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É possível proceder com a extinção do contrato por comum acordo (artigo 484-A, CLT)

de empregado que teve o contrato suspenso ou jornada e salário reduzidos nos termos da
Medida Provisória 936/2020 e/ou da Lei 14.020/2020?

Paula Dalla Bernardina Folador Seixas Pinto


Advogada inscrita na OAB/ES com o n. 23.108; Pós Graduada em Direito do Trabalho
e Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV); Pós-graduanda em
Governança, Gestão de Riscos e Compliance pela Faculdade de Direito de Vitória
(FDV), sócia fundadora do escritório Dalla Bernardina & Seixas Pinto Advogados.

A entrada em vigor da Lei n. 13.467/2017, mais conhecida como “reforma trabalhista”,


inseriu no ordenamento jurídico o conceito de maior flexibilização nas regras laborais,
apresentando como seu principal lema “o negociado prevalece sobre o legislado”.

Com a comunidade jurídica ainda em fase de adaptação à nova lei e sendo proferidas as
primeiras decisões acerca da reforma trabalhista, o Brasil foi tomado de assalto pelo
surto da COVID-19: aos 30/01/2020 foi declarado pela Organização Mundial da Saúde
(OMS) que o contágio da doença constitui Emergência de Saúde Pública Internacional,
e em 11/03/2020 a COVID-19 foi caracterizada como pandemia 1. No Brasil, o estado de
calamidade pública em razão do vírus foi reconhecido até 31/12/2020 por meio do
Decreto Legislativo n. 62, publicado aos 20 de março de 2020.

Diante do contexto emergencial, tanto a rotina das famílias como inúmeras atividades
empresariais foram afetadas. Medidas como isolamento social, lockdown, proibição de
funcionamento de escolas, centros comerciais, academias e etc. foram implementadas, e
apenas os serviços denominados essenciais puderam ser prestados de maneira contínua,
tudo isso com vista a evitar a aglomeração de pessoas nas ruas e nos estabelecimentos e
evitar o avanço da doença.

Toda essa transformação repentina fez com que milhares de empresários fossem
compelidos a paralisar e interromper, sem qualquer planejamento, seus negócios “da
noite para o dia” e, como consequência, a impossibilidade do uso da força de trabalho
de seus colaboradores. A crise sanitária do coronavírus se tornou, portanto, além de
questão sanitária, também uma crise econômica, trabalhista e social.

Tão logo os efeitos desse desequilíbrio foram sentidos, o Governo Federal passou a
editar planos para contenção de tal instabilidade, e uma das alternativas encontradas
para o enfrentamento do estado de calamidade pública se deu através da edição da
Medida Provisória n. 936, aos 01/04/2020, que instituiu o Programa Emergencial de
Manutenção do Emprego. Tal programa visou dar suporte aos empregadores para que
fossem mantidos os postos de emprego em suas empresas, evitando assim o desemprego
em massa e o agravamento da crise econômica e social causados pela pandemia.
Referida medida provisória foi convertida na Lei 14.020/2020 aos 06/07/2020.

Em breves linhas, o programa em referência autorizou a (a) suspensão temporária do


contrato de trabalho (artigo 8º da Lei 14.020/2020) e/ou a (b) redução proporcional de
1
Folha informativa – COVID-19 (doença causada pelo novo coronavírus). Disponível em
https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=87.
Acesso em: 03/08/2020
2
DECRETO LEGISLATIVO Nº 6, DE 2020. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/DLG6-2020.htm. Acesso em 03/08/2020

1
jornada de trabalho e salário (artigo 7º da Lei 14.020/2020), e em ambas houve a
instituição do benefício emergencial pago pelo Governo Federal ao empregado que
tivesse o contrato suspenso e/ou a jornada de trabalho e salário reduzidos.

Ainda, caso fosse adotada uma das possibilidades acima pelo empregador, o trabalhador
contemplado teria reconhecida garantia provisória no emprego, nos termos do artigo 10 3
da Lei 14.020/2020. Assim, a dispensa imotivada desse funcionário dentro do período
de estabilidade demandaria do empregador o pagamento ao empregado de indenização,
além das verbas rescisórias.

Ainda estamos vivenciando o estado de calamidade pública e já presenciamos a


extinção de algumas empresas. Por outro lado, dezenas de trabalhadores optaram por
não retornar ao trabalho ou porque enquanto estiveram em suas casas deram início ao
próprio empreendimento ou pelo próprio receio de contágio e adoecimento seu e de seus
familiares.

Diante desse cenário, cumpre-nos trazer luz à possibilidade de extinção do contrato de


trabalho por mútuo acordo entre empregado e empregador, e como deve ser tratada a
indenização decorrente da estabilidade prevista na Lei n. 14.020/2020.

Com efeito, a reforma trabalhista conferiu legalidade à antiga prática firmada entre
empregado e empregador e absolutamente desamparada pelo ordenamento jurídico, o
acordo para extinção do contrato de trabalho.

Por meio da inserção do artigo 484-A no texto da CLT, empregados e empregadores


passaram a ter legitimidade para pactuar o fim da relação de emprego. Assim dispõe o
dispositivo em referência

Art. 484-A. O contrato de trabalho poderá ser extinto por acordo entre
empregado e empregador, caso em que serão devidas as seguintes verbas
trabalhistas:
I por metade:
a) o aviso prévio, se indenizado; e
b) a indenização sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço,
prevista no § 1o do art. 18 da Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990;
II - na integralidade, as demais verbas trabalhistas.
§ 1o A extinção do contrato prevista no caput deste artigo permite a
movimentação da conta vinculada do trabalhador no Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço na forma do inciso I-A do art. 20 da Lei n o 8.036, de 11 de
maio de 1990, limitada até 80% (oitenta por cento) do valor dos depósitos.
§ 2o A extinção do contrato por acordo prevista no caput deste artigo não
autoriza o ingresso no Programa de Seguro-Desemprego.

Diante da conjuntura em referência e da livre manifestação de vontade do trabalhador


em não permanecer prestando seus serviços ao seu empregador, dúvidas não restam
acerca da possibilidade, portanto, da resilição bilateral do contrato de trabalho.

Entretanto, o contexto ora tratado envolve empregado detentor de estabilidade, eis que
3
Art. 10. Fica reconhecida a garantia provisória no emprego ao empregado que receber o Benefício
Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, previsto no art. 5º desta Lei, em decorrência da
redução da jornada de trabalho e do salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho de que
trata esta Lei, nos seguintes termos:

2
os incisos I e II do artigo 10 da Lei 14.020/2020 conferem garantia de emprego ao
trabalhador que teve o contrato suspenso ou redução de jornada e salário durante o
estado de calamidade pública.

Isso posto, imperioso que se confira segurança jurídica ao ato, especialmente para o
empregador para que no futuro não venha a responder demanda laboral questionando a
rescisão de contrato de trabalho de empregado estável.

Mister, portanto, trazer a esta realidade a jurisprudência do TST acerca da dispensa do


colaborador estável, que é no sentido de que a regra insculpida no artigo 500 4 da CLT
deve ser observada, sob pena de nulidade.

Diante de todo o exposto, recomenda-se que o pacto para extinção do vínculo do


empregado que teve o contrato suspenso ou jornada e salários reduzidos seja realizado
mediante (a) manifestação de próprio punho do empregado no sentido de que é de sua
livre e espontânea vontade a celebração do acordo para extinção do contrato de trabalho
e de que tem plena ciência de que está renunciando à estabilidade prevista em um dos
incisos do artigo 10 da Lei 14.020/2020; e (b) com assistência sindical profissional, nos
termos do artigo 500 da CLT e da jurisprudência do TST.

4
Art. 500 - O pedido de demissão do empregado estável só será válido quando feito com a assistência do
respectivo Sindicato e, se não o houver, perante autoridade local competente do Ministério do Trabalho e
Previdência Social ou da Justiça do Trabalho.

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