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Figura 2 – Queijo coalho sem “furos”, apto para consumo (à esquerda) e com “furos”,
contaminado (à direita).
Os microrganismos são um componente essencial de muitas variedades
de queijo e desempenham um papel fundamental durante sua fabricação e
maturação. A microbiota desejável é constituída pelas bactérias do ácido lático
e são transferidas para a massa do queijo pelo leite cru ou adicionadas na
forma de cultura starter. As principais estirpes são: Lactococcus lactis,
Streptococcus thermophilus, Lactobacillus helveticus e Lactobacillus
delbrueckii.
Esses microrganismos são responsáveis pelo desenvolvimento de
ácidos durante a maturação do queijo, através de uma série complexa de
reações bioquímicas que desenvolvem o sabor e a textura. Esta microbiota
secundária é composta por misturas complexas de bactérias, leveduras e
bolores. As bactérias do ácido lático também produzem bacteriocinas, que são
peptídeos ou proteínas antimicrobianos naturais, que junto das modificações
físico-químicas levam à eliminação de bactérias indesejáveis no queijo.
Além disso, a atuação de enzimas originadas do próprio leite e do
agente coagulante tornam o ambiente adverso à sobrevivência de patógenos,
fundamentais para a segurança microbiológica do queijo. Os principais
microrganismos patogênicos encontrados no queijo são: Salmonella spp.,
Escherichia coli, Listeria monocytogenes e Staphylococcus aureus. Estes
microrganismos são eliminados do leite por meio da pasteurização.
Os queijos artesanais tradicionais, provenientes de leite cru, são uma
situação particular. O risco de contaminação desses produtos é baixíssimo,
pois esses produtos são elaborados em queijarias, com instalações próprias
para a finalidade de sua maturação, reconhecidas pelos órgãos competentes,
utilizando o Serviço de Inspeção, realizando frequentemente o controle
sanitário do rebanho e controle de qualidade da matéria-prima e de seus
produtos.
No início deste ano houve a regulamentação da atividade através da Lei
nº17.486 de 2018, que dispõe sobre a produção e comercialização de queijos
artesanais de leite cru. Quando se utiliza leite cru para a produção de queijo, a
eliminação dos patógenos ocorre através da maturação em condições de
temperatura e umidade relativa controladas, por um período mínimo de 60 dias.
Intervalos menores que esse, devem ser comprovados cientificamente a
eficácia microbiológica da maturação de curto prazo.
Durante a maturação, as principais alterações físico-químicas que
controlam o crescimento de microrganismos em queijos ocorrem em função do
conteúdo de água, da concentração de sal e do pH. A perda de água é natural
durante a maturação do queijo, de modo que a redução da umidade acontece
junto ao aumento da concentração do sal no queijo. Por sua vez, a acidez do
queijo cresce em função da produção de ácido lático pelas bactérias láticas,
diminuindo o pH. Estes fatores levam a uma diminuição na atividade da água,
contribuindo para o controle microbiológico.
A maturação confere para cada tipo de queijo características próprias, e
por isso, demanda instalações próprias. Por conta disso, muitos produtores
acabam comercializando seus queijos antes do tempo adequado de
maturação, o que representa um risco à saúde do consumidor. A maturação é
um processo fundamental na fabricação de queijos de leite cru, capaz de
melhorar sua qualidade microbiológica, mesmo quando existe a presença de
patógenos.
9% Bacterianas
Virais
Parasitárias
86% Compostos químicos
3.1. VIROSES
São poucos os trabalhos realizados com vistas ao isolamento e
identificação de vírus em leite, sendo relatado o da hepatite A e os vírus
entéricos que se desenvolvem no trato gastrointestinal do homem e de animais,
especialmente o da poliomielite. A hepatite A é uma doença leve e curta
duração, distribuída mundialmente. Aqui no Brasil não existe evidência
epidemiológica importante da transmissão do vírus da hepatite A pelos
alimentos, e quando ocorre, está associado ao consumo de moluscos bivalves
crus. O homem é o reservatório principal do vírus, propagando a enfermidade
pela transmissão via fecal-oral.
A poliomielite era conhecida como uma enfermidade de origem alimentar
associada ao consumo de leite não pasteurizado ou mal pasteurizado,
contaminado por manipulação humana. Foi erradicada das Américas nos anos
90, e atualmente a intensificação da vigilância, imunização infantil e o modelo
de produção de alimentos mantinha a enfermidade sobre controle.
Na metade do ano de 2018, o Ministério da Saúde divulgou o risco de
haver retorno da poliomielite no Brasil, principalmente pela falta de vacinação
por parte da população. A cobertura vacinal deve ser de 95%, entretanto esse
valor não atingiu nem 50% nos municípios esse ano. As complicações
passaram a ser maiores com a crise econômica na Venezuela, fazendo com
que milhares de pessoas entrassem no Brasil, trazendo a doença novamente
para o país.
3.2. PARASITOSES
Assim como os vírus, os parasitos também não são amplamente
relacionados ao consumo de leite. Com relação à transmissão desses agentes
por alimentos está mais relacionada ao consumo de carnes não inspecionadas
e cruas ou mal cozida. O parasito de importância no leite é o Toxoplasma
gondii.
A toxoplasmose é uma doença parasitária causada pelo protozoário T.
gondii que acomete aproximadamente 60% da população mundial. A
transmissão por esse parasito está mais relacionada ao consumo de carne
crua ou mal cozida, entretanto existe relato de transmissão pelo leite de cabra
não pasteurizado, causando doença. Os sinais observados incluem
linfadenopatia com ou sem febre, que desaparecem espontaneamente ou
formas mais graves com diferentes localizações, tais como pneumonia,
miocardite, meningoencefalite, abortamentos, entre outras.
3.3.2. Brucelose
É uma doença infecto-contagiosa de natureza aguda, sub-aguda ou
crônica, comum ao homem e animais, e causada por bactérias do gênero
Brucella spp. O veículo de transmissão mais frequente deste microrganismo ao
homem é o leite cru e os queijos, cremes, manteiga processados com o leite
não pasteurizado contendo B. melitensis em cabras, mas principalmente
Brucella abortus em vacas. Nesses animais a infecção causam problemas
reprodutivos, abortamentos, repetição de cio e queda na produção de leite.
Segundo a OMS são diagnosticados 500.000 casos de brucelose em
humanos anualmente por 100 países, e os casos são individuais e
esporádicos, não havendo informações sobre surtos. O risco de infecção é
maior em homens adultos que trabalham com a saúde, criação e manejo de
animais, trabalhadores de laticínios e laboratoristas (produção de vacinas e
antígenos).
A infecção causada é conhecida como “Febre Malta” ou febre ondulante,
que embora não seja fatal pode causar prejuízos à saúde por períodos longos
da vida da pessoa contaminada. Os sinais e sintomas possuem um início
súbito com febre, calafrios, transpiração (suor com cheiro de palha azeda),
insônia, astenia, mal-estar, cefalalgia, mialgias e artralgias, perda de peso e
anorexia. As dores podem permanecer por meses e anos (doença crônica). O
diagnóstico da brucelose humana baseado apenas no quadro clínico não é
definitivo, já que os sintomas mimetizam outras doenças e são inespecíficos, e
o tratamento é realizado a base de antibioticoterapia.
3.3.3. Listeriose
Listeria monocytogenes é um microrganismo patogênico de distribuição
ubiquitária, sendo responsável por surtos de listeriose em humanos. Esta
zoonose ficou conhecida como uma importante doença transmitida por
alimentos na década de 1980, devido à ocorrência de vários surtos, passando
a ser uma ameaça para a indústria alimentícia e para a saúde pública.
Em geral, L. monocytogenes tem sido encontrado em leite cru, queijo,
carnes frescas ou congeladas, frangos, frutos do mar, frutas e produtos
vegetais. Em relação ao leite não pasteurizado e seus derivados, sua
ocorrência está amplamente documentada, indicando este grupo de alimentos
como o de maior risco para a transmissão da listeriose humana, além de outros
POA. A OMS admitiu que a L. monocytogenes pode ser isolada em cerca de
5% das amostras de leite não pasteurizados.
O inicio dos sintomas ocorrem em poucos dias a 3 semanas, que
incluem febre, cefaleia, náuseas, vômitos, dores abdominais, diarreia,
meningite, septicemia, abortamentos, abscessos internos ou externos e
faringite. A listeriose humana acomete principalmente recém-nascidos,
gestantes e idosos. Apesar da morbidade baixa, a percentagem de casos fatais
de listeriose é elevada (30%), excedendo inclusive a de Clostridium botulinum.
3.3.5. Campilobacteriose
Microrganismos do gênero Campylobacter spp., especialmente C. jejuni
(Quadro 4.1) são os mais comumente relatados como causa de enterites
agudas (campilobacteriose) em muitos países desenvolvidos como Estados
Unidos, Canadá, Suécia, Escócia e Inglaterra, onde têm sido isolados de
pacientes diarréicos, atingindo taxas maiores que as salmoneloses. O
envolvimento desse gênero em mastites é conhecido no mundo, e por esse
motivo, podem contaminar o leite que ao ser consumido cru ou utilizado não
pasteurizado para elaboração de derivados, podem causar infecção ao homem.
A campilobacteriose é considerada umas das mais emergentes das
enterites humanas no mundo desde a década de 70, que pode ser adquirida
através da ingestão de leite cru não pasteurizado ou água, mas é o consumo
de carne de aves, sobretudo de carne de frango fresca que constitui a principal
fonte de infecção para os consumidores. Os sintomas surgem em torno de 2 a
5 dias e incluem diarréia, dor abdominal, febre, anorexia, mal-estar, cefaleia,
mialgia, náuseas e vômitos. Nas situações em que a infecção se torna crônica,
pode ocorrer colite, artrites e síndrome de Guillain-Barré.
3.3.6. Colibacilose
Essa doença é caracterizada principalmente pelo quadro diarreico em
animais e humanos, causado pela Escherichia coli. Existem três classificações
para o aparecimento da diarreia de acordo com mecanismos de virulência
empregado pela E. coli (Quadro 4.4.): enterotoxigênicas (ETEC), capazes de
aderir à mucosa intestinal e produzir toxinas (toxinfecção); enteroinvasivas
(EIEC), capazes de penetrar e multiplicar nas células epiteliais do intestino,
sem produção de toxinas (infecção); enteropatogênicas (EPEC), capazes de
aderir ao intestino delgado, não sendo enteroinvasivas e sem produzir toxinas
(infecção).
A diarreia clássica pela infecção por E. coli ocorre entre 8 a 44 horas,
dependendo da amostra envolvida. As fezes de pessoas infectadas são as
principais formas de contágio, sendo assim, a contaminação do leite ocorre
pela falta de higiene do manipulador durante a ordenha. O leite cru e derivados
lácteos não processados termicamente constituem as fontes potenciais da
infecção.
3.3.8. Febre Q
Causada por uma bactéria do grupo das Rickettsioses, a Coxiella
burnetii, e por isso, podem ser abordadas na literatura como doença
parasitária. Essa zoonose é mundialmente distribuída, transmitidas aos animais
pelos artrópodes (especialmente carrapatos), podendo cursar de forma
assintomática ou causar abortamento, morte fetal, metrite, endometrite e
infertilidade.
Os ruminantes são considerados os principais reservatórios entre os
animais domésticos, podendo eliminar a bactéria pelo leite, que ao ser
consumido na sua forma in natura, pode infectar o homem e provocar o
aparecimento de febre, calafrios, sudorese, mialgia, dores na nuca e na
cabeça, vômitos. O binômio tempo e temperatura da pasteurização foram
desenvolvidos objetivando a eliminação dessa bactéria.