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Anos de Chumbo e a Importância do Processo de

Redemocratização

Tema: Estado Democrático de Direito: Os Avanços da CF/88

Que a Constituição Federal de 1988 é um dos documentos mais importantes da


realidade brasileira não é uma novidade para nenhum brasileiro em solo pátrio. Conhecida
como a Carta Magna, o documento da liberdade, ela é uma mensagem clara e cristalina como
a água, de que sua matéria não é nada mais, nada menos do que a liberdade do ser humano,
desde o momento em que ele nasceu, até o momento em que seu coração der a última batida,
desde que a criança começou a frequentar a escola, até ela entrar com processo no judiciário.
Muitas vezes atacada, sempre questionada, mas incontrolavelmente respeitada e referida na
resolução de uma Lide, seja ela pública ou particular. A Constituição Federal, até hoje, desde
1988, tornou-se um dos documentos mais importantes, devido ao contexto em que ela foi
criada, já que como disse anteriormente, ela é, acima de tudo, um documento que preserva a
liberdade, que mostra os direitos e deveres inerentes de um cidadão brasileiro.
Porém, como nem tudo é perfeito e não há avanço sem sacrifícios, é muito lindo
imaginarmos, acreditarmos nisso tudo, vivendo anos após a sua promulgação, porém a
pergunta que eu lhes faço é a seguinte: Vocês já pararam para pensar como era a vida antes
da CF de 88 ? Como era viver no Brasil nos anos 60 e 70 ? Como era passar seus dias tendo
medo de com quem falava e sobre o que falava ? Pois então, senhoras e senhores, é
exatamente esse o meu objetivo principal com esse painel. Não vou falar sobre como a CF é
maravilhosa, linda e uma verdadeira aula de legislação, mas sim, vou lhes dar o verdadeiro
motivo dela ser considerada talvez o mais importante documento da história brasileira, mas
antes, é necessário que voltemos um pouco no tempo, mais exatamente, começo da década de
60, final da década de 50.

A Guerra Fria e o Medo do Comunismo


Com o fim da Segunda Guerra mundial, em 1945, o mundo não estava preparado para
outro conflito generalizado como aconteceu desde 1932, porém a partir do momento que as
bombas atômicas explodiram no Japão, muitos países puderam ver a grande arma que os
EUA tinham guardada em seus bolsos e o medo era que ela poderia ser usada em qualquer
local. Os efeitos da criação dessa arma foi que o único oponente capaz de fazer frente aos
EUA era a própria União Soviética, já que foi ela que pôs um fim ao símbolo do partido
nazista daquela época e se aproveitou de grande parte da tecnologia de seus antigos inimigos
para dar um salto igual, senão até superior, que sua contra-parte norte americana. Muitas
vezes, imaginamos que o comunismo se tornou um medo a partir dos anos 50 e posteriores,
porém desde antes do fim da guerra, os norte americanos democratas tinham conhecimento
dos comunistas e, talvez até herdando um pouco do medo dos alemães daquela época, tinham
medo dessa máquina que ia contra tudo o que pregavam e apesar de terem trazido os
holofotes para si depois da explosão das bombas atômicas, não era surpresa para ninguém
que a União Soviética tomaria um passo a mostrar seu poder também, já que não demorou
muito para sua influência começar a chegar a beirada dos limites norte americanos, como por
exemplo, na crise dos mísseis de Cuba. A própria noção de que seus inimigos tinham uma
arma atômica em suas mãos era de se atentar medo e foi exatamente por isso que o “conflito”
ficou conhecido como Guerra Fria, pq não foi uma guerra propriamente dita, mas sim, uma
verdadeira queda de braço de países de polo capitalista, contra os países do bloco comunista,
em várias áreas, como nos esportes, na tecnologia, mas principalmente nas esferas bélicas e
de influência política.
Não era recomendável um conflito aberto, pois isso significa o fim de ambos os países
em guerra nuclear sem precedentes, dessa forma, os conflitos se tornaram mais escusos e
começaram a ocorrer no plano de fundo, culminando em conflitos em regiões de certa
importância para ambos. Não era um conflito armado contra um país em específico, era um
conflito armado contra uma ideia, contra uma ideologia, já que não fazia sentido dizimar um
país inteiro, já que, em muitos casos, eles compactuam com os ideais do país e lutavam
contra os inimigos que pensavam de forma contrária. Até mesmo países que não houveram
conflitos, ficavam sob vigilância de ambos os polos, para que na primeira oportunidade,
pudessem espalhar todo o seu veneno, trazendo esse país para o mesmo bloco em que, vários
outros estavam. Esse período, não se prendendo a anos e datas, foi marcado, ao menos pelo
lado capitalista, por um medo paulatino do Comunismo, um movimento conhecido como
Anticomunismo.
Claro, é de se esperar que essa campanha fosse algo mais escondida e que não ficasse
tão claro a intenção de ofender uma ideologia inteira, porém, é só pensar em filmes famosos
que vai ver que não é bem assim. Por exemplo, Rocky Balboa, os vários e vários filmes da
guerra do Vietnã e até mesmo alguns livros, como “"Podemos lembrar para você no atacado"
e “Second Variety” ambos do renomado autor Philip K. Dick. Claro que não poderíamos
deixar de fora o livro “1984” de George Orwell, além dos filmes de espionagem e de
operações secretas e de conspirações que se tornaram característicos em sempre, de certa
forma, criticar o modelo de governo da União Soviética, bem como apontar e deixar sempre
em evidência esse medo de uma ditadura comunista, como aconteceu com Stalin e
permaneceu uma marca registrada desse modelo de governo. Até mesmo nos desenhos essa
propaganda “anticomunista” era evidenciada, como em pica-pau, looney tunes e outros vários
que, mesmo em uma linguagem infantil e simbologias bestas, passavam uma mensagem clara
o suficiente para quem estivesse mais atento.
Esse pensamento tornou-se um estigma em muitos locais, já que, de ambas as partes,
era um verdadeiro processo de doutrinação e de educação política, onde de um lado tínhamos
os capitalistas dizendo “odeiem e temam os comunas” enquanto do outro lado, tínhamos os
comunistas falando “odeiem e temam os Yankees capitalistas”. Mas falando dessa forma, é
comum de se pensar que essa briga ideológica ficava apenas concentrada nos países acima do
equador, mas a atenção desses países se voltou para o Sul, quando em 1962, ocorreu a crise
dos mísseis de Cuba e pela primeira vez, desde a segunda guerra mundial, o continente Sul-
Americano aparecia no radar de ambos os pólos ideológicos como “possíveis aliados”

A Crise dos Mísseis e a Escola das Américas


Desde 1946, a parte sul do continente americano era alvo de propostas de aliança
política e militar. Haviam alguns países que, ainda nos tempos da guerra, concordavam e até
mesmo se ofereceram para participar do esforço de guerra contra a Alemanha Nazista, como
todos devem saber, o próprio Brasil na época enviou forças militares para lutar nos frontes
europeus e italianos, que precisavam de ajuda e de mão de obra. Claro que, para os
beligerantes, esse esforço conjunto era uma mensagem de que a américa, como um todo,
estaria sempre aliada aos capitalistas democráticos, talvez na parte democrática até vai, já que
o Brasil por exemplo, não vivia uma ditadura propriamente dita, mas Getúlio Vargas estava
disposto a ceder a oferta Nazista, já que ele mantinha boa relação com ambos os países, tanto
EUA como Alemanha, porém, o Brasil na época não poderia se manter contra uma possível
invasão americana, se tivessem se aliado ao Eixo, então estratégicamente e econômicamente
era mais vantajoso se aliar aos Aliados.
Um ano após o término da segunda guerra mundial, em 1946, foi instalada no
Panamá, o que ficou conhecido como “Escola das Américas” que de início, serviu como uma
base militar americana na América do Sul com sua missão principal de incentivar a
cooperação ou servir como instrumento para preparar das nações latino-americanas a
cooperar com os Estados Unidos e manter assim um equilíbrio político contendo a influência
crescente de organizações populares ou movimentos sociais de esquerda. que ficaram muito
fortes após o fim da guerra, evidentemente. No início, ela não tinha o nome de Escola das
Américas, mas sim de "Centro de Adestramento Latino-americano - Divisão da Terra",
posteriormente renomeada em 50 como Escola Caribenha do Exército dos Estados Unidos,
permanecendo no Panamá, mas dessa vez em outra base, mas somente em 63 que ela ficou
conhecida como Escola das Américas.
Mas por qual razão ela mudou de nome ? isso talvez possa ser respondido se
voltarmos a 62, quando ocorreu a famigerada “Crise dos Mísseis de Cuba”. Lembram-se que
em 46 a Escola das Américas foi implantada no Panamá para evitar que os ideais de esquerda
começassem a se propagar pela América do Sul ? Então, um dos países que se aliou à União
Soviética foi Cuba, e esse conflito foi o que chegou mais perto de um confronto direto entre
os dois polos políticos da época, um conflito em escala nuclear. A razão dessa crise foi que
Cuba era um país estrategicamente próximo aos Estados Unidos, então a União Soviética,
prometendo investimento e um salto econômico, fomentou em Cuba um movimento
comunista que favoreceu as visões da União Soviética que levaram Fidel Castro ao poder e,
como uma forma de agradecer ao auxílio, Cuba se tornou casa de uma série de baterias de
mísseis, todas elas apontadas para território Norte Americano, que rapidamente foi notado
pelo possível alvo dessa movimentação e prontamente houve bloqueios e sanções
econômicas, até mesmo o que pareceria dar início a mais um conflito em larga escala, só que,
dando um passo além, envolvendo o começo dos conflitos e do medo nuclear, de uma guerra
que poderia dizimar o planeta inteiro.
Esse período, de cerca de alguns dias, ficou conhecido como a Crise dos Mísseis de
Cuba e foi um período verdadeiramente tenso para todo o mundo, já que havia a possibilidade
de um conflito nuclear entre as duas maiores potências daquela época, a única diferença era
que a União Soviética permaneceria de pé, enquanto Cuba e os Estados Unidos simplesmente
seriam varridos do mapa graças ao arsenal, porém ao fim desse conflito, a antiga base militar
em Panamá finalmente tornou-se a Escola das Américas, só que as polêmicas não pararam
por aí. O presidente norte americano, bem como os ministros de segurança, tinham plena
noção que Cuba era uma pedra no sapato deles, tanto que em alguns documentários, há a
transcrição de que “Tomamos conhecimento de Cuba, quando um homem de Barba subiu ao
poder. Tomamos ciência do Brasil quando um homem de bigode saiu do poder. Cuba se foi,
se o Brasil for também, logo, será a América do Sul Inteira” dessa forma, um dos maiores
escândalos na época foi que a Escola das Américas se tornou uma grande universidade da
tortura, apoiando muitas ditaduras que vieram a surgir ao redor de todo o mundo,
especialmente a que iremos abordar agora.

Jango, a Reforma de Base e o Começo da Ditadura

João Goulart, também conhecido como Jango, foi o 24° presidente do Brasil, com o
seu mandato indo de 1961 até 1964. Assumindo a presidência após a saída de seu antigo
companheiro político Jânio Quadros, Jango assumiu o Brasil em um cenário político
minimamente conturbado, sendo considerado um dos governos republicanos mais atribulados
da história do nosso país, tanto que seu governo e as reformas de base culminaram no golpe
que deu origem a ditadura militar no Brasil.
Esse período foi tão conturbado pois fazendo parte da Quarta República (1946 - 1964)
foi considerado também a primeira experiência democrática do Brasil, período marcado por
uma forte agitação popular, tanto economicamente quanto politicamente e o processo de
urbanização. Debates políticos, buscando medidas mais democratizantes funcionavam como
um combustível ainda mais efetivo para esse período, tanto que o surgimento de partidos
políticos nessa época foi muito superior comparados aos anos anteriores e posteriores
(posteriores ao regime, obviamente).

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