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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E AMBIENTAIS


CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA
HIGIENE E INSPEÇÃO DE LEITE, PESCADO E MEL (CAA 434) – 2018.2
PROFª. DANIELE DE SANTANA ROCHA

HIGIENE E INSPEÇÃO DE LEITE E DERIVADOS (PARTE 2)

1. LEITE INFORMAL OU LEITE CLANDESTINO


A comercialização informal de produtos de origem animal (POA) resulta
em prejuízos em todas as esferas, pois não ocorre fiscalização pelos órgãos
competentes e avaliação do controle de qualidade, não recolhe impostos e
representa o risco para a saúde do consumidor. Dentre os POA, o leite é o que
apresenta maior comercialização informal, não só na forma de leite cru a
domicílio, leite de pasteurização lenta, até os mais diversos derivados lácteos,
especialmente os queijos.
Como dito anteriormente, pela sua composição nutricional, o leite é um
alimento que confere condições ótimas para o crescimento bacteriano. A
contaminação do produto pode ocorrer em diversas etapas do processo de
ordenha (animal, ambiente e ordenhador), nos utensílios e equipamentos mal
sanitizados e da água utilizada na lavagem dos equipamentos na propriedade.
Além disso, o leite clandestino vem de animais sem qualquer controle
sanitário e é vendido pelo próprio produtor ou por distribuidores, categoria
singular nesta cadeia, pois é considerado um atravessador de leite, entregando
diretamente nos domicílios, ou mesmo embalando o leite cru para a venda.
Geralmente, eles dependem da informalidade para existência de sua atividade,
diferente do produtor. A informalidade pode acontecer com grandes produtores
também, embora a maior parte seja dos pequenos produtores.
A comercialização do leite informal gera implicações ao processamento
do leite e derivados, pois dificulta a modernização do sistema industrial,
necessária quando a quantidade de leite produzida é elevada. Além disso,
diminui a competitividade pelo produto e abre uma concorrência desleal,
essencial para a redução no valor do produto final para o consumidor.
A maior parte do leite produzido no Brasil é proveniente de pequenos
produtores, que somados geram grandes quantidades. Muitos desses
produtores apresentam como única fonte de renda esse tipo de produção,
sendo que a maior parte do total do leite produzido no país (cerca de 64%) é
destinada à indústria para o beneficiamento e produção de leite pasteurizado,
UHT ou derivados. Enquanto que o restante produzido (36%) é destinado ao
consumo in natura ou para produção de derivados a partir de leite cru, seja
para autoconsumo (produção de derivados nas propriedades rurais) ou ao
comércio sem inspeção, com aproximadamente 21 e 15%, respectivamente.
As razões pelas quais o consumidor tem apreço pelo consumo de leite
cru são diversas:
 Baixo custo, pois como não é beneficiado na indústria, e por isso não
agrega valor;
 É considerado mais forte, pois devido a uma questão cultural, muitas
pessoas acreditam que o tratamento térmico destrói todos os nutrientes
presentes no produto;
 Maior praticidade, por ser vendido de “porta em porta”;
 Considerado mais puro, pois ainda existe ideia de que são adicionados
aditivos químicos no leite pasteurizado para consumo;
 Única opção, pois em algumas localidades a população não tem acesso
a outro tipo de leite.
Quando o produto é proveniente de animais sem controle sanitário, os
riscos para a saúde do consumidor aumentam, pois muitos microrganismos
podem estar presentes. Apesar do leite clandestino ser muito apreciado, a
participação do queijo informal na alimentação do brasileiro é ainda maior, e
mesmo processado, o alimento pode continuar apresentando risco à saúde da
população, sobretudo quando realizado de maneira inadequada, possibilitando
contaminação ainda mais acentuada.

2. O PAPEL DOS QUEIJOS NA TRANSMISSÃO DE DOENÇAS


Os queijos “caseiros”, por serem produtos muito manipulados e
elaborados, em sua grande maioria, com leite cru, são passíveis de
contaminação bacteriana. Adicionalmente, falhas no processo de higienização
ao longo da cadeia de produção desse queijo, a sua conservação inadequada
e a comercialização desse produto ainda fresco contribuem para o aumento da
taxa de contaminação por esses microrganismos.
Com exceção dos “artesanais” legalizados, o risco de doenças como
tuberculose e brucelose que pode ser transmitida pelo queijo cru exige cuidado.
O dito queijo colonial quando fabricado para consumo na propriedade é outra
coisa, pois partimos do princípio que os animais são livres de doenças e a
higiene no processo tenha sido respeitada.
Qualquer descuido no processo de produção de queijo pode gerar
produto final não satisfatório, e é possível, a partir de defeitos do queijo,
determinar se houve contaminação microbiológica. O estufamento do queijo
pode direcionar para a contaminação de “coliformes fecais” no leite cru,
indicando indica falta de higiene na ordenha ou não uso de boas práticas de
fabricação.
Os “buraquinhos” – olhaduras – são resultantes da formação de gás do
coliforme fecal, diferente dos queijos suíços (Emmental e Appenzell) que são
formados pelas partículas de feno que caem durante a ordenha manual.
Queijos moles (podre), cor esbranquiçada e cheiro e gosto ruim, possivelmente
é proveniente de Clostrídios e ou bacilos via água contaminada. As soluções
dos problemas passam na maioria das vezes pela pasteurização e Boas
Praticas de Fabricação.
O queijo coalho é um dos tipos que mais chamam atenção por conta da
contaminação, e quando mal conservados ou não fabricados de acordo com as
boas práticas, podem conter microrganismos como os coliformes
termotolerantes e até a salmonela. A maioria dos consumidores diz que o
queijo coalho furadinho é mais saboroso, mas os referidos furos são
provocados por coliformes fecais (Figura 2).

Figura 2 – Queijo coalho sem “furos”, apto para consumo (à esquerda) e com “furos”,
contaminado (à direita).
Os microrganismos são um componente essencial de muitas variedades
de queijo e desempenham um papel fundamental durante sua fabricação e
maturação. A microbiota desejável é constituída pelas bactérias do ácido lático
e são transferidas para a massa do queijo pelo leite cru ou adicionadas na
forma de cultura starter. As principais estirpes são: Lactococcus lactis,
Streptococcus thermophilus, Lactobacillus helveticus e Lactobacillus
delbrueckii.
Esses microrganismos são responsáveis pelo desenvolvimento de
ácidos durante a maturação do queijo, através de uma série complexa de
reações bioquímicas que desenvolvem o sabor e a textura. Esta microbiota
secundária é composta por misturas complexas de bactérias, leveduras e
bolores. As bactérias do ácido lático também produzem bacteriocinas, que são
peptídeos ou proteínas antimicrobianos naturais, que junto das modificações
físico-químicas levam à eliminação de bactérias indesejáveis no queijo.
Além disso, a atuação de enzimas originadas do próprio leite e do
agente coagulante tornam o ambiente adverso à sobrevivência de patógenos,
fundamentais para a segurança microbiológica do queijo. Os principais
microrganismos patogênicos encontrados no queijo são: Salmonella spp.,
Escherichia coli, Listeria monocytogenes e Staphylococcus aureus. Estes
microrganismos são eliminados do leite por meio da pasteurização.
Os queijos artesanais tradicionais, provenientes de leite cru, são uma
situação particular. O risco de contaminação desses produtos é baixíssimo,
pois esses produtos são elaborados em queijarias, com instalações próprias
para a finalidade de sua maturação, reconhecidas pelos órgãos competentes,
utilizando o Serviço de Inspeção, realizando frequentemente o controle
sanitário do rebanho e controle de qualidade da matéria-prima e de seus
produtos.
No início deste ano houve a regulamentação da atividade através da Lei
nº17.486 de 2018, que dispõe sobre a produção e comercialização de queijos
artesanais de leite cru. Quando se utiliza leite cru para a produção de queijo, a
eliminação dos patógenos ocorre através da maturação em condições de
temperatura e umidade relativa controladas, por um período mínimo de 60 dias.
Intervalos menores que esse, devem ser comprovados cientificamente a
eficácia microbiológica da maturação de curto prazo.
Durante a maturação, as principais alterações físico-químicas que
controlam o crescimento de microrganismos em queijos ocorrem em função do
conteúdo de água, da concentração de sal e do pH. A perda de água é natural
durante a maturação do queijo, de modo que a redução da umidade acontece
junto ao aumento da concentração do sal no queijo. Por sua vez, a acidez do
queijo cresce em função da produção de ácido lático pelas bactérias láticas,
diminuindo o pH. Estes fatores levam a uma diminuição na atividade da água,
contribuindo para o controle microbiológico.
A maturação confere para cada tipo de queijo características próprias, e
por isso, demanda instalações próprias. Por conta disso, muitos produtores
acabam comercializando seus queijos antes do tempo adequado de
maturação, o que representa um risco à saúde do consumidor. A maturação é
um processo fundamental na fabricação de queijos de leite cru, capaz de
melhorar sua qualidade microbiológica, mesmo quando existe a presença de
patógenos.

3. DOENÇAS TRANSMITIDAS PELO LEITE E DERIVADOS LÁCTEOS


Mesmo com todas as precauções higiênicas que podem ser tomadas na
fazenda, nos laticínios ou durante o envase, o único método que garante a
segurança do alimento para o consumidor é o tratamento térmico do leite, a
pasteurização. Este é o único processo tecnológico capaz de diminuir a
quantidade de microrganismos presentes no leite, conferindo segurança para o
produto e consequentemente diminuição dos riscos para surtos de doenças
transmitidas por alimentos (DTA). Acredita-se que a ocorrência de surtos de
DTA seja maior que a registrada pelos serviços de saúde, e por isso é
frequentemente subestimada.
Diversos estudos realizados demonstram que as DTA são causadas
principalmente por bactérias, seguida de vírus, parasitos e substâncias
químicas (Figura 2). No Brasil, embora não haja dados epidemiológicos
sistematizados, já foram registrados vários surtos de intoxicação ou infecção
alimentar, nos quais leite ou produtos derivados estavam envolvidos.
Doenças transmitidas por alimentos
1% 4%

9% Bacterianas
Virais
Parasitárias
86% Compostos químicos

Figura 2 – Gráfico de distribuição das Doenças Transmitidas por Alimentos (DTA).

3.1. VIROSES
São poucos os trabalhos realizados com vistas ao isolamento e
identificação de vírus em leite, sendo relatado o da hepatite A e os vírus
entéricos que se desenvolvem no trato gastrointestinal do homem e de animais,
especialmente o da poliomielite. A hepatite A é uma doença leve e curta
duração, distribuída mundialmente. Aqui no Brasil não existe evidência
epidemiológica importante da transmissão do vírus da hepatite A pelos
alimentos, e quando ocorre, está associado ao consumo de moluscos bivalves
crus. O homem é o reservatório principal do vírus, propagando a enfermidade
pela transmissão via fecal-oral.
A poliomielite era conhecida como uma enfermidade de origem alimentar
associada ao consumo de leite não pasteurizado ou mal pasteurizado,
contaminado por manipulação humana. Foi erradicada das Américas nos anos
90, e atualmente a intensificação da vigilância, imunização infantil e o modelo
de produção de alimentos mantinha a enfermidade sobre controle.
Na metade do ano de 2018, o Ministério da Saúde divulgou o risco de
haver retorno da poliomielite no Brasil, principalmente pela falta de vacinação
por parte da população. A cobertura vacinal deve ser de 95%, entretanto esse
valor não atingiu nem 50% nos municípios esse ano. As complicações
passaram a ser maiores com a crise econômica na Venezuela, fazendo com
que milhares de pessoas entrassem no Brasil, trazendo a doença novamente
para o país.
3.2. PARASITOSES
Assim como os vírus, os parasitos também não são amplamente
relacionados ao consumo de leite. Com relação à transmissão desses agentes
por alimentos está mais relacionada ao consumo de carnes não inspecionadas
e cruas ou mal cozida. O parasito de importância no leite é o Toxoplasma
gondii.
A toxoplasmose é uma doença parasitária causada pelo protozoário T.
gondii que acomete aproximadamente 60% da população mundial. A
transmissão por esse parasito está mais relacionada ao consumo de carne
crua ou mal cozida, entretanto existe relato de transmissão pelo leite de cabra
não pasteurizado, causando doença. Os sinais observados incluem
linfadenopatia com ou sem febre, que desaparecem espontaneamente ou
formas mais graves com diferentes localizações, tais como pneumonia,
miocardite, meningoencefalite, abortamentos, entre outras.

3.3. INFECÇÕES BACTERIANAS


Sem dúvida são as que estão mais presente no leite, proveniente do
animal, do ambiente e do processo produtivo do produto. As doenças causadas
pelas bactérias podem ocorrer de três formas: intoxicação alimentar, infecção
alimentar e toxinfecção alimentar.
A intoxicação alimentar ocorre quando um indivíduo ingere um
alimento e/ou água contaminadas contendo toxinas bacterianas (exotoxinas)
produzidas durante seu crescimento no alimento (ex.: Clostridium botulinum,
Staphylococcus aureus). Já a infecção alimentar ocorre quando há ingestão
de alimentos e/ou água contaminada com os microrganismos, que ao se
multiplicarem no trato gastrointestinal causam irritação na mucosa, e pode
invadir outros tecidos (ex.: Listeria monocytogenes, Campylobacter jejuni, etc.).
Por fim, a toxinfecção alimentar é produzida quando ocorre consumo de
alimentos e/ou água contaminada com microrganismos, que ao se
multiplicarem no trato gastrointestinal do hospedeiro produzem toxinas que
determinam a ocorrência da doença (ex.: Clostridium perfrigens, Vibrio
cholerea).
3.3.1. Tuberculose
É uma doença causada por bactérias do gênero Mycobacterium spp. A
bactéria responsável pela tuberculose, presente no leite, é normalmente do tipo
bovino, um bacilo denominado Mycobacterium bovis. Essa bactéria causa a
tuberculose bovina e as vacas portadoras de mamites produzidas pelo M.
bovis podem eliminá-lo durante meses.
O homem pode adquirir a infecção tuberculosa de localizações mais
variadas, através da ingestão de leite cru, sendo altamente patogênica para o
homem. Acredita-se que aqui no Brasil 100 mil pessoas adoecem por ano e
cerca de 5% dos casos de tuberculose humana no país seja responsabilidade
desse agente.
A clínica da doença pode cursar de forma intestinal ou respiratória. Pelo
consumo de leite cru a sintomatologia intestinal inclui dor na barriga
persistente, diarreia, sangramento nas fezes, inchaço ou presença de caroço
palpável na barriga, febre baixa, falta de apetite e perda de peso, suores
noturnos. Os manipuladores de animais infectados (ordenhadores, magarefes,
etc.) apresentam a clínica respiratória com maior frequência, pelo contato
aéreo com a bactéria, que inclui tosse com escarro grosso, fosco e, em alguns
casos, sanguinolenta, febre, arrepios, sudorese noturna, fadiga, fraqueza,
perda de apetite e dificuldade de respiração com dor no peito.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou a tuberculose como
doença de emergência global, devido as taxas de morbidade e mortalidade
relacionadas a essa doença e ao custo social bastante elevado com o
tratamento dos doentes clínicos, de aproximadamente 6 meses, o que torna-o
muito oneroso. A doença também está relacionada com a condição
socioeconômica do local, pois em regiões de pobreza acentuada favorecem
sua ocorrência, embora não seja exclusividade da população carente.
Com o advento da pasteurização do leite, reduziu-se drasticamente a
incidência desta doença, entretanto ainda existe uma frequência relativa da
doença entre a população. Apesar da maioria das pessoas acreditarem que a
tuberculose é uma doença antiga e não mais representa uma ameaça, ela
ainda mata mais jovens e adultos do que qualquer outra doença infecciosa,
provavelmente devido a desistência do tratamento pelo tempo prolongado
necessário. Além disso, indivíduos susceptíveis, como crianças, idosos,
transplantados e soropositivos para AIDS tendem a ter complicações pela
infecção tuberculosa. A tuberculose já é a principal causa de morte entre
portadores do HIV.

3.3.2. Brucelose
É uma doença infecto-contagiosa de natureza aguda, sub-aguda ou
crônica, comum ao homem e animais, e causada por bactérias do gênero
Brucella spp. O veículo de transmissão mais frequente deste microrganismo ao
homem é o leite cru e os queijos, cremes, manteiga processados com o leite
não pasteurizado contendo B. melitensis em cabras, mas principalmente
Brucella abortus em vacas. Nesses animais a infecção causam problemas
reprodutivos, abortamentos, repetição de cio e queda na produção de leite.
Segundo a OMS são diagnosticados 500.000 casos de brucelose em
humanos anualmente por 100 países, e os casos são individuais e
esporádicos, não havendo informações sobre surtos. O risco de infecção é
maior em homens adultos que trabalham com a saúde, criação e manejo de
animais, trabalhadores de laticínios e laboratoristas (produção de vacinas e
antígenos).
A infecção causada é conhecida como “Febre Malta” ou febre ondulante,
que embora não seja fatal pode causar prejuízos à saúde por períodos longos
da vida da pessoa contaminada. Os sinais e sintomas possuem um início
súbito com febre, calafrios, transpiração (suor com cheiro de palha azeda),
insônia, astenia, mal-estar, cefalalgia, mialgias e artralgias, perda de peso e
anorexia. As dores podem permanecer por meses e anos (doença crônica). O
diagnóstico da brucelose humana baseado apenas no quadro clínico não é
definitivo, já que os sintomas mimetizam outras doenças e são inespecíficos, e
o tratamento é realizado a base de antibioticoterapia.

3.3.3. Listeriose
Listeria monocytogenes é um microrganismo patogênico de distribuição
ubiquitária, sendo responsável por surtos de listeriose em humanos. Esta
zoonose ficou conhecida como uma importante doença transmitida por
alimentos na década de 1980, devido à ocorrência de vários surtos, passando
a ser uma ameaça para a indústria alimentícia e para a saúde pública.
Em geral, L. monocytogenes tem sido encontrado em leite cru, queijo,
carnes frescas ou congeladas, frangos, frutos do mar, frutas e produtos
vegetais. Em relação ao leite não pasteurizado e seus derivados, sua
ocorrência está amplamente documentada, indicando este grupo de alimentos
como o de maior risco para a transmissão da listeriose humana, além de outros
POA. A OMS admitiu que a L. monocytogenes pode ser isolada em cerca de
5% das amostras de leite não pasteurizados.
O inicio dos sintomas ocorrem em poucos dias a 3 semanas, que
incluem febre, cefaleia, náuseas, vômitos, dores abdominais, diarreia,
meningite, septicemia, abortamentos, abscessos internos ou externos e
faringite. A listeriose humana acomete principalmente recém-nascidos,
gestantes e idosos. Apesar da morbidade baixa, a percentagem de casos fatais
de listeriose é elevada (30%), excedendo inclusive a de Clostridium botulinum.

3.3.4. Salmonelose, febre tifóide e paratifóide


O leite cru é um bom meio de cultura para as salmonelas procedentes
do gado ou de portadores humanos e, por ser um excelente veículo de
transmissão da Salmonella enterica, em presença de certas combinações de
tempo e temperatura, alcançam com rapidez o número necessário para
provocar um quadro clínico de infecção. As S. enterica dos tipos não tifoide são
responsável por quadros clínicos que podem ser brandos, ou no caso da S.
enterica sorovar typhi e S. entérica sorovar paratyphi, pelos quadros mais
graves (Quadro 4.2).
A contaminação do leite e produtos lácteos pode resistir durante
períodos mais ou menos longos, segundo as condições de armazenamento,
porém o suficiente para produzir infecções humanas, a menos que o produto
contaminado receba um tratamento térmico adequado.
Os sinais brandos causados pela Salmonella não tifoide incluem diarréia,
dor abdominal, calafrios, febre, vômitos, desidratação, prostração, anorexia,
cefaleia e mal-estar. Em indivíduos susceptíveis, tais como crianças, idosos e
pessoas imunodeprimidas a salmonelose pode apresentar um quadro grave de
inflamação das articulações.
Quando a infecção ocorre pelas Salmonella tifoides, além do quadro
brando, o indivíduo também apresenta febre do tipo tifoide (alta e prolongada),
podendo surgir irritação e erupção cutânea, e nesses casos, o risco de
septicemia aumenta, podendo levar a osteomielite, meningite, pneumonia,
pielonefrite, endocardite e artrite supurativa.

3.3.5. Campilobacteriose
Microrganismos do gênero Campylobacter spp., especialmente C. jejuni
(Quadro 4.1) são os mais comumente relatados como causa de enterites
agudas (campilobacteriose) em muitos países desenvolvidos como Estados
Unidos, Canadá, Suécia, Escócia e Inglaterra, onde têm sido isolados de
pacientes diarréicos, atingindo taxas maiores que as salmoneloses. O
envolvimento desse gênero em mastites é conhecido no mundo, e por esse
motivo, podem contaminar o leite que ao ser consumido cru ou utilizado não
pasteurizado para elaboração de derivados, podem causar infecção ao homem.
A campilobacteriose é considerada umas das mais emergentes das
enterites humanas no mundo desde a década de 70, que pode ser adquirida
através da ingestão de leite cru não pasteurizado ou água, mas é o consumo
de carne de aves, sobretudo de carne de frango fresca que constitui a principal
fonte de infecção para os consumidores. Os sintomas surgem em torno de 2 a
5 dias e incluem diarréia, dor abdominal, febre, anorexia, mal-estar, cefaleia,
mialgia, náuseas e vômitos. Nas situações em que a infecção se torna crônica,
pode ocorrer colite, artrites e síndrome de Guillain-Barré.

3.3.6. Colibacilose
Essa doença é caracterizada principalmente pelo quadro diarreico em
animais e humanos, causado pela Escherichia coli. Existem três classificações
para o aparecimento da diarreia de acordo com mecanismos de virulência
empregado pela E. coli (Quadro 4.4.): enterotoxigênicas (ETEC), capazes de
aderir à mucosa intestinal e produzir toxinas (toxinfecção); enteroinvasivas
(EIEC), capazes de penetrar e multiplicar nas células epiteliais do intestino,
sem produção de toxinas (infecção); enteropatogênicas (EPEC), capazes de
aderir ao intestino delgado, não sendo enteroinvasivas e sem produzir toxinas
(infecção).
A diarreia clássica pela infecção por E. coli ocorre entre 8 a 44 horas,
dependendo da amostra envolvida. As fezes de pessoas infectadas são as
principais formas de contágio, sendo assim, a contaminação do leite ocorre
pela falta de higiene do manipulador durante a ordenha. O leite cru e derivados
lácteos não processados termicamente constituem as fontes potenciais da
infecção.

3.3.7. Colite hemorrágica e Síndrome Hemolítica Urêmica (SHU)


A Escherichia coli enterohemorrágica (EHEC) ou Escherichia coli
O157:H7 (Quadro 4.3) provoca adesão e invasão do intestino delgado, sem
produzir toxinas (infecção). Os bovinos são reservatórios naturais dessa
bactéria e, por isso os POA, parecem ser o principal veículo desse patógeno,
que tem causado vários surtos. Dessa forma, existe a possibilidade de
veiculação desse agente pelo leite fluido cru ou por derivados a partir de leite
não pasteurizado, mediante contaminação desses alimentos por fezes de
bovinos infectados.
E. coli O157:H7 é responsável emergente, em alguns lugares do mundo,
por casos diarreicos mais graves, quando comparado a colibacilose, pelo seu
mecanismo de ação que permite lesão acentuada do epitélio intestinal e
consequentemente, uma aguda colite hemorrágica e, em situações mais
graves, pela síndrome hemolítica urêmica (SHU).

3.3.8. Febre Q
Causada por uma bactéria do grupo das Rickettsioses, a Coxiella
burnetii, e por isso, podem ser abordadas na literatura como doença
parasitária. Essa zoonose é mundialmente distribuída, transmitidas aos animais
pelos artrópodes (especialmente carrapatos), podendo cursar de forma
assintomática ou causar abortamento, morte fetal, metrite, endometrite e
infertilidade.
Os ruminantes são considerados os principais reservatórios entre os
animais domésticos, podendo eliminar a bactéria pelo leite, que ao ser
consumido na sua forma in natura, pode infectar o homem e provocar o
aparecimento de febre, calafrios, sudorese, mialgia, dores na nuca e na
cabeça, vômitos. O binômio tempo e temperatura da pasteurização foram
desenvolvidos objetivando a eliminação dessa bactéria.

3.3.9. Infecções estreptocócicas


A bactéria causadora dessa infecção é Streptococcus pyogenes,
patogênico ao homem e pode contaminar o leite através do teto dos animais
(raro) ou por manipuladores que apresentam quadro de infecção estreptocócica
ou de portadores. Os S. pyogenes, quando presentes no leite, são destruídos
através de tratamento térmico, porém os surtos se devem, quase sempre, ao
leite cru mantido a temperaturas elevadas por tempo prolongado, mal
pasteurizado ou contaminado após o processo pasteurização.
A doença causada por essa bactéria é conhecida como escarlatina,
sendo atribuída ao consumo de leite procedente de vacas infectadas. Os sinais
clínicos incluem inflamação e irritação na garganta, dores ao engolir,
amigdalite, febre alta, dor de cabeça, náusea e vômito, mal-estar, secreção
nasal e erupções cutâneas.
3.3.10. Intoxicação estafilococócica
O Staphylococcus aureus pode ser encontrado no leite e produtos
derivados, como resultado da contaminação do úbere, ou através de
portadores humanos (manipuladores de alimentos ou ordenhadores). Este é
um microrganismo comumente presente no leite cru e a manutenção da
temperatura baixa é importante para controlar o seu desenvolvimento. S.
aureus não sobrevive a tratamentos térmicos, porém suas toxinas, ao contrário,
são altamente resistentes, suportando até mesmo temperaturas de
esterilização de alimentos.
O maior perigo está relacionado a contaminação do leite por algumas
cepas de S. aureus que podem produzir uma exotoxina (enterotoxina) capaz de
causar, no homem, um quadro de gastroenterite aguda. Essa toxina pode se
manter ativa em diversos produtos derivados, como leite em pó, iogurte, e
queijos (principalmente). A enterotoxina é termoestável e os estafilococos que
as produzem acham-se com grande frequência em portadores saudáveis e no
gado leiteiro. Este tipo de intoxicação ocorre desde que o leite tenha sido
armazenado incorretamente, à temperatura e tempo suficientemente favoráveis
à multiplicação dos estafilococos e formação de quantidade de toxina capaz de
provocar intoxicação.
A presença da exotoxina no leite não interfere nas características
sensoriais, tais como sabor ou odor, dessa forma o produto pode ser
consumido, sem que haja qualquer suspeita de sua presença. A enfermidade
tem um começo brusco (2-4h) (Quadro 4.8) com náuseas, salivação excessiva,
vômitos, diarréia, desidratação, transpiração, debilidade, prostração, ausência
de febre, com duração de 1 a 2 dias.
Embora S. aureus seja um dos microrganismos mais prevalentes em
mastites bovinas, sendo encontrado frequentemente no leite cru, ele não é um
bom competidor da microbiota normal do leite e não se desenvolve em baixas
temperaturas. Por isso, a refrigeração do leite após coleta é fundamental para
diminuição da sua multiplicação.

3.3.11. Toxinfecção por Bacillus cereus


A bactéria Bacillus cereus encontra-se amplamente distribuída no solo,
podendo infectar diversos animais, inclusive os bovinos. Esses animais podem
eliminá-la na forma de esporos no leite, ocorrendo multiplicação microbiana se
o leite for mantido em temperaturas maiores que 7ºC. Diferente das outras
bactérias, a pasteurização pode ativar a germinação desses esporos e, o risco
de infecção é mantido mesmo no leite pasteurizado.
Nesse processo de multiplicação pode ocorrer produção de fosfolipases
e proteases que modificam o sabor e o odor, causando deterioração do leite,
sendo rejeitado pelo consumidor. Acredita-se que, por esse motivo, não
existem tantos relatos documentados de intoxicação alimentar por B. cereus.
As toxinas produzidas por esse microrganismo podem ser eméticas
(exotoxinas), quando provenientes de alimentos ricos em carboidratos, ou
diarreicas (endotoxinas), quando encontrados na água e em POA, inclusive o
leite (Quadro 4.10). As toxinas diarreicas por eles produzidas, presentes no
leite, podem causar quadros de gastrenterites em humanos que duram de 6-
15h (média de 12h), com diarreia aquosa, cólicas e dores abdominais.

A preocupação com a presença dessa bactéria está relacionada


principalmente com a indústria de laticínios, por ela possuir excelente
capacidade de aderir a superfícies de aço inoxidável de lácteos e formar
biofilmes, o que pode levar a sérios problemas de higiene e perda econômica
devido à deterioração de produtos lácteos e comprometimento dos
equipamentos. Estes biofilmes em pasteurizadores e tanques de
armazenamento podem ser uma fonte de contaminação recorrente pós-
pasteurização.
Medidas de controle higiênico-sanitários estabelecidas em toda a cadeia
produtiva garante a segurança no leite:
 Manter o ambiente sempre limpo;
 Utilizar água tratada em todos os processos;
 Conscientizar o manipulador sobre higiene pessoal e cuidados com a
saúde;
 Respeitar os requisitos de Boas Práticas (ordenha, fabricação, etc.)
 Controlar a refrigeração do produto a temperaturas ideais;
 Realizar testes microbiológicos no leite periodicamente;
 Processar adequadamente o produto na indústria.

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