Você está na página 1de 21

1- A economia do mundo antes do CEM

A- Espaços económicos

Antes do processo do CEM, a humanidade encontrava-se dividida numa pluralidade de


sociedades com contactos relativamente reduzidos entre si. Antes, existia uma pluralidade de
espaços económicos distintos, autossuficientes relativamente a bens essenciais.

Espaço económico: um conjunto de unidades económicas que mantêm interações


relativamente intensas entre si e interações relativamente menos intensas com as unidades
económicas que não fazem parte do mesmo espaço.

Economia Nacional: espaço relevante porque apresenta um conjunto de características


institucionais que tendem a tornar mais intensas as relações entre unidades económicas
pertencentes.

Espaço jurídico: existência de normas legais de enquadramento da vida económica idênticas


em toda a economia nacional e diferentes das normas legais existentes nas outras economias
nacionais.

Espaço monetário: existência de uma unidade monetária e de meios de pagamento


específicos, distintos das unidades monetárias e dos meios de pagamento de outras economias
nacionais.

Espaço fiscal: existência de um regime fiscal idêntico em toda a economia nacional e diferente
dos regimes fiscais existentes nas outras economias nacionais.

Espaço aduaneiro: ausência de controles e obstáculos às transações no interior da economia


nacional e a existência de controles e eventuais obstáculos às transações com outras
economias nacionais.

Espaço político: a aplicação em toda a economia nacional da mesma política económica,


distinta da política económica aplicada noutras economias nacionais.

As economias nacionais da economia mundial contemporânea são interdependentes entre si,


é sempre possível encontrar entre duas economias nacionais uma cadeia de relações intensas.
É esta interdependência que faz com que exista, em simultâneo com as economias nacionais,
uma economia mundial.

Economias Locais: pequena comunidade autossuficientes que satisfaz as suas necessidades


económicas essenciais sem recurso a trocas com outras comunidades de outras regiões.
(Presentes até ao século XVIII).
Economias de predação: economias com um modo de vida assente no mero aproveitamento
da fertilidade espontânea da natureza, baseado na recoleção de vegetais, na caça e na pesca.
Estes espaços desconheciam a setorialização da economia.

Setorialização da economia: especialização de atividades entre as diversas unidades


económicas.

Economias de cultivo: economias com um modo de vida assente no cultivo, na intensificação


artificial da fertilidade espontânea da natureza. Nestes espaços as atividades predominantes
eram a agricultura e a criação de gado (pastorícia).

Economias de transformação: economias onde predominam as atividades de modificação dos


bens recolhidos da natureza, nomeadamente atividades industriais e de serviços.

Economias não setorializadas: economias que continuavam a desconhecer a especialização de


atividades entre as diversas unidades económicas. Todos estes espaços económicos com
economias não setorializadas de cultivo eram de âmbito local, ou seja, desconheciam
igualmente a especialização regional de produções.

Economias setorializadas: economias que já conheciam a especialização de atividades entre as


diversas unidades económicas. Nestes espaços económicas, as atividades predominantes eram
ainda a agricultura e a criação de gado. Nos casos dos espaços económicos mais sofisticados o
meio urbano tinha até proporcionado, além do desenvolvimento de unidades económicas
especializadas em atividades industriais, também o desenvolvimento de unidades económicas
especializadas em atividades de serviços.

Economias mundo: economias que abrangiam regiões relativamente vastas e heterogéneas,


entre as quais se verificava uma especialização regional das produções. As economias-mundo
são um conjunto de economias parciais que satisfazem as suas necessidades essenciais com
recurso a trocas com outras economias parciais de outras regiões. No século XVIII, as
economias deste género eram já a maioria.

Economias mundo tributárias: economias que coincidiam com uma unidade política
desempenhado o poder central um papel decisivo na determinação e realização das trocas
inter-regionais implicadas pela especialização regional das produções, através de mecanismos
de mando. Entre essas economias-mundo tributárias contavam-se:

a) Alguns impérios, isto é, espaços políticos envolvendo o domínio do povo de uma região
sobre os das restantes (ex: China, Império Otomano, Império Russo, etc).
b) Alguns espaços de caráter nacional, isto é, espaços políticos com homogeneidade
cultural no seu interior.

Economia mundo comercial: economias que correspondiam a uma pluralidade de produções


políticas autónomas entre as quais existia uma especialização regional de produções regulada
principalmente por um modo de funcionamento de mercado e realizada através de trocas de
natureza comercial.

Economia-mundo euro-atlântica: economia que abrangia a maioria da Europa e parte da


América do Norte e do Sul sujeitas a domínio colonial. Observações sobre a economia-mundo
euro-atlântica:

a) As unidades políticas englobadas neste espaço eram de natureza diferente (Estados


Nacionais dominantes, como o UK e Portugal, e territórios coloniais);
b) Os espaços envolvidos desempenhavam papéis qualitativamente distintos (Regiões
ricas tinham papel central, tendo relações com a generalidade das regiões; regiões
menos ricas tinham papel periférico, mantendo apenas relações diretas com uma
região europeia central).
c) Os espaços centrais e dominantes apresentavam dinamismo de expansão, mantendo
controlando relações comerciais importantes com as restantes economias-mundo.

Economias Parciais: interdependentes com outros espaços económicos em relação a bens


essenciais – é o caso das economias nacionais dos dias de hoje.

Os espaços económicos relevantes dos dias de hoje podem ser de dois tipos:

 Economias globais
 Economias parciais

As economias globais podem ser, em termos de organização espacial da produção:

 Economias mundo
 Economias locais

As economias-mundo podem ser, em termos de modo de organização e de funcionamento, de


dois tipos:

 Economias-mundo comerciais
 Economias-mundo tributárias

As economias (globais ou parciais) podem ser, em termos da organização setorial da produção,


de dois tipos:
 Economias setorializadas
 Economias não setorializadas

Em termos da sua relação com a natureza, as economias (globais ou parciais) podem ser de 3
tipos:

 Economias de transformação
 Economias de cultivo
 Economias de predação

B –

Unidades económicas e sua interação

Unidade económica: unidade económica, ou agente económico, é uma organização que


controla bens económicos, toma decisões quanto à sua utilização e realiza atividades
económicas, com vista à prossecução de objetivos, que podem ser a satisfação de
necessidades.

Propriedade: capacidade de decidir a sua utilização em atividades económicas, em particular a


sua utilização para consumo, isto é, para satisfação direta de necessidades, ou como bem de
investimento.

Unidades económicas sem especialização funcional das atividades económicas são unidades
que se dedicavam simultaneamente às atividades de consumo e de produção, além da
atividade complementar de acumulação e sem especialização setorial das atividades de
produção, isto é, unidades que se dedicavam a atividades económicas de produção relativas à
generalidade dos setores.

Estas unidades sem especialização funcional das atividades económicas e sem especialização
setorial da atividade de produção eram unidades de autoconsumo – unidades cujos membros
consumiam o que produziam.

Unidades com especialização setorial da produção


As unidades económicas das economias setorializadas de cultivo eram unidades económicas
também sem especialização funcional das atividades económicas, mas com especialização
setorial das atividades de produção, isto é, que se dedicavam a atividades de produção
relativas apenas a um setor. Estas unidades podem classificar-se de acordo com o setor de
atividade da produção:

 Unidades de produção de bens privados: bens em relação aos quais é possível aplicar
e é aplicada uma regra de exclusão que apenas permite o consumo a quem detiver o
bem, ou efetuar um pagamento para o adquirir.
 Unidades de produção de bens públicos: bens em relação aos quais não é possível
aplicar ou é decidido não aplicar a regra de exclusão que apenas permite o consumo a
quem detiver o bem, ou efetuar um pagamento para o adquirir. Foi no contexto destas
unidades (geralmente os Estados) que se desenvolveram estruturas organizativas mais
complexas.

Bens privados: bens em relação aos quais existe rivalidade de consumo (não podem ser usados
simultaneamente por vários agentes económicos) e em relação aos quais existe possibilidade
de exclusão (ex.: bens materiais e serviços pessoais).

Bens sociais: bens em relação aos quais não existe rivalidade de consumo (podem ser usados
simultaneamente por vários agentes económicos) e em relação aos quais não existe
possibilidade de exclusão (ex.: transportes, comunicação, abastecimento de água e
eletricidade...).

Bens coletivos: bens em relação aos quais existe rivalidade de consumo (não podem ser
usados simultaneamente por vários agentes económicos) e em relação aos quais não existe
possibilidade de exclusão. (ex.: recursos naturais)

Bens públicos: bens em relação aos quais existe não rivalidade de consumo (podem ser usados
simultaneamente por vários agentes económicos) e em relação aos quais não existe
possibilidade de exclusão.

As unidades económicas sem especialização funcional das atividades económicas e com


especialização setorial das atividades de produção eram unidades que satisfaziam certas
necessidades dos seus membros através da troca para obtenção de bens que elas próprias não
produziam. A sua interação com outras unidades económicas era sobretudo uma interação de
troca que podia assumir uma de três formas:

a) Troca direta de iniciativa própria: visa a satisfação de necessidades, geralmente


regulada por mecanismos de rotina.
b) Troca direta de iniciativa dos poderes públicos: visa a apropriação de excedentes da
produção por parte dos poderes públicos, regulada pelo mecanismo de mando.
c) Troca monetária de iniciativa própria: visa a transformação de excedentes de
produção em meios monetários, geralmente regulada pelo mecanismo de mercado.

Tipos de unidades económicas:

 Famílias: unidades privadas sem fins lucrativos, que se dedicam à atividade de


consumo e acumulação.
 Empresas: unidades privadas com fins lucrativos, que se dedicam à produção de bens
privados e acumulação.
 Estado: unidade que se dedica à produção de bens públicos e à acumulação.
 Associações: unidades privadas sem fins lucrativos, criadas para a produção e
fornecimento aos seus membros de bens que devem ser obtidos de forma mais
eficiente e eficaz deste modo.

C – Formas de organização da produção

Podemos classificar as formas de organização da produção nas economias anteriores ao CEM


em quatro tipos fundamentais:

 Produção doméstica: feito por unidades económicas sem especialização funcional das
atividades, para autoconsumo. (esta era praticamente a única forma de organização
que existia nas economias locais não setorializadas de predação e cultivo e tinha
importância nas economias locais setorializadas de cultivo e nas economias-mundo).
 Produção artesanal: feita por unidades económicas sem especialização funcional das
atividades e com especialização setorial das atividades, para troca, visando a obtenção
de bens que elas não produzem, para satisfação de outras necessidades (esta era a
forma de organização predominante nas economias locais setorializadas de cultivo e
nas economias-mundo tributárias e tinha importância na economia-mundo euro-
atlântica).
 Produção capitalista: feita por unidades económicas do tipo empresa (com
especialização funcional da atividade), para troca, visando a obtenção de um lucro
(esta forma de organização era desconhecida nas economias locais, era minoritária nas
economias-mundo tributárias e ganhava importância na economia-mundo euro-
atlântica).
 Produção pública: levada a cabo por unidades económicas públicas (controladas pelo
Estado), para fornecimento à generalidade da população de bens públicos para
satisfação das necessidades que impliquem o consumo de bens (esta forma de
organização existia em todos os tipos de economias com especialização setorial das
atividades, mas apenas tendia a assumir papel dominante nas economias-mundo
tributárias).

D – Negócios, mercado e capitalismo antes do CEM

A existência de negócios e de empresas é claramente anterior ao arranque do CEM. Importa,


para concluir a caracterização da vida económica antes do CEM, examinar a importância
relativa dos vários tipos de negócios e de empresas, particularmente no contexto da economia-
mundo euro-atlântica e dentro desse espaço sobretudo das suas regiões centrais.

Negócio: atividade em que uma unidade económica aplica uma certa quantidade de dinheiro
com o objetivo de o recuperar ao fim de algum tempo, acrescido de um adicional. (A
quantidade inicial é o capital, o adicional é o lucro). Um negócio envolve sempre um risco,
devido à incerteza sobre o futuro e, portanto, sobre o quantitativo do lucro que será obtido.

Podem distinguir-se três tipos fundamentais de negócios, conforme a natureza da atividade


levada a cabo:

a) Negócios financeiros: envolvem a manipulação apenas de dinheiro. Entre os negócios


financeiros é possível distinguir três subtipos: o negócio financeiro do crédito ou do
empréstimo; o negócio financeiro do seguro; e o negócio da especulação financeira.
b) Negócios comerciais: envolvem a manipulação de dinheiro e de mercadorias.
c) Negócios produtivos: envolvem a manipulação de dinheiro e de mercadorias e a
realização de um processo produtivo

Os negócios quantitativos mais significativos realizados nas economias anteriores ao CEM eram
negócios de natureza comercial, isto é, de aquisição de mercadorias para revenda, geralmente
em região diferente daquela onde era realizada a aquisição. Assim, as principais empresas da
época anterior ao CEM eram de natureza comercial, e entre elas as companhias de comércio a
longa distância.

Companhias de comércio a longa distância: empresas construídas sob a forma de sociedades


por ações, isto, é cujos proprietários tinham uma responsabilidade na empresa limitada ao
capital subscrito. Dedicavam-se principalmente a adquirir em espaços económicos da periferia
ou do exterior da economia-mundo euro-atlântica mercadorias para revenda em espaços
económicos do centro ou da semiperiferia da economia euro-atlântica.

Uma empresa deve planear as suas atividades em função de objetivos, estruturar o seu
funcionamento interno para levar a cabo essas atividades e realizar as atividades. A estas três
etapas da atividade de uma empresa correspondem três níveis de gestão:

a) Gestão estratégica: definição de objetivos, ao planeamento das atividades em função


desses objetivos, à avaliação e monitorização dos resultados e à resposta a choques
externos.
b) Gestão funcional: corresponde à estruturação do funcionamento interno para levar a
cabo as atividades, implementando as decisões estratégicas.
c) Gestão operacional: controle da efetiva realização das atividades.

A gestão estratégica tem um caráter central e abrangente, pelo que deverá ser considerada
uma gestão de topo. A gestão funcional tem um caráter especializado, pelo que deverá ser
considerada uma gestão de nível intermédio. A gestão operacional tem um caráter específico,
pelo que deve ser considerada uma gestão de base.

Antes do CEM a maioria das empresas comerciais existentes eram:


 Sociedades de responsabilidade ilimitada: todos os sócios assumiam responsabilidade
ilimitada pelo passivo da empreso.
 Sociedades em comandita: coexistiam sócios com responsabilidade limitada,
denominados comanditários, e sócios com responsabilidade ilimitada, denominados
comanditados).

Formas legais das empresas, sob o ponto de vista da sua relação com o proprietário, ou
proprietários:

a) Empresas individuais: propriedade de uma única pessoa, denominada proprietário. As


empresas individuais são tradicionalmente empresas com responsabilidade ilimitada.
Nesta forma de propriedade, o proprietário é ilimitadamente responsável pelo passivo
da empresa.
b) Empresas coletivas (sociedades em sentido lato): propriedade conjunta de várias
pessoas, denominadas sócios. Entre as empresas coletivas é possível distinguir três
formas de propriedade:
1) Sociedades com responsabilidade ilimitada (sociedades em sentido restrito):
todos os sócios são solidária e ilimitadamente responsáveis pelo passivo da
sociedade.
2) Sociedade com responsabilidade limitada: os sócios apenas são responsáveis
por quantitativos limitados do passivo da sociedade. Essa limitação assume
tipicamente duas formas:
I. Sociedade por quotas: cada sócio apenas é responsável pela
totalidade do capital da empresa.
II. Sociedades anónimas (sociedades por ações): cada sócio apenas é
responsável pela sua participação no capital da empresa.
3) Propriedade com responsabilidade mista (em comandita): alguns sócios,
denominados comanditários, apenas são responsáveis por quantitativos
limitados do passivo da sociedade e outros sócios, denominados
comanditados, são solidária e ilimitadamente responsáveis pelo passivo da
sociedade.

Aos negócios comerciais, seguiam-se em importância relativa nas economias anteriores ao


CEM os negócios financeiros, especialmente os de crédito e de seguro, realizados por
empresas especializadas, bancos e seguradoras. (Exemplos: Banco de Amesterdão e Banco de
Inglaterra).

Apesar do caráter ainda incipiente da generalidade dos negócios financeiros, a época anterior
ao CEM assistiu ao desenvolvimento de bolsas para transações financeiras, sobretudo nas
grandes cidades. Eram espaços dedicados à realização de transações financeiras de forma
sistemática e organizada, se bem que geralmente ainda não institucionalizada.

Na época anterior ao CEM existiram duas bolhas especulativas seguidas de colapso das
cotações:

- 1636/1637 (colapso nos Países Baixos);


- Agosto de 1720 (colapso nos principais centros, Londres, Paris e Amesterdão).

Os negócios e empresas de produção existentes antes do CEM envolviam geralmente capitais


modestos e estruturas simples centralizadas e não departamentalizadas. A produção
capitalista assumia uma de duas formas:

a) Sistema doméstico: os trabalhadores realizavam a produção no seu domicílio,


utilizando instrumentos que eram, regra geral, propriedade sua, mas trabalhando
matérias-primas fornecidas pelo empresário capitalista, o qual recolhia o produto final
a troco do pagamento do salário.
b) Sistema fabril: os trabalhadores realizavam a produção num local próprio, a fábrica,
utilizando instrumentos e matérias-primas propriedade do empresário capitalista, o
qual ficava naturalmente na posse do produto final, remunerando os trabalhadores
com o respetivo salário.

A produção capitalista em sistema fabril assumia quase exclusivamente a forma de


manufatura, sendo praticamente inexistente a produção capitalista em sistema fabril sob a
forma de maquinofatura.

2 – O Crescimento económico moderno: uma visão geral

Há pouco mais de dois séculos a economia do mundo entrou numa nova época económica,
que pode ser identificada como a época do CEM. Essa época caracterizou-se por um
crescimento significativo da população, do nível da atividade económica, e, portanto, do valor
acrescentado ou rendimento dela resultante, e do rendimento médio por habitante do mundo.

Rendimento por
Período População Rendimento
habitante
1700-1820 0,45 0,52 0,07
1820-1870 0,40 0,93 0,53
1870-1913 0,80 2,11 1,30
1913-1950 0,93 1,85 0,91
1950-1973 1,92 4,91 2,93
1973-1998 1,66 3,01 1,33

O processo do CEM significou, uma multiplicação do valor acrescentado anualmente pela


atividade económica realizada no mundo por um fator superior a 200 em cerca de 3 séculos.
Este crescimento permitiu que, apesar do crescimento da população, multiplicada por um
fator superior a 10, o rendimento médio da população mundial fosse multiplicado por um
fator igualmente superior a 10.
O aumento da população mundial só foi, naturalmente, possível graças a um aumento da
disponibilidade de bens alimentares, não só porque aumentou o número de pessoas a
alimentar, mas também porque melhorou o nível médio de satisfação das necessidades
alimentares da humanidade.

As situações de carência alimentar atingem hoje uma proporção da população mundial muito
menor do que antes do processo do crescimento económico moderno, este facto é
consequência dos progressos na agricultura e na criação de gado.

As sociedades anteriores ao processo do CEM tinham geralmente taxas de natalidade e de


mortalidade relativamente elevadas, bastante irregulares e relativamente próximas, com
crescimento reduzido da população. O arranque do CEM foi acompanhado por uma quebra da
mortalidade, desencadeando um crescimento significativo da população. A consolidação do
CEM foi acompanhada por uma quebra da natalidade, travando o crescimento da população,
as sociedades altamente desenvolvidas têm atualmente taxas de natalidade e de mortalidade
relativamente baixas.

O crescimento do rendimento, ou valor acrescentado pela atividade económica, tem de se


explicar pelo aumento dos recursos humanos e produzidos disponíveis para utilizar nessa
atividade e pelo aumento da produtividade desses recursos.

O aumento da produtividade foi, por sua vez, resultado de vários fatores:

 O aumento da dotação de capital físico por trabalhador, resultado do investimento em


formação de capital físico;
 Aumento da qualificação da mão-de-obra, resultado do investimento na formação do
que é por vezes denominado o capital humano;
 O progresso da tecnologia incorporada no capital físico;
 O aperfeiçoamento das instituições sociais e da organização das unidades económicas
 E a intensificação da especialização regional das produções

O aumento do rendimento significou sobretudo consumo adicional e, portanto, maior


satisfação de necessidades, isto é, maior nível de vida. Significou também maior
disponibilidade de recursos para investimento, do qual resultou o aumento da dotação de
capital físico por trabalhador, que, por sua vez, foi um dos fatores do próprio processo do
CEM.

O processo do CEM foi acompanhado de um aumento da desigualdade da distribuição do


rendimento entre os seres humanos, concomitante do aumento do seu rendimento médio.

O aumento da desigualdade entre as economias nacionais ao longo da maior parte do CEM


resultou do facto de o processo se ter iniciado num número relativamente pequeno de
economias nacionais da economia-mundo euro-atlântica e ter alastrado para outras economias
nacionais de forma a princípio muito gradual, depois cada vez mais acelerada. Só em finais do
século XX essa aceleração parece ter chegado ao limiar que permite reverter o aumento global
da desigualdade entre as economias nacionais.
As flutuações da desigualdade no interior das economias nacionais explicam-se por dois
fatores:

a) Constante tensão entre a introdução de inovações para as quais a generalidade da


população não está preparada e que tendem, por isso, a beneficiar inicialmente
apenas uma minoria e a tendência para a gradual adaptação da generalidade da
população a essas inovações, permitindo o gozo generalizado dos seus benefícios;
b) Intervenção (ou não) dos poderes públicos no sentido da redistribuição dos
rendimentos, através do sistema fiscal e do fornecimento de bens públicos.

O processo do CEM desencadeou uma alteração muito grande da estrutura setorial da


economia. Antes do seu início, a maioria da população ativa e dos restantes recursos era
utilizada no setor primário, e os setores secundário e terciário eram claramente minoritários.

Numa primeira fase do CEM, a tendência foi para se verificar um processo de industrialização,
tornado o valor acrescentado da indústria maioritário na atividade económica, enquanto as
atividades do setor primário se tornaram gradualmente menos importantes do que a indústria
e os serviços.

Numa segunda fase do CEM, a tendência foi para se verificar um processo de terciarização,
tornando o valor acrescentado dos serviços maioritário na atividade económica, enquanto as
atividades industriais se tornaram gradualmente menos importantes do que os serviços.

Impacto do rendimento médio da população: à medida que o rendimento real dos


consumidores aumenta, a procura adicional resultante do aumento do rendimento vai-se
dirigindo sucessivamente para diferentes tipos de bens e serviços através do mecanismo da
elasticidade procura-rendimento, estimulando o crescimento de diferentes setores de
atividade económica.

Como resultado da alteração da estrutura setorial da economia, pode dizer-se que a economia
mundial contemporânea que se veio a formar na sequência do processo do CEM já não é uma
economia de predação, nem de cultivo, mas é sim uma economia de transformação.

Outra das consequências do CEM foi a intensificação das relações económicas entre as
economias globais, isto é, entre os espaços praticamente autossuficientes existentes antes do
início do processo do CEM, e entre as economias parciais existentes no seio de algumas dessas
economias globais. Essa intensificação das relações económicas inter-regionais e
internacionais conduziu à formação do que pode ser denominado a economia mundial
contemporânea.

 Sistema económico: articulação do modo de organização e do modo de


funcionamento de uma economia.
 Modo de organização de uma economia: estrutura das unidades económicas
existentes nessa economia.

 Modo de funcionamento de uma economia: forma de as unidades económicas de


uma economia compatibilizarem as suas atividades.

Tipos de modos de organização de uma economia:

 Economias onde predominam as unidades de autoconsumo, isto é, unidades sem


especialização funcional ou setorial da atividade económica, que são simultaneamente
unidades de produção, de consumo e de acumulação.
 Economias onde predominam as unidades com especialização setorial, mas sem
especialização funcional de atividades, as quais são simultaneamente unidades de
produção, de consumo e de acumulação.
 Economias onde predominam as unidades com especialização funcional da atividade
económica, isto é, existem, por um lado, unidades de consumo sobretudo de tipo
familiar, por outro lado, unidades de produção sobretudo de tipo empresarial e estatal
sectorialmente especializadas.

Tipos de modos de funcionamento de uma economia:

 Modo de funcionamento de rotina, em que a compatibilização das atividades das


unidades económicas é obtida pela repetição de planos de atividades já
experimentados no passado.
 Modo de funcionamento de mando, em que a compatibilização das atividades das
unidades económicas é obtida pela obediência a um macroplano elaborado por uma
autoridade que detém o poder político.
 Modo de funcionamento de mercado, em que a compatibilização das atividades das
unidades económicas é obtida pelos mecanismos das restrições orçamentais a nível de
cada unidade económica e dos preços a nível do relacionamento entre as unidades
económicas e dos preços a nível do relacionamento entre as unidades económicas nos
mercados dos vários bens em sentido lato.

No que diz respeito ao modo de organização da economia, o processo do CEM foi


acompanhado por transformações importantes das unidades económicas. Essas
transformações assumiram os seguintes traços principais:

 Diminuição da importância relativa das unidades de tipo artesanal, que conjugavam


as funções de consumo e produção;
 Aumento concomitante de importância relativa das unidades de tipo familiar e
empresarial, especializadas, respetivamente, na função do consumo e na função da
produção;
 Aumento do tamanho médio das unidades de tipo empresarial, acompanhado por
uma tendência concomitante para o aumento da complexidade da organização interna
e dos esquemas de financiamento das suas atividades;
 Acentuar da gama de graus de intervenção dos estados na vida económica, desde as
situações de intervenção restrita ao fornecimento dos bens públicos puros, até à
planificação integral da vida económica, passando por níveis e formas muito variados
de fornecimento de bens públicos de mérito, de implementação de políticas
económicas de curto e de longo prazo e de regulação parcial da vida económica;
 Aumento da importância das associações, quer no interior das economias parciais,
quer no contexto de economia internacional, quer reunindo pessoas individuais, quer
reunindo agentes económicos de natureza familiar, empresarial e mesmo estatal.

No que respeita ao modo de funcionamento, importa notar que o modo de funcionamento de


mercado, que era o modo de funcionamento dominante da economia-mundo euro-atlântica,
tornou-se o modo de funcionamento dominante da economia mundial contemporânea.

3 – Os primórdios do CEM (finais do século XVIII e princípios do século


XIX)

A – O quadro tecnológico dos primórdios do CEM

A rotação contínua de culturas:

A principal inovação tecnológica no setor primário da economia no arranque do CEM foi a


rotação contínua de culturas, que permitiu superar a necessidade de pousio. Passou-se a fazer
rotação entre cultivo de cereais e de forragens, o que tem uma dupla vantagem: por um lado,
as forragens regeneram o solo; por outro lado, a disponibilidade de forragens permite um
aumento da criação de gado, que por sua vez retroage sobre a regeneração do solo, devido à
maior disponibilidade de estrume.

A difusão deste esquema melhorou a qualidade da lavra das terras, porque a abundância de
forragens permitiu aumentar em número e em qualidade os animais de tiro, quer para
transportes, quer para trabalhos agrícolas, em particular com a substituição de gado bovino
por gado cavalar. Houve também progresso dos instrumentos aratórios, que passaram a ser de
metal, aumentando a produtividade.

A rotação de culturas obrigou a que a criação de gado passasse a ser feita preferencialmente
em regime de estabulação e a estrumação passasse a ser feita artificialmente, articulou-se
deste modo, com a vedação permanente dos campos.

A máquina a vapor:
A máquina de vapor é a principal inovação tecnológica do arranque do CEM, tendo-se tornado
o símbolo tecnológico da primeira Revolução Industrial, pois permitiu enormes ganhos de
produtividade, tornando a Europa o grande centro industrial mundial.

O setor em que a utilização da máquina a vapor primeiro alastrou foi o da indústria têxtil,
graças à introdução de máquinas de fiar e de tear/tecer, ainda antes da sua aplicação em
navios e comboios. A mais fácil adaptação destas inovações ao trabalho com o algodão fez com
que fosse a indústria têxtil de algodão a que apresentou maior dinamismo e maior
dependência em relação a fornecimentos de fora da Europa para fornecimento da matéria-
prima.

A energia hidráulica:

Uma parte significativa da indústria fabril ligada ao arranque do CEM utilizou a tradicional
energia hidráulica, isto é, energia proporcionada por correntes fluviais, cujo aproveitamento foi
igualmente melhorado.

O progresso das vias de transporte artificiais e dos meios de transporte:

Os primórdios do CEM foram acompanhados por alguns progressos nos transportes, devidos
ao alastramento de vias de comunicação artificiais, nomeadamente canais e estradas, a
inovações na sua construção e ao aparecimento do navio a vapor.

Os canais e estradas:

Os canais foram muito importantes, porque o transporte aquático era muito mais eficiente
que o terrestre. Por outro lado, o transporte aquático utilizava frequentemente fontes de
energia grátis (vento e correntes) e mesmo quando utilizava fontes de energia pagas, conseguia
fazê-lo com mais eficiência do que os transportes terrestres. Por isso, o alargamento da rede de
transportes fluviais pela construção de canais foi uma forma de embaratecer os transportes
internos.

Pela maior eficiência dos transportes aquáticos, a importância das estradas foi geralmente
menor do que a dos canais, exceto nas regiões onde os canais não podiam penetrar, de
qualquer maneira, as estradas desempenharam igualmente o seu papel na primeira fase de
modernização dos transportes.

O navio a vapor:

Uma das primeiras aplicações para a máquina a vapor foi a propulsão de navios. Só no início do
século XIX este se concretizou como inovação económica, na navegação fluvial.

O navio à vela tem uma vantagem: fonte de energia grátis e não havia ocupação de espaço
com o combustível. Por esta última razão, inicialmente o navio a vapor só teve sucesso na
navegação fluvial e costeira, nas quais o reabastecimento podia ser frequente, e, portanto, a
perda de espaço para o armazenamento era reduzida, mas demorou a impor-se no transporte
marítimo.
B – O quadro institucional dos primórdios do CEM

O liberalismo económico:

As transformações que desencadearam o CEM foram acompanhadas por alterações profundas


no domínio político e no domínio cultural da vida social, que por sua vez se repercutiram no
domínio económico. Neste contexto, a atitude dos agentes económicos face à atividade
económica e à sua transformação foi marcada por uma atitude liberal e individualista.

Liberal na medida em que uma regulação e interferência estatais mínimas no funcionamento


dos mercados passaram a ser encaradas como boas para a prosperidade económica.

Individualista na medida em que a capacidade e o esforço individuais passaram a ser


encarados como o fundamento da situação social e económica de cada pessoa.

Isto teve implicações:

 Sob o ponto de vista da estratificação social – perda de relevo da estratificação em


ordem, de base jurídica, face à estratificação em classes, de base económica (a riqueza
fruto do trabalho, poupança e engenho tornou-se a fonte de ascensão e mobilidade
social).
 Sob o ponto de vista político – substituiu-se os regimes de hereditariedade por
regimes baseados na escolha por eleição.
 Sob o ponto de vista económico – significou o abandono da proteção e privilégio
estatal como base para a criação e expansão de negócios.

O processo da vedação das terras:

Este processo envolveu a sujeição da terra a um regime de estrita propriedade privada, com
desaparecimento da propriedade comunitária e de restrições sobre a utilização da propriedade
privada.

Este processo obrigou ao abandono de antigas práticas comunitárias, que reduziam o incentivo
à introdução de inovação, permitindo a total apropriação privada dos ganhos resultantes
dessas inovações o que levou ao aparecimento de muitas empresas no setor agrícola.

Perspetivas críticas sobre o capitalismo de mercado e primórdios do sindicalismo operário:

A extensão do modo de organização capitalista e do modo de funcionamento de mercado não


deixaram de suscitar, desde os seus primórdios, visões críticas. Inicialmente essas visões
críticas assumiram quase exclusivamente uma perspetiva tradicionalista, propondo o regresso
às instituições anteriores ao CEM.

Além disso, o ascendente ideológico do liberalismo e do domínio da burguesia levaram a que


no arranque do CEM houvesse uma tendência para o desaparecimento das tradicionais
corporações de artesãos e para a sua substituição por associações operárias precursoras do
sindicalismo operário enfrentassem hostilidade social e mesmo proibição legal nalguns casos.
C – Negócios e empresas nos primórdios do CEM

Penetração do capitalismo na agricultura:

Os mercados dos produtos da agricultura e da criação de gado nunca deixaram de ser neste
período mercados de concorrência quase perfeita, devido ao grande número de produtores
de cada bem e à homogeneidade desses bens. As empresas capitalistas que surgiram no setor
primário da economia foram, portanto, empresas relativamente simples, com uma única
unidade produtiva, uma quinta, de propriedade tipicamente individual e organização interna
centralizada e não departamentalizada, naturalmente gerida pelo proprietário.

As transformações tecnológicas e institucionais no setor agrícola foram fundamentais para o


arranque do CEM, pois era no domínio da disponibilidade de bens alimentares que se
verificavam os bloqueios fundamentais a um crescimento significativo da economia. Com os
aumentos da produtividade permitidos pelas transformações agrícolas, foi possível libertar
recursos para aplicar noutros setores. Em particular, foi possível libertar recursos humanos para
emprego no mundo urbano, sobretudo na atividade industrial.

A nova organização industrial – alastramento do sistema fabril com base na maquinofatura:

A aplicação na indústria dos recursos libertados pelas transformações da agricultura permitiu


um enorme aumento da produção da indústria transformadora. Tendo em conta a maior
procura de bens para satisfação de necessidades de vestuário (fruto do aumento do
rendimento) levou a que o aumento da produção da indústria tendesse a ocorrer na indústria
têxtil.

As inovações tecnológicas amplificaram a expansão da indústria transformadora, tendo tido


como principais consequências organizativas o progresso da indústria capitalista fabril, em
detrimento das outras formas organizativas, e a introdução e o progresso da maquinofatura
substituindo a manufatura como forma de indústria capitalista fabril.

Estas transformações foram consequência das vantagens competitivas proporcionadas pelas


reduções de custos permitidas pela utilização simultânea para as várias operações produtivas
da energia da máquina a vapor. O aproveitamento das reduções de custos permitidas pela
utilização da energia fornecida pela máquina a vapor implicava a concentração das operações
produtivas num único local, daí que a máquina a vapor favoreça o progresso da indústria
capitalista fabril.

Tipos de mercados e empresas:

Apesar das alterações, o tipo de mercado predominante nos mercados dos bens mais
profundamente tocados por estas transformações, continuaram a ser mercados de
concorrência quase perfeita (mercados em que competia um número muito elevado de
pequenas empresas, sem o aparecimento de empresas líderes). Este facto é uma consequência
da manutenção de uma estrutura de custos em que os custos variáveis, associados à
necessidade de capital circulante, pesavam mais do que os custos fixos, associados à
necessidade de capital fixo. Por isso, não se geraram barreiras significativas à entrada de
novas empresas no mercado.

Isto contribuiu para que a empresa típica da primeira fase da primeira revolução industrial
fosse uma empresa de tamanho relativamente pequeno, com uma única unidade produtiva e
mantendo as formas jurídicas e organizativas tradicionais. No que respeita às formas jurídicas,
tratava-se de empresas em nome individual ou sociedades propriamente ditas com
responsabilidade ilimitada. No que respeita às formas organizativas, tratava-se de empresas
centralizadas e não departamentalizadas, nas quais os proprietários se envolviam na
generalidade dos níveis da gestão.

Organização dos transportes:

A organização das empresas capitalistas de transportes era mais complexa do que a das
organizações capitalistas industriais, devido às exigências colocadas pela atuação nos vários
locais entre os quais se realiza o transporte.

Por um lado, a proporção de capital fixo era maioritária nos seus custos (canais e estradas),
criando barreiras à entrada de novas empresas. Por outro lado, a especificidade de localização
das vias de comunicação artificiais criava monopólios naturais.

O financiamento:

O financiamento das inovações tinha exigências diversas conforme os setores:

 Agricultura: a introdução da rotação contínua de culturas e o processo de vedação das


terras pôde assentar quase exclusivamente no autofinanciamento e no crédito
informal.
 Indústria: a introdução da maquinofatura e o processo do sistema fabril exigiu a
combinação do autofinanciamento ou do crédito informal a longo prazo com crédito
bancário a curto prazo.
 Transportes: o desenvolvimento e alastramento de vias de comunicação artificiais,
nomeadamente canais e estradas, e a utilização do navio a vapor, foram o setor que
mais solicitou a obtenção de meios financeiros através do mercado de capitais.

Autofinanciamento:

O autofinanciamento de empreendimentos capitalistas exige a posse de uma fortuna prévia ou


o reinvestimento de lucros. As limitações do autofinanciamento são, contudo, óbvias. O
desenvolvimento de uma economia capitalista nunca foi possível sem o recurso ao crédito.

Crédito informal:

Crédito informal de longo prazo a empreendimentos pressupõe a existência de redes de


confiança social que permitam aos mutuantes possuir garantias não relacionadas com a
fortuna dos mutuários e aos potenciais mutuários obter condições que sejam compatíveis com
as características dos negócios que pretendem iniciar.
A banca comercial:

Foi crucial para o desenvolvimento da indústria capitalista no arranque do CEM, pois o


financiamento de curto prazo do capital circulante era realizado através de crédito bancário de
curto prazo do capital circulante utilizado era tipicamente realizado através de crédito bancário
de curto prazo.

A atividade de um banco comercial baseava-se na obtenção de fundos através da receção de


depósitos à ordem, isto é, movimentáveis e recuperáveis a qualquer momento, e na realização
de empréstimos através do desconte de letras comerciais, isto é, de ordens de pagamento com
prazos curtos sacadas pelos fornecedores e aceites pelos compradores em troca de entrega de
mercadorias.

O mercado de capitais:

A sua importância (da emissão de ações e obrigações) foi menor que a das outras formas de
financiamento, devido às limitações ao estabelecimento de empresas sob a forma de
sociedades de responsabilidade limitada. O final do século XVIII foram marcados por uma
atividade relevante nos mercados de capitais o que levou ao aparecimento das modernas
bolsas de valores.

D – Outros aspetos dos primórdios do CEM

A lentidão das transformações:

A difusão do processo de CEM em termos setoriais e espaciais foi lenta. Apesar da redução dos
custos de transação (proveniente dos ganhos de produtividade e desenvolvimento dos
transportes), os sistemas produtivos tradicionais persistiram em muitos setores e regiões por
bastante tempo, o que revela que as vantagens relativas do novo sistema só lentamente se
impuseram.

Impacto geográfico dos primórdios do CEM:

As inovações principais dos primórdios do CEM apenas alastraram significativamente para


algumas regiões da Europa do Noroeste. As suas repercussões fizeram-se, porém, sentir em
zonas muito mais vastas.

Todo o conjunto da economia-mundo euro-atlântica foi afetado, na medida em que o facto de


a economia britânica ter sido a economia nacional em que mais precocemente se difundiu o
processo de CEM conduziu ao reforço da hegemonia britânica no seio desse espaço
económico. Toda a humanidade foi afetada, na medida em que as potencialidades de um
alargamento do espaço abrangido pela economia-mundo euro-atlântica, correspondente ao
arranque definitivo do que se pode designar o seu processo de planetização.
4 – Consolidação do CEM (meados do século XIX)

A – O quadro tecnológico da consolidação do CEM:

O caminho-de-ferro:

Sob o ponto de vista tecnológico, o caminho-de-ferro é a conjugação de duas inovações: o uso


de um leito constituído por carris de ferro para facilitar a movimentação de veículos e o uso da
máquina a vapor como motor de um veículo. As décadas seguintes a 1830 assistiram à rápida
difusão desta inovação, fenómeno que é preciso compreender no contexto das
transformações que ela implicou e potenciou no conjunto da economia.

O caminho-de-ferro e a transformação dos transportes terrestres:

A principal novidade do caminho-de-ferro em termos de impacto no conjunto da economia foi


a criação de um modo de transporte terrestre de eficiência comparável ao transporte
aquático. O aparecimento do caminho-de-ferro fez desaparecer o hiato até então existente
entre o transporte terrestre e o transporte aquático no que respeita à capacidade de
movimentação de carga e ao custo associado a essa movimentação.

A partir do aparecimento do caminho-de-ferro, os transportes internos a longa distância


passaram a ser preferencialmente assegurados pelo novo setor ferroviário, sendo as estradas
remetidas para uma função de vias de circulação auxiliar de âmbito local e tendendo a canais e
a navegação de cabotagem a perder gradualmente qualquer papel nesse domínio.

O telégrafo:

O setor que sofre talvez a mais radical transformação neste período foi o das comunicações,
com a introdução do primeiro meio de comunicação não dependente de qualquer meio de
transporte. Pode dizer-se que se construiu gradualmente uma rede mundial de comunicação
através do telégrafo elétrico.

As transformações da agricultura:

As principais inovações no setor agrícola foram a sua mecanização e o uso de adubos naturais.

A mecanização fez-se sentir ao nível das operações realizadas em locais fixos (por exemplo,
debulha dos cereais) e não no cultivo dos campos propriamente dito, pois não havia nenhum
veículo terrestre que não circulasse sobre carris. A utilização de adubos naturais foi possível
devido ao progresso nos transportes oceânicos (traziam produtos das colónias).

Isto permitiu um grande impulso à produção agrícola.

As transformações na indústria:
A indústria siderúrgica foi o ramo que apresentou maio dinamismo durante o que pode ser
designado por segunda fase da primeira revolução industrial. Tal dinamismo foi em parte
resultado da procura de materiais para a fabricação de bens de produção para a generalidade
dos setores da economia e em parte resultado do aparecimento de importantes inovações nos
processos de fabricação do aço e de purificação dos minérios de ferro.

Também na indústria têxtil se verificaram inovações importantes, em rigor consequência do


desenvolvimento paralelo da indústria química.

O navio a vapor oceânico:

O navio a vapor oceânico passou a ter um uso mais generalizado devido à ultrapassagem de
dois problemas que impediam a sua utilização rentável nas rotas oceânicas: substituição das
rodas laterais pela hélice terminal submersa; substituição do casco de madeira pelo casco
metálico, que levou ao aumento da arqueação bruta dos navios.

Como consequência, conseguiu-se diminuir a extensão dos trajetos e aumentar a velocidade


do movimento, o que, em conjunto com o aumento da capacidade de carga e da especialização
dos navios, reduziu os custos de transporte.

Os canais interoceânicos:

A redução dos custos e tempos de viagem foi ainda acentuada pela construção de canais
interoceânicos, como o Canal do Suez.

Os serviços de correio:

Os progressos nos transportes e comunicações permitiram aumentar, na maioria dos países, a


eficiência dos serviços de correio, o que teve grande impacto na vida económica.

B – O quadro institucional da consolidação do CEM:

O livre-cambismo:

O primeiro impulso em direção a políticas livre-cambistas foi dado pelo Britânicos na década de
40 do século XIX, com a abolição de duas leis protecionistas fundamentais na sua vida
económica: corn laws (leis dos cereais, que estabeleciam direitos aduaneiros compensatórios
para que os cereais importados não fossem vendidos a preço inferior à produção nacional) e
navigation laws (reservavam a navegação de cabotagem a navios britânicos).

Estas leis foram fundamentais nos primórdios do CEM para os britânicos. O seu abandono
manifesta um ambiente de confiança de que a sua economia não seria prejudicada pela
concorrência externa. Confiança de que o seu sistema fiscal, através de impostos diretos, seria
capaz de compensar a redução das receitas públicas derivada da abolição de direitos
aduaneiros. Este ambiente de confiança no comércio internacional generalizou-se nas décadas
seguintes a outros países europeus e do mundo.

A abertura de novos parceiros comerciais:

Alguns espaços económicos estiveram até então fechados à interação com a economia-mundo
euro-atlântica (por várias razões, como difícil acessibilidade; menor eficiência dos transportes
terrestres; problemas sanitários; opção política; etc).

Neste período, as dificuldades reduziram-se e deixou de haver grandes obstáculos à


planetização da economia-mundo euro-atlântica. A acessibilidade melhorou com os caminhos
de ferro. Os problemas sanitários foram controlados com a utilização de fármacos. Os quadros
políticos que colocavam obstáculos foram suprimidos.

Os primórdios do socialismo:

Em meados do século XIX surgiram críticas ao modo de organização capitalista e ao modo de


funcionamento de mercado já não de natureza tradicionalista, mas que apontavam para uma
transformação mais radical como solução para os problemas da sociedade moderna em
consolidação.

Nestas doutrinas, a desigualdade de distribuição da riqueza e do rendimento e o


funcionamento caótico dos mecanismos de mercado, que conduzia a crises, deviam ser
corrigidos pela abolição da propriedade privada, pela redistribuição da riqueza e do
rendimento e pela planificação da vida económica.

Surgiram os pilares basilares das doutrinas socialistas.

O sindicalismo operário:

Esta época assistiu também à consolidação não só do CEM, mas do sindicalismo operário,
devido ao desenvolvimento de setores com pessoal operário especializado e dificilmente
substituível sem custos elevados para as empresas, num contexto de custos elevados de
utilização e manutenção de equipamentos muito dispendiosos.

Você também pode gostar