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TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA: AVALIAÇÃO E

ENCAMINHAMENTOS DE UM CASO POR MEIO DO INVENTÁRIO PORTAGE


OPERACIONALIZADO

Giovana Maria Mourinho Ferreira* (Psicologia Geral e Análise do Comportamento,


Universidade Estadual de Londrina, Londrina - PR, Brasil); Silvia Cristiane Murari (Psicologia
Geral e Análise do Comportamento, Universidade Estadual de Londrina, Londrina - PR, Brasil).
contato: giovanamourinho96@gmail.com
Palavras-chave: Autismo. Identificação precoce. Portage

Introdução
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) não possui etiologia definida, as variáveis que o
determinam estão relacionadas com a história de aprendizagem, reforçamento e interações
sociais estabelecidas nos primeiros anos do desenvolvimento. O grau de seu comprometimento
depende, em parte, do quão precocemente os primeiros sinais de seu desenvolvimento são
detectados assim como de quanto tempo leva para o início do tratamento se dar após os
resultados da avaliação serem positivos para o TEA.
Charman e Baird (2002), afirmam que é possível identificar e diagnosticar o TEA entre
os 2 e 3 anos de idade e apontam ainda que há evidências crescentes de que a intervenção
precoce traz melhoras no quadro clínico dos transtornos do espectro autístico. A identificação
antecipada também se apresenta como um fator importante no que diz respeito à família,
educadores e profissionais da saúde que se tornam mais vigilantes e atentos para os possíveis
sinais de risco para o TEA.
A identificação precoce envolve uma avaliação detalhada dos comportamentos da
criança e dos ambientes que ela frequenta. Muitos instrumentos estão envolvidos neste processo
podendo ter a forma de entrevistas, questionários, protocolos de observação ou ainda podem
incluir relatos dos pais, análises de vídeos familiares entre outros recursos.
Para a Análise do Comportamento eventos específicos poderiam resultar em
comportamentos considerados desajustados e característicos do TEA. Estes repertórios, são
instalados e mantidos por meio de respostas ao ambiente físico, mais eficazes na obtenção de
consequências reforçadoras, estas, por sua vez, não são perceptíveis facilmente e requerem uma
análise detalhada e atenta voltada para os efeitos que provocam, assim como os eventos que
antecedem os comportamentos que as produzem (Goulart; Assis, 2002).
A intervenção analítico comportamental nos quadros de TEA tem como objetivo
desenvolver, repertórios de habilidades sociais relevantes e reduzir repertórios inadequados
contribuindo para a melhora da qualidade de vida dos indivíduos por meio do ensino sistemático
de habilidades relativamente simples, como olhar para os outros, até atos complexos como
comunicação espontânea e interação social.
O Inventário Portage Operacionalizado (IPO) é um instrumento de coleta de dados por
meio da observação de crianças na faixa etária de 0 a 6 anos, é composto de 580 itens e foi
adaptado por duas psicólogas brasileiras, Williams e Aiello (2001), que traduziram o instrumento
para o português e operacionalizaram cada um dos itens, propondo definições, critérios,
especificação das condições de avaliação e descrição do material a ser utilizado (Lima; Miura,
2015).
A avaliação contempla 5 áreas compreendidas como: 1) motora – capacidade da criança
controlar seus músculos e mover-se com desenvoltura em situações cotidianas como resultado da
prática ou experiência em geral; 2) autocuidado – ação que o indivíduo exerce sobre si mesmo
para manter-se seguro e com qualidade de vida de forma responsável; 3) cognição – envolve
aspectos relacionados à percepção, memória, raciocínio e pensamento que fazem parte do
desenvolvimento intelectual adquiridos ao longo da vida do sujeito; 4) socialização – processo
que envolve hábitos característicos de um grupo social que torna os indivíduos membros
funcionais de uma comunidade e 5) linguagem – capacidade especificamente humana para a
aquisição e utilização de sistemas complexos de comunicação (Willians; Aiello, 2001).

Método
O presente trabalho foi realizado com uma criança de 4 anos, sexo masculino, estudante
de um Centro de Educação Infantil (CEI) da cidade de Londrina. A equipe pedagógica da
instituição entrou em contato com a docente responsável pelo projeto “Conhecendo o Transtorno
do Espectro Autista” da Universidade Estadual de Londrina, solicitando acompanhamento e
avaliação do aluno, uma vez que os professores que o acompanham identificaram dificuldades
apresentadas por ele no que se refere principalmente à fala e socialização. Os responsáveis
assinaram um termo de compromisso livre e esclarecido para que pudéssemos realizar o
trabalho.
Foi realizada inicialmente, na casa dos pais da criança, coleta de dados referentes à
história de vida e histórico da queixa, em uma sessão, por meio de Roteiro de Anamnese e
questionário M-CHAT. Em seguida, realizamos observação da criança, em sala de aula,
juntamente com os colegas e professoras, onde pudemos ver as interações da criança e as
atividades rotineiras da escola.
Foram realizadas 5 sessões com o sujeito, de aproximadamente 1 hora cada, em uma sala
do CEI, onde foram propostas à ele atividades presentes no Inventário Portage, referentes às
áreas de desenvolvimento motor, autocuidados, cognição, socialização e linguagem. Os dados
foram registrados em vídeos e fichas de acompanhamento.
Além da entrevista com os pais da criança, os professores e a equipe pedagógica também
foram ouvidos a fim de fornecerem dados acerca das interações e atividades das quais ele
participava.

Resultados e Discussões
Os resultados da avaliação nos proporcionaram contato com o repertório comportamental
da criança, indicando os aspectos a serem considerados na elaboração de um plano de
intervenção. Com relação ao desenvolvimento motor o sujeito desempenhou ações esperadas
para sua faixa etária. As maiores dificuldades envolveram coordenação motora fina em
atividades como modelar massinha e fazer dobraduras simples em um papel.
No que se refere ao autocuidado, a criança apresentou certa autonomia principalmente no
ambiente escolar, mas em casa apresenta maiores dificuldades na realização de algumas das
atividades propostas e relatadas pelos pais. Observamos que a antecipação dos familiares a
alguns de seus comportamentos tais como vestir-se, tomar banho, entre outros dificultam que a
criança tome iniciativa frente a algumas situações e consequentemente desenvolva determinadas
habilidades. Ainda vemos, que a maior parte de seus comportamentos no que diz respeito às
ações que exerce sobre si mesmo para preservar sua boa qualidade de vida são adequados à sua
faixa etária.
No que diz respeito à cognição, observa-se que o sujeito apresenta dificuldades na
realização de atividades que envolvem comportamentos de imitação e reconhecimento de ações,
seja em figuras, seja em outras pessoas. Ainda, apresenta muita facilidade no que se refere ao
encaixe de peças e emparelhamento de figuras geométricas. Com relação à socialização, a
criança apresentou bom desempenho e habilidades importantes para o seu desenvolvimento. O
maior déficit observado se relaciona ao não reconhecimento de expressão de sentimento por
parte de outras pessoas.
Na avaliação da linguagem, observamos que muitas de suas falas são de difícil
compreensão e ainda não muito bem desenvolvidas. As maiores dificuldades estão relacionadas
ao responder perguntas tais como: “o que está fazendo?”, “o que é isto?”, etc. Além de não
conseguir indicar e nomear objetos comuns.

Conclusão
Após a organização dos dados, os pais e a equipe pedagógica foram reunidos para
exposição dos resultados da avaliação. Os dados obtidos corroboraram com as queixas e
observações trazidas por eles nos contatos iniciais. Além disso, foi apresentada e discutida a
compreensão sobre o diagnóstico de TEA, segundo a Análise do Comportamento e explicado
que os comportamentos da criança deveriam ser trabalhados considerando sua função e a história
de vida na qual estes comportamentos produziram consequências que os selecionaram e os
mantêm até o presente momento.
A partir disso, a proposta seria intervir prioritariamente no comportamento de birra
apresentado pelo sujeito, tendo em vista que este impede que ele desenvolva outras habilidades
incluindo sociais e de comunicação. Ainda, ficaram estabelecidos que fossem trabalhados
comportamentos de imitação e reconhecimento de ações, reconhecimento de expressões de
sentimentos, convívio com outras crianças e a coordenação motora fina.
Foi sugerido aos pais que procurassem um profissional da fonoaudiologia para auxiliar a
criança nas dificuldades que tem apresentado em relação à linguagem assim como sugerimos que
buscassem um neuropediatra para que fossem realizados exames, dando continuidade à
avaliação.
O papel dos pais e dos educadores tem se mostrado fundamental neste processo, uma vez
que essas pessoas convivem diariamente com a criança, conhecem suas preferências e
necessidades e demonstram engajamento nas atividades trabalhadas com o sujeito até agora. As
orientações, principalmente aos pais, visam o envolvimento da criança em um maior número de
relações e o fortalecimento nas que já está inserido.
Entendendo que os comportamentos apresentados pela criança são aprendidos, buscamos
orientar as pessoas que convivem com ela a ensiná-la novos comportamentos por meio de
aproximações sucessivas, modelação e a produção de variabilidade comportamental, facilitando
assim a seleção de comportamentos mais adaptativos contribuindo para o seu desenvolvimento e
melhora na qualidade de vida.

Referências:

American Psychiatric Association. Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais (5ª


ed.). Porto Alegre:Artmed. 2014.

Charman, T.; BAIRD, G. Practioner review: Diagnosis of autism spectrum disorder in 2- and
3-year-old children. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 43(3), 289-305; 2002.

Goulart, Paulo; Assis, Grauben José Alves de. Estudos sobre autismo em análise do
comportamento: aspectos metodológicos. Rev. bras. ter. comport. cogn., São Paulo , v. 4, n.
2, p. 151-165, dez. 2002.

Lima, M.N; Miura, R.K.K. Análise do Desenvolvimento de crianças por meio de Inventário
Comportamental. V Seminário Internacional sobre Profissionalização Docente, PUCPR. 2015.

Williams, L.C.A.; Aiello, A.L.R. O Inventário Portage operacionalizado:


intervenção com famílias. São Paulo: Memnon. 2001

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