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Diana Godinho e Diana Reis
Faculdade de Direito da Universidade do Porto 2023/2024
Nota Introdutória
Esta sebenta de Direito Comercial, disponibilizada pela Comissão de Curso do 4.º Ano da
Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade do Porto no ano letivo
2023/2024, foi elaborada pelas estudantes Diana Godinho e Diana Reis, através do conteúdo
lecionado pelo Professor Doutor Miguel Pestana de Vasconcelos e pela Professora Doutora
Mariana Fontes da Costa, bem como a análise da bibliografia obrigatória publicada no Sigarra,
particularmente, a obra Curso de Direito Comercial do Dr. Jorge Manuel Coutinho de Abreu,
a obra Direito Bancário do Sr. Professor Miguel Pestana de Vasconcelos, a obra Direito das
Garantias do Sr. Professor Miguel Pestana de Vasconcelos, a obra Um curso de direito da
insolvência do Dr. Alexandre de Soveral Martins, a obra Direito Comercial do Dr. Cassiano
dos Santos, e os artigos “O regime da resolução do contrato na CISG e no Direito comercial
português” e “Novamente os limites das taxas de juros das instituições de crédito” do Sr.
Professor Pestana de Vasconcelos.
Esta sebenta constitui apenas um complemento de estudo, não dispensando a presença nas aulas
nem a leitura da bibliografia obrigatória.
Bom estudo!
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ÍNDICE
MATÉRIA ABORDADA PELO SR. PROFESSOR PESTANA VASCONCELOS ------ 9
I – Introdução --------------------------------------------------------------------------------------------- 9
1. Conceções do Direito Comercial --------------------------------------------------------------------- 9
1.1. Evolução histórica do Direito Mercantil ------------------------------------------------------- 9
1.2. Noção de Direito Comercial Português -------------------------------------------------------12
1.3. O problema da autonomia do Direito Comercial (ou da unificação do Direito Privado)
15
1.4. Fontes do Direito Comercial português -------------------------------------------------------16
1.5. Relação entre o Direito civil e Direito comercial--------------------------------------------17
II – Atos de Comércio ----------------------------------------------------------------------------------18
1. Dos Atos de Comércio em Geral --------------------------------------------------------------18
1.1. Noção de ato de comércio ----------------------------------------------------------------------18
1.2. Atos de comércio objetivos e subjetivos ------------------------------------------------------18
1.3. Atos de comércio autónomos e atos de comércio acessórios ------------------------------23
1.4. Atos formalmente comerciais e atos substancialmente comerciais -----------------------24
1.5. Atos unilateralmente comerciais e atos bilateralmente comerciais -----------------------24
III - Compra e Venda Comercial (B2B) ------------------------------------------------------------26
1. Delimitação da Compra e Venda --------------------------------------------------------------26
2. Determinação do preço --------------------------------------------------------------------------27
3. Venda de coisas futuras -------------------------------------------------------------------------28
4. Vendas sobre amostra ou por designação de padrão ----------------------------------------28
5. Compras que não estejam à vista, nem possam determinar-se por um padrão ----------29
6. Regime Especial de resolução do Contrato de compra e venda comercial por
incumprimento da obrigação de pagar o preço de mercadorias ocorrido antes da entrega ou no
momento desta --------------------------------------------------------------------------------------------30
7. Juros de mora comerciais -----------------------------------------------------------------------30
7.1. Pressupostos para que se apliquem os juros de mora no âmbito comercial -------------31
8. Regime relativo ao atraso no pagamento das transações comerciais ---------------------31
9. Reserva de Propriedade -------------------------------------------------------------------------32
10. Coisa comprada a comerciante -----------------------------------------------------------------33
11. Incoterms ------------------------------------------------------------------------------------------33
IV - Dos Comerciantes ---------------------------------------------------------------------------------35
1. Introdução -----------------------------------------------------------------------------------------35
2. Sujeitos qualificáveis como comerciantes ----------------------------------------------------35
2.1. Pessoas singulares--------------------------------------------------------------------------------35
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3.1. Existindo a organização produtiva apta a funcionar, mas que ainda não entrou em
funcionamento. ----------------------------------------------------------------------------------------- 125
3.2. Uma organização produtiva que para entrar em funcionamento ainda precisa de um ou
mais elementos------------------------------------------------------------------------------------------ 126
3.3. Transmissão de um estabelecimento comercial com exclusão de alguns dos seus
elementos ------------------------------------------------------------------------------------------------ 126
3.4. Destruição dos elementos materiais do estabelecimento --------------------------------- 127
3.5. Secções e sucursais da empresa -------------------------------------------------------------- 127
4. Noção jurídica de estabelecimento comercial --------------------------------------------- 127
V - Trespasse ------------------------------------------------------------------------------------------- 129
1. Noção de Trespasse ---------------------------------------------------------------------------- 129
2. Normas aplicáveis ao trespasse -------------------------------------------------------------- 130
3. Forma -------------------------------------------------------------------------------------------- 130
3.1. Contrato de trespasse que implica a transferência da posição do arrendatário -------- 130
3.2. Forma geral do contrato de trespasse (não implica a transmissão da posição de
arrendatário, nem da propriedade de um imóvel) -------------------------------------------------- 130
3.3. Forma do trespasse quando implica a transmissão da propriedade de um imóvel ---- 131
4. Âmbito do trespasse --------------------------------------------------------------------------- 131
4.1. Âmbito mínimo--------------------------------------------------------------------------------- 131
4.2. Âmbito natural---------------------------------------------------------------------------------- 131
4.3. Âmbito convencional -------------------------------------------------------------------------- 133
5. Obrigação de não concorrência -------------------------------------------------------------- 134
6. Trespasse de estabelecimento em prédio arrendado -------------------------------------- 136
VI - Locação do estabelecimento comercial ----------------------------------------------------- 138
1. Diferença entre o trespasse e a locação do estabelecimento comercial ---------------- 138
2. Normas legais aplicadas à locação ---------------------------------------------------------- 138
3. Âmbitos de transmissão na Locação -------------------------------------------------------- 138
4. Obrigação de não concorrência -------------------------------------------------------------- 139
5. Locação de estabelecimento em prédio arrendado ---------------------------------------- 139
VII - Títulos de Crédito ------------------------------------------------------------------------------ 140
1. Noção de títulos de crédito ------------------------------------------------------------------- 140
2. Funções económicas dos títulos de crédito ------------------------------------------------- 140
2.1. Meio de pagamento ---------------------------------------------------------------------------- 140
2.2. Compensação de créditos --------------------------------------------------------------------- 141
2.3. Garantia de créditos ---------------------------------------------------------------------------- 141
3. A relação extra cartular subjacente aos títulos de crédito -------------------------------- 141
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Mais especificamente, no século XII, nas cidades italianas.
2 As Corporações de Mercadores funcionavam como uma espécie de guildas, ou seja, tinham carácter fechado. Não havia
concorrência. Em geral, estavam até situadas em determinadas zonas da cidade, sendo difícil entrar para essas corporações.
Devido a este caráter fechado, foram-se desenvolvendo regras, institutos e princípios específicos/próprios, que estavam
previstos nos Estatutos.
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3 Especial destaque merecem as feiras, especialmente as da região de Champagne e as de Lyon. Eram centros de transação
de mercadorias e de dinheiro de toda a Europa Ocidental, onde se forjaram alguns institutos e se desenvolveram outros para
a troca de produtos, nomeadamente, as letras de câmbio.
4O Regime dos Seguros surgiu ligado, essencialmente, ao comércio marítimo. Em Portugal, foi escrito o primeiro Tratado de
Direito de Seguros, por Pedro de Santarém, no séc. XIV.
5 A falência era algo difamante. O comércio tem por base a manutenção da cadeia de pagamentos. Um sujeito que não pudesse
manter a cadeia de pagamento era excluído da cadeia comercial e altamente sancionado, podia ser preso (na maior parte das
vezes fugia). Foi adotada a regra par conditio creditorum (igualdade entre credores), isto é, todos recebiam a par do seu
crédito.
6Em Florença criou-se o comércio bancário, muito dependente do desenvolvimento dos documentos contabilísticos (a cada
entrada tinha de corresponder uma saída). Os Baldi e os Médici foram criando delegações, nomeadamente, na Inglaterra e na
Alemanha. Desenvolveram a conceção de crédito por via de empréstimo. A usura, que era entendida como sendo a cobrança
de juros, era proibida, porque a Igreja Católica adotou a conceção aristotélica do dinheiro e da frutificação do dinheiro.
Entendiam que o dinheiro como tal, não podia dar frutos. Não havia a ideia de que o juro era a contrapartida da dilação do
pagamento. Entendia-se que o dinheiro era infértil. Os Médici recorreram a uma série de instrumentos que lhes permitiam,
de forma indireta, conceder crédito com juros: (i) utilizavam letras de câmbio para serem pagos numa determinada moeda e
sobrevalorizavam as letras para poderem receber juros; (ii) compravam e vendiam rendas. Os Médici acabaram por falir,
porque uma das delegações, contra as ordens centrais, financiou Carlos V e emprestaram dinheiro ao rei de Espanha.
7 Companhia das Índias Orientais Holandesa (VOC) e a Companhia das Índias Inglesa;
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No séc. XIV, em Portugal, nasceu o Tribunal de Contas para controlar o gasto público, é o
tribunal mais antigo do país. Nessa época não era, exatamente, um tribunal, eram contadores
que trabalhavam em conjunto com o monarca.
Assim, inicialmente, o Direito Comercial era um “Direito de classe”, um ius mercatorum, um
direito criado pelos mercadores para regular as suas atividades profissionais e por eles aplicado.
Dizendo de outro modo, era um direito de cariz “subjetivo”, disciplinava os comerciantes e
os atos destes relativos ao seu comércio.
O Code de Commerce de 18078 marca o início da etapa contemporânea na evolução do direito
comercial. O Direito Comercial deixou de ter um carácter subjetivo, ligado ao comerciante,
passando a ter um caráter objetivo, ligado aos próprios atos de comércio, uma vez que os
princípios da liberdade e da igualdade, inspiradores da Revolução francesa (1789), eram
incompatíveis com a manutenção de um direito dos comerciantes, enquanto classe corporativa.
Deste modo, o Direito Comercial deixou de ter caráter corporativo e passou a assentar em cada
ato em si, atos esses classificados pelo Código como atos comerciais. Quem praticasse,
profissionalmente, esses atos comerciais, então sim, era um comerciante.
Todavia, este enfoco foi alterado com o Código Comercial Alemão de 1897, que adotou
novamente a conceção subjetiva do Direito Comercial. O Código Alemão disciplina o estatuto
dos comerciantes e os atos de comércio como “atos de um comerciante que pertencem à
exploração da sua empresa comercial”.
No que diz respeito ao Direito Nacional, e focando-nos agora no Código Veiga Beirão de
1888, que ainda está em vigor (embora numa versão muito reduzida), o Código filia-se a uma
perspetiva objetiva. O Código começa sintomaticamente por declarar que “a lei comercial rege
os atos de comércio sejam ou não comerciantes as pessoas que neles intervém”.9
Atualmente, temos um Direito Comercial que percorre diversos Códigos, mas temos também
uma extensa internacionalização do Direito Comercial. Diversas convenções internacionais
de âmbito potencialmente universal têm unificado os sistemas jurídico-mercantis nacionais em
setores específicos10. Os Tratados constitutivos das organizações internacionais de integração
e as normas emanadas dos respetivos órgãos vão unificando ou harmonizando o direito
comercial dos Estados-Membros em vastos domínios.
Por outro lado, tem-se desenvolvido um direito uniforme de origem não-(inter)estadual. Um
direito feito de:
✓ Costumes do comércio internacional, de usos e práticas negociais, por vezes reduzidos
a escrito e compilados. Exemplo: incoterms, publicados pela Câmara do Comércio
8O Código francês influiu bastante nas codificações mercantis oitocentistas – por exemplo, nos Códigos Espanhóis de 1829 e
de 1885, no Código Alemão de 1861, nos Códigos Italianos de 1865 e 1882.
9 Exemplo: um civil compra uma coleção de livros a um outro sujeito também não comerciante, com a intenção de a revender.
Este ato em si é um ato comercial, porque a compra para revenda é uma compra comercial, isto é assim, independentemente
dos sujeitos. Claro está que, em regra, são comerciantes, mas não tem de ser.
10
Assim como as Convenções de Genebra de 1930 e 1931 que estabelecem leis uniformes em matéria de letras de câmbio e
livranças e em matéria de cheques, as Convenções Internacionais como a Convenção de Viena (a que Portugal aderiu muito
recentemente) que regula a Compra e Venda internacional.
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✓ Comércio em sentido económico assenta nos três setores da atividade económica: (i)
o setor primário (agricultura, silvicultura, pecuária, pesca e a caça); (ii) o setor
secundário (indústria) e o (iii) terciário (serviços – correspondendo estes,
residualmente, tudo quanto não cabe nos dois primeiros setores: comércio, transportes,
fornecimento de água, gás, eletricidade, atividade seguradora, bancária, liberais, etc.);
✓ Comércio em sentido jurídico abarca não apenas o comércio em sentido económico
(usualmente definido como atividade de interposição de trocas), mas também (outras)
indústrias e serviços. Mas, por outro lado, não pode dizer-se que o direito comercial
disciplina todas as atividades económicas. Ele quase não entra, por exemplo, nas
indústrias extrativas, na agricultura, nas indústrias e serviços artesanais, nos serviços
dos profissionais liberais.
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Todavia, o direito comercial português atual, além de admitir comerciantes não empresários,
regula atos de comércio esporádicos ou ocasionais que nada têm que ver com empresas
mercantis e cuja disciplina não poderá dizer-se, globalmente, determinada por interesses
ligados à empresarialidade. Ex.: compra e venda comercial (compra para revenda). A compra
um automóvel a B, para o vender a C. Nenhum deles é comerciante, não o fazem a nível
profissional. É um ato ocasional de comércio, mas não deixa de ser um ato de comércio.
Além disso, há um conjunto de empresas que não são comerciais, por exemplo, as empresas
agrícolas.
Portanto, por um lado, não se pode dizer que todo o Direito Comercial se reconduz a empresas,
porque há atos comerciais que não são desenvolvidos no âmbito empresarial. Por outro lado,
há um conjunto de empresas muito significativas no âmbito económico, ligadas ao setor
primário, que não são empresas comerciais.
Em termos puros e simplesmente conceptuais este raciocínio está correto. O conceito tem de
ser amplo para que possa abranger o conjunto de elementos a regular.
Agora, a essência/núcleo central do Direito Comercial, e quase toda a atividade mercantil é
desenvolvida empresarialmente:
✓ Temos os sujeitos - na generalidade dos casos são comerciantes em nome de individual
ou sociedades comerciais;
✓ Temos um conjunto de negócios que são sobre empresas em si ou sobre participações
das sociedades comerciais (ações, quotas, etc.);
✓ Temos um conjunto de figuras que estão ligadas à própria atividade mercantil, como é
o caso do regime da propriedade industrial;
✓ Finalmente, temos um grande conjunto de contratos, de grande significado, que são
contratos mercantis, que são desenvolvidos subjetivamente por empresas, embora essas
empresas tenham titulares, que são titulares distintos, normalmente são sociedades
comerciais quer de um lado, quer do outro.
A generalidade do comércio assenta sobre empresas, e, assim, a noção de empresa11 é
absolutamente essencial no âmbito comercial.
Porém, não podemos dizer que o Direito Comercial é equivalente a Direito das Empresas, pois
há um conjunto de empresas que efetivamente não são empresas comerciais, e que têm um
significado económico diferente. Essas empresas, em regra, têm como titulares sociedades
civis. Estas sociedades civis podem adotar forma comercial, e, a partir desse momento, são
regidas pelo Código das Sociedades Comerciais (CSC). Ou seja, há uma absorção de todo
esse conjunto de sujeitos pelo Direito Comercial, neste caso pelo CSC. Por isso é que os
argumentos anteriormente expostos, do ponto de vista da pureza dos princípios e da
necessidade de amplitude na delimitação dos conceitos, não podem obscurecer o facto de o
Direito Comercial ser essencialmente um Direito de Empresas e à volta das Empresas.
11Referimo-nos a empresa no sentido objetivo, como organização. Há também a noção de empresa em sentido subjetivo, que
se refere aos titulares das empresas, em regra as sociedades comerciais.
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Assim, Dr. Coutinho Abreu escreve “Por isso prefiro defini-lo como direito dos atos de
comércio e dos comerciantes – embora atos e sujeitos em regra ligados às empresas
comerciais”.
12Esta perspetiva de unificação da disciplina do Direito Civil Patrimonial, especialmente do Direito das Obrigações com as
Disciplinas do Direito Comercial veio a ser consagrada em alguns Códigos Civis, como por exemplo, o Código Civil Italiano
(1943) e o Código Brasileiro (2003). Isto não significa que não haja depois um conjunto de leis extravagantes.
13 Contratos típicos de Direito Comercial – a agência, a concessão e a franquia.
14 Na constituição de obrigações por via contratual ou por via da responsabilidade civil.
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Porém, estes contratos, como é exemplo o contrato de compra venda15, são contratos tronco
onde se inserem depois, por regra, algumas regras/princípios específicas no âmbito comercial.
15O Direito Comercial tem contratos típicos estabelecidos em que não é preciso o auxilio do Direito Civil. Porém, existem
contratos de como é exemplo a compra e venda em que seguimos o regime previsto no Direito das Obrigações, com a ressalva
de se aplicarem sempre princípios gerais do Direito Comercial, que mudam aspetos desse regime. Ex.: devido à exigência de
celeridade, não exigem forma para a validade do contrato;
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fragmentário, aberto, com recurso direto ao Direito comum na disciplina das situações e
relações mercantis. O Direito Civil é, assim, o pressuposto do Direito Comercial, por ser
mais moderno e por as suas normas de incumprimento e cumprimento das obrigações serem
adaptadas à vida mercantil.
II – Atos de Comércio
1. Dos Atos de Comércio em Geral
1.1. Noção de ato de comércio
Os atos de comércio são parte essencial da matéria mercantil. Todavia, já foi maior o interesse
“prático” desta qualificação. Hoje, o regime especial comum aos atos de comércio em geral
releva, sobretudo, nos pontos seguintes:
✓ Sempre que uma sociedade tenha por objeto a prática de atos comerciais é uma
Sociedade Comercial;
✓ Importa para qualificar de mercantis outros atos que daqueles sejam acessórios, bem
como para qualificar sujeitos como comerciantes (artigo 13.º do Código Comercial);
✓ Em regra, nas obrigações comerciais, os co-obrigados são solidários (artigo 100.º do
Código Comercial);
✓ Segundo o artigo 15.º do Código Comercial, as dívidas dos comerciantes casados
derivadas de atos mercantis presumem-se contraídas no exercício dos respetivos
comércios;
✓ O artigo 102.º do Código Comercial estabelece um regime com uma ou outra
particularidade para os juros relacionados com atos comerciais.
A norma delimitadora básica dos atos de comércio é o artigo 2.º do Código Comercial, de onde
resulta, desde logo, a impossibilidade de um conceito homogéneo ou genérico de ato de
comércio. Há atos considerados mercantis por:
✓ Estarem previstos, segundo critérios heterógenos, na lei comercial, e que em regra
podem ser praticados por comerciantes ou não comerciantes;
✓ Serem praticados por comerciantes e, além disso, serem conexionáveis com o comércio
e estarem conexionados com a atividade mercantil dos seus autores.
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Mas quando pode uma lei ser qualificada, para estes efeitos, de comercial?
Há que atender a três hipóteses:
(i) Quando a lei substitui normas do Código Comercial;
(ii) Quando a lei se auto qualifica como lei comercial;
(iii)Quando se encaixem numa categoria residual de atos que podem ser qualificados como
atos comerciais, não obstante não preencherem quer os requisitos do número um, quer
os requisitos do número dois.
(i) A lei substituta será em princípio comercial, i.e., os atos nela regulados serão mercantis.
Seria estranho considerar comerciais os atos previstos no Código Comercial e considerá-los
não comerciais quando previstos de modo mais desenvolvido e atualizado fora do Código. Por
conseguinte, são objetivamente comerciais:
✓ os atos constituintes das sociedades comerciais previstos no CSC, que substituiu os
artigos 104.º e seguintes do Código Comercial;
✓ os negócios respeitantes às letras, livranças e cheques, basicamente regulados hoje nas
LULL e LUCh, mas previstos anteriormente nos artigos 278.º e seguintes do Código
Comercial;
✓ as operações de bolsa, antes previstas nos artigos 351.º e seguintes do Código
Comercial, e agora no CVM;
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✓ os contratos de seguro disciplinados pelo RJCS, que revogou os artigos 425.º a 462.º
do Código Comercial, etc.
Todos estes atos previstos em Leis comerciais são atos comerciais objetivos porque substituem
regimes que inicialmente estavam previstos no Código Comercial.
(ii) Temos, por exemplo, no âmbito do Código Civil, inúmeras normas que se auto qualificam
como lei comercial. Exemplo: no capítulo da locação há disposições especiais do arrendamento
para fins não habitacionais”. Entre estes fins conta-se também o comércio. A locação de
estabelecimento “comercial ou industrial” e o trespasse de estabelecimento “comercial ou
industrial” merecem aí algumas regras específicas (artigos 1109.º e 1112.º/1 alínea a) e 4 do
Código Civil).
(iii) Na maioria dos casos, as leis não se auto qualificam explicitamente como comerciais, civis,
etc. Ora, como saber então se estamos perante uma lei mercantil, prevendo de algum modo
atos objetivos de comércio?
O Dr. Ferrer Correia defende que a lei mercantil seria a que disciplina atos tendo em vista a
satisfação de necessidades/ interesses do comércio. O Sr. Professor Pestana Vasconcelos
considera que esta classificação não está completamente ultrapassada. O Dr. Coutinho de
Abreu, por sua vez, defende que não é suficiente. Por um lado, não existe um conceito unitário
de comércio – o comércio em sentido jurídico integra setores e subsetores variados de atividade
económica, com necessidades diferenciadas entre eles e dentro de cada um deles. Por outro
lado, as leis comerciais regulam também atos de comércio ocasionais.
Para saber se as leis em questão são comerciais parece necessário ver se elas disciplinam
matéria análoga à disciplinada no Código Comercial ou em outras leis classificadas como
comerciais.
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Mas quais atos objetivos? Tão-só os contratos em que o exercício da empresa tipicamente se
traduz, ou todos os atos praticados na exploração dessas organizações empresariais?
O Sr. Professor Pestana Vasconcelos adota a perspetiva do Dr. Coutinho de Abreu,
considerando atos objetivamente comerciais os atos previstos no artigo 230.º do Código
Comercial, desenvolvidos diretamente por estas empresas, mas também todos os outros atos
praticados no âmbito destas empresas que visem o desenvolvimento da sua atividade. Exemplo:
no âmbito da construção de casas, são atos comerciais não só os atos principais, mas todos os
atos que sejam necessários para esse efeito (ainda que sejam atos secundários ou atos de
suporte), como: a compra de mercadorias para a obra por parte do empreiteiro; a contratação
de funcionários por parte do empreiteiro; o aluguer de uma carrinha; arrendamento de um
armazém.
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Atos praticados no quadro de organizações de meios pessoais e/ou reais.
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O Dr. Coutinho de Abreu admite o recurso, também, à analogia iuris17 e concretiza as seguintes
ideias:
✓ Como qualificar as empresas de prestação de serviços, mas que não são análogas às
previstas no artigo 230.º do Código Comercial, nem a outras normas do Código
Comercial, nem consideradas comerciais em diplomas posteriores? Se essas empresas
de serviços não podem ser qualificadas de comerciais pelo recurso à analogia legis,
podem sê-lo pelo recurso à analogia iuris. Há um princípio geral de direito comercial
segundo o qual as empresas de prestação de serviços são, em regra, comerciais.
Todavia, é evidente que não são empresas comerciais aquelas que só podem ter
atividades que tenham caráter civil, como seja, por exemplo, a prestação de serviços no
âmbito de profissões liberais.
✓ O trespasse e a locação de estabelecimento comercial são atos de comércio objetivos,
estão especialmente regulados em lei mercantil. Recorrendo mais uma vez à analogia
iuris, diremos, pois, que os negócios sobre empresas comerciais são atos objetivamente
comerciais. Exemplo: a oneração de uma empresa.
✓ O comércio em sentido jurídico é a atividade de interposição nas trocas ou
intermediação na circulação dos bens. Colhe-se, pois, um princípio geral segundo o
qual as atividades de interposição nas trocas pertencem ao comércio em sentido
jurídico.
17A analogia iuris significa tradicionalmente a disciplina dos casos omissos através da aplicação de princípios gerais obtidos
através de induções lógico-generalizadoras de uma série de normas legais.
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18 Os regimes do consumo são quase todos transposições de Diretivas Comunitárias, que estão constantemente a ser alteradas
no sentido de aumentar a tutela do consumidor. Estes contratos de consumo são também contratos comerciais na medida
em que aqueles que prestam ou vendem os serviços são, quase sempre, empresas comerciais.
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19Objeto de alterações que não tocam a essência do bem e que permitem continuar a identificar o mesmo bem, não
implicando, portanto, a venda de um bem novo.
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Da mesma forma que o artigo 463.º do Código Comercial refere as compras e vendas
comerciais, o artigo 464.º do Código Comercial indica as compras e vendas não comerciais:
✓ Se o sujeito destina o bem móvel ao seu próprio uso ou consumo, não haverá
compra comercial, mesmo que ele o venha a revender ulteriormente. Mesmo que
aquele que adquire seja um comerciante, e este adquira um carro para a família, este
não é um ato comercial;
✓ As vendas que o proprietário ou o explorador rural faça dos produtos de propriedade
sua ou por ele explorada, e dos géneros em que lhes houverem sido pagas quaisquer
rendas. Exemplo: produtos agrícolas, pecuária, floricultura, etc;
✓ As compras que os artistas, industriais, mestres e oficiais de ofícios mecânicos que
exercerem diretamente a sua arte, indústria ou ofício, fizerem de objetos para
transformarem ou aperfeiçoarem nos seus estabelecimentos, e as vendas de tais
objetos que fizerem depois de assim transformados ou aperfeiçoados20;
✓ As compras e vendas de animais feitas pelos criadores ou engordadores;
2. Determinação do preço
Tal como na lei civil, na compra e venda comercial, o preço não tem de estar determinado no
contrato. Há diferenças importantes na lei mercantil, que resultam do artigo 466.º CCom.
Na compra e venda mercantil, a regra é que o preço seja fixado pelas partes. No entanto, na
compra e venda mercantil, se o preço não estiver concretamente fixado, o contrato tem de
prever logo o modo como será determinado o preço, e, sendo essa determinação com recurso à
intervenção de terceiro, este tem logo de ser indicado (artigo 466.º do Código Comercial).
Não é assim no Código Civil. Se o contrato não previr o modo de determinação, vale
sucessivamente o preço normalmente praticado pelo vendedor, o do mercado ou bolsa do lugar
em que o comprador deva cumprir no momento do contrato e o fixado em Tribunal, segundo
juízos de equidade (artigo 883.º/1 do Código Civil).
20 Refere-se às atividades artesanais. Na altura em que o Código Comercial foi elaborado (1988), o artesanato era uma
atividade económica muito importante, por isso, ao interpretar o Código Comercial tem de se ter em conta a realidade
económica que o mesmo, necessariamente retrata. Assim, temos de fazer uma interpretação atualista a este regime de
Compra e Venda.
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Segundo o artigo 466.º do Código Comercial, se o terceiro que deve fixar o preço, por força do
estipulado contrato, o não fizer, o contrato ficará sem efeito, uma vez que a fixação do preço é
essencial na venda comercial. Igual solução deve valer para os casos em que o contrato não
prevê o modo de determinação ou não indica o terceiro.
A explicação deste regime é simples. A lei mercantil não permite uma intervenção heterónoma
que não se funde na vontade dos contraentes. No comércio, e em especial na compra e venda
para revenda, o preço obedece à lógica do lucro e não à da equidade. Por outro lado, sem preço
não há compra e venda.
21As coisas futuras são aquelas que o vendedor não tem, mas conta e se obriga a adquirir e a outra parte sabe disso. Portanto
a coisa é perspetivada como futura.
22
O Sr. Professor Pestana Vasconcelos refere que se dá um relevo excessivo à venda de bens alheios no âmbito comercial. Isto
porque, no comércio, esta venda de coisa alheia não é comum, pois para que tal aconteça: (i) o sujeito tem de apresentar-se
como proprietário de algo que não lhe pertence e (ii) a contraparte não pode saber que ele não é proprietário. No comércio,
o mais comum é que o sujeito sabe que coisa não é do vendedor, pois o vendedor terá de adquirir, uma vez que o stock é
muito limitado. Isto não é uma venda de coisa alheia, é uma venda de uma coisa futura, o que prova que este regime é
fragmentário. Exemplo: vou comprar um automóvel a um stand, não estou à espera de que o tenham em stock.
23 Justamente porque o tráfico mercantil, assente na rápida circulação de bens e vendas de grande risco, impõe a ampla
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Estas vendas consideram-se sempre como feitas sob condição de as coisas corresponderem à
amostra ou qualidade.
Exemplo 1: um sujeito mostra a outro um modelo de um tecido. Realiza-se uma compra e
venda, que se encontra condicionada a que o tecido corresponda à amostra.
Exemplo 2: um sujeito encomenda 30 kg de café XPO. A venda é feita na condição de a coisa
entregue corresponder à qualidade entendida no comércio.
O artigo 471.º do Código Comercial apresenta três hipóteses para os contratos dos artigos 469.º
e 470.º do Código Comercial se tornem perfeitos:
✓ A coisa é entregue ao comprador, que não faz logo a análise da mercadoria. Não o
fazendo tem um prazo de 8 dias para examinar a mercadoria e reclamar. Depois disso,
consolida-se a venda, mesmo havendo desconformidade.
✓ A coisa é entregue e o comprador examina-a no ato da entrega. Se a aceitar e não
reclamar contra a sua qualidade, não poderá reclamar posteriormente, consolida-se a
venda.
✓ O vendedor pode exigir que o comprador proceda ao exame das fazendas no ato da
entrega, salvo caso de impossibilidade, sob pena de se haver para todos os efeitos como
verificado.
No comércio é muito importante que as vendas se estabilizem, porque estamos face a uma
cadeia comercial. Este é um dos principais efeitos de grande relevância prática da qualificação
de uma compra e venda como uma compra e venda comercial.
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Para além de ter de comunicar esta venda à sua contraparte do contrato inicial de compra e
venda (artigo 474.º, § 2.º do Código Comercial), terá de realizar a revenda em hasta pública,
ou, se as mercadorias tiverem preço cotado na bolsa ou no mercado, por intermédio de corretor,
ao preço corrente (artigo 474.º, §1.º do Código Comercial).
Exemplo 1: O vendedor vendeu por 10€, mas o comprador não pagou. Então o vendedor decide
revender por 12€. O vendedor terá de entregar 2€ (a diferença) à contraparte. Neste caso, ainda
que tenha de entregar a diferença, tem direito a uma indemnização se tiver sofrido um prejuízo
com o atraso. Portanto se ambos têm um crédito, recorre-se ao regime da compensação.
Exemplo 2: O vendedor vendeu por 10€, mas só consegue revender por 8€, face ao
incumprimento do comprador. O vendedor poderá exigir os 2€ em falta, à contraparte
incumpridora, para além do direito a uma indemnização pelo não cumprimento.
Face à mora da outra parte, o credor pode simplesmente exigir o cumprimento por via judicial,
e terá direito a ser indemnizado pelo atraso. Teremos de distinguir os casos em que as
obrigações, tanto de pagar o preço, como da entrega das coisas sejam puras ou a prazo.
Na primeira hipótese, será necessária a interpelação do devedor para cumprir. No segundo caso,
basta, o decurso do prazo para se vencer a obrigação.
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§ 4.º A taxa de juro referida no parágrafo anterior não poderá ser inferior ao valor da taxa
de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de
refinanciamento efetuada antes do 1.º dia de janeiro ou julho, consoante se esteja,
respetivamente, no 1.º ou no 2.º semestre do ano civil, acrescida de sete pontos percentuais,
sem prejuízo do disposto no parágrafo seguinte.
§ 5.º No caso de transações comerciais sujeitas ao Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, a
taxa de juro referida no parágrafo terceiro não poderá ser inferior ao valor da taxa de juro
aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de
refinanciamento efetuada antes do 1.º dia de janeiro ou julho, consoante se esteja,
respetivamente, no 1.º ou no 2.º semestre do ano civil, acrescida de oito pontos percentuais”.
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Para além das consequências de caráter indemnizatório da mora, e das que decorrem da
aplicação do artigo 808.º do Código Civil há ainda uma inversão do risco da perda ou
deterioração das mercadorias, nos termos do artigo 807.º/1 do Código Civil, com a exceção
decorrente da aplicação nesta situação específica da relevância negativa da causa virtual (artigo
807.º/2 do Código Civil). Estando o vendedor em mora, passa a correr esse risco quando, não
fosse ela, correria já por conta do comprador.
Estando o devedor em incumprimento definitivo, o credor pode realizar ou manter a sua
prestação, e exigir uma indemnização pelo interesse contratual positivo, isto é, por tudo o que
teria ganho se o devedor tivesse cumprido pontualmente a sua obrigação, ou resolver o contrato
(artigo 801.º/2 do Código Civil).
Se resolver o contrato, fica desvinculado da sua contraprestação ou, se já a tiver realizado, pode
exigir a sua restituição. Mantém o direito a ser indemnizado, havendo uma divergência
doutrinal, sobre se ela se calcula pelo interesse contratual positivo, ou negativo, sendo este
aquilo que o credor teria obtido se tivesse celebrado um negócio alternativo. A primeira solução
é a correta.
9. Reserva de Propriedade
Um instrumento de grande relevo para proteção do comerciante na compra e venda comercial
é a reserva de propriedade.
Feita a entrega da coisa, o vendedor, não pode caso já se tenha transmitido, o que será a regra,
a propriedade das coisas resolver o contrato por falta do pagamento do preço (artigo 886.º do
Código Civil). Nestes casos só se pode socorrer na ação para cumprimento e nos instrumentos
relativos à mora.
O recurso à reserva de propriedade (artigo 409.º do Código Civil) impede justamente a
transmissão da propriedade, que se manterá na esfera do vendedor até ao integral pagamento
do preço.
Exemplo: A vende a B com reserva de propriedade a mercadoria por 10€. B é um comerciante
e quer vender com lucro e precisará até de vender para obter os meios para pagar a A. B vende
por 15€, utilizará 10€ para pagar ao vendedor com reserva de propriedade e ao pagar transmite-
se a propriedade para B e se ele já tiver revendido, por cadeia, transmitisse logo ao comprador
final.
A reserva de propriedade tem um regime específico (artigo 934.º do Código Civil), no âmbito
da compra e venda, se esta for realizada a prestações:
“Vendida a coisa a prestações, com reserva de propriedade, e feita a sua entrega ao
comprador, a falta de pagamento de uma só prestação que não exceda a oitava parte do preço
não dá lugar à resolução do contrato, nem sequer, haja ou não reserva de propriedade,
importa a perda do benefício do prazo relativamente às prestações seguintes, sem embargo de
convenção em contrário.”
Deste modo, para o vendedor ter direito à resolução do contrato, é exigido o incumprimento de
duas prestações, ou de uma prestação equivale a um oitavo do preço. Seria ainda assim, sempre
necessário ao abrigo do regime geral transformar a mora em incumprimento definitivo, através
da interpelação cominatória.
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Este regime de venda a prestações com reserva de propriedade tem força expansiva, aplica-se
a outros contratos que tenham uma finalidade económica ou que visem um resultado idêntico
à venda a prestações. Exemplo: o aluguer-venda. Esta figura tem um âmbito de aplicação que
abrange certas modalidades da locação financeira.
Perante estes casos, a lei criou no artigo 1301.º do Código Civil um instrumento de tutela do
adquirente25.
Deste modo, para que este artigo se aplique, o comprador final tem:
✓ De estar de boa-fé;
✓ De ter adquirido a coisa a um comerciante que negoceie nesse tipo de bens ou bens
semelhantes;
11. Incoterms
Os contratos de compra e venda, especialmente os internacionais, mas, também, nacionais
obedecem grande parte das vezes a um conjunto de regras que visam determinar: o risco do
perecimento das mercadorias, a realização do seguro e o pagamento dos transportes.
25 NOTA: Este mecanismo de tutela não é a aquisição por terceiro, não é uma espécie de aquisição a non domino, ele não
adquire o bem. Simplesmente, o comprador final pode não entregar o bem ao vendedor com reserva de propriedade
enquanto ele não lhe pague aquilo que o comprador final pagou ao comerciante que lhe vendeu o bem e incumpriu o contrato
com o vendedor com reserva de propriedade.
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Estas cláusulas são do comércio internacional, mas também se utilizam no comércio interno,
porque simplificam a elaboração dos contratos na medida em que são conhecidas e permitem
uma estandardização.
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IV - Dos Comerciantes
1. Introdução
Os sujeitos de atos de comércio podem ser comerciantes ou não comerciantes.
Os sujeitos (singulares ou coletivos) com capacidade civil de exercício possuem igualmente
capacidade comercial de exercício, i.e., podem praticar atos de comércio nos termos do artigo
7.º do Código Comercial.
Os não comerciantes (ou civis) têm um relevo muito limitado. Exemplo: A comprou um livro
para revender a B.
Um comerciante é uma pessoa singular ou coletiva, com capacidade de exercício, que pratica
atos de comércio, nos termos do artigo 7.º Código Comercial.
O comerciante:
1. Tem estatuto próprio que se traduz, principalmente, no seguinte:
✓ Os atos dos comerciantes são considerados subjetivamente comerciais, nos
termos da 2ª parte do artigo 2.º do Código Comercial;
✓ As dívidas comerciais dos comerciantes casados presumem-se contraídas no
exercício dos respetivos comércios (artigo 15.º do Código Comercial; e tais
dívidas são, em princípio, da responsabilidade dos comerciantes e dos seus
cônjuges – artigo 1691.º/1 alínea d) do Código Civil);
✓ A prova de certos factos em que intervêm comerciantes é facilitada nos termos
do artigo 396.º do Código Comercial;
✓ Há prescrição dos créditos no prazo de dois anos nos termos do artigo 317.º
alínea b) do Código Civil;
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•
O artigo 13.º do Código Comercial dispõe no mesmo sentido do
artigo 7.º do Código Comercial relativo à capacidade de exercício
para a prática de atos do comércio;
• Por outro lado, segundo tal interpretação do artigo 13.º do Código
Comercial, os menores (não emancipados) e maiores acompanhados
não poderiam nunca ser comerciantes. Mas não é assim. A doutrina
defende, tendo em conta algumas normas legais, uma compreensão
do artigo 13.º do Código Comercial com algumas restrições:
o Nos termos do artigo 1889.º/1 alínea c) do Código Civil e do
artigo 2.º alínea b) do Decreto-Lei 272/2001, de 13 de
outubro, os pais, autorizados pelo Ministério Público, podem
representar os filhos na prática atos de comércio. Tal tutela
também se estende ao tutor ou administrador de bens do
menor (artigos 1938.º/1 alíneas a) e f) e 1971.º/1 e 2 do
Código Civil), bem como ao acompanhante com poderes de
representação legal ou de administração dos bens do maior
(artigo 145.º/4 e 5 do Código Civil). Assim, os menores e
maiores acompanhados que exerçam comércio por
intermédio de representantes autorizados, devem ser
considerados comerciantes.
2. Fazer do comércio profissão:
✓ O “exercício profissional de determinada atividade”26 trata-se de um conceito
preciso: o exercício habitual de uma atividade económica como meio de vida
para gerar lucro. Isto é, de modo habitual ou sistemático (prática de atos em
série). Não se exige que seja a única profissão nem a principal.
✓ Fora deste âmbito está a prática de:
• Atos subjetivamente comerciais - não atribui a qualidade de
comerciante, pressupõe-na;
• Atos formalmente comerciais - a sua prática, mesmo que habitual, não
pode denotar o exercício da profissão. Exemplo: um agricultor que
recorre sistematicamente ao crédito, aceitando por isso letras de câmbio,
não exerce qualquer profissão comercial pelo facto de habitualmente
praticar atos de comércio cambiários);
• Atos de comércio acessórios – neste ponto a doutrina diverge;
26 Esta definição terá impacto, por exemplo, no âmbito do Direito Bancário, porque tendo em conta esta definição só
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Como vimos, um comerciante em nome individual, responde com todos os seus bens perante
as dívidas contraídas no decurso da sua atividade e, eventualmente, até os bens do cônjuge. Daí
que não muito vulgar a existência de comerciante em nome individual o mais comum é que
sejam pessoas coletivas.
Uma sociedade pode ter um único sócio, nesse caso é unipessoal, ou mais do que um sócio e é
pluripessoal.
É comum a existência de sociedades unipessoais porque, muitas vezes, um sujeito constitui
uma sociedade e atua através dela, sendo que, assim, quem é responsável pelas dívidas é a
sociedade.
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Ainda assim, as sociedades civis de tipo ou forma comercial, não têm objeto comercial e não
exercem atividade mercantil, logo não são sociedades comerciais e, consequentemente, não são
comerciantes, nos termos do artigo 13.º/2 do Código Comercial27.
27Ver, neste sentido, o n.º 4 do preâmbulo do Decreto-Lei 262/86 de 2 de setembro que aprovou o Código das Sociedades
Comerciais
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Não existe, nas palavras do Dr. Coutinho Abreu, incompatibilidade entre o exercício
profissional do comércio e o exercício de funções públicas, porém a lei veda a
classificação de comerciante ao Estado (em sentido amplo), a entidades públicas de
tipo institucional (exceto as EPEs), associações e fundações de direito privado com
fim desinteressado ou altruístico. Exemplo: A Universidade do Porto é uma fundação
de direito privado, é uma entidade pública. Tem uma loja, essa loja é uma empresa,
visa o lucro. Trata-se de uma entidade pública que explora uma empresa que visa o
lucro, mas não é por isso que se torna comerciante;
✓ Pessoas coletivas de tipo institucional28 - empresas públicas e institutos públicos ou
de carácter associativo. O Estado, em regra, sempre que visa exercer uma atividade
económica de carácter potencialmente lucrativo recorre a sociedades comerciais de
capitais públicos ou sociedades de economia mista ou entidades públicas empresariais.
✓ Sociedades sem personalidade jurídica: as sociedades civis sob forma comercial têm
personalidade jurídica, constituem-se com o registo. Mas podemos ter, também,
sociedades civis sem personalidade jurídica, que são sociedades relativamente às quais
já foi celebrado um contrato que tem por objeto a prática de atos de carácter não
comercial, e às quais não se atribui personalidade jurídica;
✓ Sociedades que mesmo sendo sociedades comerciais ainda não foram objeto de
registo - não o sendo não são ainda pessoas coletivas. O Dr. Coutinho de Abreu
entende que não têm personalidade jurídica plena, mas têm alguma subjetividade
jurídica (são um centro de imputações), tendo capacidade de gozo e de exercício
suficiente para praticarem atos de comércio ainda antes de se proceder ao registo (estes
tipos de sociedades e as sociedades civis que não têm personalidade jurídica estão
sujeitas à insolvência).
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V - Direito Bancário
1. Autonomia e objeto do Direito Bancário
Ninguém pode participar na vida económica se não tiver uma conta bancária. O cerne do
Direito Bancário consiste na intermediação financeira (atividade que só pode ser desenvolvida
pelos Bancos). Deste modo, o Direito Bancário assume um carácter essencial para as empresas
e para os particulares, pois não conseguem inserir-se economicamente na vida moderna sem
ter acesso a um conjunto de serviços bancários.
Os Bancos constituem uma modalidade das instituições de crédito que são “as empresas que
recebem do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e concedem crédito por conta
própria” (artigo 1.º-A/1 RGICSF).
O Banco desempenha essencialmente três tipos de funções:
i) De guarda de bens;
ii) Concessão de crédito;
iii) Serviços de pagamento, que estão regulados atualmente no RSP (Regime de
Serviços de Pagamento);
29
Ora, os depósitos, sendo à ordem, ou a prazo (mas permitindo a sua mobilização antecipada), estão imediatamente
disponíveis para os credores/depositantes.
Contudo, o mesmo não se passa com os créditos decorrentes dos contratos através dos quais se aplicam estes recursos. A
restituição do capital é realizada a prazo.
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terem aí “depositadas” determinadas quantias monetárias que lhes pertencem, mas que
constituem efetivamente em créditos sobre o Banco.
30 A moeda legal é a moeda emitida pelas autoridades estaduais de um país e que por força da lei é aceite como meio de
pagamento. Já a moeda escritural é a moeda bancária, sendo necessário para a sua circulação a criação de conta bancária.
31 Há um Regulamento Euro-Digital que regula que vai ser o próprio BCE a emitir moeda escritural, invés dos Bancos centrais
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2. Sistema Financeiro
Juridicamente, nos termos do artigo 101.º CRP “O sistema financeiro é estruturado por lei, de
modo a garantir a formação, captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação
dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social”.
No que diz respeito ao sistema financeiro, podemos fazer a seguinte distinção:
• Setor Bancário – assente no binómio de recolha de poupanças através de depósitos/
concessão de crédito. Os respetivos órgãos de supervisão e regulação consistem no BCE
e no Banco de Portugal.
• Setor do mercado de capitais ou financeiro em sentido estrito – engloba no seu seio
os valores mobiliários, os instrumentos monetários e os derivados. O respetivo órgão
de supervisão e regulação consiste na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários
(CMVM).
• Setor dos seguros – os seguradores podem captar recursos diretamente do público
(como sucede com as operações de capitalização), como faz parte da sua atividade
assegurar créditos da Banca, e face à Banca, o que é instrumental à concessão de crédito.
O respetivo órgão de supervisão e regulação consiste na autoridade de supervisão de
seguros e fundos de pensões (ASF).
Um dos aspetos mais marcantes do atual sistema financeiro é a crescente interpenetração entre
os seus diferentes subsectores. Em rigor, este aspeto é particularmente relevante no que diz
respeito à atividade dos bancos.
(i) As instituições de crédito são também os principais intermediários financeiros,
atuando mesmo por conta própria nos mercados de valores mobiliários (artigo 4.º/1/
alínea e) do RGICSF). Contudo, quando assim é atuam em vestes diferentes e estão
sujeitas também ao regime do CVM e ao órgão de supervisão e regulação (a
CMVM).
(ii) De forma paralela, os bancos são veículos de colocação de seguros junto do público,
podendo ser mediadores de seguros (artigo 4.º/1/ alínea m) do RGICSF). É muito
comum fazerem-no relativamente a seguradores que com eles fazem parte do
mesmo grupo. De facto, diversos produtos bancários, como sejam empréstimos,
cartões de crédito e débito, são propostos com um conjunto de seguros associados,
alguns deles de caráter complementar, como o seguro de vida ligado ao crédito de
longo prazo. A ligação próxima entre os seguros e a Banca é usualmente designada
de banqueassurance.
(iii) Para além dos Bancos serem veículos de colocação de seguros, eles próprios
oferecem produtos que visam a cobertura do risco de incumprimento
desempenhando o papel de seguros, como sucede com os credit default swaps, ou
os derivados climáticos (weather derivatives).
(iv) Os fundos de que a Banca carece para desenvolver a sua atividade não são só
obtidos por via de depósitos, mas também no mercado interbancário, o que pode
provocar problemas graves de liquidez, se este deixar de funcionar, como a crise
financeira de 2007 abundantemente documenta.
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(v) Os Bancos recorrem aos mercados financeiros não só como forma de obter
financiamento (proprietary trading), mas também para efeitos de proteção do risco
(hedging).
(vi) Os clientes dos bancos confundem muitas vezes produtos típicos bancários, com
produtos de mercado de capitais, por serem comercializados pelos Bancos ao
“balcão”, pese embora o forte reforço dos deveres de informação sobre estes
produtos. Ou seja, uma pessoa que tenha uma conta de moeda escritural (depósitos)
pode também ter uma conta de valores mobiliários (ações, obrigações, etc.). Como
o Banco também atua no âmbito dos Valores Mobiliários, será o Banco que vai
fazer estas mobilizações.
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Este é o núcleo central, que pode ter um conteúdo mais restrito ou mais extenso, mas estes são
os aspetos que integrarão o seu mínimo socialmente típico. Estes elementos podem ser isolados
em contratos per se, mas aqui compõem o conteúdo de um único contrato. Todos são contratos
de prestação de serviços, por isso este contrato inicial tem um fortíssimo elemento dessa
categoria contratual.
(ii) O segundo elemento é composto pela previsão das condições dos diversos contratos que o
banco pode vir, mas não tem de o fazer, a celebrar com os clientes: cartão de crédito, cheque,
transferências, depósitos a prazo, muito frequentemente a abertura de crédito.
O contrato de abertura de conta tem uma importância muito grande porque é ele que funda a
relação bancária entre as partes, sendo denominado, por isso, contrato bancário geral. Este
(i) produz de imediato efeitos entre as partes no que toca aos negócios, desde logo, celebrados
e (ii) prevê o conteúdo de outros a celebrar. Não decorre daqui, no entanto, em regra, a
obrigação de celebrar contratos futuros.
Este contrato embora não sendo legalmente típico, é, de forma clara, socialmente típico, tendo
em conta a uniformidade das cláusulas contratuais gerais a que os diversos bancos recorrem.
O Banco, a não ser em casos pouco vulgares, não negoceia o conteúdo deste contrato nuclear
com os seus clientes, daí ser um contrato composto por cláusulas contratuais gerais. É um
contrato celebrado por adesão, sendo um contrato muito extenso.
Deve ser qualificado como um contrato quadro, isto é, há um contrato inicial que regula as
relações entre as partes. Deste modo, as partes quando contratam, naquilo que são os contratos
de segundo grau, vão absorver o regime/ conteúdo previsto no contrato quadro.
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Isto é assim se nós estivermos aqui unicamente no âmbito do sistema bancário. Agora, se o
Banco estiver a atuar como intermediário financeiro aí aplicam-se-lhes, como vimos as regras
do Código dos Valores Mobiliários, e nesse âmbito há efetivamente um conjunto de deveres
mais extensos:
(i) dever de conhecer o cliente e
(ii) verificação do caráter adequado dessa operação;
Há uma ampla jurisprudência do STJ32 sobre esta matéria, que está muito relacionada com a
venda de determinados produtos financeiros (no âmbito do BPN e do Banco Espírito Santo) e
32 Há um Acórdão do STJ de 28/02/2019 que diz o seguinte: “a densidade do dever de informação resulta tanto das
características do produto financeiro, que o intermediário financeiro tem, obrigatoriamente, de fornecer ao cliente, como da
necessidade de suprimento da insuficiência de conhecimento ou experiência revelada pelo cliente”.
O Acórdão do STJ de 28/03/2019 refere: “o dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não
dispensa em absoluto o investidor de adotar um comportamento diligente, visando-se o total esclarecimento”. No caso
concreto, tratava-se de uma pessoa com formação superior e administrador de empresas habituado a subscrever produtos
financeiros. Entendeu-se que o Banco não tinha qualquer dever de informação.
Um dos casos que foi ao STJ tinha a ver com a comercialização de um conjunto de produtos financeiros que foram sendo
vendidos como produto de capital de garantia. Aqui há uma diferença porque se forem depósitos estão garantidos pelo Fundo
de Garantia de Depósitos, não sendo depósitos estão garantidos pelo próprio Banco. Aqui a questão que se colocava era se
teria sido exigível ao Banco dar essa informação ou não. O entendimento genérico foi de que dependia da pessoa: se se
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a linha decisória diz que cabe ao cliente um dever de atuar diligentemente e de pedir as
informações adequadas.
4. Os Contratos de Crédito
4.1. Mútuo em geral e o Mútuo Pecuniário Oneroso
O mútuo é o modelo básico dos contratos de crédito. Tal como está previsto e regulado no
Código Civil caracteriza-se por se um contrato unilateral, real quanto à constituição “pelo qual
uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada
a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade” (artigo 1142.º do Código Civil).
O mútuo pode ser:
✓ Gratuito ou oneroso, consoante seja retribuído ou não. A retribuição será feita sob a
forma de juros (artigo 1145.º/1 do Código Civil). A modalidade do mútuo que será objeto
da nossa atenção será o mútuo pecuniário oneroso.
✓ Garantido ou não, ou seja, o crédito à restituição do capital e, eventualmente, ao
pagamento de juros, pode estar tutelado por uma garantia. Esta pode ser pessoal (por
exemplo, uma fiança), real (por exemplo, um penhor ou hipoteca) ou assente na
titularidade de um direito (por exemplo, a cessão de créditos em garantia).
✓ Simples ou de escopo. Estamos face ao primeiro quando o mutuário não assume qualquer
dever quanto ao destino da quantia emprestada. O mútuo será de escopo quando a
contraparte do mutuante se obriga a empregar essa quantia para determinado fim.
Como já foi referido, o mútuo é um contrato real quanto à constituição, ou seja, o contrato
não está concluído enquanto, para além das declarações de vontade, não for também feita a
entrega da coisa33 (do dinheiro) ao mutuário. Concluído o contrato, mesmo que se tenham
acordado juros, as obrigações decorrentes estão unicamente a cargo do mutuário.
Nada obsta, porém, a que se celebre um contrato de mútuo consensual atípico. Neste caso,
será já um contrato bilateral, sinalagmático. Obtido o acordo o contrato conclui-se, daí
decorrendo a obrigação para o mutuante de entregar o capital. Caso não o faça, a outra parte
pode recorrer à ação para cumprimento.
No que diz respeito à forma, sem prejuízo de lei especial, o mútuo civil de valor superior a
25 000 € só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular
autenticado e o de valor superior a 2 500€ se o for por documento assinado pelo mutuário
(artigo 1143.º do Código Civil).
tratasse de uma pessoa que tivesse capacidade para fazer as perguntas adequadas, um administrador de uma empresa, ou
uma pessoa com determinado nível educacional, entendeu-se que a pessoa tinha capacidade de entender e que o Banco não
tinha esse dever de informação.
33Note-se que o crédito em conta realizado pelo banco na conta do mutuário, no âmbito do mútuo bancário, constitui a
entrega. O que está em jogo nestes casos é só a moeda escritural, sendo ela o objeto do contrato.
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Aspeto nuclear no regime do mútuo é a transmissão da propriedade das coisas mutuadas para
o mutuário (artigo 1144.º do Código Civil). Isto é, o credor deixa de ser titular das quantias e
passa a ser simplesmente titular de um crédito à restituição das quantias. O mutuante perdendo
a propriedade da coisa, passa a correr o risco da insolvência do mutuário, sendo um contrato
de risco muito elevado para o mutuante.
Faz parte do mútuo a existência de um período mínimo de gozo do bem por parte do mutuário,
que atendendo ao que se retira do artigo 1148.º/1 e 2 do CC, deverá ser de trinta dias.
4.1.1. A natureza das obrigações do mutuário no mútuo oneroso
No mútuo oneroso, o mutuário está obrigado a pagar os juros e a restituir o capital (decorrido
o prazo contratual/denunciado o contrato/resolvido o contrato/vencida antecipadamente a sua
obrigação de restituição).
Estas obrigações têm natureza diversa:
✓ Obrigação de restituir o capital - obrigação com prestação instantânea. Esta obrigação
não depende do período para se constituir e pode ser realizada num só momento. Muitas
vezes fraciona-se esta prestação, amortizando-se o capital ao longo do tempo.
✓ Obrigações de juro – têm por objeto prestações duradouras, reiteradas. São prestações
que se vão constituindo com o decurso do tempo. Visam remunerar a cedência de um
certo montante de capital por um determinado período.
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Exemplo: A empresta a B 10 000€ a um ano, com pagamento semestral de juros. Temos aqui
uma distinção clara do que é o capital e do que são os juros.
Exemplo: A empresta a B uma determinada quantia a 20 anos em que mensalmente o devedor
paga numa única prestação global, em que uma parte diz respeito à amortização do capital e
uma outra parte diz respeito aos juros. O facto de estarem integradas numa única prestação,
não significa que não tenham regimes distintos. São chamadas prestações compósitas, porque
são compostas por dois elementos.
4.1.2. O prazo
As partes podem ter acordado num prazo ou ter concluído o contrato sem prazo.
Na primeira hipótese, se o mútuo for oneroso, o prazo presume-se estipulado a favor de ambas
as partes34. Permite-se, porém, que o mutuário antecipe o pagamento, desde que satisfaça os
juros por inteiro (artigo 1147.º do Código Civil), o que tutela o interesse do credor à sua
perceção.
A presunção é ilidível, pelo que nada obsta a que se convencione o pagamento antecipado do
capital e, somente, dos juros corridos até esse momento.
Pelo contrário, também se poderá acordar que nem com o pagamento antecipado de juros o
devedor pode cumprir antes de ter decorrido o prazo.
Se não se tiver fixado o prazo, decorre do artigo 1148.º do Código Civil que se se tratar de um
mútuo gratuito a obrigação se vence decorridos trinta dias após a exigência do seu
cumprimento. Cumprida a obrigação, extingue-se o contrato.
Sendo um mútuo oneroso sem fixação de prazo, “qualquer das partes pode pôr termo ao
contrato, desde que o denuncie com uma antecipação mínima de trinta dias” (artigo 1148.º/2
do Código Civil).
4.1.3. A resolução
Se for incumprida a obrigação de capital, o credor terá de recorrer, nos termos gerais, à
interpelação cominatória do artigo 808.º do Código Civil. Se se tratar de uma prestação
fracionada, o incumprimento de uma prestação dará lugar à exigibilidade antecipada das outras
(artigo 781.º do Código Civil). Resolvido o contrato, operam-se os efeitos retroativos, tendo de
ser restituídas as prestações que o mutuante já recebeu (artigo 434.º/1 do Código Civil). Sendo
a prestação fracionada, só haverá direito à resolução se se passar o crivo do artigo 802.º/2 do
Código Civil.
34O credor não pode exigir a quantia antes de decorrido aquele período, mas o devedor também não pode pagar antes de
decorrido aquele período de tempo.
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No que diz respeito às obrigações de juros, está prevista no artigo 1150.º do Código Civil uma
norma excecional, não sendo necessário recorrer à interpelação cominatória para se resolver
depois o contrato. Basta a mora.
O fundamento apresentado radica na posição de debilidade do mutuante face ao mutuário, uma
vez que este passa a ser o titular do dinheiro, passando a outra parte a ter um simples crédito à
restituição. Ora, na insolvência o referido direito poderá ser objeto de um pagamento muito
limitado. É tendo em conta este aspeto que a lei permite a resolução imediata do contrato.
Evidente é que se tem de atentar ao princípio previsto no artigo 802.º/2 do Código Civil, em
que se obsta à resolução quando o incumprimento tenha escassa importância, atendendo ao seu
interesse.
Tendo em conta a ratio da norma, o seu regime não se deve estender àqueles casos em que o
mutuante não se encontre na posição típica de fragilidade decorrente do mútuo. É o que sucede
quando este seja titular de uma garantia sólida: pessoal, real, assente na titularidade de um
direito. Nestes casos, o artigo 1150.º do Código Civil deve ser interpretado restritivamente.
35É um ato de comércio acessório. Mas o empréstimo bancário é um ato comercial autónomo, por força do artigo 362.º do
Código Comercial.
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36 Que nos termos dos seus estatutos e do RGICSF tenha capacidade para conceder crédito.
37 Deve-se interpretar o “bastando” como um dever, sendo o escrito particular uma exigência de validade e não uma opção.
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✓ Os avisos do Banco de Portugal têm a natureza de regulamentos, pelo que não podem
ir para além do que a lei habilitante, neste caso, a Lei orgânica do Banco de Portugal;
✓ O Aviso n.º 3/93 ressalva as taxas fixadas por diploma legal. Ora, o artigo 1146.º do
Código Civil, cujo âmbito é alargado pelo artigo 559.º-A e pelo artigo 102.º do Código
Comercial, também fixa taxas, como limites máximos.
✓ Mesmo que o Aviso tivesse o conteúdo de efetivamente liberalizar as taxas de juro, ele
seria simplesmente ilegal. Desde logo, dada a inexistência de lei habilitante, uma vez
que os estatutos do Banco de Portugal não lhe conferem qualquer poder para o efeito.
Em segundo lugar, porque, como é claro, um Aviso que consiste num regulamento não
pode derrogar uma lei.
✓ Para além disso, não se vê uma razão que justificasse nesta altura afastar para as
instituições de crédito dos limites decorrentes da lei geral. Se assim fosse estariam
criados dois regimes. Exemplo: se um pai emprestasse dinheiro a um filho, estaria
sujeito às limitações dos juros usurários. Se uma sociedade comercial não bancária
emprestasse a uma outra sociedade comercial, eventualmente dentro do grupo, estaria
sujeita aos máximos legais - contudo, se qualquer um destes sujeitos fosse contrair um
empréstimo num banco, este já não teria de obedecer a essas limitações, podendo fixar
taxas de valor superior ao permitido pelo artigo 1146.º do Código Civil (com o limite
geral do artigo 282.º do Código Civil).
Nesta matéria ainda não há jurisprudência dominante.
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4.4.1. Modalidades
✓ De acordo com o critério da reposição da disponibilidade do crédito, a abertura de
crédito poderá ser:
• Simples - o beneficiário poderá utilizar o crédito, uma vez, na sua totalidade,
ou recorrer a utilizações parciais até se atingir o limite fixado no contrato.
Contudo, as restituições, no todo ou em parte das quantias movimentadas, não
permitem repor o valor inicial. Exemplo: o valor da abertura de crédito é de
1000€. Significa que ele pode ir movimentando até 1000€. Suponhamos, que
ele movimenta até 500€, e depois restitui 200€. Ao restituir não repõe o valor
do crédito disponibilizado, ele mantém-se em 500€, apesar da dívida dele ter
diminuído.
• Em conta-corrente - as restituições que o beneficiário faça das quantias
utilizadas (e também dos juros a elas correspondentes) permitem repor a
disponibilidade, no todo ou em parte, de acordo com o valor restituído.
Exemplo: celebrámos um contrato de abertura de crédito, durante 6 meses, pelo
valor de 5000€. O sujeito utiliza 2 000€, decorridos 3 meses paga 1000€. Ou
seja, o sujeito ainda podia utilizar 3000€, a partir do momento em que paga
1000€, o valor do crédito que ele pode, no futuro, utilizar, passou para 4000€.
✓ Quanto ao tempo, a abertura de crédito pode ser celebrada:
• a termo certo, em regra, por prazos automaticamente prorrogáveis, salvo
oposição,
• por tempo indeterminado, hipóteses menos comuns. Neste último caso, o
contrato cessa por denúncia39.
38 São a contrapartida da utilização em concreto do crédito e não da disponibilidade. Assim, a disponibilização do crédito não
é remunerada, mas a efetiva utilização do crédito já o é.
39 A denúncia é um ato de cessação do contrato celebrado por tempo indeterminado, e não carece de motivação, mas carece
de pré-aviso.
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montante do empréstimo, ela poderá exigir a diminuição da garantia para que se mantenha essa
relação entre esta e a quantia emprestada.
Exemplo: o Banco A antecipa 50 000€ à empresa B, mas exige que a empresa B constitua
garantias a favor do Banco A, que têm de ter sempre um valor superior a 20% do montante em
dívida. Neste caso concreto, o valor das garantias teria de ser de 60 000€, e esta diferença tem
de se manter ao longo do contrato. O que quer dizer que se as garantias se desvalorizarem
(exemplo: se for um penhor de valores mobiliários), e em vez de valerem 60 000€ passarem a
valer 55 000€, significa que o sujeito tem de reforçar as garantias, ou então pagar parte do
crédito, de forma a manter a proporção entre o crédito e a garantia.
Trata-se de uma relação sempre imediata e proporcional, variando a quantia emprestada tem
de variar a garantia, e vice-versa.
Estamos assim face a um contrato complexo com duas variantes:
✓ Temos um elemento de crédito – que pode ser um mútuo ou uma abertura de crédito;
✓ Temos um elemento de garantia – pode ser uma garantia qualitativa, sob a forma de
penhor ou transmissão fiduciária, cujo objeto serão, em regra, valores mobiliários.
Em terceiro lugar, temos um nexo de proporcionalidade, a margem, entre aqueles dois
elementos que se tem de manter ao longo do período de vigência do contrato.
Assim, o que temos essencialmente é um contrato misto.
41A locação financeira é interessante para as empresas, porque adquirem os bens a uma taxa de juro mais baixa, mas também
porque permite-lhes utilizar as despesas que vão fazendo como forma de, em termos fiscais, reduzir a matéria tributada.
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4.6.1. Caracterização
A lei define locação financeira como o contrato pelo qual “uma das partes se obriga, mediante
retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou
construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período
acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos
critérios nele fixados” (artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24/6).
Como deveres principais do locador financeiro temos:
✓ Dever de concluir o contrato de compra e venda ou de empreitada que tenha por objeto
a coisa escolhida pelo locatário financeiro; Exemplo: A celebra um contrato com o
Banco para adquirir um avião que ainda não foi construído. Significa que o Banco terá
de celebrar um contrato de empreitada com o fabricante do avião, para que ele construa
o avião.
✓ O dever de conceder o gozo dessa mesma coisa ao locatário financeiro para os fins a
que se destina;
✓ O dever de, se o locatário financeiro o quiser, lha vender, decorrido o prazo contratual
(artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24/6).
O locatário financeiro, da sua parte, deverá pagar as rendas financeiras acordadas.
4.6.2. As funções
Estamos face a um contrato bifronte, com uma função dupla: crédito e garantia. Esta última
traduz-se no recurso à propriedade do bem, que o locador adquire e mantém na sua esfera até
recuperar totalmente o capital despendido com a sua aquisição, mais os juros.
Trata-se de um contrato de garantia assente na titularidade do bem42. Tem uma especial
vantagem se o locatário se tornar insolvente, uma vez que aquele bem (objeto da locação
financeira) não integra a massa insolvente do locatário, porque estará integrado na massa
patrimonial do locador financeiro. A posição deste, nestas circunstâncias, é muito mais forte,
porque assenta na propriedade ou titularidade de um determinado bem.
Por outro lado, concede-se crédito. Todavia, ao contrário do que sucede com os outros
instrumentos de financiamento bancário, como o mútuo, a antecipação, o factoring, ele não se
traduz na entrega de dinheiro que o creditado poderá usar indistintamente na sua atividade.
O financiamento dirige-se aqui a um bem específico que a empresa utilizará na sua atividade,
durante o prazo contratual. O crédito é o preço pago pelo locador na sua compra. Exemplo: O
Banco compra a carrinha por 30 000€, o valor do crédito são os 30 000€. A utilização dos bens
pela empresa permitir-lhe-á gerar os meios para amortizar o capital e pagar os juros.
42Por exemplo, nos contratos fiduciários, um sujeito transfere ações para o banco que é o financiador. Este financiador
mantém-nas na sua esfera e só as retransmite se a outra parte satisfizer o valor em dívida. Se o locatário não pagar e entrar
em incumprimento definitivo, o financiador pode transacionar esses bens no mercado e, com o valor obtido pela venda das
ações satisfaz o montante em dívida. Chama-se a esta ação o mecanismo de autossatisfação por parte do financiador.
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O locatário financeiro ao longo do período contratual paga as rendas financeiras, que são
prestações compósitas:
(i) uma parte é composta pela amortização do capital;
(ii) a outra parte é o juro acordado.
Decorrido o período contratual, o cliente pode adquirir ao Banco através de um contrato de
compra e venda o bem por um valor residual.
Assim, temos uma relação trilateral, na medida em que há três intervenientes, mas que assenta
em dois contratos. Eventualmente, poderá haver um terceiro contrato.
43É possível adquirir-se o estabelecimento comercial diretamente ou adquirir o sujeito jurídico que detém o estabelecimento.
No caso de uma pastelaria, temos a pastelaria, enquanto estabelecimento, e o dono da pastelaria, que poderá ser uma
sociedade comercial.
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✓ O Sr. Professor Pestana Vasconcelos entende que podem ser objeto de locação
financeira também marcas e patentes44. Dada a especialidade do objeto, o regime da
locação financeira terá de ser adaptado a estes bens e completado com o regime da
licença.
O Sr. Professor Pestana Vasconcelos entende que a locação financeira em relação a patentes
deve ser admitida porque, em Portugal, existe a licença de patente - o sujeito permite a outro
explorar aquela patente, durante um determinado período, mediante o pagamento de uma
contrapartida, os chamados royalties. A doutrina entende que este caso, na sua essência, trata-
se de uma verdadeira locação.
44O direito de patente é um direito de propriedade industrial, um direito sobre um bem imaterial que confere ao seu titular
um direito de exploração durante um período. As marcas são sinais distintivos.
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✓ Noutra parte, os juros do crédito concedido (podem ser, eventualmente, aqui incluídas
outras despesas que o locador financeiro tenha tido de efetuar, assim como eventuais
comissões administrativas ou de gestão);
As primeiras são prestações fracionadas, as segundas são prestações duradouras reiteradas.
As rendas financeiras não permitem a amortização da totalidade do valor pago pelo bem, sendo
para o efeito ainda necessário o pagamento do valor residual.
O prazo prescricional da obrigação de pagar as rendas é curto, de cinco anos, e decorre da
aplicação conjugada, atendendo ao seu caráter compósito, das alíneas d) e e) do artigo 310.º do
Código Civil. Com efeito, a primeira diz respeito aos juros e a segunda às quotas de
amortização do capital pagáveis com os juros.
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Há uma raiz histórica. Inicialmente até 1995, a locação financeira não podia ter por objeto bens
de consumo e por isso criou-se a figura do ALD. Só que se acrescentou no regime do aluguer
de longa duração, de forma a não correr riscos, uma promessa de compra e venda. Desta forma,
em rigor, defraudavam-se as regras de locação de financeira, porque muitas empresas que
celebravam estes contratos não eram Instituições de Crédito.
Atualmente, a lei sujeitou ao regime da Locação financeira todas os ALD, por serem contratos
que visam obter um resultado económico semelhante ao da locação financeira.
45Neste aspeto a locação financeira distingue-se da locação. Na locação, o locador assegura o gozo do bem, o que significa
que se a coisa precisar de ser reparada, ele tem obrigação de o fazer. Na locação financeira, o locador limita-se a entregar o
bem, sem assegurar esse gozo, o Banco não fará reparações do bem objeto de locação financeira.
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O bem será, pois, entregue ao locatário pelo terceiro. Para tutelar a sua posição, o locador
impõe, contratualmente, que o locatário assine, aquando da entrega, um “auto de receção do
bem e conformidade do bem”, onde declare que este lhe foi entregue e que depois de exame
não tem defeitos. Só depois disso, o locador pagará ao terceiro.
Decorrido o prazo contratual, o locador está obrigado a vender o bem ao locatário financeiro
pelo preço previsto no contrato, o valor residual46, se ele pretender comprá-lo (artigo 9.º/1/
alínea c) do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24/6). A obrigação de venda só se constitui, pois, se o
locatário exercer o seu direito de aquisição (artigo 10.º/2 alínea b) do Decreto-Lei n.º 149/95,
de 24/6).
4.6.10.2. Direitos
Para além dos direitos e deveres gerais previstos no regime da locação que não se mostrem
incompatíveis com o regime da locação financeira, o locador tem o direito de:
✓ Defender a integridade do bem, nos termos gerais de direito (artigo 9.º/2 alínea a) do
Decreto-Lei n.º 149/95, de 24/6);
✓ Examinar o bem, sem prejuízo da atividade normal do locatário (artigo 9.º/2 alínea b)
do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24/6);
✓ Fazer suas, sem compensações, as peças ou outros elementos acessórios incorporados
no bem pelo locatário (artigo 9.º/2 alínea c) do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24/6);
Exemplo: Um automóvel, objeto de locação financeira, decorridos 2 anos do prazo
contratual, necessita de peças novas. Quem paga as peças novas é o locatário, mas o
locador pode fazer suas todas essas peças mesmo que o bem tenha valorizado, não tem
de pagar, adicionalmente.
Tem igualmente o direito às rendas, direito esse que pode ser cedido ou por venda ou em
garantia, como forma de refinanciamento.
46Importa distinguir o valor residual, que é aquilo que o locatário financeiro tem de pagar se quiser adquirir o bem, do valor
venal do bem. Este último é o valor económico que se estima que o bem vá ter decorrido o prazo contratual. Exemplo: se o
bem for um automóvel, estima-se que decorridos os 3 anos, aquele automóvel, em condições normais de uso, valha 5000€
(valor venal, pode valer mais ou valer menos, é uma estimativa). Por regra, o valor residual é mais baixo do que o valor venal,
por exemplo, 3000€ o que significa que há um incentivo a que o locatário adquira o bem.
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Se o objeto do contrato for uma fração autónoma, as despesas correntes necessárias à fruição
das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum recaem sobre o locatário
financeiro (artigo 10.º/2 alínea b) do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24/6).
A este propósito temos de referir que se trata de obrigações face ao locador financeiro e não
perante o condomínio. Face ao condomínio quem está vinculado é o titular do bem, neste caso
o locador financeiro. Aliás, nada justificaria que o condomínio ficasse em pior posição no caso
de o bem ter sido dado em locação financeira, do que se fosse arrendado. Temos de distinguir
as relações externas (quem está obrigado perante o condomínio) das relações internas (quem
está obrigado a contribuir para as despesas correntes).
Nada obsta, no entanto, a que o locador imponha ao locatário financeiro o cumprimento perante
o condomínio (pagamento a terceiro liberatório). Poderá facilmente controlar o cumprimento
dessa obrigação impondo a entrega dos recibos de pagamento.
Se o locatário, pese embora a estipulação contratual nesse sentido não cumprir, o locador
financeiro, como devedor perante o condomínio, terá de pagar as despesas, pois essa obrigação
de contribuir para as despesas decorre do estatuto de proprietário.
O locatário financeiro tem ainda os deveres de não aplicar o bem a fim diverso daquele a
que ele se destina, ou a movê-lo para local diferente do contratualmente previsto, salvo
autorização do locador (artigo 10.º/2 alínea d) do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24/6). Exemplo:
Se for adquirido um bem para fins de habitação, não pode o locatário dedicá-lo ao comércio.
O locatário tem de assegurar a conservação do bem e não fazer dele uma utilização
imprudente (artigo 10.º/2 alínea e) do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24/6). Deve realizar as
reparações, urgentes ou necessárias, bem como quaisquer obras ordenadas pela
autoridade pública (artigo 10.º/2 alínea f) do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24/6).
Temos ainda o dever do locatário não proporcionar a outrem o gozo total ou parcial do bem
por meio da cessão onerosa ou gratuita da sua posição jurídica, sublocação ou comodato, exceto
se a lei o permitir ou o locador financeiro a autorizar artigo 10.º/2 alínea g) do Decreto-Lei n.º
149/95, de 24/6).
O locatário financeiro deve comunicar ao locador financeiro, dentro de 15 dias, a cedência
do gozo do bem, quando permitida ou autorizada, nos termos supra (artigo 10.º/2 alínea h) do
Decreto-Lei n.º 149/95, de 24/6) e avisar imediatamente o locador financeiro, sempre que
tenha conhecimento de vícios no bem ou saiba que o ameaça algum perigo ou que terceiros
se arrogam direitos em relação a ele, desde que o facto seja ignorado pela outra parte (artigo
10.º/2 alínea i) do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24/6).
Temos os deveres de celebrar o seguro do bem objeto do contrato, contra o risco da sua perda
ou deterioração, por um lado, e pelos danos por ela provocados, por outro (artigo 10.º/2 alínea
j) do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24/6). O locador financeiro, por norma, obriga à celebração
destes contratos aquando do próprio contrato de locação financeira. O seu incumprimento
constitui fundamento para a resolução do contrato.
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4.6.11.2. Direitos
Para além dos direitos e deveres gerais previstos no regime da locação que não se mostrem
incompatíveis com o regime da locação financeira, assistem ao locatário financeiro, de entre
outros:
✓ Direito de usar e fruir da coisa, sendo este um dos direitos centrais do locatário (artigo
10.º/2 alínea a) do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24/6).
✓ Direito de defender a integridade do bem e o seu gozo, nos termos do seu direito
(artigo 10.º/2 alínea b) do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24/6) e usar das ações
possessórias, mesmo contra o locador (artigo 10.º/2 alínea c) do Decreto-Lei n.º
149/95, de 24/6).
✓ Caso o locador o autorize expressamente, pode onerar, total ou parcialmente, o seu
direito (artigo 10.º/2 alínea d) do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24/6).
✓ Se a locação financeira tiver por objeto uma fração autónoma, o locatário financeiro
poderá exercer os direitos próprios do locador, com exceção dos que, pela sua
natureza, somente por aquele possam ser exercidos (artigo 10.º/2 alínea e) do Decreto-
Lei n.º 149/95, de 24/6).
✓ Direito de adquirir o bem locado, sendo este um direito caracterizante do contrato
(artigo 10.º/2 alínea e) do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24/6).
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Exemplo: A vende a B um bem que está hipotecado. Pode ainda exercer os diversos direitos
decorrentes do regime da venda de coisa defeituosa (artigo 913.º do Código Civil),
nomeadamente a reparação ou substituição da coisa, nos termos definidos no artigo 914.º do
Código Civil. O mesmo sucede com as pretensões indemnizatórias decorrentes desses regimes.
Não pode recorrer à exceção de não cumprimento por falta da entrega da coisa, mas deverá
comunicá-lo ao locador para este a exercer. A cessação do contrato de compra e venda atinge
depois o contrato de locação financeira.
Se o locatário for um consumidor, o Sr. Professor Pestana Vasconcelos defende que se deverão
aplicar as regras da venda de bens do consumo (Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8/4 alterado pelo
Decreto-Lei 84/2021, de 18/4), isto apesar do contrato entre locador e fornecedor não o ser. O
Sr. Professor defende que haja uma extensão do Regime da Venda de Bens para Consumo às
situações em que o consumidor adquire o bem indiretamente. Assim, o locatário pode exercer
os direitos conferidos pelo Regime da Venda de Bens para Consumo face ao vendedor.
Sempre que se tratar de um contrato de crédito ao consumo, haverá que aplicar o regime do
Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2/6, porque este regime prevê, diretamente, a locação financeira.
Atendendo a que, face a uma determinada norma não podemos pretender um resultado que, por
mais conveniente que seja, não tenha apoio legal, devemos interpretar o regime através do
seguinte raciocínio:
✓ Esta é uma forma indireta de aquisição de um bem para consumo, através da concessão
de crédito por parte do Banco.
✓ A teleologia da venda de bens de consumo é a de proteger o consumidor, aquela que é
chamada a parte mais frágil da relação face àquele que é o vendedor daqueles bens.
✓ Se não articularmos este regime no sentido de alargar esta proteção à locação financeira
estaremos a criar uma lacuna na proteção do consumidor, perante este instrumento
relevante de aquisição de bens.
✓ O regime de venda de bens para consumo pretende um alargamento máximo e por isso
é que é possível sustentar que, atendendo à dimensionalidade deste regime, ele se deve
aplicar nestas circunstâncias.
✓ Justifica-se, também, por razões de justiça material.
É importante ancorar este raciocínio nos instrumentos de interpretação que temos disponíveis,
verificando o sentido e o alcance da norma, quais os princípios em causa (princípio da tutela
do consumidor), procurar as semelhanças e chegar a um resultado. O último ponto da
interpretação é o controlo dessa interpretação pelo resultado através de um raciocínio preciso.
Deve-se presumir a racionalidade do legislador (artigo 9.º do Código Civil).
4.6.13. Resolução do contrato de locação financeira
Nos termos do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24/6, o contrato de locação financeira
pode ser resolvido por qualquer dos contraentes, nos termos gerais, com fundamento no
incumprimento das obrigações da outra parte, não sendo aplicáveis as normas especiais,
constantes da lei civil, relativas à locação.
Consagram-se adicionalmente dois fundamentos de resolução do contrato:
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47 O artigo 18.º, alínea b) do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24/6, refere-se à falência, mas à luz das alterações introduzidas pelo
CIRE deve-se agora interpretar como sendo insolvência, o que encontra apoio por um lado no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º
53/2004, de 18/3, e por outro lado, no facto de o conceito de falência, em 1979, ser idêntico à atual noção de insolvência.
48 Matéria aprofundada no ponto 3.6.15. “Regime Insolvencial” e no Capítulo de Direito da Insolvência
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49Mas e quanto a uma locação financeira restitutiva (ou sale and lease back)? Aqui, este é um negócio de financiamento puro
e não tem um resultado semelhante à venda a prestações.
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Exemplo: uma Empresa vende uma máquina por 10 000€, a 30 dias. Se ela recorrer ao
factoring, aquilo que ela pretende é o adiantamento, em regra, de 80% desses 10 000€.
O Factoring é dos principais instrumentos de concessão de crédito a curto prazo na
economia empresarial.
✓ Além disso, se a empresa vender e entregar o bem e conceder um prazo de 60 dias para
o pagamento do preço, ela está a correr o risco de o comprador não pagar. Se o
comprador não pagar e se ela não tiver vendido com reserva de propriedade, a Empresa
não vai poder resolver o contrato por falta do pagamento do preço, nos termos do artigo
886.º do Código Civil. Ou seja, aquilo que o factoring também confere é uma garantia
de cumprimento do outro sujeito.
✓ Por fim, uma empresa que venda ou preste serviços tem de ter o mínimo de serviços
administrativos para exigir a cobrança de créditos, especialmente se houver múltiplas
vendas. Portanto, uma das funções que o factoring desempenha é ele próprio fazer a
cobrança dos créditos.
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4.7.6.2. A notificação
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Para evitar os riscos supra descritos e obstar a uma recusa de cumprimento do devedor cedido,
o factor exige à outra parte que insira nas faturas enviadas aos seus clientes uma indicação
segundo a qual o direito de crédito resultante desse contrato lhe foi transmitido e,
consequentemente, só o pagamento à instituição de crédito será liberatório.
Os devedores do facturizado devem considerar-se, assim, notificados da cessão de créditos pela
fatura que este último lhes envia com a clara indicação da transferência do crédito ao factor.
Porém, o artigo 583.º/1 do Código Civil admite a notificação extrajudicial e não impõe qualquer
forma para a mesma.
Apesar de tudo, os factores, logo que aceitam o crédito, notificam eles próprios o devedor da
cessão, sendo, pois, este último duplamente notificado.
ao conhecimento da cessão (artigo 585.º do Código Civil), o que no factoring sucede quando
ele é notificado.
Um dos meios de defesa mais relevantes a que o devedor pode recorrer, em especial, quando
exista uma relação de negócios entre ele e o cedente é o recurso à compensação. Essencial,
aqui, é que o crédito do devedor sobre o cedente se tenha constituído antes de ter tido
conhecimento da cessão pelo primeiro, independentemente, do vencimento do referido direito
se ter verificado antes, ou depois, do mesmo conhecimento. Exemplo: A Sociedade A, vende
à Sociedade B a 1/5/2019, 30 computadores por 30.000 €. Foi acordado que os computadores
seriam entregues a 1/6/2019 e o preço seria pago a 30/6/2019. O crédito foi cedido ao banco C
a 4/5/2019, tendo a Sociedade B sido notificada a 20/5/2019. Pode a Sociedade B compensar
a sua dívida com o crédito que detém sobre a Sociedade A, emergente de um contrato de venda
com ela celebrado a 10/5/2019 e com vencimento a 28/6/2019? Sim, pois o crédito foi
constituído antes da notificação da cessão à Sociedade B, não importando o facto do
vencimento se ter verificado depois da notificação da cessão.
Em particular, na exceção de não cumprimento do contrato, uma vez que encontra a sua
razão de ser no caráter sinalagmático, na relação de correspetividade que se estabelece entre as
obrigações de ambas as partes do contrato, é irrelevante que já se tenha produzido o
conhecimento da cessão do crédito.
Exemplo: A compra a B 30 computadores o contrato é celebrado no dia 01/01. O crédito ao
preço vence no dia 01/06, os computadores devem ser entregues no dia 01/05. O crédito é
cedido no dia 01/02 e a notificação é realizada no dia 05/02. Suponhamos que os computadores
chegam ao armazém de A e A verifica que eles apresentam um defeito. No dia 01/06 quando
o cessionário lhe exigiu o pagamento ele vai dizer que não paga porque os computadores
tinham defeito.
O mesmo se passa com a própria resolução do contrato bilateral por parte do devedor do crédito
cedido, mesmo quando o facto aquisitivo deste direito se tenha verificado já depois do
conhecimento por parte do devedor cedido da transferência do crédito.
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Nós podemos ter: (i) contratos mistos, que é a fusão de elementos de contratos típicos num único tipo contratual; (ii)
contratos coligados, que não perdem a sua natureza, mas estão ligados um ao outro, se cair um contrato, cai o outro também.
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Esta é a solução que resulta do regime estabelecido apesar do artigo 1.º do CIRE estabelecer
“o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a
satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado,
nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando
tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição
do produto obtido pelos credores.”
Para a recuperação da empresa ser aprovada é necessário a apresentação de um plano de
insolvência na Assembleia de credores, que sendo aprovado, deve ser homologado pelo
tribunal (há um juízo de legalidade).
Relativamente à liquidação (a via mais comum), a insolvência tem um caráter de processo
executivo de âmbito universal, mas há dois enxertos declarativos:
(i) Quanto à declaração de insolvência
Sempre que o pedido de declaração de insolvência seja deduzido por um dos credores e o
devedor se oponha, entra-se num processo declarativo que terminará com uma sentença que
decretará ou não a situação insolvência.
(ii) Verificação e graduação dos créditos
Para os créditos contra o devedor valerem no âmbito do processo de insolvência, estes terão de
ser reclamados pelos respetivos credores. Após a reclamação de créditos, o juiz procederá à
verificação dos créditos, ou seja, irá verificar quais os créditos que, efetivamente, existem e
que podem ser feitos valer no processo de insolvência. Posteriormente, o juiz procede à
graduação de créditos. Neste âmbito, os outros credores podem opor-se à verificação de um
crédito ou à graduação do crédito. Assim, entra-se num incidente declarativo que terá por fim
a sentença de graduação e verificação dos créditos. É neste momento que os créditos se
estabilizam.
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3. A situação de insolvência
Na teoria podemos atender a dois critérios para determinar se alguém está em situação de
insolvência:
✓ Critério de caixa (cash flow)
Trata-se da impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas.
Este critério não exige que a empresa tenha um passivo superior ao ativo, isto porque é possível
ter o ativo superior ao passivo e o devedor não conseguir cumprir as suas obrigações, na medida
em que parte dos bens desse património podem ser ilíquidos. Exemplo: imóvel, armazém.
Desvantagens:
• Por um lado, pode levar à aplicação do regime da insolvência quando se podia recorrer
ao processo executivo. Isto é, o regime da insolvência é relevante para trazer ao
processo todos os credores quando não há forma de todos serem satisfeitos. Ora, se um
sujeito tem um património superior às dívidas incumpridas, todos os credores serão
pagos;
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• Por outro lado, uma empresa pode ter um património negativo, isto é, ter mais dívidas
do que créditos, mas continuar a ter acesso a crédito e enquanto tiver acesso poderá
cumprir as obrigações, e segundo este critério não se encontrará numa situação de
insolvência.
51Não está em causa uma impossibilidade objetiva que constitui causa de extinção de obrigações, nem há impossibilidade se
o devedor tem meios para cumprir mas não o faz porque contesta a existência da obrigação.
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Assim, quanto a essas pessoas e patrimónios, a lei considera que também são considerados
insolventes “quando o seu passivo seja manifestamente superior ao ativo, avaliados segundo
as normas contabilísticas aplicáveis”.
Estamos perante um critério autónomo, pretendendo a lei evitar que se mantenha ou agrave
uma situação claramente perigosa para quem se relaciona com o devedor.
A eventual manifesta 52superioridade do passivo em relação ao ativo segundo as normas
contabilísticas aplicáveis não conduz necessariamente à existência de uma de uma situação de
insolvência. Com efeito a lei prevê regras especiais de reavaliação referidas no artigo 3.º/3
CIRE:
✓ Critério do justo valor - têm de ser considerados “no ativo e no passivo os elementos
identificáveis, mesmo que não constantes do balanço, pelo seu justo valor”. Na aferição
do valor dos bens temos de atender ao valor contabilístico dos bens, de acordo com o
artigo 3.º/2 do CIRE, mas com grande frequência, este valor contabilístico não
corresponde ao valor de mercado dos bens. Exemplo: um imóvel que está contabilizado
pelo seu preço inicial de 150 000€. Decorrido um determinado período, o imóvel pode
se valorizar, por exemplo para 200 000 € mas isso por norma não é refletido nos
documentos de contabilidade. Assim, é possível reavaliar os bens, mas através de
critérios de mercado, tendo em conta o que o bem vale atualmente.
✓ Se o devedor é titular de uma empresa “a valorização baseia-se numa perspetiva de
continuidade ou de liquidação, consoante o que se afigure mais provável”. Assim, se
estamos perante uma empresa, devemos atender ao valor da empresa enquanto
organização, isto é, àquilo que a empresa vale como tal e não à mera soma dos diversos
elementos que a compõem isoladamente considerados, mas isto se se perspetivar a sua
continuação no património do devedor, ou seja, se houver um plano de recuperação, ou
no património de terceiros;
✓ O passivo não incluirá “dívidas que apenas hajam de ser pagas à custa de fundos
distribuíveis ou do ativo restante depois de satisfeitos e acautelados os direitos dos
demais credores do devedor”. Assim, do passivo devem ser excluídas as dívidas que
apenas hajam de ser pagas à custa do ativo restante depois de satisfeitos ou acautelados
os direitos dos demais credores. Um dos instrumentos principais de financiamento das
sociedades por quotas consiste nos suprimentos.
Se da reavaliação resultar que o passivo não é superior ao ativo então a sociedade não está
insolvente de acordo com este critério.
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3.1.2.1. Suprimentos53
Podem ser:
✓ Empréstimos que o sócio concede à sociedade com caráter de permanência. Presume-
se que tem carácter de permanência os empréstimos concedidos por prazo superior a
um ano.
✓ Dilações de pagamento que um sócio confere a uma sociedade pelo período superior a
um ano. Exemplo: a sociedade deve dinheiro ao sócio, ele não lho exige e mantém o
dinheiro na sociedade.
O regime dos suprimentos é diferente dos empréstimos concedidos por terceiros à sociedade,
desde logo porque:
✓ o sócio credor não pode pedir a declaração de insolvência da sociedade por
incumprimento de um crédito de suprimentos;
✓ as garantias reais prestadas pela sociedade a créditos de suprimentos são nulas.
✓ Em termos insolvenciais são considerados créditos subordinados, nos termos do artigo
48.º CIRE. Ou seja, só serão satisfeitos depois de pagos os credores comuns. Mais, no
elenco de créditos subordinados são os últimos a serem pagos. Isto significa que, em
termos práticos, os créditos por suprimentos quase nunca serão pagos, por isso é que
se diz que os suprimentos são quase capital social.
Por tudo o exposto é que se justifica o critério do artigo 3.º/3, alínea c) CIRE, ou seja, das
dívidas decorrentes de suprimentos terem de ser retiradas do passivo.
53
É um instrumento muito comum de financiamento das sociedades, porque, em particular, as sociedades por quotas têm
um capital social muito reduzido, portanto para funcionar precisam de dinheiro e quem realiza suprimentos são os sócios.
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Há autores que entendem que se trata de uma ineficácia absoluta. Mas que será de aceitar a sua ratificação
pelo administrador da insolvência de modo a aproveitar as eventuais vantagens que resultem do ato para a
massa insolvente.
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Exemplo: uma hipoteca sobre um imóvel alienado. Com o produto da venda desse imóvel tem
de se satisfazer o credor hipotecário, mas antes disso tem de se retirar até 10% desse produto
da venda para satisfazer os credores da massa. Os bens objeto das garantias reais respondem
mesmo pelos juros abrangidos pela garantia real que se constituam posteriormente à declaração
de insolvência (artigo 48.º alínea b) a contrario CIRE). Se os juros ultrapassarem o valor dos
bens objeto das garantias reais, nesse excedente tornam-se créditos subordinados.
Se a garantia em causa não for bastante para a realização do pagamento de todo o crédito, o
excedente será satisfeito como crédito comum. Exemplo: X tem um crédito de 1 milhão de
euros, sendo que tinha realizado uma hipoteca sobre uma casa mas essa casa foi vendida apenas
por 500 mil euros. Os outros 500 mil euros passam a crédito comum, ou seja, vão ser pagos
juntamente com todos os demais.
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Causa de extinção das obrigações segundo o artigo 847.º Código Civil.
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7.3.2. O artigo 102.º do CIRE - Princípio geral quanto aos negócios ainda
não cumpridos
O artigo 102.º CIRE tem por epígrafe “Princípio geral quanto aos negócios ainda não
cumpridos”. Contudo, lendo o seu n. º1 verificamos que afinal parecem estar em causa apenas
contratos bilaterais ainda não cumpridos na totalidade por qualquer das partes à data da
declaração da insolvência. Por outro lado, o seu âmbito de aplicação parece ser essencialmente
a compra e venda de coisas genéricas.
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58Repare-se que o vendedor não poderá resolver o contrato depois de declarada a insolvência enquanto se mantiver o
direito de escolha do administrador.
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Matéria abordada nas páginas 41 a 47 desta sebenta.
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60 Estamos a viver uma fase de mudança de paradigma: crescentemente, está-se a evoluir de uma noção de comércio para
uma noção de empresa. Isto já é ostensivo em alguns ordenamentos jurídicos, por exemplo, no Direito Italiano, o nome da
Unidade Curricular é “Direito das Empresas”, isto é totalmente visível também no Brasil, em que o Código Comercial é
integrado como um dos Livros do Código Civil ao qual se dá o nome de “Direito das Empresas”, no Direito Austríaco também
houve recentemente uma alteração do Código Comercial para Código das Empresas, e na Alemanha ainda não houve esta
mudança brusca, mas a recente reforma do Código de Direito Comercial Alemão já introduz o elemento de empresário e de
empresa como elemento determinante na qualificação das matérias.
Isto é o que faz sentido, porque a realidade económica aqui mais relevante, mais do que a noção de comércio, é a noção de
empresa (estrutura autónoma criadora de valor suscetível de troca e mercado).
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• Note-se, ainda, que se a sociedade por quotas for unipessoal a firma deve incluir
“sociedade unipessoal” ou “unipessoal” antes do aditamento “Limitada” ou
“Lda.” (art.270.º -B CSC);
✓ Sociedades anónimas
• É em tudo igual à das sociedades por quotas, quanto à firma, exceto o
aditamento que é “Sociedade Anónima” ou “S.A.”.
Nas palavras de Coutinho de Abreu “são na verdade muito semelhantes os
dizeres dos artigos 200.º/1 CSC e artigo 275.º/1 CSC” no caso do artigo 275.º
CSC a diferença prende-se com o exposto no ponto anterior;
• Para as sociedades anónimas, o Código não exige nenhuma especificação
semelhante à disposta no artigo 270.º-B CSC para as sociedades anónimas
unipessoais;
✓ Sociedades em comandita
• Temos os sócios comanditados que respondem em termos semelhantes aos
sócios das sociedades em nome coletivo. Por outro lado, os sócios
comanditários respondem em termos análogos aos sócios das sociedades
anónimas;
• Nos termos do artigo 467.º CSC, deve ser composta pelo (i) nome completo ou
abreviado ou firma de um, alguns ou todos os sócios comanditados e o
aditamento “Em Comandita” ou “& Comandita”, em sociedades em comandita
simples. Nas sociedades em comandita por ações tem o aditamento “Em
Comandita por ações” ou “& Comandita por ações”.
• Ainda é possível que na firma constem o nome ou firma de sócios comanditários
e de não sócios que em tal consintam expressamente (artigo 467.º/2 e 3 CSC),
sendo que, nesse caso, ficam sujeitos às consequências do n.º 3 e nº 4 do artigo
467.º CSC, por causa da confiança que criam no terceiro61.
• Podem ainda integrar elementos de fantasia ou elementos alusivos ao objeto
social nos termos previstos para as firmas das sociedades em nome coletivo.
61
Regime similar ao já visto no âmbito das sociedades em nome coletivo
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Uma das manifestações deste princípio é a de que: se uma das pessoas deixar de ser sócio, a
firma deve ser alterada no prazo de um ano, exceto se, aquele que saiu ou os herdeiros,
consentiram por escrito na continuação da mesma firma (artigo 32.º/ 5 RNPC). A alteração da
firma, nestes casos, é requerida pelo princípio da verdade, mas também pela tutela do direito
ao nome. A possibilidade de a firma permanecer inalterada constitui uma restrição ao princípio
da verdade, pois induz em erro quanto à continuação daquele sócio. A lei permite essa restrição
em prol da identificabilidade.
62 No caso das sociedades em comandita pode constar o nome dos sócios comanditários ou de estranhos que, expressamente,
o autorizarem. Sendo que, nesse caso, ficam sujeitos ao princípio da responsabilidade própria dos sócios comanditados, nos
termos dos artigos 467.º/3 e 4 CSC.
63 Artigo 200.º/2 e 3 CSC, artigo 275.º/ 2 e 3 e em legislação mais específica como o artigo 11.º/1 do Regime Geral das
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regional, nesse caso, este será o âmbito de exclusividade, ou seja, restringe-se a este
âmbito territorial (artigo 43.º/2 RNPC e artigo 36.º/3 RRNPC);
✓ Quanto aos comerciantes em nome individual:
(i) se for comerciante com firma-nome, não gozam de exclusividade, a proteção
é feita com recurso à proteção do direito ao nome (artigo 72.º/2 CC), ou
eventualmente, se estiverem preenchidos os requisitos com recurso ao
instituto da concorrência desleal (artigo 311.º do Código da Propriedade
Industrial). O Sr. Professor Coutinho de Abreu entende que é uma solução
contestável no caso dos comerciantes homónimos que podem ter fimas
iguais, por exemplo. O Sr. Professor Coutinho de Abreu entende que seria
preferível uma solução como a apresentada no Código Comercial Alemão
(HGB), nos termos do qual, a firma deverá ter um aditamento que a distinga,
claramente, de outra já registada e assim, ambas teriam um âmbito de
exclusividade.
(ii) Sendo uma firma mista o âmbito de exclusividade é o âmbito do concelho
onde se encontra o estabelecimento principal do comerciante (artigo 38.º/4
RNPC e artigo 40.º/3 RNPC);
64Nas palavras do Sr. Professor Coutinho de Abreu trata-se do “coração” da firma ou denominação, na medida em que os
aditamentos obrigatórios (exemplo: Lda, S.A., A.C.E.) são elementos de fraca eficácia distintiva.
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65 O Sr. Professor Coutinho de Abreu fala, aqui, de uma licitude residual para frisar que os restantes princípios manifestam,
igualmente, requisitos de validade-licitude.
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O Sr. Professor Coutinho de Abreu também menciona a licitude como um princípio, mas
apenas por uma questão sistémica, uma vez que, nas suas palavras este “princípio” reúne vários
princípios conforme se percebe pela letra do artigo 32.º/4 RNPC.
66 Se os documentos de prestação de contas não forem apresentados atempadamente, pode qualquer sócio requerer ao
tribunal que se proceda a inquérito (artigo 67.º/1 CSC).
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Se houver uma liquidação da sociedade, o prazo passa a ser de 5 anos que se conta da data da
deliberação que aprova o relatório e contas finais dos liquidatários e designa o depositário dos
livros e demais documentos de escrituração (artigo 157.º/4 CSC).
Embora não goze de unanimidade na doutrina, a doutrina maioritária entende que esta
obrigação de escrituração mercantil é transmissível aos herdeiros. Neste sentido, escreve o Sr.
Professor Coutinho de Abreu que, é transmissível na medida em que a obrigação não é de
natureza estritamente pessoal, e já que os documentos mantêm utilidade para a reconstituição
e prova de factos anteriores à morte.
67Há duas formas de registo: o registo por transcrição (ou por extrato) e o registo por depósito (artigo 53.º-A/1 e artigo 53.º-
A/3 do Código Registo Comercial, respetivamente).
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68 Há duas formas de registo, este artigo deixa de fora desta presunção o registo por depósito.
69 Ou seja, não estando casados em regime de separação de bens, há comunicabilidade de dívidas.
70 Não têm de provar o consentimento do outro cônjuge ou que as dívidas foram contraídas para ocorrer aos encargos normais
da vida familiar como terá de acontecer nas alíneas a) ou b) do artigo 1691.º/1 CC.
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Estas presunções são ambas ilidíveis e terá interesse em afastar estas presunção o cônjuge não
comerciante e, eventualmente, o devedor comerciante. Porém, é praticamente impossível ao
devedor ou ao cônjuge não comerciante provar que a dívida não foi contraída em proveito
comum do casal, e assim afastar a presunção. Desde logo, porque esse proveito comum afere-
se pelo fim visado e não pelo resultado. O fim tem de ser no interesse do casal, devendo ser
apreciado objetivamente à luz do homem médio e tem de resultar imediatamente do ato
praticado, mas não tem de ser proveito patrimonial, incluindo-se aqui proveitos morais e
culturais. Exemplo: pagamento das férias em família ou da escola.
Um caso paradigmático de afastamento desta presunção em tribunal foi o de dois cônjuges
viverem separados de facto e não haver filhos em comum. Ou seja, não havia qualquer apoio
financeiro da parte do cônjuge comerciante ao outro cônjuge ou ao agregado familiar.
O Dr. Coutinho de Abreu fala ainda de uma outra situação em que poderá haver afastamento
desta presunção quando o cônjuge comerciante compre (para revenda) uma mercadoria por um
preço manifestamente exagerado, a fim de beneficiar especialmente o vendedor-amante.
Deste modo, para não se aplicar a presunção do artigo 1691.º/1, alínea d) CC tem de ficar
provado que há uma separação de patrimónios dos dois cônjuges.
Este regime, atualmente, tem uma relevância relativa na medida em que a atividade comercial
é, maioritariamente, exercida no seio de sociedades comerciais e este regime não se aplica
quando está em causa uma sociedade comercial71.
71O problema, no âmbito das sociedades comerciais são os avais. Se o gerente concede um aval no âmbito da atividade
comercial, este é extensível e abrange o casal.
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II - Empresas72
1. Noção de Empresa
Não há propriamente uma noção unívoca de empresa, mas há vários ramos que têm procurado
defini-la. Existem algumas noções:
✓ Lei da Defesa da Concorrência no artigo 3.º define como “qualquer entidade que
exerça uma atividade económica que consista na oferta de bens ou serviços num
determinado mercado independentemente do seu estatuto jurídico e do modo de
funcionamento”;
✓ Artigo 5.º do CIRE determina que “para efeitos deste código considera-se empresa
toda a organização de capital e de trabalho destinada ao exercício de qualquer
atividade económica”;
O entendimento de empresa previsto na Lei de Defesa da Concorrência centra-se no sujeito
(conceção subjetiva) e o entendimento de empresa previsto no CIRE centra-se na empresa
como organização de meios produtivos (conceção objetiva).
Estas definições abrangem quer empresas comerciais, quer as empresas não comerciais.
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subjetivo não é necessário que se identifique uma organização de meios autónoma face ao
sujeito, não é preciso que haja estabelecimento comercial (pode depender tão-só da pessoa do
sujeito).
As empresas em sentido subjetivo podem situar-se quer no setor público, quer no setor privado
ou quer no setor cooperativo.
No âmbito do setor privado, elas podem ser:
✓ Pessoas coletivas com ou sem personalidade jurídica. Ex.: sociedades comerciais,
agrupamentos complementares de empresas, agrupamentos europeus de interesse
económico e, em alguns casos, associações e fundações;
✓ Pessoas singulares73. Ex.: comerciantes, agricultores, artesãos, profissionais liberais,
cientistas.
No setor público integram-se sobretudo as empresas públicas estaduais, regionais e locais, de
carácter societário ou institucional, com exceção daquelas que não respeitam o requisito da
atividade económica. Ex.: hospitais EPE.
No setor cooperativo temos as cooperativas do primeiro grau e as cooperativas do grau superior
(denominadas de uniões de cooperativas).
Nos termos do artigo 3.º/2 da Lei Da Concorrência considera-se como uma única empresa o
conjunto das empresas juridicamente distintas que constituam uma unidade económica ou
mantenham laços de interdependência.
73Sendo de notar que estas pessoas singulares podem ser uma empresa em sentido subjetivo e não ser, simultaneamente,
uma empresa em sentido objetivo;
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74 Por outro lado, Coutinho de Abreu entende que não se deve falar de mercado a propósito das empresas, porque há
organizações que produzem apenas para o Estado ou para outras empresas e, portanto, não vão ao mercado. Devido a esta
crítica, a Professora Mariana Costa introduziu a expressão “suscetível de troca no mercado”.
75 Mais se acrescenta, nas palavras de Cassiano Dos Santos “a empresa pode até não ter ainda entrado em funcionamento ou
estar encerrada – ponto é que assuma já uma identidade no mercado ou não a tenha perdido conforme os casos”.
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Ora, o contrário também deve ser ponderado. Da mesma forma que há atos comerciais que não
são atos empresariais, ou seja, não são praticados no seio das empresas, há empresas que não
são comerciais. Exemplo: As empresas que são geridas no contexto de atividades de
profissionais liberais.
O Dr. Coutinho de Abreu defende que são comerciais as empresas cujo objeto se traduza na
realização de atos ou atividades objetivamente mercantis, assumindo especial relevância neste
contexto a enumeração do artigo 230.º do Código Comercial.
Apesar de efetivamente não existir uma sobreposição entre Direito Comercial e Direito
Empresarial, as franjas dissonantes são muito pequenas e tem crescentemente uma importância
económica quase insignificante76.
O Dr. Filipe Cassiano dos Santos defende de iure condendo a eliminação da distinção entre
empresa comercial e empresa não comercial, deixando apenas de fora do Direito Comercial,
aquilo que o autor designa por atividades económicas não capitalistas que são exercidas não
empresarialmente e as que, por esse facto, ou por opção do legislador são excluídas do âmbito
de aplicação do Direito Comercial. Esta é a posição que a Professora Mariana Fontes da Costa
defende e que tem vindo a crescer também na doutrina e legislação internacional77.
76 O grosso da atividade comercial é exercida no contexto das empresas, tanto que estamos a falar de atos objetivamente
comerciais não praticados por comerciantes. E mesmo quanto às empresas a tendência vai no sentido da comercialização da
atividade empresarial, que significa que o centro do valor produtivo deixa de estar na pessoa para estar na organização. Com
a crescente profissionalização, nós sem sabemos quem está nas Sociedades de Advogados, isto não é relevante em termos de
clientes, porque a expressão de que “o cliente vai atrás do advogado” deixa de ser aplicável.
77 Existe este movimento de despersonalização mesmo na atividade dos profissionais liberais. E então tem havido esta
aproximação entre o Direito Empresarial e o Direito Comercial, ao ponto dos italianos já não falarem de Direito Comercial, o
Livro no Código Civil chama-se “Das Empresas”. O mesmo no Brasil, o Direito Comercial é tratado por Direito Empresarial.
A posição que tem vindo a ser crescentemente defendida (mas não pelo Dr. Coutinho de Abreu) é de haver uma presunção
de comercialidade da atividade empresarial que o legislador afastaria por determinação expressa da lei. Ou seja, assumia-se:
• Que a atividade comercial profissional é toda exercida em contexto empresarial, com maior ou menor sofisticação,
mas há sempre uma estrutura empresarial por trás;
• Que por natureza as empresas têm essa dimensão comercial, salvo aquelas que o próprio legislador exclui;
78 Matéria abordada pelo Professor Pestana Vasconcelos (as dúvidas do artigo 230.º do Código Comercial).
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✓ Não é possível, por analogia legis, identificá-las em nenhuma alínea do artigo 230.º do
Código Comercial;
✓ Não estão preenchidos os pressupostos da analogia iuris, uma vez que não resulta da lei
nenhum princípio geral de comercialidade que se aplique a estas empresas;
Assim, se nenhuma norma comercial prevê estas empresas, elas serão empresas civis.
Concomitantemente, as sociedades que desenvolvem esta atividade são sociedades civis, ainda
que adotem a forma comercial.
A Sra. Professora Mariana Fontes da Costa discorda, porque as empresas da indústria extrativa
são, em regra, grandes estruturas empresariais, com um grau de sofisticação e de intensidade
de atividade elevados. Assim, pela própria natureza da atividade, pelo grau de organização com
que ela se propõe, estas deveriam ser consideradas empresas comerciais79.
A Sra. Professora Mariana Fontes da Costa segue o entendimento do Dr. Filipe Cassiano dos
Santos que de iure condendo, a lógica deveria ser: todas as empresas são comerciais, com a
exceção daquelas que a lei, expressamente, exclui.
79 Não há motivo para não lhes serem aplicadas as regrasde desculpabilização e as regras de estímulo da atividade económica
que estiveram na origem do Direito Comercial (ex.: regime de juros, a desformalização, as garantias).
80Quando a fabricação ou manufatura é desenvolvida pelo proprietário ou explorador rural e assente nos produtos por ele
agricultados, sendo acessória dessa exploração agrícola, não são empresas comerciais.
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III – E.I.R.L
E.I.R.L é a sigla que designa Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada.
Na sua essência consiste num património autónomo81 ou separado. Isto significa que os bens
afetos ao E.I.R.L. só respondem, em regra, pelas dívidas decorrentes da atividade empresarial.
E mais importante ainda, pelas dívidas decorrentes da atividade empresarial só respondem os
bens adstritos ao E.I.R.L.
O E.I.R.L não vingou na ordem jurídica, porque:
✓ A lei apenas permite um E.I.R.L por comerciante e, portanto, para comerciantes que
explorem várias empresas haverá a mistura de patrimónios, cuja não verificação era
uma das finalidades subjacentes à criação do E.I.R.L;
✓ Nos termos dos artigos 10.º, 11.º e 22.º do Decreto-Lei n.º 248/86, quanto ao E.I.R.L.
estão consagradas uma série de exceções à autonomia patrimonial, nomeadamente:
• Permite que o património pessoal do comerciante responda por dívidas
comerciais do E.I.R.L. em caso de mistura de patrimónios;
• Permite que o património do E.I.R.L. responda por dívidas do comerciante em
caso de insolvência deste;
• Permite ainda essa responsabilidade nos casos do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º
248/86.
Ora, isto fez com que os comerciantes optassem por constituir sociedades unipessoais por
quotas.
81O património autónomo não é um ente dotado de personalidade jurídica, mas tem personalidade judiciária. É um conjunto
de bens que só podem ser utilizados num determinado contexto. Ex.: herança jacente não distribuída.
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IV - Estabelecimento comercial
1. Noção de Estabelecimento Comercial
O Estabelecimento comercial, ou seja, a empresa em sentido objetivo é um bem económico ou
patrimonial transpessoal, o que significa que é cindível da pessoa que o criou ou da pessoa que
o detenha num dado momento (daí que possa ser vendido ou trespassado).
É um bem duradouro, reconhecível e irredutível, distinguindo-se os negócios sobre o
estabelecimento dos negócios sobre algum ou alguns dos seus elementos. Trata-se de um bem
complexo composto por vários bens ou elementos.
82
O trespasse é a alienação em vida, a título definitivo do estabelecimento comercial.
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83 O Aviamento é o conjunto de situações e relações de facto com valor económico ligadas à empresa (ou seja, relação com
clientes, fornecedores financiadores, a própria organização de empresa)
84 Refere o Dr. Coutinho de Abreu que a discussão tem versado, sobretudo, quanto a este ponto.
85 Tal círculo pode ser constituído por consumidores relativamente habituais ou fixos
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2.3.4. Dinheiro
O Dr. Coutinho de Abreu defende que o dinheiro não é elemento do estabelecimento comercial,
é um bem exterior ao processo produtivo e à estrutura empresarial.
2.3.5. Conclusões
Há autores que entendem que quer os contratos, quer os débitos, quer os créditos relacionados
com a exploração do estabelecimento comercial são elementos do mesmo, nomeadamente o
Dr. Ferrer Correia, o Dr. Oliveira Ascensão e o Dr. Menezes Cordeiro, sendo esta a posição
dominante na Alemanha.
Na França e na Bélgica domina a conceção restrita. Na Itália, a doutrina divide-se.
O Dr. Coutinho de Abreu entende que os créditos, os contratos e os débitos não sendo fatores
produtivos, nem elementos identificadores da empresa não são elementos da empresa. Mas,
note-se que quer o dinheiro, quer os créditos e débitos podem ser elementos do estabelecimento
comercial quando constituem os seus próprios meios de produção, conforme Dr. Coutinho de
Abreu defende.
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86 Posição tradicioanl
da jurisprudência francesa: a clientela – o elemento “mais essencial” do fonds de commerce – tem de ser
real e certa (não meramente potencial)
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O Dr. Coutinho de Abreu refere que um estabelecimento que ainda não começou a funcionar
pode ser considerado um estabelecimento comercial se tiver já todos os meios produtivos
(capacidade produtiva e lucrativa, em regra) aptos ao exercício da atividade para o qual foi
criado, se não resultar das circunstâncias que aquilo que se pretende não é uma atividade
económica produtiva. Isto porque, se o contrário se verificar, não há como admitir que estamos
perante um estabelecimento comercial.
Exemplo: Uma cantina de uma escola pública, com oferta de refeições grátis.
O Dr. Menezes Cordeiro discorda da posição maioritária da doutrina, porque entende que a
clientela é um elemento essencial para haver estabelecimento comercial.
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87 Isto é, elementos essenciais para a identificação da empresa como tal, para a manutenção da identidade do estabelecimento
comercial.
88 Também denominadas de agências ou delegações
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V - Trespasse89
1. Noção de Trespasse
O trespasse é uma transmissão inter vivos com caráter definitivo de um estabelecimento (que
pode ser comercial ou não). 90
Trespassar o estabelecimento não significa trespassar a loja onde ele funciona, pode até nem
ser acompanhado do direito de arrendamento ou do imóvel.
Exemplo: Um armazém como estabelecimento comercial. O local físico da armazenagem não
é um elemento predominante da identidade do estabelecimento. Tanto faz ser aquele armazém,
como dois à frente ou dois atrás. Toda a estrutura associada à armazenagem é que tem valor
económico (organização do funcionamento das descargas, das recolhas, das entregas).
Exemplo: uma empresa que faz entregas de encomendas, é muito pouco relevante em termos
de identidade onde é que fica o local a partir do qual são feitas as entregas ou as recolhas, o
que é relevante é a rede de transportes, os funcionários, os pontos de recolha.
É possível haver um trespasse sem este estar ligado ao local físico. Mesmo quando o trespasse
está associado ao local físico, ele é muito mais que isso, tem de se manter a identidade do
estabelecimento comercial. O espaço físico só fará parte do trespasse se fizer parte desta
identidade.
Exemplo: no caso do trespasse de um restaurante; alguém ficava com o restaurante no âmbito
do trespasse e transformava-o numa loja de música: neste caso não havia trespasse, era uma
fraude, pois não há qualquer identidade entre o estabelecimento comercial que lá estava
(restaurante) com a loja de música.
A questão coloca-se, sobretudo, nas chamadas “situações-fronteira”, por exemplo,
imaginemos que temos uma churrasqueira e esta passa a ser um restaurante de sushi. Parece
que há uma rutura da identidade do estabelecimento.
Exemplo: Trespasse de uma loja de música; aquele ficou com a loja no âmbito do trespasse
manteve a loja de música, mas também usa esse estabelecimento para dar aulas de guitarra
dentro da loja; o senhorio91 invoca que não havia trespasse. Entendeu-se que havia trespasse,
na medida em que as aulas de música não eram o elemento determinante do estabelecimento,
mas sim um acréscimo face à identidade do estabelecimento que não o descaracterizava.
89A Sra. Professora Mariana Fontes da Costa fez uma nota em aula – em exame costuma sair um caso prático sobre trespasse
e/ou locação e outro sobre títulos de crédito. Às vezes alternam e colocam um caso de firmas.
90 Saiu em exame um trespasse sob a forma de uma entrada numa sociedade comercial. A entrada do sócio na sociedade
comercial foi com a transferência da propriedade do estabelecimento comercial. O caracteriza o trespasse é a transmissão
inter vivos da propriedade do estabelecimento comercial independentemente do modo ou do tipo contratual utilizado para
esse efeito. Ex.: compra e venda, escambo, doação, dação em cumprimento, entrada numa sociedade comercial.
91 Há uma série de matérias que estão a perder relevância social. Esta questão do trespasse está a perder relevância por causa
de haver uma atenuação muito grande do protecionismo do regime do arrendamento urbano. Isto era relevante quando havia
as limitações do arrendamento urbano quanto à cessação do arrendamento e o congelamento das rendas, porque artigo
1112.º do Código Civil refere que o trespassário tem direito a suceder no arrendamento urbano sem que o senhorio se possa
opor. Portanto, era uma forma de subarrendamento. As pessoas faziam trespasses não porque queriam o estabelecimento
comercial, mas porque queriam aquele contrato de arrendamento com aquela renda protegida. Defraudava-se muitas vezes
o senhorio falsificando-se trespasses, que na realidade eram subarrendamentos para garantir a manutenção do contrato de
arrendamento e a manutenção da renda controlada.
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3. Forma
A doutrina divide-se quanto à forma que o trespasse está sujeito.
92Segundo o artigo 152.º/2 alínea d) CSC é o liquidatário quem procede ao trespasse do estabelecimento comercial – e a
sociedade está, nas palavras do Dr. Coutinho de Abreu, “moribunda”, mas não morta (artigos 146.º/2 e 160.º/2 CSC)
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4. Âmbito do trespasse
Para efeitos de transmissão de propriedade do estabelecimento é necessário fazer a distinção
entre três âmbitos:
✓ Âmbito mínimo;
✓ Âmbito natural;
✓ Âmbito convencional;
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93 O ónus da prova pertence a quem não quer a transmissão do imóvel. Ou seja, em caso de dúvida prevalece a transmissão.
94 Possível questão em exame.
95 Ou seja, não são direitos próprios.
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✓ Quando o know-how não pertence ao âmbito mínimo deve entender-se que pertence ao
âmbito natural.
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Caso contrário, o que eventualmente podemos ter aqui é uma assunção cumulativa da
dívida com a responsabilidade solidária do trespassante e do trespassário. Há uma
divisão doutrinal neste ponto: o Dr. Antunes Varela entende que mesmo para a assunção
cumulativa96 de dívida é necessário o consentimento97 do credor. Por seu lado, o Dr.
Vaz Serra e o Dr. Mota Pinto entendem que não é necessário o consentimento, dado
que há um acréscimo de garantia.
Exceções: as dívidas à Segurança Social e os créditos devidos a trabalhadores do
estabelecimento, nos termos do artigo 285.º/6 do Código de Trabalho passam a ser
também da responsabilidade do trespassário, por serem dívidas especialmente
garantidas e por ser esse sujeito que irá beneficiar do estabelecimento.
96 Podemos ter assunção liberatória de dívida pela transmissão em que o devedor inicial deixa de ser devedor e a dívida passa
para um novo devedor. E podemos ter a assunção cumulativa de dívida, em que há um novo devedor que se vem juntar à
dívida, respondendo solidariamente com o devedor anterior.
97 À partida, e estando estes elementos no âmbito convencional, a falta de consentimento não impede a realização do
trespasse e, portanto, o negócio quanto a esta parte da transmissão é ineficaz porque depende da autorização da
contraparte. Não havendo autorização parece que será de concluir que isto não afeta a validade do negócio, esta parte
apenas se considera como não escrita, prevalecendo o negócio na sua integralidade quanto ao restante, por não ser um
elemento essencial. Se resultar do equilíbrio do negócio que este é um elemento essencial para a determinação da vontade
das partes, neste caso o contrato fica sem efeito.
98 Sendo este o mais adotado pela doutrina e, nas palavras do Dr. Coutinho de Abreu, o preferível.
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99 Estes autores vêm dizer que o trespasse não serve apenas para deter a propriedade do estabelecimento, mas sim para poder
explorar aquela conquista produtiva que dali deriva. Se alguém abre uma exatamente igual ao lado está a eliminar a utilidade
económica do negócio pelo qual se pagou, não se estaria a permitir o gozo efetivo da coisa se houvesse uma réplica ao lado.
100 Neste caso nem sequer há trespasse pois o estabelecimento comercial continua na sociedade, ou seja, o estabelecimento
não é cedido a ninguém, o que é cedido é a titularidade das quotas. Mas neste caso pela proximidade ao trespasse tem-se
entendido que também aqui existe uma obrigação implícita de não concorrência.
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102 É com o trespassário e não com o trespassante porque houve a cedência da posição contratual de arrendatário.
103 Tem de se tratar de trespasses onerosos.
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104 Esta noção ajusta-se à noção de locação geral do artigo 1022.º CC. A locação de estabelecimento é um contrato nominado
tanto na doutrina como na lei e típico, isto é, está regulado na lei.
105 As diferenças derivam da sua diferente natureza, enquanto no trespasse temos transmissão de direitos reais, na locação
temos transferência de direitos pessoais de gozo. Todas as diferenças vêm desta diferente conformação em termos
contratuais e obrigacionais.
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Nos termos do artigo 44.º/1 RNPC, há-de entender-se que a firma se integra no âmbito convencional de entrega.
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Exemplo: C tem uma dívida de 1000€ sobre D. C pode endossar a letra a D que passa a ser o
titular da letra, passando C a ser o endossante. O legítimo titular quando quiser receber e se o
B aceitar (passa a ser o aceitante), o D irá exigir primeiro a B, e se B não pagar, o D tem direito
a exigir de C e de A.
As letras são feitas para circular, isto significa que o último [a receber a letra] pode sempre
exigir, primeiro, o pagamento ao que aceitou [no caso do cheque, será o Banco], e se o que
aceitou não pagar ele poderá exigir a todos os que integram a cadeia do título de crédito.
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endossatário. Se o endossatário não for identificado, o endosso diz-se que está em branco. O
endosso implica ainda a entrega do título ao endossatário. Exemplo: letras, livranças e cheques.
Os títulos ao portador era o caso das ações e das obrigações ao portador, que foram extintas
pela Lei n.º 15/2017, de 3 maio e circulam por entrega real, pela simples tradição.
5. Letras de câmbio
5.1. Noção de Letras de câmbio
A letra de câmbio é a ordem de pagamento dada por uma pessoa, que se designa por sacador
ou emitente da letra, a uma outra pessoa, o sacado que é aquele que recebe a ordem de
pagamento, para que pague uma dada quantia em dinheiro, numa dada data e local ao
beneficiário da letra, designado tomador.
Em regra, o tomador é uma terceira pessoa, mas pode não ser, pode ser o próprio sacador, ou
seja, o sacador pode dar uma ordem de pagamento a favor de ele próprio.
O tomador pode endossar a letra a novo beneficiário, e assim sucessivamente, sendo que cada
pessoa que endossa a letra fica obrigada a cumpri-la. O sacado, que é o primeiro a receber a
ordem de pagamento, só fica obrigado a cumprir a letra se a aceitar e nesse momento em que
aceita, passa a ser aceitante e torna-se o obrigado cambiário, o obrigado principal, o que
significa que o pagamento da letra deve ser exigido primeiro ao aceitante e só se o aceitante
não pagar é que o portador pode recorrer aos restantes obrigados cambiários anteriores a ele.
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5.2.1. Saque
É o negócio jurídico pelo qual o sacador (A) dá uma ordem ao sacado (B) para que pague uma
certa quantia ao tomador (C) ou à sua ordem. Salvo declaração em contrário, o sacador promete,
simultaneamente, ao tomador que o sacado vai aceitar e pagar a letra.
SAQUE
B -------------- A -------------------- C
SAQUE
5.2.2. Aceite
É o negócio jurídico pelo qual o sacado (B) declara ao sacador que aceita pagar a letra ao
tomador ou à sua ordem107, e promete pagar a letra ao tomador ou à sua ordem.
B ---------------------- A ------------------------ C
5.2.3. Endosso
É o negócio jurídico pelo qual o tomador (C) ou qualquer outro portador da letra dá uma nova
ordem ao sacado (B) ou ao aceitante (se ele, entretanto, já a aceitou) para que pague a letra ao
endossatário (D), a quem lhe dá a ordem de endosso à entrega ou à sua ordem;
ENDOSSO
107 Quando se diz “ou à sua ordem”, o que se quer dizer é “ou a quem ele mandar”, “ou a quem ele a endossar a letra”.
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5.2.4. Aval
É o negócio jurídico pelo qual um terceiro, o avalista (E), promete pagar a letra se aquele a
quem ele deu o aval, o avalizado (C), a não pagar. O aval constitui uma garantia pessoal de um
terceiro108. O avalista não pertence à cadeia, pois é um terceiro que garante a dívida de um dos
portadores anteriores.
6. Cheque
Tem uma estrutura muito semelhança à letra. A grande especificidade do cheque é que o sacado
é sempre um Banco, uma instituição bancária, e dá-se uma ordem de pagamento tendo por base
a relação bancária subjacente.
No cheque, o emitente (chamado sacador) dá uma ordem de pagamento ao Banco (o sacado)
para que pague uma determinada quantia numa determinada data ao tomador.
B ----------------------------- A ----------------------------- C
7. Livrança
Deve ser atualmente o título de crédito mais usado, provavelmente.
Ao contrário da letra, a livrança tem uma estrutura bipartida (e não tripartida). A livrança é
uma promessa de pagamento pelo próprio subscritor da livrança ao tomador ou beneficiário da
livrança.
À livrança aplicam-se as regras da letra com as devidas adaptações (artigo 77.º da LULL109).
A ------------------------------------ B
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8.1. Literalidade
O conteúdo e extensão do direito incorporado no título são aqueles que dele constarem escritos.
O direito vale precisamente com esse conteúdo e extensão, o que permite a quem examinar o
título ter conhecimento completo e preciso do direito incorporado possibilitando a sua
mobilização e circulação.
Esta literalidade é mais extensa quanto mais abstrato for o título. Daqui resulta, desde logo, a
impossibilidade de invocar vícios de vontade, nomeadamente, o erro-vício e o erro-obstáculo.
110 Estas matérias dos títulos de crédito vêm reguladas na LULL e LUCH (Lei Uniforme dos Cheques) que foram amplamente
uniformizados ao nível internacional pela Convenção de Genebra, de 19 de março de 1931.
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SAQUE ENDOSSO
Exemplos:
Entre A e B (sacador e sacado) há relações imediatas, pois há uma relação jurídica subjacente
que faz com que A possa dar uma ordem pagamento a B para ele pagar a C (seja uma doação,
ou uma dação em pagamento, etc).
Entre A e C há relações imediatas, pois há uma relação jurídica subjacente que faz com que A
ordene o pagamento a favor de C.
Entre B e C não há relações imediatas.
Entre C e D há relações imediatas.
Entre C e F não há relações imediatas.
Entre D e F há relações imediatas.
Sempre que há relações imediatas podemos invocar as exceções que derivam da relação
subjacente.
Exemplo: B é devedor de A em 150 000€. A compra mercadoria a C no valor de 100 000€ e
saca uma letra a B a favor de C. C endossa a letra a D. Imaginemos que B não aceita a letra,
significa que A é quem fica responsável pelo pagamento. D, portador da letra, exige o
pagamento da letra a A. A recusa pagar porque C ainda não entregou a mercadoria. A não se
pode recusar a pagar a D. Mas se for C a exigir o pagamento da letra, A já se pode recusar a
pagar invocando a exceção de não cumprimento. Isto porque a exceção de não cumprimento é
uma exceção extra-cartular, mas como entre A e C existem relações imediatas A pode impor a
C todas as exceções que derivam da relação extra-cartural, da relação que deu origem à dívida
que vai ser ressarcida pela letra.
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8.2. Autonomia
8.2.1. Autonomia de título cartular face ao direito subjacente111
O direito incorporado no título é autónomo do direito não cambiário subjacente que lhe deu
origem. O direito incorporado no título designa-se por direito cartular e o direito que lhe deu
origem designa-se por direito subjacente. Ele pode, no entanto, ser-lhe próximo.
O direito em que fique investido o portador de um cheque é, normalmente, do mesmo valor do
direito de crédito que esse portador detém sobre o devedor que lhe entregou o cheque. No
entanto, a pessoa do devedor é diferente: no caso do cheque, a pessoa do devedor deixa de
111Temos de separar a relação cambiária da relação que lhe deu origem. Normalmente os valores são equivalentes, porque a
relação cambiária por norma surge para pagar dívidas, para cobrir o montante de um débito. Mas as pessoas dos devedores,
o regime jurídico, as regras da prescrição, o facto de ser título executivo são características distintas da relação subjacente e
da relação cambiária, ainda que se interliguem em alguns pontos por causa da literalidade e das relações imediatas.
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ser o devedor da relação subjacente e passa a ser o Banco. Ou seja, a pessoa do devedor na
relação subjacente é o emitente do cheque e a pessoa do devedor da relação cambiária é o
Banco.
Quanto ao prazo de prescrição112: no caso do cheque é de seis meses, aplicando-se o regime
da LUCH e não o regime da relação subjacente.
O grau de autonomia entre o direito cartular e o direito subjacente varia consoante o título. E
também a propósito deste princípio de autonomia avoca-se as regras e exceções do princípio
da literalidade. A relação cambiária não provoca a novação da relação subjacente, ou seja, a
relação cambiária não substitui a relação subjacente, elas coexistem.
112 O título de crédito prescreve porque é um título executivo. O prolongamento das regras de prescrição dos 20 anos normais
criaria uma insegurança e uma incerteza muito grande em tribunal. Além do facto de que, à semelhança do que acontece com
o dinheiro, por ele ser circulável, isso faz com que haja interesse para salvaguarda da segurança, que ele tenha prazos curtos
de ressarcimento. Pelo facto do cheque prescrever, não deixa de se poder exigir a dívida subjacente, simplesmente, deixa de
ser título executivo e funciona apenas como um documento probatório numa ação declarativa.
113 Não confundir com a autonomia a propósito do direito cartular, quanto a esta autonomiza-se o direito emergente do título
e nele incorporado do direito subjacente, que funcionalmente originou a emissão, o endosso ou outro ato cartular.
114 A titularidade de cada portador do titulo, na cadeia de circulação, é autónoma em relação à do anterior portador e não é
afetada pelos vícios que eventualmente sofra o direito daquele de quem recebeu o título.
115 Pelo facto de a letra poder circular sem endossos sucessivos, com base num endosso em branco, nunca deixa de ser um
título à ordem, não se transforma num título ao portador porque ela não circula livremente pela tradição, mas circula pela
autorização do endosso em branco. Já os cheques transformam-se em títulos ao portador, precisam sempre do endosso.
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Exemplo: Imaginemos que a letra tinha um valor muito elevado e G sabia que F estava numa
situação económica muito precária, está em situação fáctica de insolvência, mas sem fazer
perguntas G aceita a letra de F. Poderia B recusar-se a pagar a letra a G quando G a apresenta
para pagamento? Tem-se entendido que isto consubstancia uma situação de falta grave, para
efeitos do artigo 16.º LULL e nessa medida deixa de ser portador legítimo.
Outra manifestação vem no artigo 7.º LULL, as obrigações cambiárias dos diferentes obrigados
cambiários são independentes entre si, o que significa que em regra o vício de uma delas não
afeta as restantes. Há duas exceções:
✓ Se houver um vício formal na declaração do sacador, este vício afeta toda a letra de
câmbio (artigos 1.º e 2.º LULL). Se esse vício formal constar em qualquer outra
declaração de qualquer outro obrigado cambiário afeta apenas essa relação cambiária e
não as restantes. O vício substancial afeta apenas aquela relação cambiária e não as
restantes.
✓ A nulidade decorrente de um vício de forma da declaração do avalizado (aquele a quem
é dado o aval) libera o avalista da obrigação que ele assume (artigo 32.º LULL), mas se
for um vício substancial o avalista permanece vinculado.
Da conjugação do artigo 16.º com o artigo 7.º da LULL resulta que o desapossado involuntário
não pode reivindicar a letra contra um terceiro portador de boa-fé legitimado por uma série
ininterrupta de endossos, mas se lhe for exigido o pagamento pode excecionar e provar o
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desapossamento involuntário, sem que isso afete a validade das obrigações dos demais
signatários da letra.
Exemplo: Depois de furtada a letra a D, F falsifica um endosso em branco de D e endossa a
letra a G. Não tendo G qualquer conhecimento da situação, mas sabendo B dessa situação
porque foi alertado por D, pode B recusar-se a pagar a letra a G com fundamento no
desapossamento da letra feito por F? Não. O único que se pode recusar a pagar a letra a G é D,
porque foi desapossado, qualquer um dos outros obrigados cambiários mantém a obrigação
cambiária.
8.3. Incorporação
A característica da incorporação está intimamente ligada com a da legitimação. Manifesta-se
na necessidade da presença (existência física) do título para o exercício do direito cartular e
para a sua circulação.
Isto significa que se o título se destruir ou for danificado ou se perder, os direitos cartulares
não podem ser exercidos, enquanto o título não for reconstituído através de um processo de
reforma. A este propósito dispõe o artigo 34.º LULL quanto à letra e à livrança e os artigos 28.º
e seguintes da LUCH quanto ao cheque.
Este processo de reforma vem previsto no artigo 367.º do Código Civil que refere que podem
ser reformados judicialmente os documentos escritos, que por qualquer modo tenham
desaparecido. A reforma opera-se através de um processo judicial comum e todo este processo
fica de alguma forma marcado pelo risco do título aparecer na posse de um terceiro justificado
por uma sequência de portadores legítimos a exigir a sua cobrança. Dado isto, o tribunal invoca
e cita todos os interessados, conhecidos e desconhecidos. Acresce que aquele que solicita a
reforma, quando exerce o direito cartular, tem de prestar uma caução válida por 5 anos, para o
caso de aparecer alguém que tenha um melhor direito ao título.
8.4. Legitimação
A posse do título de acordo com a lei de circulação legitima o portador a exercer o direito
cartular, isto significa que o portador não precisa de provar a titularidade e, em princípio, não
lhe pode ser contestada.
A legitimação do portador do título para o exercício do direito cartular, designa-se por
legitimação ativa.
Do lado passivo habilita legitimamente o obrigado cambiário a cumprir perante quem se
apresentar portador de acordo com a lei de circulação do título. O obrigado cambiário ao
cumprir perante esse portador fica exonerado e não lhe pode ser oposta a eventual ilegitimidade
da pessoa a quem pagou (artigos 35.º LUCH e 40.º/3 LULL). Trata-se aqui de legitimação
passiva.
O obrigado, ao apresentar-se-lhe alguém como portador de acordo com a lei de circulação não
precisa de investigar a verdadeira legitimidade do credor, nos termos do artigo 40.º/3 LULL o
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obrigado não tem de confirmar as assinaturas dos endossantes, tem apenas de verificar a
regularidade da sucessão dos endossos. Ele não fica, porém, exonerado se cometer fraude ou
falta grave na análise dos endossos.
Isto significa que:
✓ a legitimidade ativa dispensa o portador de provar a titularidade e proíbe o devedor
de a discutir;
✓ a legitimação passiva dispensa o devedor de a investigar e assegura que o
cumprimento que fizer perante aquele portador o exonera da dívida cartular.
A legitimação, como característica dos títulos de crédito assenta na separação da legitimidade
e da titularidade. A regra geral da coincidência entre a titularidade do direito e a legitimidade
para o seu exercício, conforme o Direito Civil, é aqui afastada. A legitimidade é do portador,
seja ele ou não o verdadeiro titular.
9. Convenção executiva
Ora, o direito cartular e o direito que resulta da relação subjacente não se confundem, existe
uma autonomia entre eles. Aliás, a função concreta que o negócio cambiário representa em
relação ao negócio subjacente pode variar. Exemplo: pode ser uma doação, uma dação em
pagamento, uma dação em cumprimento, um mútuo.
A função em concreto que o título representa em relação ao negócio subjacente consta daquilo
que se designa de “convenção executiva”.
A convenção executiva é a convenção que se estabelece entre os intervenientes do ato
cambiário, paralelo a este, na qual é acordada a função a desempenhar pelo negócio cartular
em relação ao negócio subjacente.
Esta convenção executiva tanto pode fazer parte do negócio subjacente, como ser autónoma.
Quando a letra é endossada ou o cheque é sacado para pagamento de uma dívida, presume-se,
salvo convenção em contrário que é pro solvendo, ou seja, em função do cumprimento, sendo
que pode ser estabelecido que ela é pro soluto, ou seja, em pagamento (artigo 840.º do Código
Civil ex vi 3.º do Código Comercial).
Se for uma dação pro solvendo, isso significa que o ato cambiário só opera o pagamento da
relação subjacente, na medida em que a obrigação cambiária vier efetivamente a ser cumprida.
Na dação pro soluto, a dívida subjacente fica paga, quer a obrigação cambiária venha a ser
cumprida, quer não venha.
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116 A letra em que não se indica a época de pagamento considera-se pagável à vista.
117 O lugar designado ao lado do nome do sacado considera-se ser o lugar do pagamento.
118Se existirem vários tomadores, os direitos cambiários têm de ser exercidos por todos em conjunto. Os tomadores podem,
no entanto, ser alternativos, caso em que o pagamento a qualquer um deles desobriga o devedor.
119 Se não tiver indicação desse lugar, entende-se que é o lugar designado ao lado do sacador.
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Segundo o artigo 2.º LULL a falta de qualquer destes elementos faz com que a letra não valha
como título de crédito, mas é muito raro que isso aconteça, uma vez que as partes normalmente
usam um modelo pré-determinado para isto.
Se a letra for assinada por um sujeito que se arroga poderes de representação que não tem ou
que está a exercer em excesso, nos termos do artigo 8.º LULL aquele em cujo nome a letra foi
assinada não fica vinculado, ficando vinculado aquele que assinou a letra em representação.
Os negócios unilaterais da letra de câmbio são incondicionáveis:
✓ O saque sob condição impede a qualificação da letra como tal (artigo 1.º/2 LULL);
✓ O aceite sob condição é tido como recusa de aceite (artigo 12.º LULL);
✓ O endosso condicionado tem-se como não escrito (artigo 26.º LULL);
✓ No caso do aval a única limitação que se tem admitido é quantitativa. Quanto ao resto,
o conteúdo da obrigação do avalista é determinado pela obrigação do avalizado (artigo
31.º LULL).
120Este regime aplica-se plenamente à livrança em branco. O regime 77.º LULL manda aplicar à livrança com as necessárias
adaptações o regime da letra.
121
Se a letra tiver sido posta em circulação antes de completada contra ou sem a vontade do emitente, haverá falta grave,
mas essa circunstância só pode ser aposta a quem se tenha abusivamente apropriado da letra contra ou sem a vontade do
emitente ou quem a tiver adquirido deste em cumplicidade.
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✓ Para Dr. Pinto Coelho e o Dr. Oliveira Ascensão a letra em branco ainda não é uma
letra, não tendo natureza cambiária enquanto não for preenchida.
✓ Para Dra. Carolina Cunha (posição mais radical) os negócios unilaterais apostos a uma
letra em branco valem apenas como atos preparatórios e, portanto, até ao momento do
preenchimento não seriam vinculativos, nem obrigariam os seus autores que se podiam
assim desvincular livre e unilateralmente deles.
✓ O Dr. Pedro Pais de Vasconcelos tem uma posição pragmática no sentido em que a
letra em branco já é uma letra e tem, desde logo, natureza cambiária. Começando por
dizer que o artigo 1.º da LULL não pode ser isolado do artigo 10.º da mesma lei. Consta
do artigo 10.º LULL que se permite que, após criado o título em branco, o primeiro
portador o transmita ainda em branco por endosso e o título circule em branco por
sucessivos endossos, cabendo ao último portador o seu preenchimento. Dr. Pedro Pais
Vasconcelos entende que não faz sentido se permitir a circulação da letra em branco e,
em simultâneo, permitir que aqueles que a ela se vincularam, se desvinculem livremente
e unilateralmente dela a qualquer momento, uma vez que isso deixaria o título sem
obrigados e, por outro lado, se um deles se desvinculasse, nenhum dos portadores
poderia confiar nas assinaturas que constam no título, o que o tornaria imprestável para
circulação.
12.1. Preenchimento abusivo da letra
O pacto de preenchimento, como pacto fiduciário, é uma convenção obrigacional e informal.
Tem como conteúdo a obrigação de preencher a letra ou livrança de acordo com o critério
estipulado e só oponível entre as partes. À violação do pacto de preenchimento de uma letra
em branco, dá-se o nome de preenchimento abusivo da letra.
Nos termos do artigo 10.º LULL122, o preenchimento abusivo não é oponível ao terceiro
portador123, ou seja, se o portador que está a cobrar a letra for parte do pacto de preenchimento
pode-lhe ser oposto o preenchimento abusivo. Se o portador que está a cobrar a letra não for
parte do pacto de preenchimento, a exceção de preenchimento abusivo é improcedente face a
ele, e a letra terá de ser paga pelo montante e no prazo que nela figurem.
Quem deduz a exceção do preenchimento abusivo é que tem o ónus de alegar os factos em que
se apoia e a sua prova.
Ao preencher a letra em branco o portador não tem de informar o obrigado cambiário nem de
discutir com ele o preenchimento, exceto se isso tiver sido convencionado no pacto de
preenchimento.
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Uma vez que a conta corrente está em nome da sociedade comercial.
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características de causalidade da fiança. Enquanto a fiança é causal, o aval é abstrato e, por ser
abstrato e incluído em título de crédito, faz com que esta nulidade, ainda que existisse, só
pudesse ser invocada na relação entre avalista e avalizado, mas não perante o terceiro portador
de boa-fé (artigos 10.º e 17.º LULL).
Qualquer limitação ao aval só pode ser invocada nas relações imediatas por força do artigo 10.º
e do artigo 17.º LULL. Portanto:
✓ Se o avalista é parte no pacto de preenchimento (que é celebrado entre o avalizado
e o credor), então os três ficam vinculados ao conteúdo do pacto. Se, no pacto de
preenchimento, celebrado entre credor, avalista e avalizado, ficar expressamente
consagrado que aval é dado na qualidade de sócio da sociedade, então nas relações
imediatas, pode o avalista invocar isso tanto perante o credor, como perante o avalizado.
✓ Se o avalista não é parte no pacto de preenchimento, ele fica vinculado aos termos
do preenchimento acordados entre o credor e o avalizado, sendo que, qualquer acordo
distinto entre avalista e avalizado não vincula o credor subjacente.
Uma limitação ao aval que não abrange o portador do título, porque é feita apenas entre o
avalista e o avalizado, ou entre o avalista e o adquirente das participações sociais não pode
ser oponível ao portador do título, e nessa medida só poderá haver, eventualmente,
responsabilidade contratual.
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✓ Se a letra for sacada a certo termo de data ou com data certa, os juros são inseridos no
montante do saque e não podem ser objeto de estipulação própria que, se existir, se tem
por não escrita (artigo 5.º LULL);
13.2. Aceite
O aceite é o negócio jurídico cambiário, unilateral e abstrato, pelo qual o sacado aceita a ordem
de pagamento que lhe foi dirigida pelo sacador e promete pagá-la na data do seu vencimento
ao tomador ou à sua ordem (artigo 28.º LULL).
O aceite é escrito pelo sacado na letra através da palavra “aceite” ou equivalente, juntamente
com a assinatura, ou através da mera assinatura do sacado na parte anterior da letra (artigo 25.º
LULL).
Quando há aceite125, o sacado passa a designar-se como aceitante e a partir daí fica
responsabilizado pelo pagamento da letra no vencimento.
✓ O sacador assume a responsabilidade do pagamento quando emite a letra, quer o
sacado aceite ou não aceite, quer pague ou não pague.
✓ O aceitante só assume a responsabilidade pelo pagamento da letra no momento do
aceite.
A apresentação da letra a aceite é, em princípio, facultativa, exceto:
✓ Nos casos em que o sacador determina a sua obrigatoriedade, nos termos do artigo 22.º
LULL;
✓ Quando a letra é pagável à vista ou a certo termo de vista, porque, nestes casos, é a
apresentação a aceite que desencadeia o vencimento da letra ou o início do prazo de
vencimento, respetivamente.
O sacador pode determinar que não é permitido apresentar a letra a aceite antes de um
determinado prazo126. A proibição exprime-se por inserção na letra da cláusula “letra não
aceitável" ou “aceite proibido”.
O aceite não pode ser condicionado (considera-se recusado), mas pode ser parcial, ou
modificado (artigo 26.º LULL). A recusa de aceite, o aceite parcial ou modificado implica o
vencimento imediato da letra, nos termos do artigo 43.º LULL.
Se o sacado riscar o aceite antes de devolver a letra, o aceite considera-se recusado (artigo 29.º
LULL), exceto se o sacado tiver informado por escrito o sacador ou algum dos outros
intervenientes na cadeia cambiária de que aceita a letra.
Sendo a letra pagável a certo termo de vista, o aceite tem de ser datado para que se possa contar
o prazo de vencimento a partir daí (artigo 25.º LULL). O portador pode exigir que o aceite seja
125 O sacado não é obrigado a aceitar a letra e, se recusar o aceite, não incorre em qualquer responsabilidade cambiária. O
protesto por falta de aceite é feito contra o sacador que, com o saque, prometeu que a letra seria aceite, e não contra o sacado,
que não está obrigado a aceitá-la.
126 A proibição do aceite não impede qualquer portador de levar a letra a aceite, mas exonera o sacador da responsabilidade
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datado, não da data em que foi dado, mas da data em que a letra foi apresentada a aceite. O
aceite também deve ser datado nas letras que devam ser aceites num dado prazo.
Se o aceite não for datado, o portador deve fazer constar a omissão da data de um protesto, em
tempo útil, sob pena de perder os seus direitos emergentes da letra contra o sacador e os
endossantes, (artigo 25.º LULL).
Nos demais casos, o aceite não tem de ser datado.
13.3. Endosso127
É o negócio unilateral e abstrato com uma dupla dimensão:
✓ Um portador da letra ordena ao sacado (aceitante, depois do aceite) que pague a letra,
não a ele, endossante, mas a outra pessoa (endossatário), a um novo portador, ou à sua
ordem;
✓ O endossante compromete-se, assim, a que se o aceitante ou qualquer outro obrigado
cambiário não pagar, a assumir a responsabilidade do pagamento da letra perante o
endossatário;
Se a um endosso em branco (o endossante não identifica a pessoa do endossatário) se seguir
um novo endosso presume-se que o signatário do segundo endosso recebeu a letra através do
endosso em branco. Isto é fundamental para assegurar a cadeia de sucessão cambiária, nos
termos do artigo 16.º LULL, para se assegurar a lei de circulação que exige que haja uma cadeia
ininterrupta de endossos. Em rigor, não há uma transmissão da propriedade do título, mas antes
uma investidura do endossatário na titularidade da letra que não é derivada, mas sim, originária.
Cada endossante responde pelo aceite e pelo pagamento da letra, o que significa que: se a letra
não for paga, o portador pode exigir esse pagamento de qualquer endossante, portanto, quanto
mais circular a letra por endosso mais garantido fica o crédito cambiário. Paga a letra, o
endossante pode, depois, cobrar essa letra de qualquer um dos endossantes anteriores.
O endossante pode, no entanto, através de cláusula: “sem garantia”, “sem responsabilidade”,
“sem regresso” ou “sem obrigação” aposta na letra nesse sentido, exonerar-se da
responsabilidade do aceite e do pagamento (artigo 15.º LULL). Tal cláusula só exonera o
endossante que a inseriu na letra.
O endossante pode ainda, por cláusula nesse sentido, proibir o endossatário de fazer novos
endossos e, neste caso, fica exonerado da responsabilidade pelo pagamento da letra perante os
endossatários subsequentes (artigo 15.º LULL).
O endossante pode ainda incluir cláusulas cambiárias128 no endosso, por exemplo, “valor por
cobrar”, “valor a cobrar”, “para cobrança” que façam com que, por exemplo, ele corresponda
127 Nas palavras de Pedro Pais de Vasconcelos, o endosso “é no fundo um novo saque que difere do primeiro por não criar a
letra, que já está sacada, e por não fixar os seus elementos, que o saque já fixou”.
128 Estas cláusulas distinguem-se das convenções extra-cartulares porque constam do próprio título e são oponíveis ao
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a um simples mandato, nesse caso, o endossatário não se torna proprietário da letra, mas sim
um simples procurador do endossante (artigo 18.º LULL).
Neste caso, o portador pode exercer todos os direitos emergentes da letra da letra, mas só pode
endossá-la na qualidade de procurador129.
O endosso que é feito posteriormente ao protesto por falta de pagamento, ou feito depois de
expirado o prazo fixado para se fazer o protesto, produz apenas os efeitos de uma cessão
ordinária de créditos, não tendo dimensão cambiária (artigo 20.º LULL).
13.4. Aval
O aval é um negócio cambiário unilateral e abstrato que tem por conteúdo uma promessa de
pagar a letra e por função a garantia desse pagamento.
O aval pode ser prestado por um terceiro ou por um signatário da letra (artigo 30.º/2 LULL)
que assume o papel de garante do avalizado (obrigado), caso lhe venha a ser exigido o
pagamento.
Não se sindicando a favor de quem é prestado o aval, presume-se que é prestado a favor do
sacador (artigo 31.º/3 LULL).
O aval pode ser total ou parcial, mas não pode ser condicionado (artigo 30.º/1 LULL).
O aval é escrito na letra ou numa folha anexa e exprime-se pelas palavras “bom para aval” ou
por qualquer outra fórmula equivalente. A simples assinatura na face anterior da letra, que não
seja a do sacador ou do sacado, vale como aval (artigo 31.º LULL)
Segundo o artigo 32.º LULL, o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa
por ele afiançada, com uma exceção: o aval subsiste mesmo que o ato do avalizado seja nulo,
exceto se for por vício de forma. Esta responsabilidade não é subsidiária, mas sim solidária e
cumulativa. A posição jurídica do avalista é acessória da posição do avalizado, em matéria de
prescrição ou falta de protesto.
O avalista chamado a pagar a letra fica sub-rogado nos direitos emergentes contra a pessoa a
favor de quem foi dado o aval e contra os demais obrigados (artigo 32.º/3 LULL), ou seja, o
avalista pode exigir o pagamento da letra, não só do avalizado como daqueles de quem o
avalizado o poderia exigir.
Havendo vários avales é preciso se averiguar se:
✓ Se trata de um co-aval (aval comum): há apenas um aval prestado conjuntamente por
mais do que uma pessoa, ou seja, há apenas uma posição jurídica comum de avalista
em contitularidade de várias pessoas, caso em que a responsabilidade é solidária;
✓ Se são vários avales: cada aval é uno e independente de cada um dos outros;
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130 O sacador pode também estipular que a letra não seja apresentada a pagamento antes de decorrido certo prazo.
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15. Protesto
O protesto é um ato jurídico declarativo, não negocial, pelo qual se certifica a recusa de aceite
ou a recusa de pagamento. É um ato formal praticado perante notário regulados nos termos dos
artigos 119.º e seguintes do Código do Notariado. Tem as seguintes funções:
✓ Função probatória e de segurança, eliminando os riscos de prova ou de controvérsia
quanto à falta de aceite ou de pagamento;
✓ Função conservatória dos direitos do credor que, na falta dele, vê precludida uma parte
importante do seu direito;
✓ Função de informação dando aos intervenientes na cadeia cambiária notícia da falta de
aceite ou de pagamento
O protesto deve ser feito dentro do prazo para apresentação a aceite. Se a letra for apresentada
no último dia do prazo, o protesto pode ser feito no primeiro dia útil seguinte.
Se a letra for pagável (artigos 121.º e 122.º do Código do Notariado):
✓ Em data certa ou em certo termo de data, o protesto por falta de pagamento deve ser
feito nos dois dias úteis seguintes à data em que o pagamento devia ter sido feito;
✓ Se for uma letra pagável à vista, o protesto por falta de pagamento segue o regime do
protesto por falta de aceite, isto é, deve ser feito dentro do prazo em que podem ser
apresentadas a pagamento.
O portador quando protesta a letra, tem 4 dias para avisar da falta de aceite ou de pagamento,
aquele que lhe endossou a letra e o sacador.
Cada um dos endossantes tem 2 dias para avisar aquele que lhe endossou a letra, isto é, aquele
que o antecede na cadeia cambiária, sucessivamente, até chegar ao sacador, para todos serem
avisados.
Os avalistas devem ser avisados nos mesmos prazos dos avalizados.
A falta de aviso gera responsabilidade civil (artigo 45.º LULL).
Na falta de protesto, o portador deixa de poder exercer os direitos emergentes da letra contra
os endossantes, o sacador e os demais obrigados, portanto, só pode cobrar a letra do aceitante
e do seu avalista (artigo 53.º LULL).
No entanto, se o protesto for dispensado por cláusula na letra nesse sentido: “sem despesas” ou
“sem protesto” ou equivalente (artigo 46.º LULL).
✓ aposta pelo sacador, esta produz efeitos em relação a todos os intervenientes na letra,
ou seja, dispensa de protesto todos os intervenientes;
✓ aposta por um endossante ou avalista vale para esse endossante e para os subscritores
posteriores;
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Nestes casos, os beneficiários não perdem os seus direitos por falta ou intempestividade do
protesto.
16. Prescrição
Nas palavras de Pedro Pais de Vasconcelos: “os direitos cartulares têm prazos de prescrição
consideravelmente apertados.” Os prazos de prescrição dos títulos cambiários constam do
artigo 70.º LULL e são diferentes consoante as posições em que os intervenientes se encontram
na letra.
A prescrição não é da letra, mas sim do direito cambiário. A prescrição do crédito cambiário
não importa a do crédito subjacente que pode ter um prazo de prescrição mais dilatado do que
o prazo do direito cambiário. Dada a autonomia do direito cambiário, a prescrição deste não
atinge o direito subjacente que se mantém válido e eficaz. O credor, nesse caso, extinto embora
por prescrição o direito cambiário, poderá exigir o pagamento do direito subjacente.
O desrespeito por estes prazos faz com que o título deixe de valer como título cambiário.
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1.2. Recompensas
As recompensas são prémios e títulos de distinção oficiais ou oficialmente reconhecidos
(condecorações, medalhas, diplomas, atestados, etc.), concedidos a empresários por força da
bondade dos seus estabelecimentos ou produtos.
131Nas palavras de Coutinho de Abreu: “curiosamente, um mesmo sujeito, que só pode ter uma firma ou denominação, pode
ter vários logotipos;”
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