encontra-se no límiar entre dois estágios da vida. Um, “velho“, característícas do procedimento logoterápico.
que aos poucos vai-se completando, e um “novo“ que vem se
Pr1'nzeiramenre, muitas vezes as pcrguntas são feilas ao
aproximando com novas tarefas que, a seu lempo, terão que ser
paciente num “estilo socrático", maís ou menos assim: “Que
cumpn'das. O estágio antigo, como ela mesma admite, foi em
ocorreria se...?”, “Qual poderia ser...?", “Qual deveria ser...?".
parte difíciL mas que sentido ele pode ter tido? A mulher desco-
Atraves' destas perguntas, mm1ifesta-se a orientaçâo dn entrevism
bre que o sentido do velho estágio da sua vida deve ter consistido
para o senlido; são perguntas pelo sentido do ser e por trans-
em ela e sua mãe se haverem ajudado e apoiado mutuamente.
formaçóes do ser que tenham sentido. Com menos freqüência
Primeiro, a màe ajudou-a, impediu que a ñlha se sentisse so',
procede-se em forma de uma centralização no clienle (Rogers),
tomou conta da casa quando a ñlha assumiu uma proñssão, etc.
maís ou menos assim: “Como você se sente?“, “O que ocorre
Mais tarde foi a ñlha que ajudou a mãe, fazendo as compras,
dentro de você?“, “O que acha dislo?“. Na concepção logote-
lavando, indo em busca do me'dico, etc. Duas pessoas sozinhas
ra'pica, a "pessoa espiritual" do homem nâo pode, nem deseja,
se uniram para que a que eventualmente fosse maís fone ajudasse
ocupar-se exclusivamente consigo mesma, seu campo de atuação
a maís fraca. Isto foi uma coisa que teve sentido, e por isso este
é exatamente a plenitude de sentido e de valor do mundo exten'or,
foi um bom estágio da vida, que, embora esteja para terminar
sobre o qual ela, superando-se, atua cn'atívamente.
com a morte da mãe, não irá deíxar de ser bom, nem perder o
sentido. Segundo, na entrevista logoterápica nào se desvaloriza
mas, pelo contrário, se reforça o sistema de valores do paciente,
Mas que sentido podeña abrigar em si o novo estágio da
para que seja conservado e ampliado. No caso apresentado
vida que vai começar para esta mulher com a morte da mãe? Ela
acima, por exemplo, de maneira nenhuma se haveria de temar
nunca foi independente para viver sua vida, nunca teve suñciente
transmitir à mulher que ela havia sido infantil deixando-se opri-
liberdade para desenvolver plenamente sua identidade de forma
mir pela màe por tantos anos em vez de ter tido bastame identi-
independente e responsa'vel. Esta, ela própria concorda, será uma
dade para separar-se dela, ou que o seu dilema atual seria a
nova tarefa, que compreensivelmente olha ainda com um pouco
conseqüência disto. O fato positivo de ela haver cuidado imper-
de receio, mas que ao mesmo tempo há de abrir-lhe novas
turbavelmente da mãe, apesar da teimosia desta em decorrência
chances de realização humana. Deste modo, ela pode e deve de
da idade, é reconhecido como positivo, mas paralelameme a isto
sã consciência alegrar-se com suas novas tarefas e assumi-las
também sâo trazidas ao seu campo de consciência as chances de
corajosamente, ao mesmo tempo que pode despedir-se de suas
realização quando ela não estiver maís com a màe. A "via régia "
velhas tarefas com tristeza e saudade, pois esta tristeza comprova
da logoterapia sâo os valores, mas não apenas os valores subje-
que, no fundo, as cumpriu de bom grado, por amor à màe idosa.
tivos cunhados pela sociedade, a cultura e a religião, mas princi~
O conflito sentimental que ela experimenta nada maís é que o
palmente o levar a sério o primordial anseio e aspiração por uma
seu atual “estar na soleira“. Mas, na verdade, ela pode ñcar

192 193
escala objetiva de valores, a partir da qual todas as nossas
concepçóes de valor manífestem sua qualidade e seu mérito.
Terceiro, a logoterapia exerce uma consciente e intencional
autolimitação no tocante ao desenvolvimento e aplícação de
técnicas psícológicas especíñcas e de métodos terapêuticos. O
que ela busca, como já foí mencionado, é a “modiñcação exis- Quando a sabedoria penetra no quotidiano
tencial" do paciente, onde ela se ñzer necessária, e com os
argumentos ditados pelo sentido do momento, a ñm de que a
autêmíca humanidade do pacienle venha a ser novamente possí-
vel, na espiritualidade, na liberdade e na responsabilidade.

Quando a sabedoria consegue manifestar-se no quotidiano,


o quotidiano transforma-se em dom. Os três estudos qkue seguem,
da clínica de logoterapia, pretendem comprovar isto .

Estudo I: Liberdade emre ilusâo e responsabilidade


Quão livre é o homem? Ao seguirmos os ñlósofos exisxen-
cialistas, o homem é relativamente Iivre, ele é mesmo “atirado
para" a sua liberdade, ficando à mercê dela. Ao seguirmos os
psicanalistas, o homem é quase que inteiramente destituído de
liberdade, estando na dependência dos seus fundamentos bioló-
gicos e psíquicos e do seu ambiente social, inleíramente à mercê
deles. Entre estas duas concepçóes existirá um compromisso,
uma “a'urea via média"? Existe, sim, nos escritos de Frankl, onde
a ñlosoña e a psicologia conjugam-se numa doutrina realista das
ciências humanas. De acordo com ela, o homem é livre, porém
não “livre de alguma coisa" e sim “livre pam alguma coisa”.
Pois o "ser livre de alguma coisa” é a liberdade como ilusâo, e o
“ser livre para alguma coisa“ é a liberdade como resp0n«
sabilidada Estes dois aspectos eu goslaria de ponderar no que
segue, relacionando-os entre si à mão de um exemplo de minha
cllru"ca psicoterápica.

* Dois dclcs formn publicados onginahucnlc no livro ABC des Lebemglück5.


cdilado por Pctcr Raab, Frciburg_ Hcrdcn 1985.

194 195
18 Há algum tempo veio ter comigo, em prantos, uma nua necessidade de satisfazer às exígências cada vez mais scve-
jovem estudante em busca de aconselhamento. Não conseguira ras do estudo; uma amizade que começa bem não é gammia de
obtera vaga que pleiteava na univexsidade, o namorado havia-se que cominue sempre bem, e uma boa saúde no momento prescme
afastado dela e iniciara um namoro com outra, o pai teve que ser nào é nenhuma carta branca para uma vida etema.
hospitalizado para a segunda operação de câncer, o dinheiro
Que é que eu podeña responder então a esla jovem mulher
estava escasso. Será que não era ela a culpada de tudo dar errado?
em busca de conselho? Pareceu-me que a primeira coisa era que,
Devia tomar os psicolrópicos que o seu médico, com boas
em vez de duvidar de si própria, ela tinha que desfazer-se de uma
intenções, lhe receitara7 A essa altura tive que frear o seu hnpeto
ilusão, a ilusão de poder escapar às garras do destino, no bem
verbal, pois eslava claramente ocorrendo aqui uma confusão
como no mal. O que ela estava vivendo era um fatídico encadea-
entre as duas “espécies" de liberdade.
mento de ocorrêncías infelizes, mas isto não signiñcava que não
Por mais que os jovens desejem a liberdade, por mais que pudessem mais tarde ocorrer também acasos bastante agradáveis
preñram ser livres de todos os laços, de todas as prescrições e e alegres em sua vida, e isto igualmente sem que dependesse de
deveres, eles não o são. Pelo contrário, é precisamente o seu forte sua interferência e de sua vontade. Sua parte não consistiria em
impulso de liberdade que demonstra como se encontram em alto preslrar contas dos acontecimentos não livres de sua vida, nem
grau sujeitos à inñuência das circunstâncias extemas. Quanto tampouco em apoíar uma ilusão de liberdade de condicionamen-
mais irreHetidamente tentam 1ibertar~se das opimões dos país, de tos atraves' de outra ainda muito mais perigosa, a ilusâo de poder
suas origens e das normas da sociedade que os envolve, tanto “alforriar-se” através de drogas e comprimidos. Sua pane con-
mais se enredam, muitas vezes, numa teia de novas dependên- sistiria antes em livremente tomar posiçâo frente a todas as
cias. O homem não é Iivre de seus condicionamentos - esta é ocorrências não livres de sua vida, reagindo a elas com respon-
uma pílula amarga que precisa ser engolida em algum momento sabilidade.
no processo do desabrochar da idade adulta, deIa ninguém esca-
Aqui nossa atenção se dirige agora para o “ser livre para
pa. E é pura ilusão acreditar que poderíamos subtrair-nos a ela
alguma coisa", e com ísto repentinamente abre-se-nos um vasto
por novas fonnas de vida: nenhuma forma de vida, qualquer que
campo onde até há pouco não se viam senão os muros do
seja, permite fugir dos condicionamentos f1'sicos, psíquicos e
condicionamenta Seja o que for que o deslino queíra fazer com
sociais, nem mesmo uma existência de eremita, que também
um homem, seja o que for que realmenle faça, ele tem que
possui suas regras a serem obedecidas.
capitular perante a liberdade da atitude espirilual que o homem
adote díante dele. Não existe circunstância intema ou extema a
18 Foi este o conhecimento adquirido então, de uma ma- que não se possa reagir das mais diferentes maneiras; a impotên-
neira bastante dolorosa, por aquela jovem estudante, que via-se cia no tocante ao surgímento de taís circunstâncias é compenmda
confrontada com fatores do destino que nào se encomravam em pelo poder de escolha em responder a estas mesmas circunstân-
seu poder. Condicionamentos econômicos e sociais, como p. ex. cias! Mas onde existe uma escolha, também existe uma escolha
a dislribuição das vagas na universidade, nào eslào na dependên- boa e uma escolha má, uma escolha com semido e outra contrária
cia de cada um, como também ninguém pode pleitear um direito ao sentido, uma escolha razoável e uma não razoáveL quer dizcr,
a disposições do destino, como amor e saúde. Mas não é so'. a liberdade de podennos escolher como reagir ao que nào é livre,
Mesmo que uma ou outra decisão do destino pudesse ser forçada, traz consigo a responsabilidade pelo que foi escolhido. Por mais
suas comeqüências implicariam em novos vínculos que, por sua que a liberdade dos condicionamemos seja uma liberdade iluso'-
vez, haveriam de revelar outros pontos de impotência do homem. ria, tanto mais a liberdade para tomar atitudes é uma liberdade
A vaga conquistada na universidade não livra a pessoa da contll carregada de responsabilidade.

196 197
18 Que panorama espiritual oferecia-se assim à jovem autorídades um'versitárias, mas que está livre para a escolha de
estudante depo_ís que ela assumira a nova perspectiva que lhe novos caminhos proñssionais, que não está livre de ser rejeitada
coloqueí diante dos olhos? À sua frente encontrava-se agora o pelo namorado, mas está livre para compreender que ele leria
1m'emo campo de todas as possibilidades imagináveis para ela sido o parceiro errado, e por u'ltimo que também não está livre
valorizar sua situação, e a prlm'eira coisa que ela escolheu foi a do medo de perder o pai, mas está livre para realizar um seu
possibilidade de estabelecer uma 1m'portante conexão mental últ1m'o desejo. Na medida em que renuncíou a uma liberdade
entre a vaga inatingível e a doença do seu pai. Um estudo por ilusória e transferiu-se para um espaço responsável livre, nesta
longos anos provavelmente o pai não iria mais ver concluído, mesma medida ela reencontrou o equillbrio psíquíco, reencon-
mas no seu íntimo o que ele mais desejava era vê-la ainda de trou-se consígo própria.
certa forma garantida e em segurança, o que seria o caso se em Tiremos daí a conclusão que o problema em tomo da
breve ela conseguisse um trabalho. Com o que, evidentemente, liberdade do homem é hoje um problema resolvido. Como cria-
também a escassez de dinheiro ñcaria reduzida. Iria ela então tura da natureza entre outras criaturas desta tem, ele está inserido
lamenlar para sempre a renun'cia ao estudo7 Ela refletiu sobre numa ordem cósmica que não consegue penetrar com sua mente,
isto, mas a consciência da responsabilidade de sua decisão livre está inelutavelmente entrelaçado com os acontecimentos do seu
não permitiu que respondesse añmmtivamente - lamentar-se tempo e do seu mundo. Como um ser, entretanto, no qual há
etemamente lhe parecia desprovido de qualquer sentido. Não milênios acendeu-se a centelha do espl'rito, ele é chamado a
seña possíveL talvez, que o seu interesse pessoal pelo assunto assumir posição frente à impenetrabilidade e à fraqueza de sua
fosse aproveitado como um hobby, como um estudo autodidata, existência, uma posição livre no âmbito de uma vida responsáveL
ou quem sabe eventualmente atraves' do atalho de um curso por
correspondência? A idéia de terminar “pregando uma pam'da”
Estudo II: Exemplo de uma “aut0bíografza dirigida "
ao destino possuía um certo atrativo, e as últ1m'as lágrimas
secaram-se-lhe nas faces. Como o sentido de uma situação de vida só pode ser
descoberto mas não invemado, de modo semelhante também o
Apesar disso era preciso lutar por mais uma atitude espiri-
sentido de um texto, isto é, o que o texto quer dizer a quem o leia,
tual que não era nada fácilz a atitude de liberdade em relação à
só pode ser obtido através de sua leitura. É verdade que o leitor
perda do namorado. Perdera~se um namorado inñeL Ela o amara
também pode inventar coisas no texlo, mas isto revela anles o
muito? Slm', amara-o. E ele, amara-a de maneira comparável7
próprio leitor do que aquílo que o texto intenciona. Tmta-se de
Deveria ela mentir a si própria? Não, a responsabilidade de sua
uma interpretação, não de uma compreensâo.
própria decísão livre mais uma vez fez com que ela se recusasse
a alimentar um sonho sem qualquer sentido: o amor dele náo fora Semido = o que se quer transmitir
perseverante. Corajosamente ela ergueu a cabeça. “Estou triste",
disse, “mas ñcaria muito mais triste ainda se nossa relação /\

tivesse durado mais, para um dia se acabar“. Uma atitude bem interpretar compreender
= refletir-se a si próprio = descobñr o que se
aceitáveL por ela própria escolhida.'
no texto pretende lransmitir
Vemos como a jovem mulher foi-se transformando. De
uma desamparada “vitima do destino” foi escalando os degraus Como a logoterapia, em princípio, faz restrições ao inter-
espirituais até se tomar uma ativa “modeladora do seu destino", pretar, preferindo orientar a compreender o sentido de uma
o que aliás deve constituir a meta de toda boa entrevista psicote- sítuação ou de uma fase da vida, também quando recorre ao
ra'pica. Agora ela sabe que não está livre das decisões das

198 199
método do tratamento biblioterápico ela está menos ínteressada "Minha mãe tentou várias vezes me abortar, porém sem
no “reflexo da alma" que no “terreno de expressão e movimen- sucesso. Meu innão era tem'velmente ciumemo comigo quando
tação do esp1'¡1'to" que um texto mam'festa. Está interessada nasci. Ele deve ter~me odiado, pois quando eu era cn'ancinha e
naquilo que o texto pretende transmitir. Por isso, ela não consi- ele ñcou encarregado de vigiar-me deixou o cam'nho descer
dera como decisivo o conleúdo de um texto mas sim o espírito ribanceíra abaixo. O carrínho virou e eu machuquei meu ombro.
com que o mesmo foi escn'to. O que cura não é a palavra, mas o Também quando criancinha quase me afoguei quando a superfí-
sentido mais profundo transmitido por ela. cie gelada de um lago se rompeu, sendo retirada no último minuto
O mesmo vale de textos escritos para ñns terapêuticos. por pessoas que passavam.
Como a logoterapia incorporou métodos bíblioterápicos, assim Eu vivia sempre so', ninguém brincava comigo. Minha mãe
também às vezes ela utiliza o que foi escrito por pacientes para trabalhava no campo, do meu pai nào tenho nenhuma |embrança.
provocar neles novas orientaçóes ou reoriemaçóes que possam Por isso, eu ñcava muitas vezes com uma família vizinha. Esta
levar à cura. E mais uma vez o que importa não é que o paciente era uma família realmente imacta, lá qurmdo era meio dia o
“escreva tudo que lhe vai na alma" e com isso descarregue direta almoço já estava na mesa e pelo Nalal a árvore decorada estava
ou indiretamente a sua mágoa através de um detenninado sim- num canto da sala, o que logo me fez tomar consciência de como
bolismo, que ponanto ele se reñita em seus próprios textos, mas as coisas eram diferentes em nossa casa.
sim a discussão com o “logos” que se encontra atrás e acima de
A seguinte ocorrência mostra como minha mãe pouco sabia
suas mágoas, que se descubra o que ele pretende transmitir
de mim. Uma noite meu innão e eu saímos furtivamente de casa
atraves do que experímentou e viveu. Os pacientes ~ evidente-
para, através de uma janela, imxos observar os adullos jogando
mente sem que se exerça nenhuma inñuêncía sobre o conteúdo
baralha Pouco anles de minha mãe voltar, corremos mpidamente
do que escrevem - devem na terapia deixar-se interrogar com
de volta e deitamo-nos com roupas, sapatos e ludo em nossas
que espírito, com que atitude e em vista de que añrmação este
camas, onde ñngimos que estávamos dormind0. Minha mãe nem
conteúdo foi escrito por eles. Como documento da própria amar-
sequer percebeu.
gura, para libenar-se do próprio ressentimento? Ou como reflexo
da própria busca de sentido no sofñmento? Ou mesmo como Como brinquedos deviam baslar-nos os produtos do cam-
tomada de posição positiva face a alguma coisa que não pode ser po, p. ex., pedras e grinaldas. Se o tempo de alguma fomm
modiñcada7 permitisse eu passava o dia todo ao ar livre, entregue a mim
mesma e aos meus pensamenlos...”
Para muitos pacientes uma "autobiograña dirigida", por ele
próprio redigida de acordo com os princípios da logoterapia, é o Este texto apresenta a verdade, sem reloques. Porém, nào
processo de luta com a história da sua própria vida, que termina toda a verdade, pois da verdade fazem parte ainda muitas outras
por desembocar num balanço que é bastante realista para apre- coisas: o conteúdo de sentido e de valor do que foi vivido, a parte
sentar como verdade o que é verdadeiro, mas que é também da história que merece ser añm1ada. Este "algo mais" de verdade
bastante idealista para dar chances a uma reconciliação com a foi buscado em comum com a paciente através de entrevistas
verdade. logoterápicas. Mais tarde ela reescreveu sua aulobiograña, com
uma nova d1m'ensão de profundidade, ou melhor, de altitude.
Sobre isso um exemplo de minha clínica de psicoterapia: Ofragmemo n"- 2 é um trecho do que foi escrito depois de
nossas entrevístas logoterápicas.
19 Ofragmento n-° I é um trecho de um relato escrito feito
antes de serem iniciadas as nossas entrevistas logoterápicas. “Vim ao mundo como uma criança sadia e permaneci com
saúde, apesar de passar por certos perigos fisicos. Parece que

200 201
como criança eu tive um anjo da guarda especial mc vigiando, E 1'lnen'&'~anle que a contribuiçúo em smtido quc uma
que cuidou, p. ex., que numa ocasiâo em quo caí do carrinho ou pcsson podc dnr mmbcm podc consmtir em núo-fuzcr algunm
nào quebrasse o pescoço. ou que quando se rompeu a su¡wrfície coism pois nos atuanws no mundo atmvés do que fazcmos e
de gelo cu pudcsse a tcmpo ser relimda do l.-¡go. atmvvs do quc nào fazelmxsx
Embora minha màc cstivcssc sobrccarrcgada dc tmbalho.
e¡100ntm' pcssoas nmigns mmm famílin vizinhm onde vim a 20 Com um homcm iuoso c doñciome fisico que pcrgun-
conhecer a intimidade dc luna vida familiat Tamlwm no mcu lmmnc cena \ ez por quc ele naverin de conlimmr viwndo. já que
innào. depois de alguns ciunmzinhos ilúciais. encomroi um dc qualqucr fornm nào wdcria mnis ser úlil a ninguélm vu
companheiro e alindo. e os dois ñzemos juntos muitas tmvcgw inmginei um dia a scguime hrincmícim l)i.x“sc~lhe: “lnmgine que
ms. Experimemávamos gmndc pmzer an vcz por outm, pregar o Sr. comcta sukldiu .-\ vizinhn vai sabcn o cnrteim vai snbcn
uma peçn em nossa màe cansada de tanto trnlmlhnt O mvlhon os empmgmíos do supcnnc xulo dn csquina também \'a'o sabcn
entremmm é quc tínhmnos à nossa dÍSpOSÍÇÀO um magníñco podv ulv sair unm ¡x\qucna nola a mspcito nojonml da locnlidndca
paraíso nnluml pam brincnn o quv fez com quc nos csquecê.~.\*0- Sulmnlmmos quc unms 50 ¡x\.\~'ous ouçmn fulnr. lonmndo um
mos de nossa pobrez.1. Nào tínhnmos nccessidndv de brinquodmx fuguz mnlwcimontn dn ocorridm mnis um quv msolwu sc mamn
artiñciais, o vasto Cnmpo. com scus tesouros. nos pertcnuh e por 0 Sr. podc mc gammir quc núo vxisla ncnhum vmrv clcs. ncm
homs e homs eu o percorr¡'a. dcscnvolvemio nssim um profundo um únicm quo _iu*~.uuncnto sc vnmntrv numu siluaçào muilu
amor à natureza e gozando de umn liberdadc de causar invcja n diflciL qunsv dcsvsm r.m'o. nu limiar cnlns u uccilaçào e u ncgação
qualquer criança da c1'dade...“ da vidn'.' 0 Sr. podc gurunlirmw qllo. snbvmio da notícia do scu
suicídio_ por n hnvcr lido cnsunlnwntv uu por unm \ i¡'.inlm lhn
Acho que podemos realmentc invqiur esta pacicnlm invc- hawr tmzido por acaso. vsw nno \'m' SNIIÍFSC cnmmjlldn u fnzer
já-ln pclo degrau que ela conseguiu escalnr entre o fmgnwnlo n° o lncsmdF Algucm qnu lnlvux mn dois mcsvs jai hm crin de ter
l e o fragmcnto n-“ 2. supcmdo n crisv cm quo sc oncontm um.~|luwmc. quc lmwrin de
A logoterapia distl'ng1n:-se da linha do “pcnsamenm posi- sv ter dominado e mmnquislndn o sim à \'idu. sc nào tivcssv
tivo“ por considerar sempre a tot.'11idade. o posilivo o o ncgmivm rcccbido umn dvtcnnimdu nnllcin'?"
o “holon", que significa mmbem o sadio. 0 Eln mmsmilo 0 homcm nào pôdo dnmnc nvnhunm gumntin dvssc lipo.
ao pacientez Você é qucrido - mesmo quc ¡x›ssivelnwnte nào por Por isso pl\3.\“\.'0\1_'lllli “0 Sn mc dissc quc núo pudiu nmis scr útil
seus pnis, você é dcvido - pois do comrzirio nào cstaria aqui. e
a niuguolm mus ou lhc pvçm por llwun sulvc nquclc p0.\\"l\'0l
você é IÍri1< sua contribuição é imponanm
cumpanhcim pam qucm podv scr dccisivo quv elc nàu so dcixc
Todo homem contribui para o acontccer do mundm cnda lv ma cupitular num lnlnuto dc mclnnmliaLl Qucm subc lambóm
um é imponanta Quando sc fala dc cnsos “sem cspcmnçz " ou pnmqumn:n¡1wlc lm dc sor úliL purn qucm cl -:¡ind;l c importan-
"scm perspectivas“. logo a logoterapia faz cstu pcrguma provo~ lc'?'1'nlvo.1 daqui a lU anos cic sv mcomm mnn crunnncnto muilo
cativat Com espemnça de quê? Com perspectivu dc quê? De uma movimmmnw c ao Iudo dclc soja uumdn unm holu pnm u ruu c
vida longa, ngradável e mmqüila? Nessc c:¡so, Cerlns vidns nlms du hnla wnhu mncmio um mcninn svm prvsmr .'m-nçào nu
hunmnas podem pnrecer sem esperamçn ou sem pcrspcciivas. lnínsim Mas como vssv homvm sc cnconlm .'\li. no monwmu
mas também só neste caso. Mns trat.'¡-sc da espcmllça o da cortu c no lugur cvrlo. vlc uimiu cousvgnc a lcmpo ngurmr o
pelspectiva dc aindn dar uma contribuiçào quc possun scmido nwninu nmvs quv olv scja .-|tru¡u-lmio por um pcsado cuminhào
pam o aconteccr do mundo, nenlulma vida hummm. ncm uma quc vui p:¡.\\*nndu U Sr. dvsqiu ufimmr quv cslqin mrluídu u
única, é sem espemnça ou smn perspeclixlm possihilidado dc ummvccr nlgo dcslv |ipo'?"

202 203
O velho homem nào o quis añnnan "Entào", pnosseguL “o Esludo lll: Toda vida hmnana Iem senlido
Sr. já salvou auas pessoas, so' peio fato de haver renunciado a
“Quanms vezes nào são só os escombros que nos pemútem
abrevinr sua vida que considem dificiL E islo não e' nada? Devo
olhar para o céu livremente!", escrevc Viktor ankL c como ele
prosseguir em nosso jogo de pensamenlo'? Devo~lhe relacionar
tem razão! É a partir da afliçào que surge o olhardc intcrrogaçào,
para que é possivel que venha a ser u'lil aquele menino que so' vai
de queixa, de desaño ou de súplica, a luta para compreonder mais
ñcar vivo porque alguém estava ali de pronlidào num determi-
a fundo o que acomeceu ou o que cstá ncontecendo. Aliás. alé
nado cruzamenlo? Quando ele crescer lalvez se tome um grande
mesmo a panir da añiçào causada pclo excesso numa socicdade
cientista que irá descobrir um remédio contra uma terrível doen-
n do supérfluo.
ça...
Assim, muitos se enconlram hoje debaixo dnquclc pcdaço
“Ja' sei“, imerrompcu o velho homem com um brilho tra-
de céu que se esgueira por cntre as rumas dc sun vida - scjn por
vesso nos olhos. “de mim depende o bem da humanidade!".
haverem passado por um sério revés para o qunl nem o confono
Rimos ambos, mas foi um somso por uma verdade exlremamen-
atual possui uma receita, seja porque o período de grandc pros~
te seria.
peridade do passado Ihes deixou um senlimcnto de tédio c de
Na realidade, em pañe olbcm da humanidade depende vazio ínterior - e interrogam-se pelo sentido de sua vida e do scu
tmnbém de caaa um. assim como n qualidnde de uma eslrada de cominuar-a-viver. "Frust smn Lust frustmção em vcz de satis-
milhares de quilómelros depcnde de cada melro quadrado do fação, já cantam as crianças que brincmn hoje cm nossas quadms
asfallo de que ela é feilzL Ai, se fallar um metro qundmdo do esportivas sob um teto de gascs poluídos, enquanto os adultos
asfalto, se em lugar dele exislir um bumco - a estmda pode seriamente se ínterrogam se realmente eles ainda quercm lrazer
transfonnar-se numa ammdilha monaH De maneira semelhante crianças à vida num mundo como csm
cada possibilidade de sentido que deixou de ser realizada numa
E, no entanto, nunca a vida do indivíduo foi tào ricn de
vida faz falta na hisloria da criaçáo, tanto a que consistisse num
possibilidades como atualmente em nossa csfera cultumL Dispo-
fazer, como a que consistisse num na'o-fazer.
mos de uma fantástica quanúdnde de tempo livre, dc enonnes
Quem vai a uma Ioja fazer compms e nada fut13, eslá potenciais econômicos e energéticos, de uma dose cxtrema de
tambem ajuaando para que o furto nas iojas náo vá caminhando índependência e de uma multiplicidade de caminhos para me-
para tomar-se cada vez mais um delito de cavalheiros, social- lhorar nossa fom1açáo, coisas que podcriam ser nprovcimdas
memc aceita Quem numa siiuaçao de dificuldade social deixa para organizar uma existência bem mais cheia dc sentido, se
de abortar uma criança está dando também sua contribuição para sobre aquele pedacinho de Céu acima de nossas cabeças se
que o aborto nào se torne cada vcz mais uma coisa legaL Quem acendesse uma seIa apomando o rumo certo, o que porém não
tem que suponar um sofrimento e apesar disso não perde a ocorre. Nosso rumo somos nós mesmos que devemos encontm'-
coragem, eslá ajudando lambcm para que Uutras pessoas nào lo. Nenhum ñlósofo, nenhum terapeuta podc dizer-nos "qual " o
percam a coragan Já o próprio fato de deixar de infligir e de agír que tenha mais sentido em cada situaçào, ele só podc fazer
deixar de passar adiame um soIrimento é uma contribuiçào, uma uma coisa, a saber, conñm1ar, como o fez Viktor FrankL “que "
tarefa que inctunbc ae modo parlicular àqueles aos quais eslaría- em toda situação de vida se oculta um sentido; em busca desta
mos mclinacios, por fones razões, a atribuir o direito de fazê-lo. conñmmção é que queremos partir agora. a ñm de conhecê-la
Melhor que qualquer outro. este pode provar que também é melhor.
possível viver com seu próprio sofrimento sem passa'-lo adiame. Existem, por um lado, as fases positivas de nossa vida,
quando tudo corre mais ou menos bem. Temos uma ocupaçáo de
alguma espécie, temos família e amigos, temos recursos para

204 205
satisfazer nossas necessidades dia'rias. Sabemos apreciar tudo vida infmitamente longa? Não bloquearia ela loda açâo, já que
isso? Provavelmente não, pois ainda não se manifestaram os tudo podeña ser adiado para épocas incomensuravelmente dis-
escombros que nos façam tomar consciência, dolorosamente, de tantes? Não é, por conseguinte, a limitação da vida o u'nico
que nada no mundo é evídenle por si mesmo, de que nada é estímulo verdadeiro para um agir responsa'vel, hoje, aquí e ago~
automa'tico, muito menos a felicideade. É mais fácil que sejamos ra?
felizes sem saber que o somos, e que percebamos nossa vida
Vemos, portanto, que o caráter absoluto do sentido na vida,
como tendo sentido sem que reflitamos sobre qual seja o sentido
conñrmado por Frankl, se escreve sobre linhas de onde não
que ela tem. As tarefas que realizamos são tão penetradas de
foram, de maneira alguma, abolidas as grandes tragédias huma-
sentido como as horas de pennanecermos lado a lado no relacio-
nas. Como até o sofrimento pode transmutar-se em contribuição,
namento mútuo, as ações criativas que executamos pela alegria
a culpa em transfonnação e a morte em estímulo para um agir
de criar não são menos cheias de sentido que as pausas contem-
plaLivas de repouso preenchidas com belas vivências e impres- responsáveL da mesma fonna todas as fases negativas da vida
podem ser apreendidas como tempos de provação, de amadure-
sões meditativas Evidentemente, a rotína do quotidiano pode
cimento e de reflexãa Mas se Ianto os falores exislenciais
diluir muita coisa, nivelar muito pico, embotar e cansar, mas o
positivos como os negativos mantêm seu caráter de sentido, é
fundamento do sentido de tudo quanto acompanha nossa exis-
ímpossível haver uma forma de existência humana em que o
tência pouco é atingido por isso. Enquanto o homem souber de
sentido não esteja presenle.
uma tarefa que precise dele, e enquanto existirem nas proximi-
dades outras pessoas a quem ele possa ser útil, não se lhe
apresenta a questão de levar uma “vida supérflua e sem valor“. Um comovente exemplo da validade desra afzrmaçâa, que
eu mesmo vivi alguns anos atra's.
Por outro lado, ínevitavelmente ocorrem inlerrupções nes-
tas boas fases, que eventualm'ente podem acarretar longos perío- 21 Este caso envolve meu trabalho profissional como psi-
dos negativos. A força criativa perdeu-se, ou foi por um motivo cóloga clíníca e meus interesses particulares de esposa e mãe,
qualquer desviada de seu objetívo, laços de amor se romperam, fazendo-me ver com clareza como somos pouco competentes
a saúde vacila, o medo, a solidão e o desespero se acumulam para julgar sobre o valor de uma vida humana.
Quando alguém foi por isso atingido, seu olhar volve-se das Em meu trabalho de aconselhamento, eU'conhecera na
paredes do seu habitual “envolto'rio de vida“, que desmoronam, época uma mulher de meia idade com uma doença incurável que
em busca dos fundamentos - será que continuam ñrmes? E veja ia se agravando constamemente. Minha assistêncía consisliu
só, pode ser que, abalado peio sofn'mento, ele penetre até ao mais num “acompanhar participativo" do que na aplicaçào de
“místério do sentido incondicional da vida”, como podemos métodos psicolo'gicos, e nessa busca espiritual comum de aceitar
chamar o fato de que não só o sofrimento inevitável como até o inaceitável aconteceu que nos aproximamos muito uma da
mesmo uma culpa irteparável podem ser trocados ainda por algo outra.
que possui seniido, como já foi repetidamente demonstrado
nestas páginas. Mas que dízer da morte, que nos acompanha por Por ñm, uma paralisia progressiva forçou a mulher a se
intemar no hospitaL em “cara'ter tenninal“. Embora proñssional-
toda a parte na vida? Que tira-nos as pessoas mais queridas e que
mente eu não pudesse ajudar-lhe em nada, fazia-lhe uma visita
a nós própríos ameaça a cada passo? Ainda seria possível mesmo
de vez em quando, e um dia cheguei para minha úllima visita.
uela descobrirmos um elemento de sentido? É uma pergunta
Ela mal podia mover-se e já quase não falava. Porém, quando me
angustiada, mas em cuja reversão já se percebe o eco de uma
inclinei para ela, ela sussurrou-me alguma coisa. “Abri uma
respostaz Que sentido teria uma vida humana sem mone, uma
conta para você”, sussurrou, “uma conta com o bom Deus. Nessa

206 207
VYW
-:-:.

conta eu deposito omçoes' para você, é a única consa' que ainda de freme o que estava por vir; o chão sob os meus pes' recuperou
,

posso fazer". Era~lhe difícil falar, e também eu ñquei calada de a ñrmeza.


emoçãa Depots' prosseguiuz “Se um dia estiver em necessidade, Felizmente a históña teve um “happy end", po¡s', embora
em gmnde aflíção, pode sacar data conta...”
nosso ñlho tivesse sido atropelado por um carro, ele saíra apenas
A mulhermorrcu, e o meu dia-a-dia proñssional continuou. com uma fratura exposta da tíbia, que em poucos mcscs cstava
Durantc algum tempo ainda continuci pemando nela, mas logo sarada.
fui ñcando tão envolvida pelas exigéncias do momento que aos Pessoalmente tirei da experiéncia que acabo dc conlar um
poucos suas palavras caíram no esquecimenta Cerca de um ano imponame ensinamento que goslaria de passar ad1'anle. Volte-
mals' tarde, entrelantq esta vivêncía enconlrou um prossegui- mos mais uma vez nossa atcnção para a sítuação da mulher no
memo em minha vida particular. hospítaL tal como a encontreí naquela época: quase sem poder
Foi numa noitc de oulono em nossa casa. Preparei o jantar, mover-se, sem qualquer esperança de melhora. A rigor, ela só
enquanto meu marido e eu esperávamos por nosso ñlho, então precisava csperar que a paralisia atingisse suas funçoes' vitals',
com 12 anos, que devia voltar da aula de violino. O tempo como o baler do coração. Não eslaríamos inclinados a negar
passava e ele não chegava. Esperamos e esperamos, e nossa qualquer sentido à sua vída? Não podíamos cair na tenlação de
preocupação foi crescendo, como ocorre com todos os pais cujos considerar sua miserável existência como imeiramenle inútil e
ñlhos alguma vez deixam de aparecer pontualmente. Meu mari- supérflua? Não iríamos ter de calar-nos embaraçados quando nos
do ligou para o oonservalo'n'o, mas lá já eslava fechada Que perguntassem, como perguntou o velho homem do exemplo 20,
deveríamos fazer? Ponderamos diversas possibilidades, mas por que argumemo tínhamos para não abreviar o seu sofrimento? E
ñm pareceu-nos mais razoável ñcarmos mesmo em casa, ao no entanto, apesar de suas condíçoe's de vida imensameme res-
menos por enquama De alguma maneira continuávamos a ter tritas, esta mulher póde dar-me um presente que se fez senlir um
ainda esperança de uma explicação inocente para a demora. ano mais tarde e que numa situação de extrema añição me lrouxe
Esperança que não se concretízou; o interfone tocou e soou nele uma ajuda verdadeira.
uma voz: “Aqui fala a polícia. Abra por favor!" Não quero em absoluto añrmar que, por suas oraçoes', um
Preciso dizer que na época morávamos no 6-" andar de um anjo da guarda tenha protegido meu ñlho - quem haveña de
edifício, e por ísso todo visitante, entre abrir a porta, chamar o avenlumr-se em taís atiludes malafísicas? -, mas o que quero
elevador e subir para o 6'-' andar, precisava de algum tempo até añrmar é que suas abnegadas palavras de despedida possulra'm
chegar ao apartamento onde morávamos. É claro que tratava-se uma irradiação positiva que até hoje ainda não se exlinguiu, e
apenas de poucos minulos, mas aquele intervalo, em que eu e que agora talvez até possa levar conforto a um ou outro lcitor,
meu marido ñcamos na porta a' espera da notícia que nos iria ser como a mim me devolveu a conñança pn'mordial na vida num
dada, pareccu-me uma etemidade. O pa vor apoderou-se de mim momento decisivo.
opñmindovme o coração, o chão debaixo de meus pes' vacilou, o Que é que len'a dado forças àquela mulher para, em vez de
medo paralisou~me a respiraçãa A1', do mais profundo de minha queixar-se do seu destíno, ainda fazer o bem no momento da
consciéncia voharam-me à memóña aquelas palavras da mulher morte7 Teria ela avistado o pedacinho de céu sobre as ruinas de
mon'bunda, e pen_›e-i: Agora eu faço uma retirada da conta, retiro sua vida e descoberto aí íntuitivamente o que Viktor Frankl
a conta inleira, agora eu Ievanto tudo que uma pessoa estranha formulou em termos ciemíñcos, a saber, que toda vida humana
1m'plorou para mim'. E de repente - ñquei interiormente calma. possui sentld'o, por mais despojada que seja7 Acho que foi isto.
O medo não havia passado, mas eu pude suporta'-lo, pude olhar

208 209
coqueiro, como o cao' paslor nao~ toma posiçao' pcnmc o falo dc
sua existéncia de cão paston A pcrsanhdade' do homerm no
cmamo, cn'slah'2.a-sc na alitudc intcdor que lhc é camctztística,
de que uma pessoa se a-propria c a panir da qual cla cormdaz' c
valoriza a sua existéncia.
Atitudes perante a vida e preservaçã_í_o
da vida Fsludos dc terapia comportamcntal apo¡am" cada' vez mak
estas idéias da logoterapia, como p. cx. os ttabalhos de Manin E
P. Seligman, que há 20 anos alras' cunnou' o conccilo do 'desam-
paro aprendido", mas que de lá pan cá modiñcou szns teonk
no senlido de atn'buir uma un'ponánc13' menor que a
ímaginaaa' ao falor aa' pura aprendízagem “Ma¡s' 1m'ponan12 do
que o que de fato nos ocome", cscreve elc, 'c' a maneira como
avaliamos a situaça'o. Nosso comportamenlo é mfl'ua¡cndo' dc
maneira essencial pelo modo c.omo explicamos e fmxdanmla-
Aquele que estiver convencido da íncondicionalídade do mos uma ocorre'nc12' (ncgaliva...) . Mas como c que as pasoas
sentido da vida, também estará preocupado com a preservação explicam e fundamemam uma ocorréncia dc que se lomam
da vida. Pois a preservação da vida, de modo especial a da vida conscienles? A pamr' aa' posiçáo posniva ou negaúva que elas
humana, encontra-se ameaçada neste declinar de século. Ela assumem, da ñrmeza ou faha de' ñrmeza espm"nnl de onde
depende, sem dúvida, de múltiplos fatores, um dos quais talvez emana sua au'tude.
deva ser considerado o mais imponante. É uma frase de Leon
O problema aa' ñrmeza espiñtual preocupa muim
Tolstoi que no-lo traz à mentez “O que pensas hoje é o que farás
pessoas. Uma boa pane da 1'ndec1$a"o que pode ser observada
amanha"." O que pensamos hoje é o que estaremos fazendo
ultlm'amente entre um clima resignadb de ñm de mundo, e urn
amanha'. Ou, de uma maneira mais geralz É a atitude com que
clima ílusóño de uma nova m, é uma manifestação dLst'o. O
hoje encaramos a vida que guia e encaminha nossas açoes' de
senum'ento de falta de senu'do, que em aigum momemo pasou
amanhã; nossa atitude perante a vida ( “Lebenshaltung ") não é o
como uma vaga sobre mda um de nos', é como se fosse um repuxo
menor dos fatores que determinam a preservação de nossa vida de inum'eras gotas isoladas, cada uma dizendo mals' ou mcnos o
( “Lebenserhaltung ").
seguintez Tudo é em Vão, é tudo m'u'lil, não resolve nada, somos
Por isso vale a pena refletir um pouco sobre o singular 1m'polemes, estamos à mercé 0a' sociedade' e das esmmnas de
fenômeno da “atitude interíor“. Ela é a orientação fundamental poder, o que sentlm'os e pensanos. nào tem a menor un'ponan-'
do homem, a sua mentalidade ba'sica, a posiçào a partir da qual cia..., o que, em resumo, signiñcaz Nada tem senndo, poB não
ele ordena sua visão do mundo, a pexspectiva atraves' da qual ele temos nada em que nos susremar. A pank de mna tal au'mdc,
se insere nesta visão do mund0. É um fenômeno "caracter1'stico" oomo alr'›da poderia ser profen'do um Slm' á vida? Se mda maJs'
no sentido mais verdadeiro da palavra, pois pertence ao caráter nos sustema, nos' também nadà suslentamos. se corsidemmos a
própño do homem, aliás ela aplica~se unica e exclusivamente ao vida sem sentido. ela lambém não pode ser comioexa'da "mere-
homem, pois nenhum outro ser vivo conhecido é capaz de
desligar-se espiritualmente da natural fusão com o que ocorre em
si, e em tomo de si, e tomar em relação a isso uma posição
pessoaL O coqueiro não toma posição perante o fato de ser ' Roirn J Tzouu. HILanngkeu kmuz um mlkner cm Pnchuogz h:.:t_ abri
1987

210 211
cedom de añmmção". Apoio, ñnneza ou ausência de apoio e lempo disse Nào n tudo o mais que pudesse star fazendo ao
ñmleza tomou-se, de fato. uma questão de ser ou na'o-ser. mesmo tempo. Se disse Sim à minha proñssn'o. simullaneamenle
disxee Nào a todas as outms prof1*.xsoe's que também pudmw ler
Bem, estabelecemos uma ligação entre as chances de pre-
abraçada O Nào refere-se ao mstame das possibilidadcs depois
servação de vida do homem e a qualidade de sua atitude imeñon
que se dise sim a uma posibilidada O S¡m, por con5cguinte.
como também entre esta e a ñrmeza espiritual que o homem
antecede o Não. como o sol anlecede a sombra e o sentido ao
possui. Esta ligaçào é uma novidade tolal na história da evolução.
contm~scnso. E a capacidade de dlzer Sim anlecede à capacidadc
Durante milhóes de anos a vida desenvolveu-se sem que os
de dízer Não.
portadores da vída, os chamados seres vivos, tenham sido inter~
rogados se queriam ou não viver. Eles viviam com a mesma Observamos isto consmmemente nas pessoas psíquica-
naturalidade com que uâo podiam decidir sobre o fato de vive- mente cnfemms e instávcis, sob dois aspectos Prinml'mmente.
rem ou nào viverem. Para os seres incapazes de decidir, a decisâo aquelns que nào sabem dízer Nào sào lmnbem as que náo
foi tomada em outro lugar, se assim podemos dizer, a natureza conseguem emmciar um Sim convinccntt Tmta~se de pc›s*oas
deu-lhes o “sim à vida“ como um adianlamento. Aos poucos, que accimm toda ofena e atendem a qualquer pedido que lhcs
emretanto, dos ponadores da vida surgimm os portadores de seja apresent:1do. por nào ouwrem recusan mas qt¡c. no enlamo.
espíritoz os homens, seres capazes de decisào. Agora parece que nào abmçam imerionncme nenhuma deSms oferms e nenhum
os adiamamentos da natureza se acabaram, ou emào lalvez seja desses pedidos, com a conscqúêncm dc que, mnis ccdn ou mais
uma camcteristica do espírilo nào precisar deste tipo de adianta- t.'¡rde, emmm em colapso sob a carga da divisào imerion Por
mento. De qualquer maneira, agora tem que ser pronunciado um oulro Iado, aquelcs que só sabcm dízer Nào sào os que ñcnm
Sim à vida, um Sim desejado, pessoal, intencionaL e isto nào presos a um estado de indeñniçàa de nem-sim-nem-nào. que
apenas em plano globaL mas por cada homem, cada dia de novo. ponanto nào conseguem nem sequer produzir um Nào conñách
Este Sim, entretanto, não apenas lem que ser dito, ele também A pessoa por exemplo, que goslaria de curmr uma univerSI'dade,
podc ser dito; o homem - vejam sÓY - é o primeiro ser da história mas apenas sabe que tais e lais cumos náo lhe interessanL pam
da evolução capacitado a dízer Sim E não exisle coisa alguma obter um sucesso positivo nos esludos faltmlhc um Sim nutêmico
capaz de domara vaga gigantesca de sensação de falta de sentido a um culso do seu 1'nleresse. e pam ser bcm sucedida na mudnnça
que ameaça arrebemar sobre nossas cabeças a nâo ser estar fazer para mna atividade de trabalho fallmlhe o aulênlico Nào ao
uso da capacidade de dízer Sim frente a um valor “merecedor de estudo, ela ñca por assim dízer “ba|ançando cntre as cadeims".
añrmaçào". perdendo a oponunidade dc todas clas.

A capacidade de dízer Sim possui um aspecto peculiar. Ela Por isso, o gmnde anseio da logolcmpia e reforçar a capa-
não é a inversão da capacidade de dízer Não, mas de certa forma cidade do homem de dízer Sim. surgida repeminamcmc apos ems
constitui sua condição prévizL Pois exatamente da mesma fonna e mais eras de 1'ncapacidade. Uma capacidade que. añnal de
como a sombra nào existe em si mesma, mas só em combinação contas, constilui a base pnm Lun “Sim fundmnental à vida", e mais
com o sol, isto é, sendo a sua variame nào iluminada, e exata- m'nda, para um “apesar-de-tudo-dizer-Sim-à-vida", quando for
meme da mesma fonna como o conu'a-senso não existe em si preciso. Como a cnpacidade do homem de dízer Sim sígniñca
mesmo, mas só em combinação com o sentido, isto é, como sua pura e simplesmente n capacidade hunmna de decidin e como é
variante oposta, assim também um Não náo existe em si, mas esta que dá o tom e o rumo pam o curso da vida tanto do indivíduo
sempre existe apenas como um Não àquilo a que não é mais como de toda a raça humanm gostaña de apresenlan no que
possível um Sim. O Nào é um espaço em branco, uma ausência. segue, o que foi reunido nté ngom nesle terreno em conhecimem
Se eu dísse Sim a escrever o que estou escrevendo, ao mesmo

. ._- :.
212 213
tos da logoterapia, bem como as conseqüências p_íedago'gl'cas
e Instínlo, Ação
lcrapêuticas que daí resullam hnpulso

O mais importante desies conn'ecun'entos é que as decisões Ser 1m'pelido,


humanas são atos livres aa vonlade, que nâo podem ser explica- ~ inadequado ao homem -
dos. Quer dizen um Sim que também não pudesse ser um Não, Instm'to,
não é nenhum Sim. m1'pulso

Uma pessoa que sofre um colapso por causa de uma doença "Ser que decide" (Jaspers)¡
- adequado ao homem -
circulatória não disse Sim ao coiapso, porque também não teve
a chance de dizer Não. Uma decisão que pudesse ser explicada |:__:1Vontade1
por uma necessidade qualquer nào seria mais uma decisâo livre.
Quando Alice Miller añrma que, de crianças que sofreram maus
tratos na infância, só podem resuitar adultOS cruéis, ela explica
Inslinto, Decisão Ação
as crueldades cometidas po.~ esíes adultos através de suas vivên- 1m'pulso
cias de infância, da mesma forma como o coíapso se explica pela l
doença circulatoria. Mas no momento em que os citados atos de l
violência forem explicáveis, eles já não serão mais o resultado Senlido
de uma decisão. Quem por causa de um instinto ou de um
impulso psíquico iem que ser violemo, não toma decisão a favor
°^Ser oriemado pam o sentido“ (Frankl)
nem contra a violência que vai cometer. Toda explicabilidade - especificamente humano -
apaga qualquer caráter de decisão, e toda capacidade de decisão
supõe, por conseguinte, uma cena medida de inexplicabilidade.
Com isto não estamos de maneira alguma negando a força
Na logoterapía não podemos aceitar sem restriçóes a añr-
dos instintos nem o poder do inconsciente, mas apenas iluminan-
mação de Alice Miller. Já Karl J'aspers definiu o ser humano
do o lugar onde esta força e este poder deparzm¡-se com outm
como um “ser que decide“, em oposição ao animal que é um ser
instância especiñcamente humana: a vontade livre. Pode-se de-
impelido, e precisamente esta diferença caracteriza também a
monstrar que entre as pessoas violenlas repetidamente encontra-
diferença entre as concepções de Alice Miller e de Víktor Frankl.
mos algumas que, quando crianças, nào foram maltratadas.
Na concepçào logoterápica, entre um instimo ou u'npulso psíqui-
Como isto não se encaixa no esquema explicativo de Miller,
co por um lado, e uma ação a ser realizada do ou.'ro, existe no
presume-se que estas pessoas não estão querendo admitir suas
homem ainda um posto de comando que interrompe a transfor-
experiéncias traumáticas infanlis, ou que as reprimiram Nào
mação do impulso instintivo numa açâo a ele adequada, e este
acreditamos nisto. Acreditamos antes que uma pessoa pode
posto de comando é a "decisão". Decísão a favor ou contra a
decidir-se por uma violéncia, se ela o quiser, mesmo sem que
reaiização do impulso instintivo.
exista uma pré-história correspondente. Da mesma forma, pode
ser comprovado na prátíca que existem pessoas que foram mal-
tratadas, em parte até gravemente, mas de sua parte não causam
sofñmento a ninguém Elas sào apressadamente declaradas co-
mo pessoas “de agressividade bloqueada“, mas temos também
nossas dúvidas a respeíto. Acreditamos que, apesar de um forte

214 215
impulso imnhtiva uma pessoa pode decidir-se contrariamente à ímeme desejàvam a mone de seus ñlhos, a ñm dc ñcarem livres
prática de uma má ação, e 15t'o não apenas por bloqueio ou para contra1r' novas relaçoes' de parceria. para as quals' geralmeme
reprssam o que também represemaria mais uma vez uma neces- os filhos constituem um obstáculo. Os ñlhos, por sua vez. scnti~
sidade explicável - porque coagida -, mas em forma de um ato nam' a rejeição por parte de suas mãcs e. também dc fomxa
de vomade não explicável - porque livre. m'consciente, se af11'gm"am por sua vez a tal pomo que se torna-
vam ma15' expostos as' doenças. Estc participantc do sanumn"'o
É espamom como até hoje quase não ex15'te uma '°psicolo- acrescemou que, desde que lem este livro, perdem completam
gia datvontadeí por mals' que se procure na literatura especia- te a fé na humanidada
lizada , enquanto existe uma profusa abundância de “psicologias
do ms'un'to". E 1s'to apesar de a vontade, em panicular a “vonlade Em resposta, propus-lhe que, em vez de perder a fé na
do senúdo", corstjtuü o aspecro especmco do lzomem, como nos humanidadq ele perdesse anles a fé na validade absoluta das
ensina Viklor E. Fraan. m°terpretaçoes' estalíslicas, e que no futuro analisassc melhor a
concepção de homem que se enconlra por delms' dlsso' tudo. Poxs'
Até a religiosidade humana, que pode ser melhor descrita é óbvio que a pequena margem a mais de pen'go pam as crianças
como a “vomade do supremo semid0", tentou-se explicar a pamr' que nào tém pai está relacionada com o fato de que para zais
do dman'1ismo do ms'tinto. p. ex. por C. G. Jung, que considerava familias ñca mais difícil conseguir o suslento da vida. As mães
o homem impelido e forçado para a fé em Deus por 1m“pulsos que vivem sosj as quais ao mcsmo tempo têm que ler uma
pnm'ordiais míticos, chamados arquélipos. A religiosidade ver- atividade proñssionaL não podem estar sempre vigiando os seus
dadelra', entretanto, “mantém-se enquanto tiver caráter de deci- ñlhos, por conseguinte estes tomam-se autônomos mais cedo e
são - e deixa de sê-la quando p_r*edomina o caráter de instinto”, entmm na vida, com todos os falores de risco que a vida traz
para citaI uma palawa de Frankl ; a verdadeira fé é sempre uma consigo. Mas seria extremamente 1m'provável que existisse uma
fé escolhida, nunca 1m'posta, nem mesmo pela herança do m'cons- patcela un'ponante, pormenor que fosse, de viúvas que conscien-
ciente coletiva te ou inconscientemente desejassem a monc a seus ñlhos; pelo
Em que medida a capacidade humana de decisão costuma contrário, podemos admitir que normalmente o amor ao marido
ser posla de lado em muitas teorías psicológicas é o que eu falecido faz com que aumente o amor aos ñlhos, que são também
gostaria de exempliñcar numa delas, sem omítir os maléñcos os ñlhos dele.
efeitos produzidos por esse tipo de teorias.
Se de fato analisarmos a concepção do homem que se
22 Um homem que participava de um senúnaño dm"gido encontra por detras' da teoria do desejo da morte, descobñremos
por Imm' pediu uma vez a palavra. dizendo que havia lído num os vestígios do mesmo soñsma que já nos trouxe irritaçào na
livro especializado, que até havia servido de base para uma série teoría da violéncia de Miller, de acordo com o qual o mal é nada
de tele\'ba“"o, que os ñlhos de viúvas morrem numa porcentagem mais, nada menos que a reaçâo aulomática ao mal experimen-
ligememe mais elevada que os ñlhos que têm os dois pais tada
nvos Crianças que sofreram violéncia tramformam-5e em vio-
O livro explicava isto dízendo que as víúvas geralmeme lentas. Mães a quem o destino arrebatou o marido dislanciam-se
eram tão atm'gidas pela perda de seu parcelro' que m'consciente- sentimentalmente de seus ñlhos. O mal é passado adiantez 0 que
ñzeres a mlm' farei eu a ti, não inleressando se 0 "tu” e o “a u"'
' A nrM obra qur conhrço sobrc csc lcma é o liwo Psychologiz und se referem á mesma pessoa. Se invertermos o soñsma, obleremos
Philasopluedes Wallens, dc W'¡lhc'hn Kcllcx. \.ím¡cha1,' EtL ansl Rcmhard'L 1954.
uma añrmação duvidosa ana']oga. Se o mal é a reaçáo aulomálica
'* Vmor E. anLL Der uulxwussze Go.7. S' cd., Munc“ha¡, EA KoscL 1979, p_
ao mal experimentadm então o bem também é nada mais. nada
59

216
ímenos que a reação automática ao bem experimemada O que íclamz só se as duas perguntas forem rcspondidas com um Sim
esta teoria desfaz em culpa pessoal no tocante ao maL ela desfaz decidido, um Sim ñlosófica e antropologicamenlc flmdamenta-
também em mérito pessoal no que toca ao bem Ficam inteira- do, um Sim que não possa ser abalado. é que podem desenvol-
mente canceladas as possibilidades fundamentais do homem, ver-se atitudes a partir das quais a própria vida, mas também a
que consistem em responder com o bem ao mal experimentado, vida dos outros e a “outra" vida da nalureza que nos rodeia, pode
ou responder com o mal ao bem expenn'1entado, e isto nâo por ser preservada de uma intencional e leviana destruiçãa O “Sim
um automatismo 1n'consciente, mas por uma decisão consciente. à vida” é uma conñssão, mas esta conñssão repousa sobre o
duplo fundamento da capacídade de decisào do homem e da
Mal expe- reação automática n valon'zaçâo, para não dizer do “merecu'nento de añnnação" da
r1m'entado Modelo do ser vida, que simplesmenle e' digna e merecedora de que nos deci~
1mpe1ido, não
adequado ao damos por e|a.
Bem expe- reação automática h°mem Prosseguimos entâo em buscn da primeira pergunm, a
rimentado pergunta sobre a capacidade de decisào do 110111cn1, e enconlra-
mos respostas dadas a ela pela logolerapia, principalmente a de
que as decisões humanas devem ser entendidas como atos livres
Não foi em vão que Viktor Frankl, em muitos dos casos por
da vontade, e não como alos explicáveis, porquc toda explicabi-
ele descritos, pôs a ênfase lerapêulica em subslituir o “protesto
lidade haveria de anular de imediato qualquer capacidadc de
inconsciente", tendendo ao doentio, de u*m paciente neurótico
decísão. Gostaria de inserir-me aqui neste ponto, com a añrma-
por uma “decisão conscienle“ do mesmo . Ciente de que, en-
ção de que para esles atos Iivres de vontade nâo exiswm causa5,
'

quamo possuir uma parcela, por menor que seja, de maturidade


existem motivos.
,.,

espirituaL o homem não é um ser que reage às cegas, mas um ser


atuame, um ser que atua no mundo e cujas açÕes nào refletem Como as decisões hunmnas não podem ser explicadas por
primariamente os estímulos de fora, mas ames a eventual atitude causas de qualquer espécie, elas também nào sào causadas. Mas
.;r.3f.=r-

que procede de dentro dele. O antigo esquema estímqu-resposta por mais que sejam dirigidas pela vontadc ( "Wille ") tampouco
é substituído na logoterapia por um esquema atitude-açào, pelo estão à mercê da arbitrariedade (“Wi11ku"r "). A arbitrariedade é
qual a frase de Tolstoi “O que pensas hoje é o que farás amanhã" antes a conseqüência de um deixar~sc levar que de um qucrer.
é resumida de maneíra ainda mais precisaz Da atimde provém a As decisóes autênticas da vomade e da fé, ao invés. orientam-se
._“_°.'“:

por motivos, entenda-se conteúdos de scntido, elas claramente


41Mqi~$ v$-gwuvw~
.

açâa Cujo ponto fundamental consiste precisamente em que não


podemos escolher os estímulos que entram em no's, mas sim as representam um sim livre a um sentido, que reconhecem como
atitudes com que os enfrentamos. motivo e fundamento delas próprias. Estes motivos, ao contrário
das causas, explicam não a escolha de um determinado compor-
Nossas considerações tiveram inicio com duas perguntas
tamento, mas apenas o seu sentído.
Duas perguntas que vale a pena debater também com alunos,
clientes e pessoas em busca de conselho, de sentido e de ajuda, Para melhor compreensào tomemos um exemplo bem sim-
de uma maneira que possam compreender. Foram estasz “O ples. Um homem tem várias espécies de frutas em sua casa, das
homem é capaz de se decidir por alguma coisa?" e "A vida quais cada dia ele só pode consumir uma pañu Suponhamos que
merece que o homem decida~se por ela?“ Que ñque inteiramente sua espécie preferidn seja exatameme aqueln que se conserva boa
por mais tempo. Pam um animal nào haveria nenhum problema
* Viktor E. FranH, 1'I'¡eoríe und 7I'zempíe der Neurosen, 5' cd., Mw"1cllcn, Emsl de decísão, ele iria em busca de sua fruta preferidm inde-
Rcmha'rdlv l983,p, l32.
pendentemente do fato de no dia seguime e depois as outras

218 219
espécies de frutas eslarem ou não estarem estragadas. Atrás do si próprio e a suas decisões como perfeitameme explicáveis e
"querer" do animal está um “ter-que” ditado por seus instintos e causadas, e começar a buscar motivos para seu eventual compor-
sensaçoe's instíntivas. Com o homem é diferente, como mostrou tamento, mais precisamente, motivos para os quais, a parlir de
Viktor FrankL No homem atrás do querer não está nenhum sua mais profunda “vontade do sentido“, ele possa dizer Sim, é
“ter-que” inconsciente. mas antes do querer está um “devería" que ele estará a caminho da vida, de uma vida bem sucedida. Só
que se tomou consciente. Por isso, o homem íria ocupar-se com quando os adultos que foram maltratados em sua infância reñe-
o pensamento se deveria ser assim, isto é, se teria sentido que as tirem se a violência recebida deve ser passada adiante a pessoas
_

frutas se estraguem sem serem aproveitadas, num mundo onde inocentes, só quando as mães víúvas refletirem se as crianças que
perderam o pai deveriam também perder o amor da mãe, só entào
›_-_. _

continua havendo tanla fome. E se ele chegarà conclusão de que


todas essas pessoas encontrarão verdadeiros motivos para mas-
_..»

isto não deveria ser, então ele teña um motivo para deixar sua
espécie preferída de fruXas, apesar de saborosas, para comer por trarem um comportamento inteiramente contrário aos prognós-
.A. «.

último, porque é ela que se conserva por mais tempo, isto é, ele ticos psicológicos negalivos e realizarem valores que merecem
tem um bom motivo para preferir pn'meiro as frutas menos ser realizados, não só apesar da própria problemática, mas alé
saborosas, porém que se cstragam mais facilmente. mesmo por causa dela.
Vemos que nesta situação o compoñamento humano nâo As decisões humanas orientam-se pelos motivos, elas sào
pode ser explicado por um “ter-que", mas que também não está tomadas a favor ou contra o que deveria ser, a favor ou comra o
sujeito à arbitrariedade e sim a um "deveria" que lhe aponta a que possui sentido. A tarefa do terapeuta e do pedagogo náo é a
direção. E a componente livre do "não»ter-quê“ consiste em que de deñnirem o que deveria ser feilo, de passarem receitas de
o homem do nosso exemplo, evídentemente, também pode se sentido, conlra o que Viktor Frankl expressameme advene, mas
decidir contrariamente ao que deveria fazer. Ele pode saborear de desenvolverem e reforçarem no homem n faculdade de poder
sua frula preferida e jogar as outras no lixo; ele está livre para dizer Sim, mas também a de discutirem a questão do que é “digno
agir contrariamente ao sentido. Só que então ele tem que recalcar de ser añrmad0”. Por isso goslaria de enfocar ainda a segunda
ou reprimir sua própria “vontadc do senlido“ que se encontra questão, a pergunta se a vida vale a pena e merece ser afinnadm
nele, ou, numa formulação mais dura, tem de violema'-la, tem e por qué.
que dizer um Sim para uma coisa que, no mais íntimo do seu Com esse ñm gostaria de voltar um pouco atrás e falar de
coração, ele realmente não deseja añrmar, simplesmente por nâo um período de minha vida de que não falo com prazer. Foi em
ser “merecedora de añrmaçã0“. Isto ñca entào dentro dele como l976. Na Alemanha fora legalizada a interrupçào da gravidez em
um potencial de conflito e um foco de desordem em sua alma, situações de necessidade social, impondo-se que antes da inter-
como os conflitos já descritos daquelas pessoas que, apenas por vençào cirúrgica as mulheres grávidas deviam submeter-se a um
lhes faltar a coragem de dizer um Não, dizem um Sim qualquer aconselhamento sobre a eventual possibilidade de uma ajuda
que não representa o seu verdadeiro pensamento. para levar a termo a gravideL Eu era então psicóloga num posto
Surge aqui um ponto de referência terapêutico e pedago'gi- de assistência familiar do sewiço público, e dc repentc caiu-me
co essenciaL especíalmente para os nossos dias. O que precisa~ sobre os ombros esta tarefa de dar aconselhamento às mulheres
mos é de uma terapia COIfrzonmlíva como a logoterapia, que gra'vidas. Não que eu me rebelasse contra a atividade de acon-
confronte o homem com o que ele deveria fazer a panir da selhamento, que era intencionada no sentido da preservação da
petspectiva do sentido, e é também de uma terapia evocariva vida, mas a própria atividade em sí deprimia-me profundameme.
como a logoterapia, que chama de volta a tantas vezes reprimida Quanto mais me envolvía em entrevistas com as mulheres que
“vontade do sentido“. Só quando o homem deixar de entender a desejavam abortar, tanto menos a fachada de uma "situação de

221
220
necessidade social“ resistia à realidade. Em outros países certa- Continuei ainda acompanhando o caso por mais ou menos
mente deve ser difereme, mas aqui eram as prestaçoe's das casas um ano, até que em 1977 mudei~me para Munique a ñm dc
que precisavam ser pagas, era um curso iniciado que corria assumir novas tarefas Nesse ano. o marido submeteu-se a uma
perígo, era a falta de vontade de criar mais um ñlho, e era a terapia de antialcoolismo e freqüemou entreviskas de aconsclha-
auto-realização que poderia ser prejudicada. Acho que nunca em mento familiar, ambas as coisas com bons resultados. Graças ao
toda a minha vida ouvi tantas mentiras como então, mas para a seu emprego no frigoríñco de uma indus'tn'a alimentícia, clc pod^c
minha disposição de ânimo sempre transparecia um número melhorar 0 cardápio da família com muitos géneros que recebía
excessívo de inexplicáveis decisões livres da vontade contra a do presente. Os tres' ñlhos mais velhos foram aceitos num jardim
vida que estava para chegar, inexplicáveis porque também não de infância, o que deixou a máe muilo alíviada. A criança que
atestavam uma verdadeíra necessidade. ela trazía sob o coração revelou-se depois do nascimento como
um esplêndido menino, que foi recebido com muim alegria.
Mas a expen'ênc¡'a que quero relatar trata de uma exceção.
Quase pela mesma época em que a criança nasceu a família
recebeu uma casa maior do plano habitacionaL pela qual já estava
23 É um caso onde tudo era autêmico, a situação precária esperando havía muíto tempo.
da jovem mulher grávida que viera ao aconselhamento, bem
Foi surpreendente para mim ver como, pouco a pouco, tudo
como o seu desespero. Ela já tinha quatro ñlhos pequenos numa
entrou nos eixos por si mesmo, embora eu tivesse acompanhado
casa apertada, além de um marido desempregado, colérico e
antes o completo desespero da jovem mulher. Aliás, apesnr de
alcoólatra, originário do sul da Europa, que em nada se preocu-
eu mesma uma vez ter sentido insegurança no mais intimo de
pava com ela. Até pancadas haviam ocorrído entre os dois.
mim'. Hoje quase que me irrompe dos lábios uma pergunta
Devo confessar que após uma longa e extensa entrevista com a
semelhante à que aquela mulher me fez naquele diaz “Não acha
jovem mulher eu mesma nãc me sentia segum de como iria
que é um sinal do alto para nunca duvidar de uma vida que ainda
decidir em seu lugar, tão sombrio parecía~me o futuro da fam1'lia.
não nasceu e das chances que ela possa ter?"
Tanto mais surpresa ñquei quando a jovem mulher apare-
Se a resposta for sim, eu tive outro "sinal", embora numa
ceu-me no dia seguinte, uma vez que já tinha consigo o parecer
direção diferente. Fui testemunha da comovente ocorrência des~
médico e o atestado do aconselhamento em uma bolsa para ir
crita no caso 21, onde tratava-se de uma minha paciente mori~
para o hospital no momento que quisessa Mas ela voltou porque,
bunda que nos últimos momentos antes de morrer conseguiu
como disse, havia sentido minha participação e porque entre-
realizar, com algumas frases sussurradas ao meu ouvido, um bem
mentes houvera uma ocorrência que gostaria de discutir comigo.
que iria repercutir durame anos. O que prova que abreviar
Exatamente no dia anterior seu marido havia encontrado traba-
artiñcialmente a sua vida, mesmo que por aqueles poucos mo-
lho. Ao voltar de nossa entrevista ele a recebera com esta boa
mentos, teria prívado a mim e a ela de possibilidades positivas
notícia e prometera-lhe ñrmemente que no futuro iria empreen-
que estariam perdidas irremediavelmente.
der alguma coisa contra seu vício de beber. “A Sra. acredita”,
perguntou-me a jovem mulher, “a Sra. acredita que isto seja um Chega um momento na vida em que temos que tomar
sínal do alto para eu ñcar com a criança?" Ai, este é um daqueles posição. Por isso digo, abena e s¡'ncerznnente, que náo acrcdito
momentos em que os clientes se dirigem à gente como pessoa e que o aborto ou a eutanásia ou a ajuda à moñe com o cianureto
não como proñssionaL pelo que também respondi simplesmente de pota'ssio, como hoje se discute, sejam soluçóes aceitáveis para
como pessoa humana, dizendo com toda espontaneidade: “Se a problema nenhum Conheço perfeitamente os argumemos em
Sra. acha, então é isso mesmo.” Passaram-se alguns minutos, e contrário, o abismo de sofrimento e a terrível ameaça da super-
então foi pronunciado o Sim à vida da criança. população mundial, mas apesar de tudo estou convencida de que

222 223
existem soluções mais merecedoras de aceítação. O Não, como Esta observação de Wolfgang Zander nos dá o que pensat
dissemos, é apenas um espaço em branco, e quem realmente diz Exíste esperança para toda vida humana, seja a da criança que
Sím à vida combaterá o sofrimento e evitará a superpopulação am°da não nasceu, seja a do anciâo decrépilo, a saber, esperança
de toda forma possíveL mas não negará a vida em si. Precisa- de que esta vida am'da consiga preencher um sentido. ainda possa
mente com base na profunda compreensão do ser humano que ser preenchida de um sentido, mesmo que as expectativas desta
_.4.

minha proñssão me penm'te, declaro-me contrária a que qualquer vida talvez só possam realizar-se em pane ou não se possam
tipo de vida humana seja considerada indigna de viven realizar de fomla nenhuma. Mas onde existe cspemnça, é dado
. *. . _u.

um motivo para a preservação da vida, e isto valc nào apenas


Talvez uma ou outra críança que nasce não possa esperar
para a vida humana, mas para a preservação da criaçáo de
uma infância muito alegre, e talvez uma pessoa idosa ou com
maneira geraL Pois embora não saibamos a que distantes objeti›
.-. . .

uma doença incurável não tenha muito o que esperar da vida além
H

vos a evoluçâo se encaminhm ainda existe, no emanto. a espe-


do sofrímenta Mas nunca podemos estar certos de que alguma
rança de que ela siga um plano que não podemos conhecer mas
coisa nâo esteja esperando por um ou por outroz pela cn'ança,
que possui um sentido, um plano cuja realização mcrece ser
quem sabe, um trabalho importante que ela possa realizar mais
añrmada.
tarde no seu ambiente, um amor que ela possa dar, mesmo que
sua infância não tenha sido a melhor; e pelo doente incuráveL Retomo aqui ao curso de pensamentos de onde pam'. De-
quem sabe, uma última reconciliação a ser feita, ou um último pois de muitas eras de vida inconsciente e incapaz de decisão,
legado aos parentes, mesmo que seja apenas a consoladora surgiram os ponadores do espíritoz homens com consciência e
mensagem de que, apesar de ludo, uma boa despedída sempre é capacidade de decisão. Façamos a perguntaz panindo do momen-
possíveL Isto não signiñca que não exista nenhuma responsabi- to atual, um olhar para trás não nos pem1itiria deduzir que lodos
»›.-_

lidade quanto ao pôr uma vida no mundo, no sentido de um os seres que existíram até agora existiram com a tarefa evolutiva
planejamento familiar razoável, e quanto ao sair do mundo, no de criar um campo de manfiestaçâo e expressâo do esp1'rito,
sentido de uma ajuda médica para aliviar as dores. Estou queren~ como poderíam segentendidas as bases biológicas e psíquicas da
do dizer simplesmente que a quantídade e a qualidade do que se existência humana ? E esta sobrelevação dimensional se revela
espera da vida não pode ser o critério decisivo a favor ou contra no fato de que o espiritual é de uma espécie diferente do seu
a destruição de uma vida. campo de manifestação e expressào, assim como o fenômeno da
“luz" é de uma espécíe diferente dos geradores, ños e intem1p-
Neste contexto, gostaria de mencíonar Wolfgang Zander,
tores na parede.
que numa palestra em Mum'que chamou a atenção de que existe
uma grande diferença entre esperança e expectativaz enquanto a É verdade que não podemos acender a luz de uma sala com
expectativa sempre esconde em si um elemento de exigência, a um interruptor defeituoso, no entanto a luz em si nào é defeituosa,
esperança consiste numa aceítação conñante de possibilidades ela apenas não pode ser revelada por meio de interruplores, náo
positivas. Ele mostrou que nos tempos atuais teria ocorrido um tem mais condiçóes de manifestabse com auxílio da corrente
forte deslocamento da atitude de esperança em direção à da elétrica nesta sala, nâo pode mais dar notícia de sua existência,
expectativa, com o que retomamos ao conceito de “atitude”: hoje que no entanto é e pennanece independente de qualquer interrup-
em dia espera-se muito menos e exige~se muito mais que em tor.
épocas anteriores, o que se expressa até mesmo no nosso lingua-
jarz assim por exemplo dizia-se antigamente de uma mulher
grávida que ela estava “em alegre esperança”, enquanto hoje
diz-se que ela está na expectativa de um ñlho. * Viklor E. FrankL Der leideude Memcl¡, 2' cd.. Bcn|, Hans Hubcr_ l984, p. 109.

224 225
L~'xntmm~me dn mosnm mancim dvñnimos na loplcmpia a ítemwmiw dc seus pacientcax sc os sncerdoles e líderes espiri-
dimcnsào e.s'pirilunl do homcm como algo quc em si nwsmo uào tunis dcslc mundo sào basmmc prudvmos pnm idcnliñcá-la como
podv ñcar doontc mas quc ncaxxma dos pmstimos dc um orgm “.*1gnnh(\'el u Dcus". sc cudn um de nós. cndn um cm scu lugan
nismn mzoavclmente mdin pam que posm manifvsmhsm e como está promo n scguir csm vonladc de scmida
nlgo que conscqücmcmento Iambcm nào podc momm nms que,
an quo s:¡l›emos, nào pO$|lÍ nonhum cmnpq dc c.\'pn\.\\'àu lcrrcnn Pois qucrer o sentido c qucror n vidn.
scmauniàope.\~“o.'1lcom o flsico-¡x~*lquico . Sob esto nqwctm o
conjunlo da cultum hunuma nào podc mais scr inlcrpmt:uiu_ no
lingua_|'nr psicmnwhlicm como a “dnmcslicnçào pmgmssiva do
nninml no homcm". mns pnwisn scr visla mmhóm como n nuroru
do o.~*pirilual no honwnL cnmo os vmtlgios do csplrito no ospaço
e no tml¡pn.
Se admilimos que o cspirilunl oxislo pnm nlcm do ospaço
e do tmnpo. nms quv dvscja aluar no espaço c no tcmpm dcixnr
ai gmvados os seus vestlgios. o quo pam isso elc tem lwco~.:~*1'd:1d0
de uma mtimn ligaçâo mm o orgzmismo lminano. onlào cucon-
tmmos mais um molivo pam cnnscr umnos um tnl Úrgãlllisnlo
humano da molhor numcim pussích Nclc rosidc umn posson
wpirituaL quc sc dmenvolve ou quc nào sc doscnvolvm lvloqucm
da por defeitos de organisnm ou nâo bloqucadm mus nclc reside
- embom mais umn vcz nào no scntido cspaci-.\l - c buscn sua
e.\'pn-sszio espccíficn lwste nmndo. Quem se atmveriu u timr~lhc
as chances que ainda lan tir:Ir-lhe n u'l|inm chnncv quc ainda lhe
rcsla'? Justmnemc por o cspírilo ser imonaL o fisico-pslquico
precisa ser pmservado da mortc c da dcstruiçâo prenmtum
Dissemosz nos pmmdores dn vida a naluwza dcu como
adimtmnmlo o “Sim à vida“. Fõ~lo soh a forma do inslimo de
autoconscrvaçào. Pnrn os portndorvs do cspirito. eslc .'¡di.'1nm-
mento perdeu em imponância porque o cspirilual nào se cncomm
sujeito aos ditmnes do insúnlo. Mas nào nos esquewlnos: mm-
bém aos portaciores do osmrito Ihos foi dado algu pam o cmnillho,
pam o cmninho rumo a um ohiotivo digno dv nñmmçàut a
"vontade dc semido". Tudo agom depondo de so os pais estào
dispostos a despenar nos scus ñlhns cssu vontadm sc os profcs~
sores sào cnpazes do promovê~ln nos scus alunos. sc os nuidicos
e tempeutns têln bastzmle cumgcm pnm intmduzi~la no plano

* ViklN l,7. l'-.nnkl. Drr lcidende Mrmclu 2' cd.. lknL llnns llnhcr. l°R-1. p. 134.

226
227
lho, nào tinha sequer egoísmo. - Tào supérfluo como ele nào
existia outro no 1m1ndo."
É a imagem do nmrginal que é esboçnda aqui. do homcm
que no meio de um mundo ngitndo e palpimme não encomm o
seu lugnr, porque pcrdeu toda ligação. e que pam si própño nada
Considerações logoterápicas sobre a mais consegue dcscobrir quc pudesse dar â sua vida um sonrido
problemática do vício ou uma rarefa. Em inmneros relntos e híslórins de viciados ocorre
o que aqui é aprescnmdo como csvnziamcnlo da existência...

Cimçâo n“-2
Uma das cnusas principaús parn o aumonto da dcpendência
do álcool nos anos do exilio de Roth em Paris foi, sem du'vida, a
penuria nmteriaL Trabalhava como um desespcmdo, mas em
vista das condiçóes políticas só com diñculdade conseguia edí-
Nada é tão oposto vonmde de \'iver quamo o viía tores para suas obms literárias. Nos últimos anos a preocupaçào
Sej;m1-me por isio ¡x\nnitidas algumas considemçóes sobre a com o dinheíro e as dívidns sem ñm cmpurmmmmo pnra o
pmblemálica do \'Icio. que eu _*v_.oslaria de principiar com duas abismo, de modo que muims vezes ele não via saida, e sempre
cimções de uma bmchum de Hnns Jürgen Skoma sobre Joseph de novo aludia no seu total desmoronmncmo existenciaL Suas
Roth e a “Lenda do samo bébado“ ( "Div Legmdv vom heiligcn cartas. principalmeme a Stefan Zwoig, fommm umn longa cor-
Trinkcr "): rente de gritos de socorro por ajuda materinlz
“Ha' meses, há meses que estou com a corda no pescoço -
szçdo nS 1 e sc ninda nào morri é porque semprc de novo nlguma pessoa de
bons sentimentos permite-me que enñe um dedo entre a corda e
Toda sua vida Roth esteve em fuga. semelhante ao herói do
o meu pescoço. Mas logo depois a corda volta a apenan Com
seu romance "Die Flucln ohnv Ende " (“A fuga sem ñm“). cuja
esta corda assim no pescoço trabalho 6 a 8 horas por día.“
conclusâo pode ser lida como Luna auto~apresemaçà0 do aulorz
“Peço-lhe por favor, imploro, salve-me, vou me acabar, nào
“Foi em 27 de ngoslo de 1926. às quatro da t.'1rde, as lojas
posso ser vendido com a pele e os cabelos e todos os meus
estavam replems. nos annazéns acolovelavnnl-se as mulheres,
direitos._ nào posso mais acordnr noite após noitc com Lun medo
nos $110ch de moda as manequins faziam piruetas. nas confeita-
louco do novo dia, medo do dono do bar. do correio, nào me
rias os desocupados conversmmm nas fábricas as rodas roda-
acredita quando encontrar-me, que eu viva assim como me
vanL às margens do Sena os mendigos catavmn piolhos, no Bois
apresento, é lerTíveL terrívcl a minlm vida. Vivo a andar furtiva-
de Boulogne os namomdos se beljawanL nos jardins as crianças
mente como um criminoso e pers*.cg11id0, màos e pés a tremer, e
brincavmn de cnrmsseL Foi nesta hom que meu amigo Tunda,
só simo~me rolatimmemv mais svguro dvpois de rer bcbido."
um jovem sadio e cheio de vidm homem forte e de muitos
lalentos. apareceu na pmçn da M'1.deleine,nomeio da capilal do As duas citaçóes esclarecem um fato inleressante. a saber,
mundo. sem saber o que fazen Ele nào tinha uma proñssàm não que tanto as boas como as más situaçoe's de vida podem tornar-se
tinha Iun amon nâo tinha gosto nem esperança. nào tinha orgu- ocasiào para se commir um comporlmnenlo de vicio. “O amigo

228 229
Os pontos a) c d) refletem o comprovado conhecimcnto dc
Tunda“ da citação n°- 1 é “um jovem sadio e de boa aparícm
que só se pode atm°gir um alvo quando se arrisca o primeiro passo,
um homem forte e de muitos talentos”, é portanto possuídor de
tesouros como saúde, juventude e talento, acrescendo ainda que e a este passo seguem-se outros. “Iniciar e perseverar” é o
se encontra não à margem mas “no centro da capital do mundo", segredo de todo alvo a atingir.
islo é, num mundo repleto de ofenas e possíbilidades, às quais, Os pontos b) e c) penetmm ainda mais profundamentc no
porém, ele não liga, deixando-se caír num pretenso vazio de segredo de atingir o alvo. Começamos muitas coisas na vida, mas
sentido da sua existência, subjugado pelo sentlm'ento da absoluta não conseguiremos levá-las a cabo se não estivennos convenci-
inutilidade... dos de que elas possuem sentido. O sentido é o precursor do scr.
O Joseph Roth da citação n-° 2, por sua vez, encontra-se em como o expressou Viktor FrankL o sentido vai sempre um
real añição e necessidade. Exilado da pátria, sem qualquer apoio, pequenino passo à frente, ou do conlrárío não darcmos nenhum
empenha-se com parco sucesso em publicar suas obras literárias passo a mais que tenha sentido. Mas para que também possa ser
a ñm de manter-se viv0. Mas a insegurança de sua situação, ou feito o que teria sentido de ser feito, é necessário que suportemos
melhor, o sentimento de insegurança dela resultante, toma-se-lhe os incômodos que forçosamente a ísto esláo associados. Sào
fatal; pois por curtos e falazes períodos este sentimento pode ser sentimentos de inutilidade e insegurzmça, por exemplo, como nos
atenuado com o a'lcool, o que a longo prazo aniquila o último doís personagens das nossas citaçóes, ou, de maneira geraL os
resquício de segurança em sua vida. incômodos da pn'vaça'o, do nervosismo, os semimentos dc infe-
rioridade, de culpa ou de vergonha, que por muito lempo ainda
Se lanto as boas como as más condiçóes de vida podem haverâo de forrar o caminho, até que bem adiame a pessoa
servir de ocasião para um componamento viciado, conclui-se chegue a um plano exístencial que não conheça mais eslcs
que a respectiva situação de uma pessoa não pode ser o fator sentímentos, por eles não serem mais adequados. Isto signiñca
decisivo no problema do v1'cio. Talvez cheguemos mais depressa que não só temos que conñar no sentido dos pequenos passos
a descobrir qual seja este fator se, em vez de nos interrogarmos rumo ao alvo, mas também que em cada pequeno passo temos
o que é que 1m'pele alguém ao vício, invertermos a perguntaz o que renunciar aqueles emplastros psíquicos que mnonecem os
que é que faz com que alguém abandone 0 vício? Consideremos, incômodos do momento mas que, em compcnsaçào, adiam para
por isso, o que espontaneamente haveríamos de desejar ou acon- cada vez mais longe o atingir o alvo. “Conñar e renunciar" é o
selhar os personagens da duas citaçoe's acima para que pudessem segredo mais profundo da superação do vício, ou seja, conñar
reencontrar 0 caminho para uma vida sadia e plena de sentido. num sentido, e renunciar a remover os incômodos. Sem b) e c)
Onde é que estaria a pona de saída? não existe ponte de a) para d), não existe perseverança no bom
Bem, mais precisamente esta porta consiste de quatro por- caminho, não existe um atravessar de ponas rumo à sal'da.
tas que precisam ser atravessadas, se não contamlos com uma Depois de havermos veriñcado assim o que é indispensável
eventual assistência médica, como certamente seria indicada no para a superação do vícío, podemos ter o direito de añmmr que
caso de Joseph Roth. As portas que precisam ser atravessadas estes mesmos fatores, apenas com os sinais invertidos, desem-
sãoz penham um papel imponante no surgimento do vício. Aqucle
a) Começar com pequenos passos. que não tem conñança na vida, e aquele que não pode renunciar
b) Conñar no sentido desses passos. a coisa alguma, estará mais exposto ao vício do que os outros
c) Durante os pequenos passos levar em conta que continuaremos Analisemos esta añmlação à mão de um pequeno lrecho de uma
a enfrentar incômodos. brochura do Ministéño da Saúde da Alemanhaz
d) Perseverar nos pequenos passos.

231
230
Citação: “As toxicomanias estão avançando. Na mais conhecida mutáveis nem com as disposiçoes~ de ânimo do Eu, mas que
das formas de vício, o alcoolismo, o num'ero de atin- distingue-se de tudo isto, se distancia, podendo em caso de
gidos só na República Federal da Alemanha situa-se necessidade até dizer Não a tudo isto, porque “em sí" é
atualmeme na casa de um milhão e meio. O que mais intocável e sadío.
assusta nisto tudo é que a idade de iniciação continua
sempre caindo. Víciados em álcool de 10 ou 11 anos Da mesma forma que a conñança coloca no primeiro plano
de idade já não são mais nenhuma exceção. Começa da esperança e dos anseios aspectos que são distintos do Eu -
muitas vezes com uma 'demonstração de coragem' no “Nicht-Ichhaftes " -, a renúncia empurra para o segundo plano
grup0. Ou com um acesso demasiadamente fácil ao bar da vontade e do desejo aspectos que fazem parte do Eu -
da casa. Ou com um refrigerante com rum na barraca “Ichhafles”. E o que a conñança toma possível no tocante à
da esquina durame o intervalo da escola." aceílação dos próprios limites, considerando que além desles
limites pode haver algo que até à própria limitação é capaz de
“Começa com uma demonstração de coragem...”, eis aí
conferir um sentido, isso também a renúncia toma possível no
esboçada a fraca conñança, a ausência de conñança em si, nos tocante a dar um sentido a esta límitação, considerando que
amigos, nos pais e em suas advertências, em resumo, na vida. dentro destes limites existe algo que nós mesmos podemos
Poís quem precisa demonstrar que é corajoso, na realidade é um
modelar. Em logoterapia falamos, no primeiro caso, dn capaci-
medroso e um covarde. Mas que é que se diz a seguir? “Ou com dade do homem para a autorramcendéncim portanto para a
um acesso por demais facilitado ao bar da casa...", aquí aparece
“ultrapassagem do limíte" em direçào a algo em que ele crê e que
o não-querer-renunciar quando se dispõe de alguma coisa. Em
ele ama, enquanto no segundo falamos da capacidade do homem
nossa sociedade de bem-estar, infelizmente, coisas demais estão
para o autodistanciameut0, portanto de seu poder de moldar-se
à disposição, mas nem toda ocasião tem que ser aproveitada. Nós
a si próprio na direção do “ser-digno-de-fé“ e do “merecer-ser-
todos encontramos freqüentes ocasiões para o consumo exage-
amado".
rado, como também para o furto e a mentira, mas isto não é ainda
nenhuma razão para que aproveitemos estas ocasiões, podemos
também renunciar a elas.
Perguntemo-nos agoraz Se é tão decisivo e importante
desenvolvetmos uma conñança básica e fazennos renúncias que
tenham sentído, tanto para superar como para prevenir o vício,
o que é que favorece e reforça estas capacidades? No acervo de
idéias da logoterapia encontramos numerosas respostas a essa
pergunta que podem ser proveitosamente relacionadas com a
problemática do vício. Primeiramente o seguintez
l. Conñar pressupóe algo “acima de si”, algo que pelo menos ®PÊaspectos que
não é idêntico com o Eu. Algo “em que“ alguém conña, “em em pane do Eu
que” alguém acredíta, “a que“ o ego da pessoa pode entregar-
se, a que pode dizer Sim.
2. Renunciar pressupõe alguma coisa “dentro de si“, alguma
coisa que não se identiñca com os sentimentos instintivos e

232
233
Existem argumentos que reforçam a tese de que a CÍML Citaçãoz mas não é raro poder-se comprovar, como razão
para uma forma de existência neurótica, o fato de a
dade para a autotranscendência e a capacidade para o autodistan-
pessoa neurótica apresentar uma deñciênciaz sua rela-
ciamento estão estreitamente ligadas entre si, ou, dito de outra
ção com a trascendência encontra-se perturbada, por
maneira, que as duas setas no desenho crescem uma proporcio-
haver sído reprimida. Mas das profundezas ocultas do
nalmente à outra. Añnal de contas, não renunciamos a alguma
seu “inconsciente transcendente“ às vezes esta trans-
coisa se não renunciássemos por causa de alguma coisa, e este
“por causa de” comprova-se no renunciar emfavor de um sentido cendência repr1m'ida manifesta-se numa “intranqüili-
dade do coração", que, em cerías ocasioes', pode muito
em que confíamos.
bem levar a uma sintomatologia de fundo neurótico,
É ao longo desta linha que a autotranscendência e o auto- que de alguma forma pode decorrer dentro do quadro
distanciamento estão unidos de maneira decisiva, o que simples de uma neurose. Neste sentido vale Iambém, com
e singelamente quer dizer que uma renúncia que possui sentido referêncía à religiosidade inconsciente, o que é válido
sempre é realizada em favor de algo que possui um valor maior, para todo inconscientez ela pode ser patogênica. Desta
valor este que confere à renúncia o seu sentido, mas em que forma também a religiosidade repñmidg pode ser uma
também é necessáño que acreditemos. As pessoas que não religiosidade 'infelizmente reprimida'”
reconhecem os valores, que não acreditam em nada que lhes
consiga conferir uma orientação espiritual e um apoio psíquico, Com a regressão da religiosidade desaparece a confiança
nunca vêem a necessidade de renunciar ao prazer ou à remoção na vida e no seu sentido, e com isto restringe-se também a
do desprazer, pois onde 0 princípio da vida não evolui até o ponto prontidão a renunciar a algo, quando necessa'rio. Renunciar -
de transformar-se num púncípio do sentido, aí ele símplesmente para quê?
ñcou limitado ao princípio do prazer. Com seu enorme aparato de propaganda, a indu'stn'a, que
Um dos mais ímpressionantes argumentos que conñrmam nos países capitalistas do mundo ocídemal faz tudo ao seu
esta tese é a notícia de que na Um'ão Soviética cerca de 40 milhoes' alcance para difundir no meio do povo os vicios legais, como
de pessoas, perfazendo 14% da população, são viciadas em fumar e beber, sabe muito bem que com esta finalidade tem que
a'lcool. Um entre 6 ñlhos dos cidadãos soviéticos nasce com uma baixar da esfera do sentido para a esfera do prazer, para aí lançar
embriopatia alcoólica (uma deñciência grave da criança pelo habilmente os seus produtos. Os anúncios da propaganda são
consumo de álcool da mãe durante a gestação). Qual a explicação mais ou menos deste tipoz “Gosto de fumar“, “Um prazer conta-
para isto? giante”, “O prazer mais demorado", “Para os que sabem apre-
ciar” etc. “Por que renunciar?", é o que eles estão a sussurrar aos
A penúria de vida não pode ser, pois esta União Soviética
ouvidos do consumidor nonnaL “Use o que lhe dá prazer. Nós 0
compartilha com vários outros países da Europa OcidentaL como fomecemos. .. "
a Grécia e Portugal, onde o alcoolismo é relativamente menos
epidêmico. Ao invés, não é difícil levantannos a suspeita de que Analisemos, portanto, para concluir, o que é que o vício
a repressão da vida religiosa ao longo das três últ1m'as gerações realmente provoca, ou qual é o chamariz com que ele atrai as
e a “religião da auto-redenção“ do marxísmo não sejam ínteira- pessoas incapazas de renunciar. O chamariz do vício é uma
mente isentas de culpa na atual situação da USSR. O que Viktor sensação agradável de curm duraçã0, nada mais. É o aspecto
Frankl escreveu sobre a causa última da neurose pode ser igual- agradável da sensação que a faz desejáveL e é a sua cuna duração
mente aplicado à causa última do vícioz
* Viktor E. FrankL Der unbewusxre Gon, 5' cd., Mun"chcn. Kos"cl, 1979. p. 61I62.

235
234
que gem a dependéncia. pois logo que passa a sensação agradável em suas sensaçóes, e nào a realidade como ela e em si mesma,
é precíso que rapidameme seja fomeCIda a pro'xun'a dose do Envergonham-se, mas unicamente empreendem algo para remo-
vício. do contrário a sensação agradável logo se tmnsforma em ver (a curto prazo) seu sentimenlo de vergonha. em vez de
sensaçào desagradáveL suprimir do mundo (a longo prazo) a causa de sua vergonha.
O mecanismo, até aqui, é claro, o que causa espamo nisto como Antoine de Sait~Exupéry descreve em seu célebre trecho
tudo é apenas que um homem seja capaz de abdicar de tudo, a sobre o encontro do Pequeno Príncipe com um bêbadoz
sau'de. os amigos, a profissão. a vida. unicamente por uma fugaz “Eu bebo", respondeu o bébado, com ar lu'gubre.
sensação agradáveL No 6-° simpos'io cientíñco da “Centml Alemã "Por que é que bebes?" perguntou-lhe o principezinho.
contra os Perigos do Vício", em Tutzing, foi constalado que a “Para esquecer", respondeu o beberrào.
un'ica coisa em que todas as teorias concordam é que os viciados “Esquecer o quê?“ indagou o principezinho, que começava a
sempre procuram produzir em si um determinado estado de semir pena.
vivência, eles querem semir algo determinado; se esta sensação “Esquecer que eu tenho vergonl1a“, confessou o bêbado, baixan-
confere com a realidade ou não, não interessa em absoluta do a cabeçxL
Vejamos como esta añrmação se veriñca nos pexsonagens das “Vergonha dc quê?" investigou o pr1'ncipezinho, que dcsejava
duas citaçoe's com que iniciamos este capítula O “amigo Tunda“ socorrê-lo.
sente-se inútil no mundo. Mas sua aspiração é sentir-se mais “Vergonha de beber."' concluiu o beberrão, encerrando-se deñ-
1m'portante, ou é ser m'1portante para alguma coisa? Joseph Roth nitivamente no seu silêncio.
sente-se inseguro e ameaçado. Mas a sua aspiraçào é semir-se Aliás, o álcool ajuda a afastar sentimentos de vergonha,
menos inseguro, ou é adquirir maior segurança? mas quem a ele recorre é semelhante a um homem que desliga a
Vemos que nào é possível evilarmos a pergunta por um sirena de alarme da casa em chamas onde está dormind0, porque
objetivo que tenha sentido, e isto quer dizer um objetivo “que ela penurba o seu sono. O sentimento de inulilidade, de insegu-
ultrapassa a fronteira"; esta é ao mesmo tempo a pergunta sobre rança, de vergonha, a frustraçâo existencial e o desespero de um
a atitude fundamental do viciado, a pergunla que decide entre o homem, tudo isto sào gntos de socono da alma, apelos ao espm"lo
viver e o deñnhar. Quando o nosso “amigo Tunda" quersentir-se humano para que afinal empreenda alguma coisa que tenha
um pouco menos inútíL ele só precisa lançar mào do haxixe ou sentido, grilos de socorro da consciência. que nào pode mais ñcar
da cocaína - logo suas sensações sofrerão uma drástica modiñ- atrás da realidade da vida que se vive. Faz bem aquele que não
caçào. Mas se ele quiser ser menos inu'til, emão ele deve assumir desliga artiñcialmente um tal chamado mas o suporta com tudo
uma tarefa que tenha senlido e por ela fazer o que estiver a seu quanto ele tem de desagradáveL faz bem aquele que renuncia a
alcance, mesmo que seja apenas ajudar uma mulher aleíjada “na imaginar sentimentos agradáveis e em vez disso prefere escutar
praça diante da Madeleine“ a carregar sua sacola de compras para os sinais provenientes de seu núcleo essencial inlocável e sadio.
casa. Se Joseph Roth queria sentir-se menos inseguro, bastava- São sinais que estão simonizados numa “freqüência transcenden-
lhe pegar a garrafa, e logo sua sensação de segurança era “rela- te", e que traduzidos para o humano transmitem-nos: "Nào
tivamente maior". Mas se ele quiser adquirir mais segurança, a importa que aquilo que faZemos provoque em nós uma boa
primeira coisa será renunciar à bebida, submetendo-se de livre sensaçào, mas sim que seja uma coisa boa. Mas sefor uma coisa
vontade a um tratamenta boa, ao ñnal ela nos proporcionará uma scnsação mais agradável
Vistos sob este àngulo, os viciados são pessoas que se dão que tudo quanto exnste no mundo...”
por satisfeitas com algo m'autêntico, em vez de procurarem o que
é autêntico. O que lhes interessa é como a realidade se reproduz

236 237
Im'ciei minhas consio'er”açoes' logoterápicas sobre o prIle O homem é o “lugar de encontro entre a noosfem e a
ma do vício com duas citações de Hans Jur"gen Skoma e gostaria biosfera“, como foi tão acertadamente formulado por Paul H.
de concluHas com uns versos dele: Bresser. Quer dizer, graças ao seu ser especiñcamenle humano
Esperança ele não está submetido às suas dísposiçoes' hereditáñas ou às
- dedicado a um alcoólatra - influências das pessoas ou do ambiente, mesmo quando a elas
sucumbc. Ele é, de certa forma, um “ser intennediário“ entre o
das ruma's ainda que está “em c1m'a" e o que está “embaixo“: impelido pelas
do teu sofnm'ento influências da biosfera e do ambiente, mas atraído de cima, por
o teu Eu melhor aquilo que tem sentido. E modelando ele mesmo nas duas díre-
te envia sinais ções: atuando em sua biosfera e em seu ambieme, e respondendo
para recomeçares ao apelo de sentido da situação. É por isso que Frankl sempre
enfatiza que o homem não é a Vítima, mas sim o modelador de
escuta-os. suas condições - pelo que, entretanto, ele também é capaz de
modelar as suas condições de tal forma a tomar-se vítima delas,
Uma última paiavra sobre a questão, tantas vezes levanta- como ocorre no caso do v1'cio.
da, de quanto ou quão pouco o problema do vício tem a ver com
a disposição hereditária e a educação da pessoa. Ninguém duvida
Supramundo Noosfera Biosfem Mundo exteñor
que Ienham algo a ver com issoz existe uma predisposição para
a
a dependência psicofísica. É por esta razão que os viciados lnfluências do
' iDisposição meio social
devem por toda a vida evitar o objeto áo vício, justamente porque
O homem / (predisposição (educaçào,
sua disposição para a dependência psicofísica permanece a vida como ser I psíquica) campo social)
inteira. Somente que à conñança e à renúncia associa-se aqui um espiritual e I I l
terceiro eiemento: a responsabilidade. A responsabilidade é a modelador \\ Constituição Inñuências do
"outm face da liberdade". Pois o homem é espiritualmente livre de sua vida (predisposição ambieme
física) (alimentação. ar,
para tomar posição freme à sua predisposição para a dependência \
clm1a')
psicofísica - e se não o fosse, não precisaria envergonhar-se
O homem como pnto de enconlro
quando diz “sim“ a ela em vez de dizer “não", quando opta pela
entre noosfera e biosfera
doença em lugar de optar pela saúdc.

O resultado da proñlaxia do vício é o seguintez Tudo quanto


- faz aumentar a confiança,
Homem
- toma capaz de renunciar,
Iivre tomada de - educa para a responsabilidade,
posição frente à
tudo isto trabalha comra o perigo do vício. Além da consciéncia
inclinação para
o vício de que a realidade é mais importante que a sua imagem em nossas
sensações.

238 239
Cimçõesz “Añnal de contas, não há dúvida que é sempre melhor
ter sensaçoes' desagradáveis de qualquer tipo, havendo
a garantia médica de que não existe nada de orgânico
atrás disso... de qualquer maneira este caso é mais
favorável que o oposto, a saber, o de não estarmos
sentindo nada e, no emanto, estar no ínlimo de nós, ika Educar com sentido hoje
corroer-nos sorrateiramente, uma doença perigosa..."
“Paciente: Tudo parece-me sem sentido, sem valor. Eu
(Frankl): Será que depende de se você o consídera com
valor ou sem valor? Não depe*n*de muito mais de saber
se realmente é importante?"

É melhor não estar doente, embora sentindo-se doente


(caso do hipocondríaco), que estar doente e não perceber (ainda)
que se está. É melhor fazer alguma coisa que tenha sentido e
Eis-nos diante da pergunta sobre a importância da educa-
sentír-se míseravehnente (caso da auto-superação), que nào fazer
nada que tenha sentido e sentir-se como num sonho (p. ex., o ção. Será culpa da educação se as pessoas não se desenvolvem
como deviam? Deve-se agradecer à educaçào quando as pessoas
drogado). O Ser tem preferência sobre o reflexo no mundo das
sensações - é aqui que reside o âmago de toda proñlaxia do vício. apresentam um bom desenvolvimento? A questão não é lào
simples assim, mesmo que existam correntes psicológicas que
adotem este tipo de simplificação. No total, a educação entra com
uma parcela de um terço na “culpa” ou no “mérito" do desenvol-
vimento da pessoa, nem mais nem menos. Sendo que esta é até
uma estimativa um pouco elevada, pois o meio educativo não
constitui o ambieme inteiro da pessoa, que a ele associam~se
várias outras influências por pane da escola, das pessoas da
mesma idade, dos meios de comunicação etc. Os outros dois
terços que 1n'fluenciam o desenvolvimento da pessoa são a he-
rança e a particípação própria - ou seja, o conjunto de suas
decisões, como ela se compona em relação às oportunidades
oferecidas pela educação e ao seu patrimônio hereditária Para
isso vejamos os dois diagramas seguintes, que mostram clara-
mente como a participação do ambiente é 1/3, não só no indiv1'-
duo como também na coletividadez o primeiro, que lrata de
jovens drogados (representando os desenvolvimentos negati-
vos), e o outro, da aprendizagem da música pelos jovens (repre-
sentando os desenvolvímentos positivos). Os diagramas
* Viklur E. FrankL Psychorherapiefür den lm'en, 12' cd., Frciburg. Hcrdcr, 1986,
p. 82. (['.m' ponugucs': Psicolerapia para mdos. Pcuópolis, Vozcs, l990, p. 74›) mostram como em cada caso 2 entre 6 grupos de pessoas (l
** Viklor E. FrankL Logolhempie uud Exzs'renmr¡alyse, Mux"1chcn, Pipcr, l987, terço!) assumem, com base nas inñuéncias ambientais, um de-
p. 152. senvolv1m'ento diferenle do que corresponderia à disposição

240 241
própria ou ao ser destas pessoas. Mas eles mostram também que Embo'ra com isso a famasia do poáer univexsal da educação
tenha sido colocada dentro dos scus devidos limiles. mesmo
a u'ltu'na palavra, a u'ltima decisão sobre isso pertence à própria
assun' preñro atribuir uma grande importância ao empenho por
pessoa.
uma educação com sentido. Pois, primeiro, uma ínfluência de
Jovens cerca de um terço não é nada desprezíveL e, segundo, vivemos
numa época de grande insegurança dos educadores. As anota-
/\
çoes' a seguir podem, pois, esnm'u¡ar os educadores para que
oferecetha não lhes oferecem
drogas drogas contribuam com o que está ao seu alcance para apoiarem os
jovens m'tegros em sua integridade e para possibililarem aos
/\ /\ psiquicamente perturbados ergucrem-se à sua plena eslatura.
não as aceitam-nas não as procuram-nas
Quase todos os livros sobre educação nos ensinam uma
aceitam procuram
coisa: as crianças têm necessidade de amor. Os pais devem
Í\ educar seus ñlhos com amor. Esta añrmaçào é perfeitamenle
tomañam apesar de teriam correta e, no entanto, precisa de um complementoz as crianças
tomañam se drogas oferecerem lomado têm necessidade não somente de amor mas também da Capaci-
nao mesmo que nâo as se
dade de amar. Os pais devem, pois, educar seus ñlhos não
oferecessem não loman›am- oferecessem
somente com amor, mas também para o amor Aqui deixamos
oferecessem
para trás o plano em que os pais e educadores precisam fomecer
I tudo que seus ñlhos e alunos precisam, e passamos para o plano
inñuência do influéncia do imediatamente superior, onde os jovens em crescimento são, por
ambiente'. ambiente! assim dízer, “equipados" para aquilo que eles um dia vâo ter que
conseguír, aquilo para que eles vão ser necessários.
Jovens
Alravés do modelo de um projeto que nos dias de hoje é
/\
por sí própños não
por si próprios gostariam heredila~
seriamente considerado, ilustraremos como os dois planos se
diferenciam um do outro. Tra¡a-se de estralégias para impedir a
tocariam piano de tocar piano riedade
violência e os excessos nos jogos de futebol e outras promoçoe's
esponivas. Como poderemos proteger os espectadores dos peri-
são não são são não são gosos atos de violéncia por parte principalmente dejovens fana'-
esllm'ulados esti« esti- esum'ulados ambiente ticos e turbuientos? O projeto imaginado por políticos e

/\
mulados mulados /\ educadores de renome prevê que sejam oí'e'recidas aos j0vens
agressores outras modaiídades de saíisfazerem sua necessidadm
p. ex., fã-clubes, locais de encontro dos jovens, oñcinas de
©“sim" a "não" a “não" a “sim" a “sim“ a paníci-
tocar
criativídade e pequenos ginásios esponivos pro'pn'os, onde eles
tocar locar tocar locar pação
piano / piano piano piano piano própña possam extravasar e ab-reagirsuas forças de um modo que tenha
mais sentido. O que se esquece aquí é que nào existe nenhum
I extravasamento ou ab-reação que tenha sentido. Toda ab~reaçào
mñ'uéncia influéncia pura é uma descarga de sentimemos sobre uma “coisa qualquer",
do do
e esta “coisa qualquer" ainda eslá longe de ser um objetivo que
ambientel ambiente!

242 243
lcnha sentido. mcsmo quando d1rigida dc forma inofcnsiva como ser passada adianle, muilo menos para uma dc um I'nocenle, c
sucedáneo de um objeto quaiqucr. Quem p. ex. brigou com o a scgundaz Nem Iudo que éfácil é permitida
amigo, e dcpois, em casa, batc a pona com violen'cia cm lugar Eslas duas leis. que cm si são cvidcntcs para todo mundo,
dc dar um pomapé no cachorro, escolheu, é ceno, o objeto dc goslaña dc colocá-las no início dc minhas cxposiçocs', porquc
ab-reação mais inofensivo, porque a pona não scnte a dor que o existem duas abordagcns psicológicas quc tém dcixado os cdu-
cachono sentiria, mas entre o batcr a pona com violência e o cadores inseguros e feilo com que as duas mencionadas lels'
executar de uma tarefa com sentido vai uma grandc distância. ñcassem pralícamentc sem validade. Uma dcstas mancims dc vct
No mencionado projcto é esquecido, além disso, outro fator é a doutána psicanalilica da repressâo, segundo a qual qualqucr
agravante. O projelo como um todo permancce no plano da fmstração e agressão que for reprlmida inevitavelmcnte mani-
satisfação de neccssidadta De que é que nossas crianças ejovens fesla-se mais adianle como sinloma neurolico ou como uma
tzm' necessidade para o seu desenvolvimento? Disto e daquilo. doença psicossomálica. Donde se conclui que no fmal das comas
Elas o tcrâo. E sc apcsar disso clcs náo se desc'nvolverem bem? sempre é melhor brigar, xingar, gñtar c bater no que cstivcr mzus'
Emão é claro que ainda cslarào prccisando de outras coisas. Hão próximo - seja quem for que lenha que contracenar com lst'o -
de té-las também... Nestc csquema dc pensamento nào saímos que engolir qualquer ra1'va, que mais tardc podeña vir a mam'fes-
do esquema de fomecer o que evcntualmenle venha a ser neces- tar-se paLologicamenle. De acordo com isso, aquelcs lorcedores
sa'n'o, nào ocorre nenhuma educaçào para o podcr~ser-útil. Mas, turbulenlos que batem nos tmmeunles quando seu time está
no fundo, seria esta a mais profunda e humana das “necessida- perdendo estariam perfeitamentc certos no interesse de sua psi-
des” de todos os jovens, ou seja, o desejo de ele mesmo alguma co-higiene; eles não engolem a sua raiva...
vez scr imponante e úliL contñbulr para o ambiemc em que vive.
Quando o grande pcdagogo bd'uard Spranger dissc, cm sua O seguime caso, vivido por uma de minhas pacientes,
ép0ca, que a díferença mais fundamenml de concepção do mun- pretende mostrar até onde pode chegar o absurdo das psico'lo-
do té a que exíste emre o deixar-se-levar e o sentir-se-responsá- gos.
vel , ele com certcu tinha em meme o seguimez Nào e' suñciente 24 Ela sofña de uma “im'taçãointest1'nal",que com a menor
mostrar a umjovem até onde ele pode dcixar-se levar sem causar excitaçào lhe provocava desagradáveis diarréias. Seu médico
danos, ele quer e deve assumir responsabilidade e, para isso, deve enviara-a a um psicoterapeuta, que da maneira tradicional devas-
aprender a dirigir-se de forma autónoma, se for o caso até mcsmo sou sua infância com o ñto de descobrir um trauma que tudo
contrariamente a uma pressão do instinto ou de uma necessidade. explicasse. E este foi encontrado de fato. Aos 6 anos de idade a
A responsabilidade, não em último lugar, consisle em depois de paciente havía perdido o pai, a quem era extremamente afeiçoa-
uma briga com o amigo nem bater a porta com violéncia, nem da. Ela alegou até estar tâo ligada a ele que no instame cm que o
dar um pomapé no cachorro, pois ambas são coisas que nada têm pai morreu no hospital ela começou a chorar em casa sem
a ver com a bn'ga, alia's, são objelos tolalmente inocentes em nenhuma razão apareme, impelida por um pressentimento inte-
.I
l_x relação a ela, mas, em vez dísso, empregarmos todas as forças rior. Bweado nesLa añnnação, o psicoterapeuta explicou-Ihe

.~› em busca de um compromisso que tome novamente possível a que, de acordo com a psicologia da criança. ela expeñmenlara
experiéncia da reconciliação. Por isso, tem sentido hoje, em então uma enorme raiva do pai porque este a deixara só e de
educação, transmitir às crianças, desde pequenas, duas leis fun- repente não estava mais disponível como parcelro' de bn'ncadeua'.
damentais, das quais a primeira é: Uma agressâo não Iem que Esta raiva ela reprimira e represara dentro de si. o que a levam á
atual doença. Como receita para a cura o psícolerapeuta propos'
' Muanl Sprangcn Wegr ur Dasel'mgeslallung, cA por Hars Wallcr Bãhn que a pacíente procurasse em pensamento transferihse de volla

245
244
_

a' sua infância e gntasse para dar vazào à decepção com o pai, a mas I'mesu'nals'. c Ja" a avó do an pomnto a blsa'vó ch pacm
ñm dc desta forma “elaborar“ o trauma. Mas nem 6 mescs dc
. .

por causa dc uma díarréia que aparecm repcmimmau, m bon


“gritoterapía” conseguiram modiñcar qualquer coisa no “imes-
..

do seu casamcnto. estivcra maB auscme do que prasanc, como


tino im'tado” da pacienle, pelo que ela terminou desistindo do até hoje ainda é comado com somsos' na Íamílla'.
tratamento e procurando-me para obter conselho.
À

Estc exemplo não é inlercssamc apenas por causa deste


Dcpois de ouvir o que cla contou, pareccu~me que o pn'-
desfecho. Ele reflete uma atiwdc bas'ica díretamcmz armedua'-
meiro e o mais imporíante passo era impedir que se formasse um
tiVa do nosso tcmpo, que infeliunemc emomramos com frc-
;

novo lrauma na pacientc, desta vaz não um trauma psíquico, mas


:

qüéncia. Se alguma co¡sa' cstá cnada com as cnanças', fonm os


um trauma na esfera espin'tual, uma imerpretação errônea do que pais que ñzeram errado, até mesmo lzrcm tído a ousadb de
constitui o ser humano. Pois o verdadeiro ser-homem sempre se
Okaglg

morrerem no momento em que não deviam Esqueccsc que os


lança de aiguma forma para além de si, e náo se saíisfaz em dar pais nào fazem tudo sozinhos, que sobre nossos ñlhos confluem
exprcssào a si próprio (seja gritando ou sem gritar). O veraa'deiro
inñuências de todas as espec'ies. Esqueccse tzmbem que nao' é
ser-homem pergunta por valores que ultrapassam a própña pes-
possível “faw” as pessoas, são elas que se fawn a si propnas".
soa, a cujo serviço ela gostaña de colocar'se, e não apenas por
Como já foi indicado no início, nossas crianças e Jo'vcns mol-
desejos egocêntricos em relaçào aos quais ela gostaria de Ser
damse naquelas pessoas que elas vcm' a lomar-sc; scus pak e
atend1'da. educadores fomccem unicamcmc os inslxumcmos para lsso'.
assím como os seus genes fomecem a malcna"-pnnm' da modc-
›.; a.i-¡;:.w.¡J~qL_:~Hí'.-z;ãa'.-

Por isso, disse á paciente: “Eu não compartilho da concep-


ção do meu colega. Se realmenbe quando criança a Sra. estava lagem.
tão intimameme ligada a seu pai, como cont.ou, então no momen~ Por isso, a conversa de as pessoas "se aceitarem como sao"
lo de sua mone a Sra. senliu perfeitamente que seu pai não a é tão grande asneira como a de °'ter que dízcrtudo abenameme'.
queria deixar, mas que o dcstino o levou, e desta forma ele nâo Ninguém é de uma determinada maneira, cada um de nos' encorr
podia mais eslar aí para a Sra., ao menos ñsicamente, e por isso tra-se na ínevitável tc_nsão emre o ser e o devir, como o aprcnde-
não existia nenhum motivo para ter raiva de seu pai. Pode ser que mos de Viktor Frankl , cada um de nos' pode a cada momemo
aos seis anos de idade a Sra. não conseguisse imaginar adequa- também ser de uma maneira d|'fereme, um pouquinho mals'
damente o que ocorre na doença e na morte, e sofresse com esta perfeito, se se esforçar, em vez de conformarse com a maneira
impossibilidade, mas se entre seu pai e a Sra. reaimente existia como é. E ninguém de nos' pode sem mais nem menos dizer tudo
amor, emão a Sra. sentia e pressentia que este amor não se abertameme ou fazer tudo quamo lhe der na cabeça, sem levar
acabava com a morte do seu pai, da mesma fonna como sentiu
em conta, com responsabl'|idade, o efeito que lsto' possa ter sobre
e pressemiu a morte dele. Então, esw amor persiste até ao dia de as outras pessoas, do contrário poderíamos concordar com toda
hoje, e nào é de supor que sua doença tenha' por on'gem uma raiva
forma de agressão por motivos emocionais, pols' as palawas sao°
repnm'ida."
tão capazes de fen'r como os punhais.
Então a paciente enxugou aigumas lágrimas e confessou Por isso, em educaça'o, não devemos deixarmos assmtar
aliviada que desde muito tempo achava toda essa história de pelo espamalho da repressão - nem lodo ato de aulodomínio é
gritar uma injustiça, porque, como eu supunha, ela guardava até uma repressão.' Só os animais é que nâo se dominam, que nada
hoje uma lembrança agradável do pai. precisam levar em conta, que não tém que responsabihzar'-se por
No tocanteà doença, no entanto, veriñcou-se que na família
do pai havia uma manifesta disposição heredítária para proble- ' Vllaor E. ankLÃrzlhcltz Scelsor t. Dalnckc, Vm 10 cd.. Wm Daltk.
1982 , p, 73 . 8

246 247
ou diñcullarem nossos atos? O que é fácil ainda eslá muito longe
coisa nenhuma. Mas nossos ñlhos não são anlma'_íis, eles possuem
de ser permitido, se assim fossc poderíamos torccr o pcscoço dc
no mais íntimo de si uma consciéncia humana, que ergue seu
qualquer bebê, porque, añnal de contas, ele nào tcm como
veto quando alguém pretende dar livre curso aos 1m'pulsos agres-
impedi-lo.
sivos, seguindo o lema: “O outro que se dane, o importante é que
eu me descarregue.'“ Da voz da consciência nunca estaremos
livres, mesmo que à custa de gritos tenhamos descarregado da 25 Num aconselhamento de casal presencíei certa ocasião
alma toda a nossa raiva. E uma psico-higiene que entra em que uma mulher, que frcqüentemenle humilhava o marido dc
conflito com a própña consciéncia pode ser tudo menos uma maneira muíto desagradáveL me declarou abertamentez “Mas elc
psico-hjgiene, ela é antes uma receita para cainnos mais rapida- tolera tudo. Se ele me impusesse limites, se ameaçasse deixar-
mente numa crise existenciaL me, eu haveria de ter mais respcito por clc, mas eu posso fazer
com ele o que eu quíser e elc pennanecc sempre bom e alegre.“
Entra aqui em cena também a segunda lei, que acho extre- Ao que retruqueiz “Se ele é sempre bom e alegre para com a Sra.,
mamente 1m'portante que seja transmitida hoje no processo edu-
então é a Sra. que tem de mudar, nào ele. A Sm. diz que pode
cativo, e que dizz Nem tudo quanto e'fa'cil e' permitid0. Esta lei fazer com ele o que quiser, mas a questào nào é antes que a Sm.
como que foi posta fora de açào, não pela doutrina psicanalítica
faça com ele - e com as oulras pessoas com quem a Sra. enlra
da repressão, mas sim pela "abordagem sistêmica”, principal-
em contato - o que deveria fazer? O que importa nào é que a Sra.
mente na terapia familiar usuaL De acordo com ela, a vítima é
exija de si própria o melhor comportamento possível no relacio-
sempre tão culpada quanto o agente, ou melhor, não existem mais
namento e na convivêncía do matrimónio, em vez de exigir do
Vít1m'as mas apenas portadores de sintomas. Se uma criança na
seu marido um comportamento inferior, como p. ex. de fazer
escola nào se defende, ela mesma é culpada de os colegas a
ameaças7 É bem verdade que outro homem talvez já tivesse ido
maltratarem Se, além disso, ela ainda apresenta-se com o rosto
embora há muito lempo, mas o fato de o seu marido nâo ler feito
lastimavelmente contraído pelo medo, o que provoca o riso de isto não é necessaríamente um atcstado de fraqueza, pode ser
todos os colegas, ela como que está m'1plorando para ser maltra- também um ateslado de amor. Mas o seu componamento não é
tada. Tudo muito simples! A classe inteira é vista como sendo de fonna alguma um ateslado de fortaleza, é antes um aleslado
mais ou menos neurótica, e a criança desamparada que não sabe
de falta de amor...“
defender-se passa por ser o portador dos sintomas desta classe
neuro'tica. O que se esconde atrás disto é a mesma imagem "Ele teria que me amansar, me donlesticar". exclamou a
supersimpliñcada do homem com que já nos deparamos antes. mulher. “Não", respondi~lhe, “o encargo de a amansar e domes-
Quem flca com raiva, só tem que distribuir pancadas ou gñtos ticar está com a Sra. A Sra. é sua própria domadorzL Mas,
para libetíabse de sua raiva, quem é chamado para uma brinca- trabalhando em si própria, a Sra. pode crescer, evoluir para uma
deira. este maltrata os outros porque lhe dá na veneta. Por que mulher que ama, que é digna de um homem que, nào obstante
não o haveria de fazer? A mulher que vai passear no parque à tudo, conserva sua alegria e sua bondade". Minhas palavms
noite não tem que ficar surpresa se for violentada. E os pais que impressionaram bastante a mulher. pois no fundo do comção ela
satisfazem todos os desejos de seus ñlhos nào precisam admirar- sabia perfeitamente que as humilhaçokís que infligia ao seu
se quando forem explorados por eles sem misericórdia. Pergun- marido nào podiam ser simplesmentc descartadas com a fónnula
tem0-nos: este é um ponto de vista moralmenle aceíta'vel? Não primitiva: “A culpa é dele mesmo". Nem a culpa pessoaL nem o
é antes verdade que em cada situação precisamos responsabili- mérito pessoal de um homcm pode ser atribuído ao sistema de
zar-nos pelo que parte de no's, como maltratar as pessoas, violen- referência a que esle homem pertence.
tar, explorar, não obstante o fato de as circunstâncias facilitarem

249
248
Alia's, também as crianças sabem Tplomr suas limitaçoes“, marido ou tolerar a sua l'nñdeh'dade. e assim por d|'antc. Baixo.
e geralmente elas sabem muito bem o que podem faur com a na realidade, é aquele que não deixa ao outro nenhuma possibi-
vovo', p. ex., mas não com a mamãe ou com a professora. Mas lidade posilíva de escolha e depois chega até a invocar a escolha
elas não deviam permanecer neste estágio infamiL que também negativa do oulro pam justiñcar~se, dizendoz “O outro lambcm
um cachorro pode aprender quando bem treinado. Aos poucos brigou! ” ou “Ele nem se defcndcu!".
deviam evoluir para um estágio de maior amadurecimento, onde
não se on'entam pelo que lhcs traz recompensa ou castigo, mas Os meninos compreenderam estas explicaçoes", e a panir
pelo que é certo ou errado. Seria um estágio em que o que decide daí esforçaram-se por deixarem aos scus amigos e vizinhos
sobre suas açóes não é mais a reação que elas esperam do “melhores possibílidades de escolha”, mesmo quando havia
ambienle, mas sim uma consciência autônoma que analisa as discussões.
próprias ações sob o ponto de vista do senlido que elas possuem A culpa, portanto, ñca com o agressor, seja qual for a
reaçào, e o fato de a vítimn nào resislir ao agressor nào conslitui
26 Certa vez, ao dar uma orientação terapêutica a dois de maneira nenhuma uma dcsculpa para estc.
innãos por serem extremameme inclinados a brigarem, tentei Bem, até aqui a ênfase de minhas considcraçoes' sobre
fazer compreender este ponto de vista da seguinte formaz Pedi “como educar com sentido hojc" foi colocada no reforço da
às crianças que mencionassem duas atividades que os dois menos capacidade de amar da nova geraçáo, um rcforço que anda lado
gostassem de fazer. Espontaneamente eles mencionaram “fazer a lado com a superaçào dos polenciais agressivos e das tendén-
ditado" e “lavar prato". A seguir pergumei~lhes o que eles cias egoístas, e foi com boa razão que islo ocorreu. Nào sabemos
haveriam de pensar de mím se eu deixasse exatamente estas duas que tempos difíceis espcram por nossos ñlhos, mas tcmos cerre-
altemativas, e nenhuma outra, pam eles fazerem durante a tarde, za que os lempos que vém pela frente serào difíceis. Enonnes
isto é, se eles só pudessem escolher entre escrever ditado e lavar perigos para a humanidade imcira nctunulam-se no horizonle do
pratos. “Seria uma baixeza!", disseram a uma voz. “Estão ven- futuro e vêm se dirigindo lcnmneme ao nosso cnconLro. Nislo a
do", disse-lhes, “quando a gente deixa a uma pessoa a escolha generalizada falta de amor é um fator propulsor que náo pode ser
entre somente duas possibilídades negatívas, a gente está forçan- subestimado. Um comportamento cgoísla de consumo e uma
do esta pessoa a uma coisa que ela não quer, seja qual for a ação índiferença para com a natureza levaram a uma maciça agressão
por que ela se dec1'da. Quando vocesA provocam oulra críança, ao ambiente, com todas as suas conseqüências deVaStadoms para
esta criança também só tem a escolha enlre duas possibilidades a nalureza animal e vegetaL Tambem a nova doença da AIDS só
negativasz ou briga e apanha, embora nem esteja com vontade de pode difundir-se - não através do amor, por Inais que esteja
bn'gar, ou supom a sua provocação e corre covardemenle, dei- relacionada com o ato do amor - mas someme pela falta de mnor,
xando-se expulsarA Quer dizer, ou ele é bastante *mau' para pois quem verdadeiramente ama um parceiro jmnais o exporá a
responder á agressivídade de voces^ com agressividade, ou é um contágio monal unicamentc para obter pam si prolprio uns
bastante 'tolo' para acovardar-se diante de sua agressividade. momenlos de prazer. Aqui chegamos à encruzx'lhada, ao ponto
Mas, na realidade, ele nem queria ser 'mau', nem 'tolo', mas na de intersecção de tudo quanlo constitui o ser especíñco do
prática vocês nâo deram a ele uma terceira possibilidade, e é isto homem É a si que o amor procura, ou ao outro? O ser-homem
que faz com que qualquer agressão seja uma baixeza". visa a satisfação das próprias neccssidades, até ao pomposo
Também quando um país é atacado por outro ele não tem conceito da auto-rcalizaçào, ou o ser-homem visa um cstar-
oulra escolha senão guerrear ou se deixar ocupar; ou uma mulher oñentado para a plcnilude dc sentido e de valor no mundo, até
cujo mañdo a engana não tem outra escolha senão separar-se do ao conceito elemenmr da autotransccndência, cunhado por Vik-
tor Frankl? O que se busca aqui é o “auto-ideal" do homem. que

250 251
envolve mais do que pode ser revelado pela expressão “identi- ilusórios im.migos, ou jogamos lênis sem nunca havermos pega-
dade“. A identidade de uma pessoa, certamente, também não se do numa raquete. No mundo da música rock, por sua vez,
limita apenas á descrição das caraclerísticas inconfundíveis de mergulhamos num mundo de barulho que faz tudo e todos se
sua personalidade, mas refere-se ao mesmo tempo à sua tomada tomarem surd0s-mudos, abafando todo e qualquer quesliona-
mento real à vida; nem é a dança crialiva que importa, mas
de posição para com estas caracten'slicas, porém o “auto-ideal”
diz, além disso, como a pessoa compreende seu ser-homem apenas o não-ter-que-pensar, o nào-ter-que-responder. o poder-
especlñcoz como ser-ímpulsionado ou como ser-responsável, submergir no nirvana do barulho. Esta sensação de estar fora de
como ser que faz exigências, ou como ser colocado diante de tudo ainda pode ser vivida com mais intensidade no mundo da
tarefas, como um ser em busca de prazer ou um ser em lutz por droga: basta uma pitada de pó ou uma picadinha, para ñcar-se
um sentido, como um serjogado à existência pelo simples acaso flutuando acima do mundo, subtraindo-se à necessidade de re-
ou como uma ocasíào de panicipar na modelação de um - se bem alizar-se na vida, num mundo com ilusóes de ser "o" mundo.
que impenetrável - plano divino. Nesta modalídade de satisfação, ou melhor, de “apaziguar-
Hoje nos deparamos com uma doença de um tipo especial. se" com o sun'u1ado e o náo-autêntíco, o Eu é apenas um Eu que
Doença talvez ainda mais contagiosa e mortal que a AIDS, a contempla e presencia, mas não mais um Eu que inKerfere e
saberz a doença da negaçâo da vida Freqüentemente ela mani- participa. Sobrevindo, então, a confrontaçào com o autêntico,
festa-se por uma fuga para o mundo da simulação. Simulação, é que exige decísão e ação, revela-se toda a pobreza e miséria de
claro, não é necessariamente algo que se oponha à vida ou ao uma existência esvaziada de sentido, a vida nào vivida cobra seu
sentido, poís quase todo programa de exercício no ensino utiliza tributo - não raro sob a forma do desespero e da autodestruiçàa
problemas simulados, em cujas soluções o estudante prepara-se Se quisermos preservar nossos jovens destas coisas. a educaçào
para o caso reaL como por exemplo o aprendiz de piloto no atual deverá basear-se não apenas num reforço da capacidadg de
amar, mas num reforço também de sua capacidade de sofrer . O
simulador de vôo. Até o brincar da criança pode, de certa
maneira, ser entendido como uma antecipaçào simulada da ex- homem capaz de sofrer não mergulha num mundo simulado
periência de vida do adulto, com os meios adequados à criança. “isento de sofrimentos“, mas quando se lhe depara uma dor, ele
Mas a negação da vida grassante em nossos dias, que certamente discute ativamente com ela, para na medida do possível eliminá-
vem acompanhada da perda de segurança metafísica, deslocando la do mundo da realidade, pore'm, mesmo que não o consiga.
fortemente o “auto-ideal" do homem modemo em direção a pelo menos ele discute passivamente com a dor, assumindo-a
coisas questiona'veis, induz a um outro emprego da simulaçãoz a com coragem e integrando-a no mund0, no mundo da realidade.
deixar-se levar para o inautêntico, para o sonho, para o que Mais que tudo, porém, ele não tem necessídade de fugir, pela
enfeitiça e entorpece, para onde não se tem mais problemas a negação, de uma vida de feilio mutável, quando até o sofrimento
resolver, seja porque os problemas nem chegam a manifestar-se, de feitio inevítável ele é capaz de aceilar; a capacidade de sofrer
ou porque aparentemente se resolvem por si mesmos. o toma invulnera'vel, ao mesmo tempo que disposto para intervir
onde for necessário.
Basta assistinnos aos ñlmes de TV e vídeo para mergu-
lharmos num mundo de fantasia, na pele do herói que vence todos O educador, é claro, não irá propositadamente provocar um
os in1m'igos, na alcova de jovens atraentes e sedutoras que não sofrimento para reforçar no educando a capacidade de resistir ao
se fnzem muito tempo de rogadas, divenirmomos com as hjsto'- sofnm'ento. Tanto o amor verdadeiro como o sofrimento infligi~
rías e apertos de ñguras imaginárias, num viver e morrer que está
bem longe de ser o nosso. No mundo dos jogos eletrônicos,
* Cf4 a nzspcito Viklor E. ankL Ãrzlllclle SeeLsorge, 10' aL Wicn, Dcuu'ckc.
também fazemos pomos que não existem, afundamos navios de l982, p, 110

252 253
até deixe de ter cabimento pensahse numa raiva que precisc ser
do pelo destino subtraem-se a toda iniciativa artiñcial; o homem
reprimida.
confronta-se com ambos, e neste confronto sua parte consiste em
retribuir a um e suportar o outro. Pore'm, a chance educativa de Mencioneí a perda da segurança metafísica pelo homem de
muitas pequenas ocorrências consiste em tIansmitir que sempre hoje. Devo acrescentar que é exalameme na linha divisóría emre
existem maneiras diferenles de se dispor do que o destino nos o amor e o sofrimento, na esfera das relaçoe's imerpessoais, que
traz. Quando, p. ex., uma criança perdeu uma bola que caiu por uma grande parte desta segurança pode ser reconquistada para
uma encosia elevada e inacessível, o educador não precisa de os nossos ñlhos. Pois, em cada momento deste incondicional
1m'ediato prometer-lhe uma bola maior e mais bonita para acal- estar-aí-um-para-o-oulro na diñculdade, eles sentem que não
mar a criança que chora, como em obediência ao lema de estão so's, mesmo quando tenhamos sido golpcados pelo deslina
evítar-lhe um trauma permanente. Ele também pode primeira- E por outro lado, em face de todo exemplo dc coragenL sào
mente elaborar com a criança uma tomada de atitude perante o levados a pressentir que, mesmo debaixo de um golpe do destino.
fato de a bola perdida não poder mais ser recuperada, atitude que ainda pode estar presente um sentido mais elevado, um semido
eventualmeme poderá servir de modelo para futuras perdas ainda que pode ultrapassar os limites da compreensão lmlnana, tam-
mais sén'as. Como por exemploz “Talvez a bola seja encontrada bém dos pais e educadores, mas que numa csfera supra-humann
noutro lugar por outra criança, que vai ñcar contente por havê-la faz com que o inapreensivel possa ser aprecndida Se n educaçào
achado!“ ou: “Agora pelo menos eu sei o que vou pedir para o hoje for capaz de ainda transmitir isto, ela lerá sido bem sucedida.
meu aniversário'.“ ou ainda: “Tenho uma idéia: no sábado eu Por isso enfrentemos com coragem e amor a mrcfa da
ajudo meu pai nas compras. Aí ele certameme vai aumentar um educação, pois só Com coragem podemos educarpara a coragem
pouco a minha mesada e daqui a pouco eu posso comprar outra - também para a coragem de sofrer -, e só COIN amor podercmos
bola.” É ímportante, também, que este imervalo até o aniversário educarpara o amor - também para o amor à vida.
ou até ao sábado seja supomdo "sem bola", o que não parece ser
tâo difíciL mas pode servir de lembrele para nós adullos de como
enlramos em eslado de pânico quando estamos com o carro na
oñcina, ou temos que enfrentar um cuno período de desemprega
Além destes pequenos incidentes educativos, existe outra
possibilidade de elaborarmos a capacidade de sofrer, que ocorre
quando um membro da famílía - e com isso a família inteira - é
atingido por uma dor se'ria. Uma dor que precisa ser enfrentada
de forças unidas, mas cuja superação exige ao mesmo tempo a
união das forças de todos, a superação do que separa pelo que
une, daquilo que faz sofrer por aquilo que traz conforta Da
mesma forma como foi dito que muitas vezes só os escombros é
que permitem olhar o céu livremenle, assim também muitas
vezes é o que temos de enfrentar juntos que deixa livre o olhar
para o sentido do matrimónio e da patem1'dade. Com isso retor-
namos ao tema do amor, pomo de partida de toda educação, ao
“amor colocado à prova“ que, uma vez comprovado, faz com que

254 255
Sobre a arte de suportar mais facilmente as
coísas dificeis

(Pales!mfeim em junho de 1988. cm Salzburg, a convitc da


Associação Federal dos C 1'r('ulos dp Pais dv Jovcns Viciados
cm Drogas e Perrencenlcs a Grupos de Risro)

Os Irés Iíltimos capírulos dcsm livro sâo reproduções de trés


paleslms proferidas:
a) para um público Ieigo provado pelo sofrimenlo,
b) para um grupo de médicos inreressados
c) para um círculo de especialisms em logolcrapia
A fzm de mamer a vivacidade da palavra falada, elas sâo
apresemadas aqui na versâo original. Senhoras e Senhores!
A seqüéncia destas palestms prelende mosrrar ao Ieiror Peço pennissào pam duramc n próximn mcia horn fazennos
como e' ampla afaixa de grupos quc podem interessar-se - e ser em pensamenlo umu esculndn à mom;mh.'|, pnm o que nccossitm
atingidospela Logoterapia ' mos de uma mochilm Sabemos quc hojc vai fazer calolz quc os
caminhos monlanhosos sào íngrmnca c quc o peso quc carrcga~
mos às costas se fará sentir cacla vcz nmihz Mas talvez cnconlrc~
mos uma receita que nos pennilu carrcgar o pcso com facilid:1de.
Interroguemos um rdpinista expcrientm alguém quc já acompa-
nhou muitas almas encurvadas sob o peso de suas cargas indivi-
duais nas excursões pelas montmxhas da vidn. imerroguemos
Viktor E. FrankL se ele conhece uma tal rcccitm

Tenho certeza que se ele estivesse nqui cm nosso meio e


._J.,

pudéssemos perguntar-lhe como se pode tomar levc uma mochi~


la pesada, ele logo observaria quc o mais impommtc e 0 cssencial
não é que a mochila soja leve, mas sim que cln comcnha o que e'
necessário. Pois de que adianm a mochiln maís levc. sc lzi em
-. _. - .M-“

cima na montanha vier a fnltar o quc é ncccssário para prosse-


_.._

guinnos na caminhada? Com o quc acabnmos de aprender a


f---.
7_

256 257
primeira lição, que diz respeito à arrumação da mochila. Que é vive morrendo de medo de adoecer de câncer, e depois vem a
que haveremos de levar conosco? Coísas necessárias ou coisas morrer de uma simples pneumonía; desla forma, os 20 anos que
supérfluas? O que iremos levar, e o que deixaremos para tra's? antecederam a doença fatal foram vividos com o mesmo toque
de fatalidade, não fazendo a mínima diferença se elc vcio a
Demos uma olhada para dentro da nossa mochila, cada qual
morrer de câncer ou de pneumonia. O medo de um desastre que
para a sua. Mexamos um pouco: que é que nossas mãos encon- nos ameaça, em vez de m'1pedir o desastre, pode até fazer com
tram lá dentro? Preocupaçoes'? Sim, é verdade, cada um de nos' que ele ocorra com mais facilidade. Um medo permancnte pode
leva preocupaçoes' na sua mochila. Estas preocupaçoes' são ne-
tomar-se um fator de doenças psíquicas ou físicas, ou lcvar a
cessárias, ou podemos antes da subida retira'-las do nosso saco?
reaçoes' falhas em momentos em que é muito un'portanle que
Sobre isto posso dar-lhes uma dica bem simplesz contem as
tenhamos uma reação reñetida e razoáveL
preocupações na sua mochila, depois contem quanto amor exíste
em sua mochíla, e se as duas quantídades forem iguais, conser- Mas como podemos pôr tenno ao medo, como vocé pode
vem tudo lá dentro, do jeito como esta'. Pois todo amor signiñca retirar aquela pedra de sua mochila? Aqui só existe uma receila,
uma preocupação pelo amado, logo toda preocupação dirigida a que mais uma vez devemos ao nosso “guia de alpinismo" Viktor
uma coisa ou a uma pessoa amada é necessária; e se no fundo de E. Franklz Faça-se invulnerável ao medo. Vocé se sente ameaça-
nosso coração não ñcássemos preocupados, aquela coisa ou do pelo medo de alguma coisa? Bem, vamos ver se a ameaça se
aquela pessoa nos seria índíferente, ela não sería verdadeiramen- toma rcalidade. Que é que pode acontecer7 A vida humana de
te objeto de nosso amor. Mas uma mochila sem amor, caso fosse qualquer forma terá um ñm, nào lemos nenhum inñnilo a perder,
colocada na balança, seria achada "leve demais“ para uma via- nossos parentes também nào. Mas talvez tenhamos algo a ganhar
gem aos cumes da existência humana. pela maneira como modelamos a nossa ñnitude. A pessoa acima
mencionada, que tinha medo de morrcr de cânccr, de qualquer
Porem, se ao contar suas preocupaçóes os senhores tiverem
maneira veio a morrer, se nào de câncer, pelo menos de pneumo-
que conslatar que elas ultrapassam a quantidade de amor que se
nia. Mas ela perdeu algo mais que merece ser lamentadoz perdeu
encontra em sua mochila, faz-se necessário um novo exame. Pois
as oportunidades de sua vida que poderiam ter sido preenchidas
nesse caso há preocupações demais em sua mochila, entre elas
com algo melhor do que angustiadas visoe~s do futuro - e tudo o
preocupaçóes inu'teis, que haveriam de tomar os seus passos
que foi perdído foi perdido por um tempo igualmente inñnito,
desnecessañamente difíceis. São aquelas preocupaçoe's produzi-
como tudo o que foi utilizado e preenchido foi usado e preenchi~
das não pelo amor a alguma coisa, mas pelo medo de alguma
do para um tempo infmitamente longo, isto e', de uma vez para
coisa. O medo é como carregar uma pedra pesada sobre as costas,
sempre.
com ele você não vai longe. E enquanto a preocupação por uma
pessoa amada nos faz bastante criativos, o medo é uma força Tiremos, por isso, toda a força de ameaça ao nosso medo,
contraproducente, que atrasa e paralisa. declarando-nos de acordo com o pior que possa acontecer - para
a seguir nos empenhamlos em tirar o máximo panido do que
Como todos sabem, exislem na vida problemas “amedron-
realmente acontecerál
Ladores", como graves doenças na própria pessoa ou em parenles
próximos, ou crises ñnanceiras e económicas, ou toda espécie de Havendo então examinado o conteúdo de sua mochilm e
contato com o crime e a violência. Mas o medo de uma desgraça havendo estabelecido o equilíbrio entre a preocupação e o amor,
não impede que a desgraça aconteça, ele apenas projeta uma o que signiñca que vocé colocou Iá dentro todos os seus bons
sombra sobre o período de tempo que antecede, venha a desgraça desejos, esperanças, bênçàos, sua disposição e alegria de trabalho
a ocorrer ou não. Pela psicoterapia conhecemos em inúmeras para o que lhe é importante, mas retirou um possível medo de
variantes a história característica de alguém que durante 20 anos eventuais sustos no futuro, emão providencie ainda outra impor-

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tante provisão para a viagemz uma boa dose de humor, sobre o por causa do serviço de ñm de semana, ou por causa do trabalho
qual Viktor E. FrankL aludindo a Heidegger e Binswanger, em tumos do marido. Aí a mulher som'u e respondeu que ela e o
escreve que ele merecia “ser *chamado um valor existenciaL marido, por coma disto, felizmente nào haviam tido tempo para
como a preocupaçao e o amor" . brigar; os dias que haviam passado juntos sempre haviam sido
Nos úllimos tempos a psicoterapia redescobñu a força “dias de lua-de-mel". e logo que se aproximavam os dias cinzen-
curativa do humor, mas ainda não se vê bastante toda a força que tos da rotina, ele linha que viajar. Para uma mulher que por assim
ele possui como viático também para a vida normaL isto e', antes dizer cdou sozinha seus três ñlhos, este é um pomo de vista que
que se chegue a um eslado de inaníção que exija um revigora- merece respeito; por trás do seu sorriso ocultnva~se uma coisa
mento psicoterápica Não existe deñníção mais sábia do humor extremamente séria: a vontadc de pcnnalwcerjumos
que a da sabedoria popular: Humor é quando, apesar de tudo, a “Pennanecerjuntos" é uma senha imponante Pois, depois
gente acha graça. E é exalamente deste "apesar de tudo" que que arrumamos as nossns mochilas com muito amor, com uma
precisamos em nossa mochila. quando vier a escalada de verda- igual quanlidade de cuidados, sem medo e com uma boa dose de
de. Quando nossos pes' tropeçarem nas pedras añadas, quando humor, queremos panir em pensamemo e ir em busca daqueles
os íngremes obstáculos à nossa frente parecerem-nos insupera'- trechos do nosso caminho que sáo especialmeme aptos a fazerem
veis e o abismo ao nosso lado veniginoso e profundo - esla é a correr o suor dos caminhantes terrestres. Consideremo-los em
hora, nâo de um “apesar de tudo“ tn'stonho e cñspado que nos nossa un'aginação como “trechos de prova", onde se mostrará se
faça cair derrotados e feridos, mas de um “apesar de tudo" o peso que carregamos às costas nos forçará a dobrar os joelhos,
risonho e joviaL que nos faça perceber, animados, que mesmo ou se, pelo contra'n'o, talvez até nos enrijeçn e fonaleça as pemas.
os obstáculos têm seus pontos de apoio e os abismos suas Façamos uma “marcha de resistência", para aprendemws como
reentrâncias, e que por cima de tudo brilha o sol que faz luzirem se carrega com facilidade coisas pcsadas.
as pedras añadas sobre o nosso caminho para que seja mais leve
Com esta fmalidadtx enquanto pnsso a passo nos aproxima-
o esforço da escalada. Humor é quando interiormente somos
mos de nossos “trechos de prova", queremos explicnr algumas
capazes de desviar nossa atençào daquele pequenino caminhante
°°regras do alpinista" criadas para o caso de emcrgência, das quais
sobre a monlanha gigamesca, que somos nós mesmos, quando
a primeira diz: Pernmnecerjuntos. Esla regra é pcnsada primor-
podemos tomar distância de nós e de nossos problemas do
dialmente para a famí1ia, mas ela pode ser cstcndida aos amigos.
momento. e de longe, sorrindo e chorando ao mesmo tempo,
conhecidos, etc. Nos casos de emergêncim quando estamos em
podemos olhar para a pequenina ñgura que Iuta bravamente, às
presença de uma situaçào dramática da vida, a ordem do momen-
vezes andando na direção errada, às vezes mnrcando passo, mas
to é que os atingidos assistam-se uns aos oulros, e náo que se
que no lodo segue em frente no camínho que é o seu.
combatam muluamente e desta forma armnquem das màos uns
Isto traz~me à lembrança uma paciente cujo marido, por dos outros as annas de que necessitam contra o inimigo comum.
causa de seu trabalho profissionaL só podia estar em casa com a Isto também costuma ser compreendido pela maioria das pes-
familía uns poucos dias por mês, e isto durante anos a ño. Uma soas, não é em vão que se diz que o inimigo comum fnz a gente
vez eu disse na entrevista a esta mulher que me admirava que se unir. Mas existe uma armadilha que faz cair as nclhores
apesar deste obstáculo o seu casamento tivesse resistido tâo bem, intençóes, são as acusaçóes, as atribuiçoe~s mútuas de culpa.
pois conheço muitos casamentos que fracassaram unicamente
Sempre que ocorre uma emergência a genle se interroga
como foi que ela pôde ocorrer. A pergunta é fácil de ser feim,
* Vilüor FrankL Thmrie und Thempiv der Neurosen, 5'- cd.. Mímchcm mas cuidado com a resposta, que ela é difícil. Milhares de
RcmhnrdL l)'83, p. l62.
pequenas casualidades deram sua contribuiçào. Iongos antece-

260 261
demes projelam extensas sombras, o ambiente social é um fator seja “empurrada” por ninguém Ninguém pode convenccr mn'-
quase imponderáveL e além do mais existe ainda a liberdade guém de ter ou nâo ter culpa verdadeira. é esla minha cxpcxiéncim
pessoal de cada um, dentro da qual são tomadas as decisoe's, sem a culpa verdadeira situa-se no terreno da consciéncia do homem
que se possa eslabelecer uma relaçào causal com nenhuma causa que a comraiu. Porém, a verdadcira culpa sempre só existe ondc
determinada, pois do contrário elas nâo señam mais decisoe's houve também verdadeira ll'berdadc. e no tocanle às açoes' d1s.
livres. outras pessoas nós nào lemos liberdadtn ncm mesmo nós pais no
que se refere às açoks de nossos ñlhos.
Quando, por exemplo, uma pessoa da família comete suí-
cídio, o que constitui um dos mais trágicos golpes do destino, é Por isso, sejn o que for que aconteça, o mais importante é
absolutamente impossíveL do ponlo de vista cientiñco e humano, nos unirmos e pemmnecennos unidos na necessidade. rcnunciar-

f
veriñcar por que isto aconteceu. Naturalmente haveremos de mos a acusaçoe's mu'tuas, e em lugar disso antes nos apoiarmos
fazer mil conjeturas. naluralmente, numa análise superñciaL mutuamente, pois, quando eslamos unidos. a cargn loma-se mais
! encontraremos dúzias de razóes para o ato, mas, senhoras e leve. E nào se esqueçam de uma coisa: cnda um suporta a dor á
-J_

g
senhores, cada um de nós que aquí se encontra terá um motivo, sua maneira. Se alguém exlerionncntc parcce nâo “se tocar",
! se não vários, para dar cabo da existência, cada um de nós carrega interiomlente pode ser outm coisn bem difcmntc, a dor possui
suñcientes preocupaçóes em sua mochila para poder añrmar de muitos rostos. Cena vez, uma mulhcr que havia perdido o ñlho
imediato que não tem mais vontade dc prosseguir na caminhada, um ano antes contou-mc chcia de mnarguru que scu marido nào
.--:

que prefere entregar os pontos deñnilivamente. Pore'm, não o tinha o menor amor pclo ñlho, o que se comprovava entre outras
àm
v

fazemos porque levamos também bastante amor em nossa baga~ coisas pelo falo de que elo nem visimm o lúmulo do ñlho. IS
-

gem, amor à vida e aos seus desaños. Qual o motivo por que dias depois tive oportunidade de convcrs.'1r com o marido. Qu:m-
alguém perdeu o amor que levava em sua bagagem, nós nào o do falamos sobre o seu ñlho, cle conñoumw emre soluços que
sabemos, mas com toda certeza nào foi apenas por as suas até hoje ainda nâo suportava ver o túmulo do ñlho, lamo fora
preocupaçóes serem tão grandes. No caso do suicídio, muita atingido pela sua perda.
coisa pode contribuir, a lendéncia depressiva de uma pessoa ou A dor, como foi dito, possui muitos rostosA E se você
alguma disposiçáo doentia, uma Circunstância extcma afliliva de pretende mitigar a dor, não pode acresccntar novas censuras.
sua vida, um deSCngano em suas relaçóes pessoais, uma falta de ainda mais que corrcmos um gmndc risco por nâo tcnnos condi-
conflança e muita coisa mais, mas a última decisão náo é mais ções de abranger a cxlensáo das censuras jusIfíicadas. Mas
para ser inquirl'da, ela é uma decisào própria e radical desta quando, ao invés, você procura mitignr a dor trnnsnútindo con-
pessoa, uma decisào inteiramente pessoaL que nâo podemos solo, também a sua dor é mitigmin. e o peso a suportar lomn-se
esclarecer nem explicar, mas apenas respeitar. mais levc para todos os envolvidos
Quando, pois, um Ial golpe do destino atinge uma família, Pelo que é acrescentada nqui mais uma “rcgm dc nlpinis-
carece de todo cabimento quando os outros membros da família mo". Ela dizz Resolvcr os coanitos por meio de doliberaçõex
ñcam a fazer acusaçóes mútuas de que este ou aquele teria Pela psicoterapia sabemos que os conflitos nào dcvem ñcar
impelido o outro à mox1e, ou que esta ou aquela teria sido a razão ardendo sob as cinzas, sem sercm extcmados. Na logotempia dc
do seu desespero. Culpas existem na vida humana, em qualquer FrankL porém, tral.'1-se menos de rcsolver conflilos. ou das assim
vida humana, isto ninguém pode conlestar, porém ninguém é chamadas “tempeslades que puriñcam o ar", as quais. no enumto,
culpado pelas lívres decisões do outr0, mas apenas culpado pelas em geral não se Iimitmn apenas a puriñcar, mas onde às vezes
próprias decisoe*s erradas, e no tocante a estas culpas cada um também muito raio atinge um alvo; tram-so antes de chcgar a uma
tem que haver-se consigo mesmo, não é preciso que a culpa lhe decisão que tenha sentido. que possa de imedialo dar por enccr-

262 263
rada a questão, ao menos temporariamenta Pode ser uma decisão Trabalho Trabalho
lomada em comum ou uma decisão unilateraL quando a decisão
comum nào for possíveL Se p. ex. o conñito consiste em alguém
Íj ,/ D
se sentir perturbado pelo rádio do vizinho, pode-se chegar a uma Dccisâo
decísão de comum acordo com ele, por exemplo de que durante Conñito O'\/\/\/\/_' "plano dc
o dia a música normalmente poderá ser tolerada, mas que em caminhnda"
retribuição ele se prontiñcará a usar fones de ouvido durante a D Lj/
noite. Ou - se não houver jeito de conversar com o vizinho - ser Colega Colega
tomada uma decisão unilateraL como a de isolar contra o som a
parede do lado dele. Qualquer uma das coisas é melhor que
suportar permanentemente a mu'sica, ou viver etemamente a No connilo nào se presta alenção Com auxílio dc uma dccisáo.
plena a nenhuma das coisas. decidimo-nos pn'meiro por uma,
brigar com o vizinho.
pensa~se em ambas e fica-se sem depois por oulm. e assim sc faz
Uma decisão interior lambém pode atenuar um conflito decisào emre uma e outra. justiça as' dua.s.

quando consegue transformar duas exigências sxm'ultâneas numa


seqüência, uma depoís da outra, 0 que muilas vezes na vida pode
Uma decisão desle tipo, entretanto, cxige que o assumo de
tersentido. Um dos meus paciemes observou cena vez, enquanto
uma preocupação ñque “congelado“ por ceno tempo, até que
trabalhava no tomo e tinha que concentrar-se no funcionamemo
chegue o momento certo para que nos ocupemos com ele. É como
da máquina, que um dos seus colegas estava visivelmente depri-
um “plano de caminhadf de um assunto a outro. Feliz daquele
mido. O paciente, por um lado, tinha vontade de perguntar o que
que sabe projetar tais plzmos de caminhadm que o ajudarão nas
estava havendo com o seu colega, mas por outro lado não queria
situaçoes' estressantes da vida, ondc também quase sempre se tem
negligenciar o trabalho, e com isso ele flcou interiormentejogado
que resolver uma coisa depois da outra, se quisennos ter sucesso
de tal forma para um lado e para outro, que ñcou distraído e a
máquina lhe pegou um dedo. O que teve como conseqüêncía que, numa empreítada difíciL
no ñnaL aquele colega deprimido teve que socorrê-lo, em vez de Aplicado ao caso especial do sofrimento dos pais dc ñlhos
4

ser socorrido por ele. que se tomaram neuróticos, viciados cm drogas, sem inicialiva
de trabalho ou delínqüentes, signiñcaz Nâo apcnas se manlenhmn
Quando mais tarde, duranle a lerapia, reanalisamos a cena,
_<_;._A;-

unídos, mas também lomem em cada caso a resoluçào - se


mostrei ao pacíente a solução ideal para este tipo de situação
posslvel em comum, do contrário cada um por si - do que vâo
confl1'tiva, e que consiste em chegar-se a uma decisào interior, p.
.Á_._-

fazer e do que não irâo fazor em dctenninado momenta lsto


ex. a decisão de primeiro terminar o trabalho calmamente, e em
símpliñca a comunicação com o filho-problcma e dá, a ele e a
segu1'da, no intervalo do café, perguntar ao colega pelo que o está
voces^, uma linha clara de açào. Em cada caso reflitnm bem sobre
afliginda Com isto, a preocupação pelo outro pode provisoria-
a sua resoluçào, pois os Senhores são responsáveis por ela e por
mente ser deixada de lado, o que nos possibilita concentrar-nos
sua qualidadc moral, e não pela reaçâo do seu ñlho-problcma;
plenamente no trabalho, para mais tarde, num momenlo oportu-
esta permanece Im esfera da rcsponsabilidade dele.
. rm›«%~

no, passar a uma plena concentração no problema do colega.


Por falarmos em “reaçào“, já estamos chegando a outra
"regra de alpinism0" que eu nào desejaria que os Senhores
deixassem de conhecer. Ela dizz Nâo descarregar a raiva sobre
a pessoa ermdal Convido-os a uma pequena pausa em nossa

264 265
escalada, a ñm de que possamos perceber melhor o sentido desta sico de tal forma que uma u'lcera gastrica ainda pode ser costi-
terceira regra, tipicamente logoterápica. Tudo quanto na vida derada uma conseqüéncia suave. LsHe é o motivo pelo qual
provoca dor, seja dor psíquica ou físíca, de alguma maneira psicólogos e médicos às vezes volmm a aconselhar a primeira
também ocasiona raiva. Ninguém permanece de bom humor altemativa. porém desviando a agressividade contra “objetos
quando alguma coisa o magoa - o “faz doente“, no mais verda- inofensivos”. Eles querem dizer que, em lugar do cachorro e da
deiro sentido da palavra. Que fazer então com a raiva e o mau mulher. também serve uma almofada jogada contra a parede. E
humor? Bem, talvez exista alguém por perto sobre quem possa- isto mais uma vez erradamente, pois a rígor lambém a almofada
mos ab-reagir, em geral os membros da família cstào bastante é o destinatário errado da raiva. e ninguém irá me dizer que uma
próximos para servirem de alvo ao nosso excesso de raiva. Mas humilhação sofrida venha realmenle a desapareccr do mundo
ao nível do ser humano isto é não apenas eticameme questioná- através de uma balalha de travesseiros.
vel, como também não traz nenhum alívio reaL pelo conlra'rio, Na visào da logolempia faz-se necessário algo diferenlez as
faz com que o que é dífícil se tome mais difícil ainda. Pois a dor agressóes não podem ser dirigidas contra alvos errados, nem
que é passada adiante aumenta a dor do mundo, e todo aumento contra o ambiente fisico e sociaL que não tcm culpa. nem contra
de dor reflui para o seu ca usador, se não de imediato, pelo menos a própria pessoa, que da mesma forma pode ser inocente do
mais adianta sofrimento ocom'do. Nào, elas devem dcsaparecer e dissolver›se
Um tigre, no circo, que está com dor de dente e que por isso numa discussào mental com o causador do sofrimento em pessoa.
morde o domador, o qual evidentemente não tem culpa da dor se existir, ou com o sofrimento como destino que atingiu alguém,
de dente do tigre, não pode compreender que o que ele faz é e que precisa ou ser modiñcado através da açào ou ass*umido com
moralmente questionáveL Ele age cegamente, impulsionado pela coragem, conforme exista ou nào exista a possibilidade de ser
dor. Um homem, porém, que volta para casa humilhado pelo modificado. Também a este respeito posso contar um exemplo
superior, e que logo na porta dá um pontapé no cachorro e grita ilustrativo.
com a mulher na sala, compreende que o que ele está fazendo é O comissário de um nnvio tinha por obrigação servir a
eticamente questionáveL e portanto deve assumir a responsabi- comida à t'n'pulaçâo. Um dia, quando ele estava servindo, o 19
lidade pelo que faz. Ele não pode, como o tigre, justiñcar-se com oñcial zangou-se por causa de um pedaço de came em seu prato
os “instintos cegos", pois em virtude de sua qualidade de ser que não estava bem assado, embora repetidamente ele tivesse
humano ele é alguém “que vê”, e o que ele vê é que o seu dito na cozínha como é que desejava que fossem prepamdos os
comportamento não está correto. A humilhação sofn'da por parte seus bifes. O l“- oficial ñcou de tal forma zangado que enfure-
do seu superior pode ser para ele difícil de suportar, mas o ceu-se e atirou o prato, com todo o seu conleúdo, em cimn do
cachorro e a mulher nada têm a ver com isso, e se ele lhes inflige comissário que estava deixando a sala. A cste nào restou outm
sofrimento só porque ele próprio recebeu sofrimento, a dor se altemativa a nào ser, rangendo os dentes, varrer os cacos e os
potencíaliza ao inves' de atenuar-se - também a sua dor, pois esta restos de comida e relirar os pingos de molho de seu casaca
aumenta com a culpa. Depois que fez isso, ele voltou melindrndo para o seu camarote
Qual poderia ser a altemativa - não para o tigre, mas para e embebedou-se. Por infelicidnde foi encontrado em estado de
o homem do nosso exemplo7 Ele pode voltar para casa, poupar embriaguez e submetido a um processo disciplinar, que por um
mulher e cachorro, e “engolir” sua raiva, como se diz. Os triz não lhe custou o empreg0.
psicólogos e médicos não são muito a favor desta altemativa, e Procuremos ver o que funcionou errado nesta lústo'ria. onde
com razão. Pois a partir de certa intensidade a raiva reprimida é que cada ator tropeçou em seu caminha O l“- oñcial cnr:u've-
não pode mais ser digerida e sobrecarrega o organismo psicofí- ceu-se por causa de sua came mal assada, e tinha boas razoe's

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para isso. Mas ao inves de falar com o cozinheiro, que era o âmbito de um diálogo mental com ele, não havendo outm possi-
causador de sua raiva, e pedir-lhe explicaçoe"s, ele voltou sua b1'lidade.
raiva contra um mocente, o comissa'n'o, que nem sequer era Mas cuidado com a transferéncia - ela é uma pedra de
encarregado de assar a came - ele descarregou sua raiva contra tropeço, culpada no mínimo pela memde de todo sofn'memo
a pessoa errada e com isso provocou uma nova raiva no mundo. desnecessário! O início de tudo pode ser. por exemplo. o fato de
Pois por sua vez o comissário lambem ficou enfurecido, igual- a im1ã mais velha toda a vida ter raiva da sua imlã mais nova.
mente com boas razo'es. Porém mais uma vez nào se soube lidar Por quê'? Porque quando criança ela sempre tcve que tomar conta
de forma sensata com esta raiva, mais uma vez ela foi dirigida da mais nova. Mas a innâ mais nova nada tcm a ver com o fato
contra a pessoa errada. Ao invés de numa hora de calma, depois de a mais velha ter sido obrigada a cuidar dela, isso foí ordenado
que a raiva houvesse passado, ele conversar com o l°- oñcial e pela mãe. Logo, é com a sua mãe que a irmã mais vclha tem que
dizer-lhe que nào é correto castigar o pessoal de servíço por discutir sobre isso, se foi cerlo ou errado ela ter que fazer tantas
aquilo de que eíe nào é responsáveL e com isso oferecer ao l°- vezes o serviço de babá, qunis foram os motivos, etc., em lugar
oñcial uma cnance de desculpar›se, com o que a questão podia de ñcar com raiva da innà mais nova. E pode temlínar como foi
ser dada por encerrada, o comissário embríagou-se, ou seja, apresentado num célebre ñlmc com Heinz Ru"hmann, onde um
também ele dirigiu sua raiva contra um inocemez conlra ele homem psiquícamente atonnentado e subjugado por sua mulher
pro'prio. passa a matar meninas pequenas com uma lâmina, para vingar-se
Aprendamos daí que todo npo de “transferência" é moral- do sexo feminino como um todo. Esm é a cstação ñnal quando
meme questionàveL além de ser multiplicador de infelicidade, embarcamos nos trilhos da transferêncm Ali.'is, nté mesmo uma
pelo que, em logoterapia, rejeitamos frontalmeme o princípio da transferéncia positiva deixa um travo amargq como qunndo um
“transferéncia". Somos afavor do encomro enrre pessoas, mas homem só gosla de sua segunda mulher e so' casa com ela por ela
contra a Iransferéncia de pessoa para pessoa, mesmo que a ser parecida com a primeira, transfcrindo para ela todo 0 afeto à
psicanálise gosme de serv1'r-se do princípio da "transferência" e sua primeira mulher. A pessoa humana quer ser amada por causa
da “contralransferéncia”. Até mesmo na sessão da terapia não de si mesma. E o homem deve ser interpelado por causa de seu
queremos que o pacieme transfira para o terapeuta seus senti- próprio componamento falho - tudo mais sào erros e descamll
mentos para com o pai ou com a màe, pois o terapeuta nâo e' o nhos dos sentimentos, que não resistem ao crivo de uma análise
seu pai, e a terapeula nâo e' a sua màe. Evidentememe estamos raciunaL
sempre pronlos e disposlos a ajudar o paciente a esclarecer os
Com esta séria advenéncia proponho encerrannos nossa
seus sentimemos, principalmente a que chegue à atitude ideal pequena pausa e tomarmos novmnenle nossas sacolas, agora
para com seus pais, mas alem disso queremos educa'-lo a reco- descarregadas de todas as tendências erróneas de transferência,
nhecer cada pessoa como u'nica e peculiar, e nào abusar dela
partindo em direção ao úllimo trecho do cmninhq rumo no nosso
secretamente por estar representando outra pessoa.
“trecho de prova". Enquanto isso aprcsso-me por apresemar a
Ponamo, no caso de um agravo ou de uma raiva, discuta quarta e úIlima "regra de alpinismo" que ainda gostaria de
com a pessoa que lhe causou o agravo ou a raiva Isto não mencionar, porque ela faz partc do equipmncnto básico para o
signiñca que vocé lenha que colocar-se no mesmo nível e "res- que ainda Lemos pela frente. Ela dizz Preservar 0 nível culrural
ponder à altura", a discussão também pode assumir um colorido da própria vida!
de amizade e de perdâo, mas ela deve ocomer entre aquele que É claro que sempre é bom mantemlos um detenninado
sofreu e aquele que provocou o sofrimento, mesmo que seja no
nivel culturaL Isto estimula, traz inspiraçào, tira-nos da rotina,
impede a inércia e o entorpecimento inlerior. Aquele que vez por

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outm pega de um bom livro, escuta uma bela mus'ica, mas não mente é o caso, procure náo ser apenas um espectador, procurc
apenas de passagem e sim com real atenção e concemração, olhar também alivamente, descobrindo o que, apesar de tudo,
aquele que por puro prazer decora uma pequena poesia, costura ainda existe de alegre e de construtivo. Tive conhecimcnlo de
um bonito vestido, que vez por outra empreende uma caminhada um homem que tinha o pulmão quase inteiramentc destruído. e
ou visita uma exposição, este está fomecendo alimento à sua que durame 14 meses permaneceu na casa de saúde num pulmáo
alma e abñndo seu coração para os grandes e pequenos reflexos artiñciaL em plena consciência, antes de morrer. Sua mulhcr
luminosos da vida. Isto sempre é bom, mas é particularmente visitava-o diariamente, e durante aqueles 14 meses eles tiveram
importame em épocas de diñculdade, a saber, quando todos os conversas mais profundas e íntimas que em todos os anos anle-
reñexos parecem extinguir-se, quando toda a vida se obscurece. riores de casamento. Considerando este caso, lemos um exemplo
Nestes momentos, como não é difícil compreender, nada há que que esclarece a diferença entre o simples “presenciar“ e o “saber
nos consiga trazer alegria, nem a melhor leitura nem a música olhar" panicipativa Ninguém podia mais fazer qualqucr coisa
mais comovente; o veslido mais elegante ou o passeio mais por aquele homem com os pulmoe”s doentes, nem mesmo as mais
repousante não conseguem levantar nosso ânimo. Quando che- elaboradas técnicas da medicina. Não restava senào acompanhar
gar este momento, é Iecomendável que, apesar de tudo, nào o seu lento deñnhamento. Esta é mna parte da vcrdade. Mas
deixemos cair ínleiramente o nosso nível culturaL Pois a cultura Olhemos mais uma vez com mais precisã0, e descobñremos uma
não é apenas um objeto de nosso prazer, ela é expressão de nosso outra verdade: uma pessoa mortalmente enfenna - e uma pessoa
ser-homem e de nossa dignidade de seres humanos, e assim é um que a ama, que estava ao seu lado, que nào a abandonou mas
bem inalienáveL que deve ser salvo também nas épocas de dedicou-se a ela, sempre e sempre. Em compamção com tantas
diñculdade. pessoas na terra que podem respirar11'vremente, mas que náo tém
nínguém que esteja ao lado delas, nào em cslc moribundo uma
Nâo se deixe seduzir por uma “mentalidade do tudo ou
pessoa rica? Olhemos para 0 que eslá a¡, e scmprc de novo nos
nada“! Se um membro de sua família estiver doente, isto nào é
admiraremos de quanta coisa exisrc em termos de graça, mesmo
motivo para desleixar a sua casa, para deixar de pentear-se, de em face de um destino cruel!
colocar vasos com Hores na janela, ou para não escutar mais
nenhum programa interessante de ra'dio. Pelo contrário, de nada E mais uma coisaz cultívemos a arte dc nos alegrannos
adíantam ao doeme as ruínas de sua vida culturaL elas apenas o juntamente com outras pessoas. Isto é verdadeirmnente uma ane,
sobrecarregam com mais desconforto. Mesmo que vocé próprio poís a inveja anda à esprcíta, mas quem aprendc esta anc possui
esteja doente, isto está longe de ser um motivo para recolher-se incomparavelmente mais ocasióes de alegria que todas ns outras
à sua torre de marñm e desligar-se de tudo quanlo ocorre ao seu pessoas. Constantemente pacientes conlam~me ocorrências do
redor; exatamente nestas horas é importante eslender antenas seguinte tipoz Uma mulher que cstuda rccebe a notícia de que a
espirituais em busca de encontrar o que ainda lhe é possíveL sobrinha concluiu o mestrado na faculdadc. Ela rompe em lágri-
Todo peso toma-se leve quando é carregado numa atmosfera mas. Por quê? Porque, ao contrário da sobrinha, ela ainda nâo
bem cuidada, com uma atitude digna, salvando e modelando de conseguiu concluir seus estudos Outro exemplo é o de uma
maneira consciente as possibilidades que ainda nos restam, que, mulher que foi enviada para fazer uma estaçào de cura e no hotel
apesar das sombras que as obscurecem, ainda continuam exis- encontra muitas senhoras que andam bem vestidas e elegantes.
tentes, ainda se encontram aí, ainda não foram perdidas. Por toda parte ela passa a distribuir observaçoe's mordazes e
ferinas sobre este “ridículo desñle de modas", como ela chama.
Se em muitas situaçóes desagradáveís você é forçado a
E por quê? Porque ela mesma não tem muila coisa de valor para
simplesmente “assistir" sem poder tomar nenhuma iniciativa em
mostrar.
contrário, como nos dias de doença muitas vezes desgastante-

270 271
De maneira alguma tenho intenção de supervalorizar o falo
de alguém haver concluído um curso de faculdade ou mesmo de
possuir jóias, ludo isso, como se sabe, é muito relativo, mas,
justamente por ser relativo, devíamos conseguir não demonstrar
inveja para com aqueles que gostam destas coisas, e junmmente
com eles tomarmos pane na sua alegria. Também os pais de O homem de alma doente e o remédio para
filhos-problema não deveriam alegrar-se somente quando os sua alma
fllhos dos outros mmbém ñzessem asneiras, mas ler a grandeza
interior de ficar alegres por existirem inúmerosjovens que ver-
dadeiramente dão alegria, pelo fato de que, em última análise, (Palestra proferida em junho de 1988, em chansburg, a
pode-se ter conñança no “núcleo bom" que existe dentro de cada convite do Corpo Docenre de Kuiwfnmíhler para o Forum de
pessoa, e que também as crianças problemáticas, ontem como Formaçâo Me'dica e Tcrapia Integral)
hoje, continuam a trazer dentro de si.Aquele que possui grandeza
inlerior nâo e' mesquinho, e também faz parte da cultura manter
a alegria no que é bom e amáveL tanto do que é nosso quanto do
'

que é dos outros.


.›«
ñ .,. W›~. u._

Senhoras e senhores, estamos chegando ao fím. Nossas


44~n~

sacolas estão arrumadas, cada um dos Senhores está provido de


L «..,

instruçoe°s para os casos de emergência. Por segurança escrevo


mais uma vez as regras mais 1m'ponantes do comportamento num
~'\.

canão que os Senhores poderão colocar no bolso de fora de sua Senhoras e Senhores!

sacolaz Aquela realidade misteriosa que dcsde muitos séculos e'


Ponto l: Permanecer unidos! denominada “a alma" do homem, e que Viktor E. FrankL scguin-
Ponto 2: Resolver os conflitos com deliberações! do a tradição ñlosóñca ocidemaL denomina "o espiritual" no
Ponto 32 Não descarregar a raiva sobre a pessoa errada! hom*em, não pode adoecer. Pois o que é espiritual é pura “_dvna-
,a~w«.~_4.v:-a“›_v

Ponto 4: Conservar o nível cultural da própria vida'. mis ” , é movimento, embora nào movimcnto no espnço c sim
.,

Agora cada um dos Senhores poderá pisar o difícil terreno mov1m'enlo no ser. E um movimcnlo nào pode adoecer. ele pode
que tem diante de si. Estou convencida de que as diñculdades apenas ocorrer na direçào errada, ou pode scr suslado ou impe-
que os esperam serão mais leves do que os Senhores pensam dido de realizar-se por uma doença do organismo, o qual deveria
Mas a facilidade que os espera fará com que seja difícil para os tomar possível sua realizaçàa
Senhores pensar alguma vez que não tenha valido a pena a Por exemplo, o amor a uma pcsson é um movímento em
escalada aos cumss da existência humana. direçáo a essa pessoa, um movimenlo interior. psiquico e cspiri~
tual, que na ansiada intimidade corporal dos dois amantes apcnas
encontra a sua concretização espaço-tempoml. Mas qunndo o
amor a uma pessoa deixa de existir, ou quando chega mesmo a

* Viklor Hanldg l)er leidende MeILYCÍL 2' cd,, Ban Hubcn l984. p 147

272 273
transfonnar-se em od'io, então a gente se afasta m°leriormente Se, portanto, falamos do homem psiquicamente enfermo,
desta pessoa, ás vezes a ponto de nem mais conhecê-la, não mais não podemos perder de visla o fato de que todos os noss06
enxerga'-la, não mais sentirmos quando a ofendemos, então, do esforços dirigem-se propriamente à sua pessoa, a qual náo está
ponto de vista psíquíco~espiritual, olhamos, por assim dizer, por doente, mesmo sofrendo sob as conseqüéncias de uma enfenni~
cima desta pessoa, como se ela nem sequer existisse. Ou a fé em dade psíquica, à pessoa, cuja liberdade espirilual dc movimenlos
Deus e' um movimenlo do imanente em direção ao transcendente está restringida por angústias e depn.*ssoe"s. por ncuroses e prin-
- não é em vão que se fala de “proximidade de Deus” ou cipalmente por psicoses, mas que em princípio e potencialmente
“afastamento de Deus“ com referência às pessoas crentes ou não é e permanece móvel, bastante móvel para realízar o seu ser-ho-
crentes. Também este movimento, evidentemente, é um ato mem mesmo no estar-doente. E quando falamos de um remed'io
psíquicoespiñtuaL que numa eventual presença ao culto divino para a alma doente, devemos da mesma forma esclarecer que,
apenas encontra o seu equivalente espaço-temporal. falando em imagens, com nossos remédios sun'plesmenle como
que tentamos aplainar aqui e ali, numa pesada porta de madeira,
Exatamente da mesma maneira o verdadeiro interesse por
uma coísa é um voltar-se mentalmeme para esta coisa, um querer buscando afastar pequenas írreguladdades que poderiam preju-
apreendê-la, um ocupar-se com ela, ou, ao invés, no caso da dicar o livre movimento da porta. mas que é o paciente quem
ausência do interesse, um distanciar-se dela, um abandona'-la, um detém em suas mãos a pequenina chave de ouro, e com ela o
voltar-se para outras coisas. poder espiritual de decidir se ele abre-se ou fecha-se à nossa
proposta de remédio, aos desaños de sua vida c à plenitude de
De maneira análoga, move-se o homem em direção a si sentido no mundo. Com isso, vez por oulra mmbém pode ocorrer
mesmo, o que supóe que ames ele tenha-se afastado de si mesmo que sejam fechadas ponas que sem qualquer problema poderiam
para, uma vez adquirida uma distância ontológica, poder movi- perfeitamente girar em seus gonzos - nào só o “homo parieus
mentar-se em direção a si. O homem é ao mesma tempo instância o homem enfermo e sofredor, deve moldar a enfennidade e o
valorizante e valorizada, e entre estas duas instâncias existe um sofrimento à sua maneira pessoaL tmnbém o "homo possidens
processo de realce de uma em relação à outra, e uma ação, o homem que possui saúde, felicidade e confono lem que admi-
baseada no realce, de uma sobre a outra. Quando alguém diz, por nistrar pessoalmente o que possui, e desla fonna pode chegar a
exemploz “Eu sofro muito com minhas depressóes", então as um ponto em que quase nada mais se move em direçào à
depressões são um acontecímento psíquico - e possivelmente realização do seu ser-homem. Donde há de tirar-se a conclusáo
também um acontecimento físico, caso ocorra ainda uma com- que o quadro da situaçào psíquica de um homem nunca pode ser
ponente endógena -, mas aquele que sofre sob suas depressões, esclarecido em categorias exclusivamcnte clinicas, mas que sem-
o Eu espiritual e pessoal desta pessoa, não está ele mesmo pre representa ao mesmo tempo o reflexo clínico de um aconte-
depressivo, não está doente, ele apenas sofre com os efeitos de cimenlo metaclínico, a saber, o acontecimento de quanlo ou de
uma doença, tendo que tomar posição em relação a esta doença. quão pouco sentido um homem atribui à sua vida, a suas perdas
Por isso, pode acontecer que um paciente digaz “Sofro tanto com como às suas posses.
minhas depressoes", mas não me deixo vencer por elas!”, ao passo
que outro diz: “Sofro tanto com minhas depressões que preñro Ao lembrar isto, não estou pretendendo, de maneira algu-
até morrer."' A diferença entre estes dois não está na doença em ma, seguír a Ciemiñcameme inaceitável tendência do nosso
si, pois ambos sofrem da mesma doença, a diferença está na tempo, de acordo com a qual a toda doença dever~se-ia atribuir
4

tomada de posiçâo espirilual de cada um em relaçâo à doença, um signiñcado secreto, toda doença revelaria algo sobre com-
~

portamentos falhos que precisariam ser modiñcados, ou sobre


_

uma tomada de posição, quejá em si não é um sintoma da doença,


mas uma característica da pessoa. componamentos falhos de outras pessoas que as teriam provo-

274 275
unpáuxCFmemàucu
cado. Toda matéria cresce, desenvolve~se e perece, seja a matéria Oulro relato vem de uma muíhcr que leve que comparecur
dos astros ou a maténa da corporeidade do homem e, unida a ela, a um neurologista. Ele tralou-a com baslame frieza e fcz muitas
a do estado pslquico do homem Toda matéria é imperfeita e pergumas, que deixaram a mulher interionnentc inscgura e agi-
perecível, e doença e mone nada mais são que as manifestaçoes' tada, após o que, ao sair do consuiIOriq ela csqueceu o seu xale.
concretas desta lei. Evidenlemente, um cstilo de vida que não Quando vollou para apanha'-lo. o neurologista disse-lhe sarcas-
seja sadio, ou um ambiente social e ecológico não sadios podem ticamentez “Ah, ao que tudo indica o seu subconsciente está
acelerar a perecibilidade psícofísica de povos inteiros, mas mes- dando sinais de que a Sra. gostaria de voltar a falar comigo...“
mo assim nem o mais sadio dos estilos de vida nem o mais ideal Mesmo quando esta mulher estava em minha prescnça contando
dos ambientes seriam capazes de suprimir a perecibilidade psi- o ocorrido ela ainda tremia de pavor, ao pensamento de ter que
cofisica do ser “homem". Devemos, portanto, precaver-nos con- voltar outra vez ao consuitório daquele médico. Veja-se alé que
tra pseudo-imerpretaçóes psicológicas de doenças, que pomo se podem fazer interprelaçóes erradr15.
pretendem, atrás de cada doença, descobrir um signiñcado, Mas não apenas ns interpremçocs, também os prognósticos
signiñcado este que esla^ria relac10nado com alguma deñciêncía baseados em imerpremçóes sào problenm'licos. Conheço uma
na vida do paciente e que teria que ser desvendado para podermos paciente que Ieve a ousadia de inlcrromper uma terapia de longa
compreender e combater corretamente a doença; mas devemos duraçâo, por achar que eslava psiquicameme bcm e que poderia
concentrar-nos de preferéncia em ajudar nossos pacientes a assumir a direçào de sua vida com suas proprias forças. O
buscarem e encontrarem sentldo em suas vidas, não nas suas terapeuta deu-lhe alta com base na sua añmmçào de nâo desejar
doenças mas apesar das suas doenças, um sentido que se abre por enquanto prosseguir com a terapia, porém ameaçando-a que
unicamente à pessoa espintual sadia no pacienle; e malgrado ela haveria de ver quao pouco ñnne estava na rcalidade, e como
toda perecibilidade materiaL essa pessoa espiritual permanece rapidamenle haveria de calr num “abismo psiquico". Esta amea~
m'tacta. ça ñcou roendo no íntimo da pacienle e tirando-lhe a tranqüi-
A este respeito ocorrem~me certas menifestações de pa- lidade, de tal forma que ela foi cada vez mais perdendo sua
cientes que podem lançar alguma luz sobre a problemática segurança duramenle conquistada, chegnndo efetivameme a uma
mencionada. Uma mãe conlou-me que sua ñlha, que estava depressào emocionaL da quul por felicidade pude preservàJa
fazendo tratamento psicolera'pico, teve uma vez que levar para a com alguns conselhos e um pouco de encorajamema Existem
sessão de psicoterapia velhos desenhos de infância da época da profecias que se cumprem - nào por terem sido certas, mas por
escola primária, de ceno para servirem como documentos de haverem sido feitas, por mais curioso que isto seja. ou, dilo com
antigos estados de alma. A màe preparou uma pasla cheia com outras palavrasz a tesoura que ñcou esquecida na barriga do
os desenhos infantis de sua ñlha, mas depois da primeira sessào pacienle nào faz bem em lugar nenhum, nem na cirurgia nem na
de psicoterapia a ñlha trouxe de volta todos'os desenhos colon'- psicoterapia, em cujo exercício infelizmente muim tesoura "ia-
dos e alegres. “A terapeuta só está inleressada nos desenhos trogêníca" tambem pode ñcar na barriga da alma do pacíente.
cinzentos, escuros, agressivos e confusos”, explicou ela, “dos Depois destes sinais de advenéncia sobre os remédios que
outros ela não precisa”. Este, senhoras e senhores, é um exemplo mais sào venenos que remedios, voltemo-nos agora pam os
do modelo patológico em psicoterapia que se faz mister superar. verdadeiros remédios que trazem cura cm psicolempia. A pala~
Se procuro somente o que ocorreu de negativo na vida de uma vra “therapos ”, em grego. signiñca o "companheiro", e ainda
pessoa, nào poderei ñcar espantado se se abrirem novamente hoje vale que todo aquele que exerce uma proñssáo terapéutica,
cicatñzesjá saradas, em vez de cicatrizarem-se as feridas abertas seja médicq psicólogo ou pastor de almas, loma-se o compa-
nheiro de caminhada para os que se enconlram amcaçados. para

276 277
deixaram-se levarao canúnho errado, que precisam de um pouco espirilualmente ñzemos as pazes. Ora. este indispensável engas~
de acompanhamento, que não sabem como prosseguir, e daque- tamento nào é o ponto forte dos métodos dc descobcrta.
les que, apressados e nervosos, dirigem~se a lugar nenhum Também os mélodos sugestivos c pcrsuasivos, ao lado de
Para que também os “companheiros” nào se afastem dema- altas taxas de êxilo que podem ser oblídas a cuno pra7.o. apre-
siado do caminho, a psicoterapia, de maneira geraL desenvolveu sentam uma falha nada dcsprczlveL Esta bascia-sc no fnto de que
até agora três conceitos sobre os quais os terapeutas podem se a facilidade de ser convencido cone paralela à falta de ñnneza
apoiar para o acompanhamento dos pacientesz do pacienle. Sabemos que pessoas de decisào fraca dizem “sim“
a) mélodos para a descoberta do que é inconsciente, relativamente depressa, principalmente quando prcssionadas pe-
b) métodos de sugeslão e de persuasão, e lo ambienle - e geralmcme também o ambiente as impele para
c) métodos para a aprendizagem e 0 lreinamento. alguma coisa precisameme por serem elas táo pouco decididas,
mas este é um outro assunto. De qualquer fon1m. mpidamcnte
Todos estes são métodos bons, possuindo suas indícaçóes
elas dizem “sim", mas não obstante isso nào renliznm o “sim"
e havendo demonstrado eñciéncia. Cada um deles possui suas
que disseram, porque nào é um “sim“ que procede do mais íntimo
vantagens próprias, que são descritas pomlenorizadamente nos
delas pro'prias, mas um “sim" de certa maneim forçadol
manuais. Entretanto, nào podemos deixarde reconhecer que cada
um deles possui também suas limitaçóes características. Ora, todo psicoterapcuta sério irá acnulclar~sc do impor nos
seus pacientes seja o que for, porénl, ao cmprcgar métodos
A descoberta do inconscieme, por exemplo, pode a longo
sugeslivos e persuasivos, inegavehnmtc 010 lema exerccr uma
prazo ser muito proveitosa, mas é preciso que se tomem provi-
influência positiva e bcneTlca sobrc seus pncicmcs. É precisa-
déncias para que o que foi descoberto, uma vez concluído o
mente aí que ele se depnm com o fato nwncionado. que lelcil-
processo de puriñcaçào e de elaboraçâo, retome novamente ao
mente podemos exercer qualquer influêncin sobre pessoas de
inconsciente para aí repousar em paz para sempre. Ai daquele
forte e ñnne decisáo, ao passo que ns pessoas fracns e pouco
que não o consegue! Ai do pacienle que depois passa a andar
ñrmes em suas decisóes, sendo influcnciáveis, a qualquer mu-
permanememente pela vida ao lado de si próprio, observando-se
menlo mudam, seja por uma outra influência contráña ou por sua
a si próprio nos mais delicados movimentos de sua alma; tensa
própria recusa intcríor àquilo a que exterionncme dissermn
e antinaturaL uma tal auto~observaçào lem como efeito que logo
“sim". Querdizer, a ane dc persuadir c de convencer do tcmpcula
nada mais ocorre na alma, ao menos nenhum sentimemo espon- fracassa nào raro precisamente naqucles paciemes que possuem
tâneo de uma alegria de vida simples e nào-questionada, como
facílidade para serem persuadidos e convencídos, mas islo por
seria próprio de uma existência e a uma natureza humana orien-
qualquer pessoa e sempre de novo.
tada para 0 sentido.
Com o que resta~nos someme disculir ainda os métodos de
Aos meus estudanles gosto de apresentar a comparaçào da
aprendizagem e treinamcnto. Esta discussào pode ser resumida
escada rolante, que para fins de conserto é retirada do solo e
em duas añrmaçõesz l. Treinar scmpre faz benL Tudo quanto
ergu1'da,1nas que, depois que seu mecanismo subterrâneo houver
uma pessoa queira adquirir para si própria em habilidades, todo
sido consertado, precisa impreterivelmente ser de novo baixada
saber que ela possa alcançar, inclusive o saber compensar as
ao solo para que volte a funcionar. De uma forma semelhante,
fraquezas psíquicas - e este é verdadeinnnerw um saber! -,
embora em absoluto nâo de uma maneira tão mecanicista, devem
precisa de exercício constanle e regulat Ncsla cxigéncia da
ser entendidos os processos psiquicos; o que ñcou resolvido deve
conslância esta', 2., o ponto fraco de todo lrcinmnema que
poder repousar, engastado numa história de vida com a qual
consiste em que, para scr atingido o alvo dc um treimmento, é
preciso ter uma alta dose de autocontrole e auto-superação. Ora,

278 279
das fraquezas psíquicas que precisam ser compensadas muitas no an'1bito da questa'o, silunda num nível essencialmcnte mais
vezes faz parte justameme uma falta de autocontrolc e de auto- elevado, acerca dn pro'pn'n existênciaz "Que é que eu serei enlão7
superação, ocorrendo assim o fenômeno de, para poderem par- Que serei para mim. para minha familia. para meus colegas. para
severar num treinamento, os paciemes em teon'a já terem que ter o microcosmos onde se descnrola o mcu ssr-homem?" Dc acordo
descnvolvido aquelas habilidades que deverão adquirir com o com isto, nào basta prescrcver ao paciento um programn de
treinamento. comportamento para compensar sua constiluiçâo psicopática ou
disposiçào neuro'tica, para levá-lo mais perto do sonhado alvo de
Vemos que todos os conceitos psicoterápícos possuem suas
sua estabilidade psíquica, ele quer e tem necessidadc de saber
luzes e sombras, suas chances e suas limitaçoes'. Para concluir
para que precisa da estabilídade a ser ulcançada e excrciladaz
gostaria, pois, de apresentar-lhes uma maneira de ver que é
parafazer o qué, para ser quen1, ser qucm para quem? Só quando
extremamente aberta e móveL tão aberta como é “aberta ao
souber islo é que ele conscguini rcnlizar mmbém o cnonne
mund0" a natureza humana. e tão móvel como é móvel a “pes-
esforço de autocontrole e de auto~supcmçào, que ngom conslilui
soa” humana, capaz de utilizar as chances de romper os limites,
o prêmio de toda realização de vnlores.
quando for preciso - e esta maneira de ver é a concepção
logoterapêutica Ela comém muila coisa dos outros me'todos, no Talvez esla exposiçào possa ser complcmda tonmndo o
entanto está inserido nela um elemento a mais, um elememo que exemplo de um caso de aconselhmnemo Iogotcmpêutico. Um
transcende 0 homem com todas as suas fraquezas físicas e senhor de idade, ñsicameme ainda robuslo mas psiquicamente
psiquicas; ela lança uma ponle da esfera clínica para a esfera muito deprimido, foi encmninhado a mim por seus nmigos. Há
metaclínica, e seus pilares avançam do terreno metaclínico ao uns 7 anos que ele vivia assim, relamrmndne os mnigos, desde
terreno metafísíco. que a mulher morrera que elc deixam a cabeça pendcr, desistim
de toda alividade, deixara de intercssar-se por qualquer coisa.
No que toca, por exemplo, aos métodos de revelaçào do
Tudo eles haviam tenlado para alegrá-lo e d¡'strm'-lo, mas a coisa
inconsciente, a logolerapia é de opiniâo que não apenas pode o estava se lomando cada vcz pior, c nos úllimos tempos ele mal
inconsciente ser revelado, mas também o dcsconhecido pode ser
saía de casa. Se eu achava que um lrmmnento numn clinicn
apontado, principalmente as ignoradas possibilidades de semido
poderia ajudar...? Olhei o pacientc parlicipulivmncntc. Seus O-
na situação de vida em que se encontra o pacienle, possibilidades lhos eslavam despertos mas cnvolvidos om nm'goa, seus movi~
que estão a seu dispor e que só precisam ser aproveitadas para,
mentos eram de recusa, como sc quiscssc dizcrz “A mim ninguém
de repente, transfommrem um ser-de-tal-fonna em um ser-de- pode ajudar”. Nào deixava dc lcr razào, sua mulher ninguém
outra-forma. Ou, no que toca aos métodos da sugestào e da podia trazer-lhe de volla, a mulher que elc devia havcr nmado
persuasão, a Iogoterapia é de opinião que não é assunto unica- muilo. E121111orrera, mas náo o scu amor por ela, seu amor ainda
mente do terapeuta convencer alguém de alguma coisa, mas que
estava vivo. Ja no próprio momcnto em que o olhci, senti que
e' a coisa em si que consegue convencer uma pessoa, o que a coisa poderia ser esta a pequcnina chnve de ouro em sua mào ou em
lem de bom, de correto e de necessário - e' a coisa que constitui sua alma capaz de abrir a enomw ponu da deprcssáo e do
o argumemo que pode ser trazido para a entrevista entre paciente desespero, bastando que fossc encomrado o oriflcio ceno da
e terapeula, para que aí “ela fale por si mesma”. fechadura.
Por ñm, no que diz respeito aos métodos do aprendizado e
"Fale-me do seu casamento“, pedi a este senhor, e ele
do exercícío, a logoterapia acha que toda disposição para o
contou. Comou como viera a conhecer sua mulher em idade
treinamento resulta na pergunta sobre qual 0 valorpara a pessoa
bastanle avançada, como para ele, que fom sempre um solila'rio.
que possui um alvo de treinamenlo a ser alingido, mas não apenas
como que n1am'festnm-sc um milagre, como cada minuto dc
seguindo o lema tacanhoz “De que é que isto vai me servir?", mas

280 281
pleniñcação interior que ele pudera passar ao lado dela se mul- fechadura na conñguração de sentido de uma situação humana
tiplicara muitas vezes. E entào, pouco lempo depois, o diagnós- exlremamente difíciL
tico “câncer" em sua mulher, que conñmxara a ambos em sua
Pensemos um poucoz será que eu revclei coisas inconscien~
vomade de pemlanecerem juntos, custasse o que custasse. Tam-
tes, que convenci o paciente de alguma coisa, ou que um novo
bém o período da doença foi descrito pelo pacienle como envol-
componamemo foi exercitado por ele7 Eu diria anlcs que o raio
vido de uma indescritível íntimidade. Ele cuidara de sua mulher
da compreensão o atingiu. mas só porque havia alguma coisa a
até o ñm, lavara-lhe os pes' depois que ela entregara o espírita compreender, que não precisou ser revelada mas apenas apoma-
“Agora nada mais posso fazer por ela”, concluiu o seu relato,
da, e da qual ele não tinha necessidade de ser convencido porque
com voz desalemada.
ela fala por si mesma, e que, em última ana'lise, irá sustemar a

___“
“Bem", tomei a palavra, “de qualquer modo o Sr. também motivação do paciente para conquistar paSSo a passo c fazer sua
contribui para determinar o que resta de sua mulher, quais os uma nova atitude.
vestígios que permanecem dela neste nosso mundo". O paciente Na logoterapia aplicada não é rnro chegannos a um "as-
tomou~se atenlo, seus olhos brilharam ainda com mais vivacida-
sombro sobre coisas evidentes", como foi expresso uma vez pelo
de que antes. “Eu também contribuo para detennjnar isto?“ ñlósofo Michael Rappenglück, um assombro com o inexaurível
perguntou “Em pane sim", retruquei~lhe, “pois certamente tam-
sentido da exislência, que sempre pode ser captado nas situaçoes'

¡ _¡_¡_¡_¡_ _
bém depende do Sr. se sua mulher deixa atrás de si, por assim
concretas da vida, nào importa quais sejmn. Também o homem

¡ _,
dizer, um montâo de ruínas, uma pessoa totalmente abatida, a
psiquicamente doeme é tomado por este assombro, pelo espanto
cujo aspecto todo mundo pensa consigo mesmo se não teria sido
de, não obstante todas as suas limilaçóes, fraqueLa's e inabilida-

_,¡
melhor que este homem nunca a tivesse encontrado, ou se ela
des ele possuir a possibilidade de fazer alguma coisa plena de

. ¡¡-.¡
deixa atràs de si um homem cujo coraçào irradia luz, que passa sentido, de no mínimo existir uma possibilidade com scmido
pela vida de cabeça erguida e proclama para todos quanto ele foi

J ._
situada para além de sua doença psíquica c que pode ser realizada
agraciado pelo amor u'nico e insubstituível de uma mulher sem por ele, mas cuja realização talvez o faça até crescer inte-

lng
igual..."
riormente acima de sua doença. Um tal assombro, scnhoras e

l
4
“Ó meu Deus", gemeu o paciente, segurando-me pelo senhores, é 0 verdadeiro remédio para a alma doeme.

= _._
braço, “que é que eslou fazendo añnal de comas, que estou Não acreditem que tudo esleja correndo bem para os nossos
fazendo com ela?" Impelido pela nova perspectiva que via diante

_4
doentes quando eles recebem toda dedicaçào do mundo, quando

.
de si, ergueu-se e ficou andando para lá e para ca'. Por ñm médicos, enfermeiras e parentes acorrem cheios de amor ao seu
acalmou~se e declarou a mim e aos seus amigosz "Nisto eu não 4
A
redor, quando os terapeutas escutam suns queixas com proñssio-
tinha pensado, mas é a pura verdade. Tenho que testemunhar que nal “paciência de anjo“ - nada disto é suñciente enquanto a
mulher maravilhosa ela foi, e que dela, e após ela, só podem ter
dedicação recebida não retomar de alguma maneira. na medida
permanecido coisas boas. Nos lugares que seus pés pisaram em que os própños doentes assumam no seu ambiente Imm tarefa
deverão nascer Hores de alegria, e nào transbordarem rios de
que tenha sentido, por menor que seja. Pennitam-me citar neste
lágrimas - agora sei qual é a minha tarefa daqui para a frenteT
contexto um trabalho de conclusào de curso, escrito por Michael
.

Com isto 0 paciente despediu-se, deixando alrás de si, como


Utsch em 1987 na área de Psicologia da Universidade de BomL
primeiro resultado de uma vida reconquistada e reassumida, uma
No âmbito deste trabalho foram observados ÓO pacientes que,
terapeula muito feliz, que cheia de gratidão anotou que a chave depois de haverem sofrido graves derrames cerebrais, receberam
.;Lz:. 4-_

de ouro do espüito humano havia encontrado o oríficio certo da


alta e retomaram para suas casas como doentes crônicos, neces-
w

sitando de cuidados permanentes; no decorrer do trabalho pro-


_. m.<_. _

282 283
má-
curou-se investigar se era possível aos afetados uma accitação um companheirismo duradouro. Nesta fnsc. em geral o pacicnlc
posiliva de sua situaçào de inlenso sofrimento, e quais sen'am os revela-se, apresenta suas aspimçoe's. ao passo que o lcrnpeula
fatores decisivos para que islo ocorresse. Os resultados da pes- ouvc, participa, inlroduz-se no senlir e no pensar do outro. Com
quisa foram tão claros quanto surpreendentes. Os que aceitaram isto, chega-se a um certo efeito catánico, que no cnlamo rapida-
sua situação de sofrimemo foram predominantemente aqueles mente se esvaeceria se nào se seguissc a 2' fasc. quc eu dcnomi-
doentes que - cilo textualmente - "se voltamm com participação nan'a afase de mudança de orienlaçâo existenriaL
e apoio para os seus parentes", e não aqueles cujos parentes se Agora é preciso que se entre nn discussào, agora o lerapeuta
vollamm para eles com panicipaçào e apoio; pelo contrário, estes lerá que confrontar-se com o seu pacienle nas pergumas e rcs-
úllimos rapidameme desenvolveram a infemal sensação de não postas, desmontar seus argumentos neuroticos por uma fuga da
serem mais do que um peso para o seu ambiente. vida com os contra~argumcntos psico-higimlicnmcntc e etica-
O paciente, ponanto, e com não menos razào o paciente menle aceitáveis por uma responsabilidndr pela vida. Ncsm fasw
que eslá psiquicamenle enfenno, deseja superar o papel, que lhe não se trata mais da liberaçâo das emoçóes rcpñmidas no pacicn-
é atñbuído em conseqüéncia da doença, de alguém que necessita te, mas de percebcr perspectivns de scmido exislcnlea dc inlro-
de auxílio e que recebe auxllio; ele próprio quer ser útíl para duzir um processo que começa com uma sadía rcnexào e leva
alguma coisa ou para alguém, e se realmeme queremos ajudá-lo, alé um espanto em comum Aqui lodos os mélodos psicotcrapéuo
devemos deíxar-lhe todo tipo de ocasioe's para ísso, em vez de ticos comprovados podem preslar valiosa ajuda, sob a condiçáo
evitá-las. Neste contexlo não podcmos deixar de mcncionar um de não serem aplicados às cegas, mas sim utilizados de Íorma
paralelo com a pedagogia, onde se faz mister uma semelhante intuitiva e clarividente, buscando uma siutonia com a pelsonalí-
dade única do paciente e uma situaçào irrepctívcl dc tempia
mudança de pensamento, ou melhor, um retomo análogo a
antigas sabedorías Pois também os ñlhos nào estào bem somente A entrevista deveria ser concluida com a fasc n52 3. mnnfase
quando seus pais os estimam e respeitam, como hoje somos de conclusâo e despedida, onde nào se ñca a olhar com impa-
inclinados a pensar, mas pelo contra'rio, quando eles prezam e ciência para o relógio porque o próximo clicnle cslá csperando
respeitam os seus pais, como já se sabia perfeitamente nos do lado de fora, mas a scparaçào ó feila com cnlma, simplcsmcnle
lempos de Moisés. porque os caminhos se bifurcam c o pzlciemc está agom no seu
Mas voltemos à psicoterapia. Focalizemos uma vez mais o caminho e tem que, ao menos por um trecllo, expcrimcntmlo
rápido esboço do caso referido acimaz No momemo em que índependentemente. Contrariamemc á fase inciaL ondc o pacicn~
aquele senhor de idade percebeu uma ocasiào de ainda poder te emitia gritos de socorro mais ou menos disfarçados, agom é
fazer alguma coisa por sua amada mulher falecida, a saber, mais o terapcuta que lhe envia sinais. sinnis dc encomjmnentq
que apóiam o paciente, transmiúndthcz “Agora você segue
conservar dela uma lembrança alegre e cheia de gralidão, neste
momento o estado dele melhorou mais que por anos e anos de sozinho o seu caminho, mas os mcus bons dcscjos cslào com
compaixão e apoio por parte dos seus amigos. você!“

Por isso, gostaria de, resumindo, recomendar para a entre~ Senhoras e senhores, chegamos à fase de despedida. e este
vísta terapêutica ou para a entrevista de aconselhamenlo médico é o momemo certo para também eu dcspedir-mc dos senhores,
uma estrutura trifásíca. A fase n°- l é a fase de criar corfuança e não sem manifestar meus bons descjos para acompanhá-los no
fomeumr a compreensâo; esta fase não pode ser omitida por caminho de sua prálica médica e especialmcme de seu convwio
nenhum lerapeuta, porque é ela que cria aquele movimento com pessoas psiquicamcnle doentes e dcscsperadasz lnfelizmem
esphitual de um para o outro, aquela proximidade entre o pacien- te, não pude oferecer-lhes nenhuma receita garamida para curar
te e o seu terapeuta, que possibilita algo como uma parceria ou toda e qualquer doença da alma, mas talvez exista uma que de

284 285
cem fonna mitiga todo sofñmento humano. Ela se encontm num
escríto terapêutico muito antígo e diz. tmduzída com um pouco
de liberdadez “Amara's teu paciente como a ti mesmo! "
Obn'gada pela atençãa

Logoterapia vivida

(Palestra proferida om ourubro dc l 988, om Franldim an,


a convite da Sociodade Alemâ dc Logolerapia)

Senhoras e Senhoresl
No outono de l968, numa dns salas da Univcrsidade de
Viena, tive meu primeiro contato com Viktor E. anld e sua
logoterapia; e como nos enconlrmnos agora no oulono de l988,
seja-me permítido lançar um olhar sobre esles 20 anos de desen-
volvimento da logoterapia. Quando repasso na lembrança cstes
anos, vejo que os lO primeiros deles foram muito tranqüilos em
terras alemàs. Havia alguns representantes imponantcs da logo-
terapia que a aplicavam como autodidatas, e com bons rcsuha-
dos, mas o grosso dos espccialislas mal tinha travado
conhecimento com ela. Estava-sc de ml maneira amrefado em
desvendar as camadas ocultas da alma em criar reñnndos pro~
cessos psicolo'gicos, que nào era chcgado aindn o tcmpo dc
compreender que o especificnmemc humano ñca para lá dc ludo
quanto pode ser pesado e mcdido, em obscuras regioch cujas
sombras nâo podem ser esclarccidas senào fenomenologicamlem
te.

Nos 10 anos seguintes, entretantq esta comprcensão cres-


ceu a passos de gigante. “Parece que estmnos chegando ao ñm
de um sonho de meio século", como diz Viktor ankL “o

286 287
sonho de uma mecârúca da alma e de uma técnica da psiquiam'a, permanecer “sáos" em sua condiçào de seres humanos e seres
noutras palavras, de podermos explicar a vida da alma com base espirituais, permanecer “sàos“ mesmo no caso de uma grande
em mecanismos e de podenngs tratar dos sofrimentos psíquicos tragédia pessoal, e isto não apenas em mzâo dcles mcsmos. como
com auxílio de tecnicismos.” é dever de todo homem, mas além de ludo em razão do testemu-
nho que tém de dar, de que mesmo na desgmça é possível
Agora, de repente, a cada dia que passa a Logoterapia ganha
“permanecer são". Se não forem eles a tcslemunhá-lo. quem |hes
mais adeptos, e a cada hora ela se toma cada vez mais assunto
haveria de dar crédito? Tem que haver coeréncia entre o que
de conversa, inclusive no diálogo com outras especialidades, sua
somos e o que mostramos, e a Logoterapia também nào pode
integração e inovação encontrando-se em pleno andamento. Isto
comentar-se em ser ensinada teorl'canlente. ela prccisa ser vivida
traz como conseqüência um num'ero crescente de pen'tos e espe-
na pra'tica.
cialistas que a ela recorrem concretamente no seu trabalho,
fazendo-a produzir frutos para seus clientes. Como é meu desejo dirigir esle apelo â nova gemçào dos
jovens discipulos dc FrankL cujo número se enconlm hoje em
Mas isto também traz consigo algo mais, a saber, a questão
de até onde e com quanta sínceridade os represemantes da rápido crescimento, goslaria de abordnr lrés temas que por sua
proximidade com uma pouco produtiva “autocontcmplação um-
Logoterapia estão por detrás daquilo que representam, ou, dito
bilical" não gozam de grande prestigio denlro da Logotemp¡'n.
de uma forma mais simples, a queslão da e'tica proflssional do
mas que - quando corrclmnente entcndidos - se rclncionmn com
logoterapeum. “No's atuamos nâo pelo que dizemos, mas pelo
o “permanecer são". Sào os tcmas du nuto-aceilnçào, da autopre-
que somos”, e*s*creve um dos meus mais íntimos colaboradores,
servação e da .'1uto-expcriénci.'l. Com estes Icnms nào tcnciono
Wolfram Kurz , e como ele está cenol Toda concepçào de cura
de forma alguma apelar parn a tào arraigada hipóluse de que
atua sobre a autocompreensão do homem, e isto em primeira
primeiro temos que pór ordem dcntro da proÀpria casa, primeiro
linha através da autocompreensão do terapeutaz a sua concepção
temos que conhecer-nos a nós pro'prios. aceitarmos c nmar-nos
do homem e do mundo irradiam-se sobre a concepção do homem
a nós próprios, para só depois podennos ser úteis às outms
e do mundo do paciente - mas isto só quando não são apenas
pessoas, uma hipótese que considcro fundmnemahneme falsa.
apresentadas verbalmeme mas vividas ativamente.
Enquanto todos os outros homens forem pam mim indiferentes
De maneira especial a Logoterapia exige de seus repre- não terei possibilidade de estabelecer ordem demro de mim.
sentantes uma elevada “consciência do exemplo“, quer dizer, mesmo que me revolva horas a ño no "grito primn|” ou deíxe-me
uma consciência daquela “irradiaça'o do próprio ser” sobre o iluminar medilatívamente por um gurlL E enqunnto eu nâo
ambiente mais restrito e mais amplo. Ela exige credibilidade enxergar sentido em minha vida, não lerei conch'çoe"s de aprender
pessoal antes mesmo de qualquer comprovação cientíñca, que nada sobre mim mesmo, e menos ainda o que para mim é o mais
evidentemente também é necessária, embora sem ser suñciente. imponame, a saber, se estou prcp.'¡mdo e cm condiçóes para
Isto não signiñca que os represemantes da Logoterapia tenham realizar este sentido que me foi confiadu E depois a queslào do
que ser santos, uma tal exigência nem pode ser levantada nem amor.' Tomemos o exemplo de um sadism. Costunm-se añmlar
temos condições de satisfazê-la, mas pelo menos eles devem que ele primeiro precisa gostar de si mesmo antcs que possa ser
bom pam com os oulros homens. Vejmn os Senhores, estou
convencida que para ele é absolutamenle impossível gostar de si
* V|klor E. FrankL Das Leiden am siunlasen Lehelu 9° L('i., Frciburg, l lcrdcr, l985,
p. 47, mesmo. Sua consciéncia não admitirá um cálculo psicológico
** Wolfram KurL, Die Ihempeumche Beziehung im Zusanunenhang von klien- deste tipo; enquanlo elc compoñar~se de maneira sádica. bem no
renzenlríerter Psychorhzrapie und Logorheraple, cm GLE (pds°.), Tagmgsbcñchl l986, fundo de sua alma ele jamaís gostará de si própria
n° 2. ano 1. p. 33 c 90.

288 289
A única verdadeira chance que enxergo para ele no proces- soes~ assistenciais, e o que sua auto-expen'ência signiñca - só que
so de uma maior humanização é que, num momento abençoado não apenas o que ela signiñca. mas também o que ela exige.
de amor, ele renuncie a pôr em prática seus 1m'pulsos sádicos “por

_< _-. _~.


Os dois primeiros pontos podem ser bem excmpliñcados
amor" a outra pessoa. É neste momento que poderá surgir nele
com base na "burnout-syndrom a “síndromc da exaustáo lotal
o poder-gostar-também-de-si-mesmo, que sua consciéncia o dei-

._~._
pelo stress", e de sua proñlaxia. Como sabemos. a burnout-
xará livre para o conhecimento de que ele pode orgulhar-se desta
syndrom signiñca uma ameaça para todos os que atuam em
renun'cia e ñcar satisfeíto consigo mesmo. A frase tão antigaz
profissoes' sociais, de ensino, de cum e de assisténcia, mais ainda
“Amaras' teu próxímo como a ti mesmo” - o que sigmñcaz “-
que a “síndrome da ajuda“ que simplesmente indica que aquele
como amarás a ti mesmo como conseqüência” - ñxa claramente
que presta auxílio não é adequado pam a sua proñssão. Pois na
a seqüência; ela não diz: “Amara's a ti mesmo como ao teu
sm'drome da ajuda a pessoa “scnte necessídade“ de ajudar. Im-
próximo”. A renúncia ao negativo só é bem sucedida quando
pelida por um desequilíbrio interior e por um semimemo de
orientada por um motivo fone. Um sadista, um viciado, um
inferioridade, ela busca reconhecimento, elogio e gratidào, e
neurótico, um delinqüente jamais farão renúncias em benefício
conquista-os pelo empenho de servir. Ou por uma fome interior
de sua própria saúde mental ou corporal, qualquer um deles a
de poder, busca o domínio total de oulra pessoa e procura
“mandara' para o infemo" sem mover um dedo, no verdadeiro
alcançá-lo prendendo-a através de favorps=, duas coisas que,
signiñcado da palavra. Mas por uma larefa que hajam assumido
logicamente, nâo constituem a melhor fomm de ajuda.
para cumprir, ou por um ser amado com quem se hajam encon-
trado, serão capazes de ressurgir das cinzas, como a fênix. Não é apenas esse tipo de ajuda, que através da busca
exagerada do reconhecimcnto ou do dominio procum a própria
Matthías Utters escreve a esse respeito uma frase que
satisfaçào, que é uma ajuda errada; também a teoriu de que toda
merece ser bem refletidaz “Quando os outros são apenas um
ajuda só tem em meme a própria satisfaçào é uma tcoria em.da.
terreno de cultura de nossa auto-realização, enlão nós não esta-
Mesmo em nossa época tão pobre de amor existem pessoas
mos amando, estamos apenas *utilizando os outros como alimento
magníñcas que realmenle estão promas a assumir onde quer que
para o nosso amor-pro'prio.” Podemos acrescentarz então
vejam um homem ou uma mulher em necessidade, que se dedí-
também não estamos nos auto-realizando, e então também nào
cam com toda amabilidade aos seus parentes, que se dcrmnmm
estamos nos amando. Neste caso não ocorre nada daquilo que
no serviço ao que sofre, ao doente ou ao idoso, que não se cansam
seria o resultado natural e evidente do amor ao próximo. Não
de fazero bem - e efetivamente taís pessoas nào ñcam cansadas,
precisamos mesmo admirapnos que a auto~realização e a auto-
pois o bem que distñbuem lhes retoma de míl maneiras sem que
estima sejam hoje tào questionadas que devem ser mencionadas
precisem ir atrás de paga ou de agradecimenla É a pessoas assim
com tanta artiñcialidade - onde o amor ao próximo ñcou no meio
que devemos agradecer que o nosso mundo não tenha chegado
do caminho o Eu não pode atingir a si pro'prio.
ainda à completa miséria, é o seu exemplo que sempre de novo
O que pretendo, portanto, não é recomendar a auto-estima robustece a nossa fé no homem. E seria uma gmve ínjustiça
aos colegas que trabalham com logotempia. Gostaria antcs de contra essas pessoas pretender reduzir a pureza de sua motivaçào
identiñcar e selecionar o que lhes assegura sua auto-aceitação, o a uma síndrome disfarçada de ajuda.
que lhes garante sua autoconservação, p. ex. nas árduas proñs-
A coisa é um pouco mais complexa na situaçâo de esgota-
mento da burnout~syndrom, que consiste numa exaustào e vazio
psíquicos. Na vida de todo médico, psico'logo, pedagogo, assis-
" Malduas Utlms, Das Grõssle aber ls'l die Llebe, 2' cd*., Ravcnsburg, Edilora tente social, pastor de almas etc., apesar de toda pureza de
Posmvcs chcn, 1987. motivaçâo, existem momentos opressivos de solidão. A gente

290 291
tem-se dedicado a tantas pessoas, e eís que num momento de contra, é verdade que se toma mais “culpado” do que se nào
silêncio surge a perguntaz “E quem vai se dedicar a mim?" tivesse recebido o conselho, mas. em compensaçào, terá no
Cenamente é inerente às proñssoes' assislenciais, particularmem futuro também um estlmulo a mais para allerar o seu agir do que
te ao °°exemplan'smo" destas proñssões, esta solidâo última do se não tivesse recebido o conselha lzsila ampliaçào do cspaço
conselheiro, que em sua própria busca de conselho às vezes entre o agir errado e o estímulo certo pode provocar exalameme
sente-se desamparado. Entretanto, não é preciso que isto leve à aquela tensào que é necessaria para que, pelo mcnos mais tarde.
burnout~syndrom, que de maneira geral é deñnída como “uma ainda possa ser provocada uma mudança. O proñssional com
derrocada física e psíquica após intensos períodos de engajamen- formação logoterápica sempre há de respeitar a liberdade e a
to nas proñssoes' assistenciais". responsabilidade espiritual da pessoa que está conñada aos scus
Existe um príncípio elementar que nos preserva disto, o cuidados. Por isso, há de pór muitas cxpeclalivas no que elc
princípio da independéncia em relação ao e'xilo, que devería ser próprio irá comribuir, mas nenhuma no resultado de sua comri-
natural e evidente a todos aqueles que com todo seu Eu se apóiam buição, pois ele sabez O rcsultado nào scrá o rcsullado apenas de
sobre o fundamenlo antropológico da logoterapía. Inleressa-nos seus esforços'. O outro sempre loma pane no diálogo, e talvez
o homem, e nào o êxilo de nossos esforços em favor do homem não apenas a outra pessoa, talvez tmnbém - um Outro.
- mas porque o homem nos interessa, empenhamo-nos por ele; A modéstia e o respeito para com o “construtor", que náo
é tudo muito simples. Não adotamos a concepçào mecanicista de sou eu próprio, protege-me assim contm uma dccepção que
que aquele que ajuda teria, na pcssoa do que recebe sua ajuda, poderia ser desgaslanle a ponlo dc cxlinguir o cntusiasmo de um
de fazer funcíonar, reconstruir ou consertar uma máquina. E se engajamento sociaL Ao mesmo lempo Consmucm a base da
ao ñnal esta máquina continua sem funcionar corretamente, auto-aceitação e da autoconservaçào. Quanto mais modesto eu
emào isto deveria ser considerado um fracasso e ele teria que for - não nas exigências quanto a' qualidade do meu trabalho, mas
sentir-se decepcionado consigo próprio e com o seu saber. Todo nas exigências quamo ao resultado do meu lmbalho - tanm mais
homem é o seu próprío construtor! Aquele que lhe presta assis- rapidamente posso conter-me e dizer para mim mesmoz “Me
lência proñssíonal pode fomecer-lhe algumas partes sobressa- esforcei, dei a minha contribuiçào pessonl pam o funcionamenlo
lentes, ou mesmo consertar alguma peça, mas o que o construtor do mundo, e isto basta. O que eu ñz irá no lugar ceno e no
irá fazer disto, para que ñm ele o emprega, é da decisão e momento certo realizar o seu efeito, mas nada acontece em váo
responsabilidade dele. Dito claramemez 0 assisteme pode tran- e isto não deve também conslituir ncnhuma sobrccargn pam mim.
qüilamente formar um conceito positivo de seu trabalho quando Fiz a minha parte e passei-3 adiantnn c com isso posso ñcar
fomece peças boas para a máquina, mesmo que seu cliente ou satisfeito." Quanto mais respeito cu tiver para com o núcleo
paciente construa com eslas peças máquinas ruins. Nào estamos essencial e indestrutivel da vonlade próprin de Cada pessoa para
nos eximindo da responsabilidade, não dizemosz “Ist0 não é meu a qual conlribuí com a minha pane, tanto mcnos serei alingido
problema, é problema dele”, quando se trata de outra pessoa, mas se esta pessoa vier a reagir de fonna sutpreendente ou 1'ndesejada.
temos que dizerz “Até aqui vai a minha responsabilidade, e dai Agora trata-se da Comribuiçâo a serfeim por ele, agora posso
para a frente, meu caro, começa a sua". ñcarà distância ou relraimne a uma distância segura, conñando
Perguntemo-nos: quando um cliente não aceita o conselho que ele também não pode desmlir-me, por maís negativa quc
de um proñssionaL o conselho terá sido em vão? Esta pergunta venha a ser a sua reaçàa Assim como a auto-aceitaçào eslá
merece uma resposta decididamente negativa. Pois o clíente - relacionada com uma sadia humíldade, assim a autoconservaçâo
assim o esperamos - ganhou um bom conselho a mais, e com nas proñssoes~ assistenciais lem que ver com uma sadia distâncim
isso uma melhor escolha para agir. Se mesmo assim ele age e as duas coisas agem contrariamentc à burnou1-_svndrom, que só

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pode prosperar no terreno de uma arrogância de ludo-querer- mentir, do meu pomo de vista nào havia mais nnda n acresccntar
consenar, por um lado, ou de uma dependéncia do querer-ter-su- além do que eu já dissera. Uma interrupçào do trammento deson-
cesso, por outro, ambas coisas que não correspondem à visâo cadeia em mim preocupaçáo, preocupaçâo por quem intcrrolnpe.
logoterápica da terapia. Um esgotamento inlerior, portanto, não no máxhno também a preocupação se realmente eu ñz tudo
encomra lugar no âmbito de uma “logoterapía vivida”. quanto podia por ele - este é com sinceridade o único senlimcnlo
maís profundo que associo a isto.
Por ocasião de um trabalho de conclusão de curso sobre as
interrupçoes' da terapia e suas conseqüências, fui certa vez entre- Semanas maís tarde a diplomanda pcmlitiwme uma olha-
vistada, e tive que responder à perguma de como eu, como dela em seu trabalho de pesquisa. Lia~se aí no resumo quc scm
terapeuta, experienciava as interrupções de lerapia por pane dos sombra de dúvida a concepçáo do homcnl e do mundo de cada
meus pacientes. Respondi: “Quando estou bastante cena de que escola terapêutica exercia gmndc influéncia sobre a maneim
um de meus paciemes tcm muila necessidade de auxílio psicote- como o lerapeuta suporta os obstáculos e derroms cm sua proñs-
rápico, e além do mais percebo que o auxílio que lhe poderia são. A tolerância máxima - podia-sc mesmo dizvrc resisléncia
oferecer lhe haveria de fazer bem, nesms condiçóes expeñmento máxima - conlra fmstraçóes seria oblidzn ao que ludo indiczwm
uma preocupaçào por ele, preocupaçâo de que a ímerrupção do pela abordagem logolcmpõutica, quc, como sc dcmonslrara com-
tratamento possa trazer-lhe preju1'zo." “Mas", perguntou a diplo- parando as respostas, possibilitxwa manlcr o olhar afcluoso sobre
manda, “como a Sra. lida com a sua raiva e a sua ma'goa?" o paciente mesmo além da intcrrupçáo do trntamcnto por pane
dele... A quem não ocorre aqui a palnvru de FrnnkL de que e o
Eu tinha a intençào de dar uma resposta sincera, porém não
me queria ocorrer nenhuma associação de idéias. Raiva? Mágoa7 olho sâo que náo se vê a si próprio? Bem, até nwsmo o olho sào
pode adoecer. Também os Iogoterapcutas podem falhnr, im'lnr-
Como? O paciente não me deve nada, no máximo ele deve a si
próprio uma contribuiçào para a sua cura. Como poderia eu ñcar se, também eles têm suas fraquezas, como devo confessar de
magoada por ele se prejudicar? É verdade que sua decisão me própria experiência. Por isso seja-me ainda pem1ilido exlemnr
algumas idéias sobre o 3”- ponto zmunciado, o tema da “auto-ex-
entristece, por causa dele, como os pais se entristecem quando
seus ñlhos adultos se decidem por um passo irreñetido e arris- pen'ência".
cado. Porém ele nào está sujeito à minha vomade, ele não está aí No círculo dos que me ouvem neslc momcnto é de supor
para me servir, pelo comrário, eu é que gostaria de prestar-lhe que a maioria saiba que Viktor E. Frankl descobriu uma fonna
um serviço; e assim o meu u'ltimo serviço há de ser deixá-10 especial de neurose, a sabcr, a “neurose noogênica“. e a fcz
seguir seu caminho, acompanhado por meus bons desejos. incluir nos esquemas de classiñcação das ncuroscs usunis no
mundo inteiro. Além disso há de scr do conhecimento da mnioria
Tentei explicar isto mas topei com extrema surpresa por
pane de minha emrevistadora. Todos os terapeutas até entào dos presentes que ele definiu esta “neurose noogênic.'1", com zI
abordados por ela haviam falado de sua irritação e de sua raiva. qual nenhum cienlista havia se ocupado antes dele, de duas
Uns haviam mencionado problemas subliminares de contratrans- maneiras diferentes Por um lado como “a dor pela ausência de
sentido na vida", fazendo alusào a uma prcsumída ausência dc
ferência, chegando até ao reacendimento do ódio contra rivais
sentido da vida, a uma cegueira da vítíma pelos valores, cegucim
da infância do tempo da pre'-escola, outros descreveram porme-
que questiona toda a sua existéncia. Quandu nada lem senlid0.
norizadamente como costumavam libertar a alma dos sentimen-
tos negativos através de corridas na Horesta ou fazendo o tudo dá no mesmo, e ao mesmo tempo nada tem valor, nada é
polimemo do carro. Nos olhos de minha entrevistadora podia-se válido, tudo e' insípido, vazio e fu'til. Mas, por outro lndo, Frankl
ler clarameme a pergunta não formulada, se eu não estaria talvez deñne a "neurose noogênica” como “o sofrer de um conflito
dissm'1ulando ou encobrindo alguma coisa. Mas, se eu não queria e'tíco-moral“, o sofrer de uma problemática de consciência, tal

294 295
como a luta por uma decisão existencial que precisa ser tomada. velha conhecida quando a aprendem Eslas, comumenle. nào
Nesta segunda caracterização da “neurose noogênica", trata-se vêm de uma vida vazia de conteu'do, nem caem táo depressa mun
não tanto de uma percepção perturbada dos valores, mas antes vazio de conteúdo, nem mesmo quando ocorrcm reestruluraçocs'
de uma percepção perturbada para as prioridades dos valores, de agravantes em suas vidas. Outra coisa é o que pode ocorrer com
colisoes' de valores que surgem antes de tudo porque essa pessoa o perigo de um conflilo ético-moral. Dissemos que especialmen-
é altamente sensível e recepliva para os valores e sua obrigato- te as pessoas com uma alta sensibilidade para valores estáo
riedade. De acordo com isso, nos “neuro'ticos noogêm'cos" lida- expostas a isto, ou, como o fonnularia Viktor E. FrankJ, são
mos com dois grupos inteiramente distintos de pacientesz com bastante amadurecidas para envolver-se com problemas espiri-
aqueles que possuem valores de menos em sua vida e por causa tuais. Aqui poderia perfeitamente 0correr para o proñssional que
disso caem no “vaz¡o existencial", e com aqueles que por assim atua em logoterapia o perigo de envolver~se numa problemática
dizer têm valores demais, porém nào têm o padrão de seu noogênica, envolvimenlo que teria para ele e seus clientes devas-
compromelimemq nem uma visào geral de sua hierarquia, o que tadoras consequ"ências. Ele perderia a autent1'cidade, a aulenlici~
os expõe a serem esmagados nas engrenagens da vida. O que dade no ser, deixaria de podcr ser um exemplo para os seus
existe de comum entre os dois grupos é que se trala de pessoas clientes no encoraja'-los para a busca e a rcalizaçào do scntido. E
atomxentadas por um problema espirituaL e nào com indisposi- quando lhes anunciasse que toda possibilidadc de semido que
ções simplesmente psíquicas ou meramente psicossoma'ticas, não for realizada é perdida estaria por demais grilante á sua frente
como muitas vezes é erroneameme diagnoslicada o que ele próprio perdeu, e islo haveria de degradar suas palavras
Mas o que tem a ver a dupla deñnição da “neurose noogê- a um palavrório inexpressivo.
nica" com a auto-experiéncia do logoterapeuta? Uma coisa está Nós todos admiramos a grandiosa atitude de Viktor Frankl
clara, quando alguém é especialism numa área bem determinada diante das torturas que enfrenlou durame a guem., com o grau
- e o proñssional versado em logoterapia é, além de tudo o mais, da “sanidade" que ele conseguiu resguardar, mas acho que o
em primeiro lugar um especialista em problemas noogênicos - grande momemo da tentaçào, do perigo para ele ocorreu um
então ele próprio precisa estar “seguro na sela" no terreno de sua pouco ames, no dia em que rccebeu o visto de saída dos ameri~
especialídade. Um conselheiro matrimonial que já se dívorciou canos. No 6-° Congresso Mundial de Logoterapia em Buenos
pela 4-° vez não passa de uma ñgura cómica, da mesma forma Aires ele descreveu mais uma vez este dia. hs“tava aí, próximo e
como um médico do serviço de saúde que corre risco de vida palpáveL o ansiado visto pelo qual tantos em sua situnção o
pelos excessos no fumo e na bebida. Qual é, pois, o perigo de os haveriam de invejar, aí estava a salvaçào não apenas de sua
represemantes da Logoterapia caírem vítimas de uma “neurose pessoa mas também das idéias que ele desenvolvera quando
noogênica”? jovem médico e que queria agora levar para o mundo, estava aí
O perigo de ele vir a sofrer de uma ausência de sentido da a oportunidade de construir sua obra segundo seus pensamentos
vida acho que pode ser considerado diminuto. Quem só possui em um “Novo Mundo". Sau'de, celebridade, prestígio. poder e
poucos valores, ou quem quase não os possui, quem não tem dinheiro lhe acenavam Mas ele teria que pagar um preço por
“percepção para o semido", já de antemão não se entusiasmará isso, teria que deixar seus velhos pais sem proteção, pois de
pela logoterapia. O patrimônio de idéias de Frankl fascina uma acordo com as condiçóes de entào só poderia preservá-los de
cena categoria de pessoas, a saber, aquelas que de alguma forma serem levados para um campo de concentração na medida em
que preservasse sua posiçào de médico em VienzL
já as lrazem em si, as que em parte até as aplicam desde longo
tempo mas não possuíam os conceitos nem a precisão do sistemaz Esta, Senhoms e Senhores, é a situaçào comovedora de um
pessoas que, por assim dizer, reconhecem a logoterapia como homem confrontado com um logos que não lhe agrada. 99 em

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lOO vezes o que tem semido, o que nos é imposto ou exigido Frankl haveria de constrmr na América, carregando às costas a
como sensato, é também aquilo que experimentamos como de- sepultura de seus pais? Esta haveria de ser também, e em pane
sejável e adequado, o que abraçamos com o coração em festa. 99 por sua culpa, a sepultura onde haveria de ser enterrada antes de
vezes em lOO o que lem sentido é aquilo que ao mesmo tempo ser vivida a mensagem da logoterapia. Quando, portanto. pen-
nos deixa satísfeitos, que aliás nem é analisado minuciosamente sarmos em auto-experiéncia, pensamos emre outras coísas na-
pelo nosso “o'rgão do sentido", a consciência, porque de qualquer queles raros e difíceís momentos da vida em que somos
modo se compreende por si mesmo. Mas numa em 100 vezes o desañados por um Iogos que em nossa imperfeíção humana e em
que tem sentido não é o que nos agrada. Ocorre a situação de nossas limitaçoe's nos desagrada. Nesses momentos expen'men-
gostannos, desejarmos e ansiarmos profundamente por uma tamos em nós mesmos o que de maís importante pode ser
C015'a, e considerarmos como plena de sentido uma coisa d1f'e- experun'entado: experimentamos até que pomo somos capazes
reme, que tememos e que nos faz sofrer. Analisado com maís de fazer crescer um pedaço de nossa imperfeiçâo humana, até
cuidado, a dor não está ligada ao falo de realizarmos o que tem que ponto o desaño nos retira da limitação de um desprazer
sentido, uma vez tomada a decisão de o fazermos, ela está ligada temporário e nos transfere para um plano de realização da
muito maís à percepção do abísmo entre o que é desejado e o que existência, que no ñnal há de ser agradáveL
tem semido, ao fato de aquilo para onde a psique nos impele não A todos aqueles, porc'm, que atuam ou pretendem atuar em
coincidir com aquilo que o espírito apreende. logoterapia gostaria de recomendar que, além de serem modestos
Não me reñro aqui ao fato conhecido de que em muítas em suas exigências de êxito, e além do rcspeito para com o
situaçóes da vida encontramos diñculdade em descobrir o que é próximo, de que já falamos, assumissem como tercciro pomo a
que possui maís sentida Este caso, evidentemente, também decisâo pelo semido que sempre de novo precisa ser realizada,
ocorre, mas com um pouco de paciência o nosso "o'rga'o do mesmo quando dolorosa. Quando desejariamos tanto vingar-nos
sentido", a consciência, logo faz a opção adequada. Refiro-me de alguém, mas a vingança não tem sentido. Quando poderíamos
ao caso em que com plena clareza, numa quase clarividência enñm ter a grande satisfação de fazer carreira, mas o preço a
como o costuma produzir o sofrimento, sabemos o que é que pagar por isso nào é justiñcáveL Quando seria magniñcamente
possui maís sentido, mas ñca-nos exlremamente difícil decidir- cômodo esquivar-nos, mas o suportar é importame. Quando
mo-nos por isso. Esta é a hora da verdadeira auto-expen'ência.' podíamos eximir-nos de um sofrimemo, mas só se ele fosse
A hora em que o Eu se depara com o logos, o logos que, não assumido por outro. Creiam-me, a dor da decisão pelo que tem
obstante todas as añrmações em contrário, nada tem de mera- sentido não tem proporção com a felicidade inñnita de poder ser
mente subjetívo, o logos que o Eu não pode escolher, que autêntíco, nem com a riqueza terapêutica de, na trama de relaçoe's
repentinamente se coloca diante dele, face a face, desejado ou com o paciente, podermos lecer algo que possui autenticidade.
não. Como a seu tempo o logos apresentou-se ao jovem médíco Senhoras e Senhores, jumos repassamos estes 20 anos de
Viktor E. FrankL que em alegre expectativa, e cheio de planos desenvolvimento e história da logotempia. Aceilemos aberta-
para o futuro carregava em sua bolsa o visto, ao mesmo tempo mente a realidade como ela éz A logoterapia representa uma entre
que tinha que olhar face a face o que reconhecia verdadeiro, a numerosas outras formas de psicoterapia, embora uma fomla
saber, que não tinha sentido deixar os seus pais em apuros. excelente, e, de nenhuma maneira, podemos ter a certeza de que
Ninguém o obrigou a seguír o logos e deixar de usar seu visto de ela haverá de añrmar-se e impor~se nos próximos 20 anos. Mas
saída. Se, por um lado, não podemos escolher qual e' o sentido de uma coisa estou certa: enquanto nós a vivennos ela não
de uma situaçào, por outro, depende inteiramente de nós se nos morrera'.
orientamos ou não por ele. Mas que logoterapia sen'a essa que

298 299
“Theorie und Therapie der Neurosen. Einführung in Logothera-
pie und Existenzanalyse". Emst Rel'nhardt. Munique, 6 edi-
çoes' l956-l987.
“...trotzdem Ja zum Leben sagen. Ein Psychologe erlebt das
Konzentrationslager”, Deulscher Taschenbuch Verlag, Mum'-
Literatura que, Õediçoes~ 1982-l987.
“Der unbewusste GotL Psychotherapie und Religion“, Kos"el,
Munique, 7 ediçóes l974-l988.

“Der Wille zum Sinn. Ausgewãhlte Vortrãge über Logotherapie


mit einem Beitrag von Elisabeth Lukas", Hans Huber, Bema,
3 ediçóes l972-l982.

“Im Anfang war der Sinn. Von der Psychoanalyse zur Logothe-
rapie. Ein Gesprãch mit Franz Kreuzer", Piper, Munique,
Livros de Viktor E. Frankl em língua alemã
l986.
“Ar"ztliche Se'elsorge. Grundlagen der Logotherapie und Exís-
tenzanalyse", Fischer Taschenbuch Verlag, Frankfu11, 4 edi-
ções l982-1987. Livros de Elisabeth Lukas em lingua alemã

“Das Leiden am sinnlosen Leben. Psychotherapie für heute”. “Auch dein Leben hat Sinn. Logotherapeutische Wege zur Ge-
Herder, Fn'burgo, lO edições l977-l987. sundung“, Herder, Friburgo, 3 edições l980-l987.

“Der leidende Mensch. Anthropologísche Grundlagen der “Auch deine Familie braucht Sinn. Logotherapeutische Hilfe in
Psychotherap1'e“, Hans Huber, Bema, 2 edições l975-l984. der Erziehung“, Herder, Fn'burgo, 2 edições l981-l988.

“Logotherapie und Existenzanalyse. Texte aus fünf Jahxzehn- “Auch dein Leben hat Sinn. Logotherapeutischer Trost in der
ten", Piper, Munique l987. Krise", Herder, Friburgo, 2 ediçóes l981- l986.

"Der Mensch vor der Frage nach dem Sinn. Eine Auswahl aus “Von der Tiefen - zur Ho"henpsycholohie. Logotherapie ín der
dem Cvesamtwerk”, Piper, Munique, 5 edições l979- l986. Beratungspraxís", Herder, Friburgo, 2 ediçoe~s l983- l988.

“Psychoterapie für den Laien. Rundfunkvonrãge über Seelen- “Psychologísche Seelsorge. Logotherapie - die Wende zu em'er
heilkunde", Herder, Friburgo, 12 edições l97l-l986. menschenwürdigen Psychologie", Herder, Fríburgo, 2 ediçoes'
l985~l988.
“Die P__sychotherapie in der Praxis. Eine kasuistische Einführung
fur" Arzte", Piper, Mum'que, 5 ediçóes l982-1986. “Sinn-Zeilen. Logotherapeutische Weisheilen", Com desenhos
de Michael Eberle, Herder, Fn'burgo, 2 ediçóes l985- l987.
“Die Sinnfrage in der Psychotherapie", Piper, Munique, 2 edi-
ções l981-l985. “Von der Trotzmacht des Geistes. Menschenbild und Methoden
der Logotherapie", Herder, Friburgo 1986.

301
300
“Logo-Test. Test zur Messung von innerer Sinnerfüllung und
exístemieller Frustration", Deuticke, Viena l986.

“Gesinnung und Gesundheit. Lebenskunst und Heilkunst in der EDITORA Curhlba. PR


(80230080) R 24 do Muo. 95
Logotherapie”, Herder, Friburgo l987.
VOZES Tel.. (o41)23:›1392
Fax~ (o41)23&1513
“Rat in ratloser Zeit. Anwendungs ~ und Grenzgebiete der Lo- Forulcn, CE
MATRIZ
gotherapie", Herder, Friburgo 1988. (60025-100) R. qu Faoundo, 730
Polrópolll, RJ TeLt (065)231-9321
“Sinn-Bilder. Bibliotherapeutische Weishel'ten”, com desenhos (25689-900) R. Frei Luís. 100 Faxz (085)221-4238
Caixa Postal 90023
de Otmar Wiesmeyer. Herder, Friburgo l989. Tel. (0242)43~51 12 Golinln. GO
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Te|.: (031)273-2538
Dr. Wolfram Kurz. Faxz (031)222-4482 Recl1e, PE
(50050-410) R. do Prlncipe. 482
Estestres^1'nstitutos oferecem aconselhamemo psicolo'gico, Blumenau, SC Tel.: (081)22|-4100
(89010-003) R 15de Novembro, 963 ch (081)221-4180
tralamenlo psicoterápico e fonnaçào logoterapéulica. Eles estão Te|. e Faxz (0473)22-3471
reunidos na “Arbeitsgemeínschaft der Institute für Logothera- Rlo do Jlnelro, RJ
Brasília, DF (20031-201) R Senador Damas. 118-I
pie” (“Comunídade de Trabalho dos Institutos de Logoterapia”) (70730-731) CLRlNone. O. 704, Bloco A. TeL e Fax: (021)2206445
e trabalham em ímíma colaboraçâo com diversos institutos uni- N9 15
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versitários na Alemanha, bem como com a Deutsclze Gesell~ Faxz (061)223-2282 (40060-410) R. Carlos Gomes. 695A
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