Você está na página 1de 14

LINGUÍSTICA

PARA O ENSINO SUPERIOR 7

ANÁLISE do
DISCURSO
SEBASTIÃO JOSUÉ VOTRE
CAPÍTULO
1
Origens das análises
do discurso na França e
sua expansão no Brasil

Neste capítulo sobre a origem da análise do discurso, vou pedir para você fa-
zer três exercícios sobre ad. Vamos lá.

1 Inicialmente, peço que examine belo exercício de análise do discurso, feito


por Michel Pêcheux, fundador da ad, em 1983. Veja que há estreita relação
entre análise de temas políticos e a década de seu surgimento na Fran-
ça, de 1960 a 1970. Na análise do grito de guerra “on a gagné” (‘a gente
ganhou’) em O discurso: estrutura ou acontecimento?, o fundador da ad,
Michel Pêcheux, mostra haver muitas leituras para a gente: as esquerdas,
os sindicatos, os políticos de causas populares etc. Mostra também haver
várias leituras para o objeto do verbo ganhar, que não está expresso: o di-
reito de formação sindical, a esperança de fundar uma república socialista,
a possibilidade de diminuição da desigualdade econômica etc. Com base
no que acabo de apresentar e na leitura da análise de Pêcheux, diga o que
você entende por condições de produção e recepção.

2 Análise do discurso francesa no Brasil. No Instituto de Estudos da Linguagem


da unicamp, desenvolveu-se um polo de ensino e pesquisa em ad, sob lideran-
ça de Eni Orlandi, em estreita relação com pesquisadores franceses. Em várias
outras ies se desenvolvem estudos e pesquisas nesta vertente de análise do
discurso. Identifique pesquisadores que atuam em sua ies e interaja com au-
tores. Produza breve resenha crítica sobre a produtividade desta corrente.

3 Produção acadêmica sobre análise do discurso no Brasil. Entre no Google


acadêmico e faça um levantamento das editoras que publicam na área. Su-
giro que comece por Parábola, Pontes Editores e Contexto.

Sebastião Josué Votre 3


CAPÍTULO
2
Termos técnicos básicos
em análise do discurso

Neste capítulo, você se familiarizou com os principais conceitos utilizados na


análise do discurso. Vamos refletir sobre alguns desses conceitos e aplicá-los.

1 Para a primeira fase da análise do discurso francesa, o sujeito — enuncia-


dor — não é o dono de seu discurso por causa do efeito das formações
discursivas e ideológicas, que o transformam num sujeito assujeitado. Co-
mente esta afirmação.

2 Conforme você constatou ao ler Análise do discurso, eu tenho ressalvas so-


bre o poder da interferência da história e da ideologia na competência dis-
cursiva do sujeito. Por favor, assuma uma posição crítica em face das duas
atitudes: da comunidade discursiva da ad francesa e da minha. Estabeleça
uma relação entre memória discursiva e autonomia do sujeito, em que há
pressões poderosas, mas em que continua a haver espaço para o sujeito
autoral intencional.

3 O conceito de ethos diz respeito ao relato de si, ou com foco em si, para
formar uma imagem que o enunciador espera que seus interlocutores fa-
çam dele a partir de seu discurso. Escreva um parágrafo de até cinco linhas,
dando informações sobre você, para que seus leitores possam formar ou
confirmar uma imagem positiva a seu respeito.

4 O conceito de enunciação focaliza o processo discursivo, e não o resultado.


Avalie a afirmação seguinte: “Parte das ideias de um enunciado resulta da
negociação de sentidos no curso da conversa.”

Sebastião Josué Votre 5


CAPÍTULO
3
Principais correntes
de análise do discurso
ativas no Brasil

Neste capítulo, estão reunidas e descritas as principais correntes de análise


do discurso ativas no Brasil. Vamos fazer exercícios de análise com base em
algumas dessas correntes?

1 Análise de conteúdo e de discurso. Em 1910, Max Weber levantou algu-


mas questões sobre a imprensa: a) qual o papel da imprensa na confor-
mação do homem moderno? b) que influências exerce sobre os elemen-
tos culturais sociais? c) que deslocamentos produz nesses elementos?
d) o que se destrói ou é novamente criado nas esperanças coletivas? e)
que possíveis atitudes são destruídas para sempre? f) que novas atitudes
são criadas?
Quais dessas perguntas continuam válidas, hoje, sobre o papel das mídias?
E sobre o papel de cada um de nós, como autores, dentro e fora das redes
sociais?

2 Análise de conteúdo e de discurso. Tome o enunciado seguinte, do do-


cumento intitulado Carta da Terra da UNESCO, disponível na Internet: “O
meio ambiente global com seus recursos finitos é uma preocupação co-
mum de todas as pessoas.”

3 Análise de discurso crítica. O discurso sobre si pode ter a função de ethos,


de autoavaliação positiva ou de autocrítica contundente. Analise o enun-
ciado seguinte, que abre o capítulo sobre análise do discurso da lgbtfobia:
“Somos todos homofóbicos”.

Sebastião Josué Votre 7


4 Análise dialógica do discurso. Posicione-se sobre o acontecimento de diá-
logo e seus riscos. Veja o excerto seguinte do diálogo entre André e seu pai,
de Lavoura arcaica:
Pai: - “Não há proveito em atrapalhar nossas ideias, esqueça os teus
caprichos, meu filho, não afaste o teu pai da discussão dos teus
problemas”.
André: - “Não acredito na discussão dos meus problemas, não acredito
mais em troca de pontos de vista, estou convencido, pai, de que
uma planta nunca enxerga a outra”.

8 ANÁLISE DO DISCURSO para o ensino superior


CAPÍTULO
4
Análise crítica de
quatro temas polêmicos

Análise do discurso racista


1 Avalie o poder da memória discursiva no manifesto transcrito abaixo, do
“Coletivo Negro 20 de Novembro FGV”. Diga o que contribui para o tom
dramático do documento:
“Vivemos num país livre. Infelizmente essa liberdade muitas vezes é
tão somente formal. (…) Negros e negras são minoria nas prestigiadas
instituições de ensino superior. Homens negros são a maior parte da
população carcerária do país. Mulheres negras sofrem duas vezes mais
com o feminicídio do que mulheres brancas. Crianças negras são a gran-
de maioria do corpo discente do péssimo ensino público. lgbts negros
fazem parte de uma das populações mais vulneráveis para o desenvol-
vimento de doenças mentais. Sendo assim, o Coletivo 20 de Novembro
se levanta e diz: Basta!”

2 Por favor, faça análise crítica do discurso do guarda na charge transcrita


abaixo:
Te parei porque você parece um ladrão!
Mas relaxa! Não tem nada a ver com preconceito!
Racismo é coisa da sua cabeça!!

3 Critique a análise que propus no livro para as frases 6 e 8, que retomo:


6. Você é uma negra muito bonita.
8. Você não é mulher para casar.

Sebastião Josué Votre 9


4 Eis uma questão sobre o concurso de Miss Rio Grande do Sul.
Vejamos agora um episódio no mundo da beleza, para o qual peço mais
uma vez a sua atenção. Leia o texto, levando em conta o que discutimos até
agora e como interpretamos os discursos racistas e os comentários, nossos
e de outras pessoas. Interprete os enunciados das brancas e da finalista.

Finalista do concurso Miss Rio Grande do Sul


é alvo de ataques racistas, mas não se intimida
Representante da cidade de Tramandaí, Samen dos Santos,
foi vítima de postagens preconceituosas: “Muita gente ‘confunde’
opinião e liberdade de expressão com discurso de ódio.”

A representante de Tramandaí no concurso de Miss Rio Grande do Sul, Samen


dos Santos, foi vítima de ataques racistas na rede social. Segundo o site Donna,
a modelo se manifestou por meio do Instagram, repudiando os ataques e co-
mentários preconceituosos e disse que está tomando as devidas providências.
Um dos posts preconceituosos dizia que ela “não representa a mulher gaúcha
(que) é branca e linda, não negra”. Outro: “Ela também não representa a beleza
da mulher brasileira. Ela representa a África.” Mais um: “Falam que ela é linda
só porque é negra e no Brasil (país afrocentrista) é quase uma obrigação achar
que os negros são lindos sendo que a grande maioria deles são feios pra c…”
A jovem de 26 anos destacou ter bloqueado os perfis responsáveis pelos ata-
ques e excluiu os comentários. “Eu consigo me blindar contra tudo de negativo
que envolve o meu nome, simplesmente ignorando. Foram anos ouvindo e
lendo os mais diversos absurdos, que acabei me tornando mais forte”, escre-
veu no Instagram. (…)
Disponível em: <https://www.revistaforum.com.br/finalista-do-concurso-miss-rio-grande-
-do-sul-e-alvo-de-ataques-racistas-mas-nao-se-intimida/>. Acesso em: 30 mar. 2018.

Análise do discurso do assédio


1 Sugiro que você examine escândalos de assédio em diferentes áreas da ati-
vidade humana, procurando interpretar as motivações que levam as pesso-
as assediadoras, envolvidas com o tema, a praticarem assédio.

2 Sugiro também levantar e analisar as frases mais comuns feitas sobre o


assédio, que podem nos aproximar da cultura patriarcalista e machista bra-
sileira. Cito uma que considero síntese da cultura matriarcal, no sentido de

10 ANÁLISE DO DISCURSO para o ensino superior


ser atribuída às mães que têm filhos homens, referindo-se às famílias que
têm filhas mulheres: Prende a tua cabra, que o meu bode está solto.

3 Outra fonte dos imaginários populares, disponíveis na memória coletiva


como discursos prontos e dignos de interpretação, diz respeito aos diálogos
cristalizados que sintetizam saberes populares. Quando o assediador não é
correspondido, pode sair com frases como a seguinte, ouvida em diálogo:
“Você é mal-amada.” A resposta, também ouvida, foi: “Mal-amado é você,
que enfia seu pau em qualquer buraco.” Outro diálogo rude e frequente
é: “Não sabia que bonequinha andava.” A resposta da mulher não se faz
esperar: “Não sabia que idiota falava.” Garimpe em sua memória outros
diálogos prontos, do tipo que acabo de mostrar. Interprete a resposta femi-
nina em cada par dialogal.

4 Sugiro levantar e analisar ditados, correntes no cotidiano, que ilustrem tra-


ços da cultura abordada no capítulo. Cito alguns desses ditados:
Lugar de mulher é em casa.
Mulher tem que usar vestido.
Mulher não pode usar vermelho.

5 As francesas e as brasileiras não dizem que foram assediadas, falam de ou-


tras mulheres. Portanto, estamos com espaço para fazer análises baseadas
em evento real. Procure casos recentes de assédio no Brasil. Analise um
desses casos, com base na análise de #me too delineada no capítulo.

6 Leia e sumarize a primeira parte do texto de Michel Pêcheux: O discurso


– estrutura ou acontecimento?, publicado pela Pontes Editores, em 2015.
Avalie com atenção a análise que Pêcheux fez do enunciado on a gagné!,
ganhamos!, referente ao grito de vitória dos franceses após a vitória de
François Mitterrand para presidente da França.

7 Leia o texto de Michel Foucault, A arqueologia do saber, publicado pela Fo-


rense Universitária, em 2012. Com base na leitura, aponte algumas razões
para as diferenças no modo como homens e mulheres encaram o assédio.

8 Posicione-se em relação às expressões-chave aqui discutidas: eu também e


seu tempo acabou.

Sebastião Josué Votre 11


9 As ideias da escritora Danuza Leão provocam reações contraditórias em
diferentes grupos de homens e de mulheres. Quais são as suas principais
reações? Como as interpreta?

Análise do discurso da LGBTfobia


1 Veja como eu prossigo na análise da lgbtfobia, datada do primeiro semes-
tre de 2018, e consulte a web sobre o desenrolar da temática. Diga se hou-
ve avanços ou recuos e se posicione em face do quadro atual.

2 Peço que você avalie minha interpretação da balada Gisberta. Pesquise na


web os depoimentos disponíveis sobre a balada e reformule minha análise,
no que se refere ao direito de pessoas não transexuais interpretarem textos
atribuídos a transexuais.

3 Formule uma proposta de convívio solidário com comunidades discursivas


minoritárias, do campo lgbt, como coadjuvante do bom desenvolvimento
local.

4 O texto de Longo, “Somos todos homofóbicos, Ou só covardes?”, contém


um discurso controverso e desconcertante, que merece ser discutido e
analisado, sobretudo na inversão que apresenta acerca da atribuição de
homofóbico. Os parágrafos mostram que os homossexuais, humilhados e
oprimidos por sua orientação sexual, são impedidos de usar as palavras
que os oprimem, além de excluídos do fluxo hegemônico. Apresente seu
posicionamento diante desses dois parágrafos.

Análise do discurso de Lavoura arcaica


1 Na análise do discurso de Lavoura arcaica, investigue a relação entre pres-
são interna e elaboração sintática; entre consciência dilacerada e quebras
de sequência. Identifique esse tipo de relação no primeiro excerto aqui
transcrito, na resposta de André a Pedro, sobre voltar para casa. Produza
breve parágrafo.
“não faz mal a gente beber”, eu berrei transfigurado, essa transfigura-
ção que há muito devia ter-se dado em casa “eu sou um epilético” fui
explodindo, convulsionado mais do que nunca pelo fluxo violento que

12 ANÁLISE DO DISCURSO para o ensino superior


me corria o sangue “um epilético” eu berrava e soluçava dentro de mim,
sabendo que atirava numa suprema aventura ao chão, descarnando as
palmas, o jarro da minha velha identidade elaborado com o barro das
minhas próprias mãos, e me lançando nesse chão de cacos, caído de
boca num acesso louco eu fui gritando “você tem um irmão epilético,
fique sabendo, volte agora pra casa e faça essa revelação, volte agora
e você verá que as portas e janelas lá de casa hão de bater com essa
ventania ao se fecharem e que vocês, homens da família, carregando
a pesada caixa de ferramentas do pai, circundarão por fora a casa en-
capuçados, martelando e pregando com violência as tábuas em cruz
contra as folhas das janelas, e que nossas irmãs de temperamento me-
diterrâneo e vestidas de negro hão de correr esvoaçantes pela casa em
luto e será um coro de uivos, soluços e suspiros nessa dança familiar
trancafiada (p. 42).

2 A oposição entre figura e fundo, proposta pela Gestalt nos anos 1930 e
revisitada por Paul Hopper, em 1982, é marcada sobretudo na sintaxe das
narrativas, como podemos ver na história contada pelo pai para inculcar
nos filhos o exercício da paciência. No excerto da narrativa que transcrevo
abaixo, examine as ideias que ocupam o primeiro plano, mais salientes, e
descreva o tempo e o modo da textualização dessas ideias. Veja que, no
plano de fundo, constam expressões circunstanciais em pretérito imperfei-
to, gerúndio e particípio. Procure outros textos narrativos para ver como se
marcam os planos de relevância textual.
Era uma vez um faminto. Passando um dia diante de uma morada sin-
gularmente grande, ele se dirigiu às pessoas que se aglomeravam nos
degraus da escadaria, perguntando a quem pertencia aquele palácio. ‘A
um rei dos povos, o mais poderoso do Universo’ respondeu. O faminto
foi então até os guardiães postados no pórtico de entrada e pediu uma
esmola em nome de Deus. ‘Donde vens tu’, perguntaram os guardiães,
‘então não sabes que basta te apresentares ao nosso amo e senhor para
teres tudo quanto desejas?’ Animado pela resposta, o faminto, embora
um tanto ressabiado, transpôs o pórtico, atravessou o pátio espaçoso
que se seguia à entrada, assim como o jardim sombreado de vigorosas
árvores, e logo alcançou o interior do palácio, passando de aposento em
aposento, todos grandes, de paredes muito altas, mas despojados de
qualquer mobília; sem se deixar perder no labirinto daquela estranha
moradia, ele acabou por chegar a uma ampla sala de revestida de azu-
lejos decorados (Capítulo 13, p. 81).

Sebastião Josué Votre 13


Esta é uma obra introdutória à análise do discurso, na qual produzo mi-
nha versão da história do movimento. Fiel ao espírito da coleção, apre-
sento os fundamentos teóricos e metodológicos das principais correntes
de ad, listo e comento os conceitos mais utilizados, localizo essas corren-
tes nas instituições e grupos de estudos do discurso e reúno os autores
que considero mais representativos, na parte teórica e prática em cada
corrente. Depois, apresento quatro análises, para que você tenha uma
experiência concreta com as atividades de análise e interpretação.

E por que razões isso tudo foi construído neste livro? Para que você pos-
sa percorrer a obra com prazer, exercitando a leitura crítica e construtiva
e aperfeiçoando sua competência e ousadia para, com coragem, inter-
pretar os discursos que nos envolvem e assediam.

Você também pode gostar