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Evangelho de Lucas e Atos dos Apóstolos – Faculdade Dehoniana 2023.2 – Prof. Pe.

Claudio Buss,scj

JESUS NA SINAGOGA DE NAZARÉ (Lc 4,16-30)


Lucas abre o ministério de Jesus com um “acontecimento” localizado na Sinagoga de Nazaré. Ele
conscientemente reelaborou e ampliou a perícope de Mc 6,1-6, colocando ao início da missão de Jesus na
Galileia o episódio que no evangelho de Marcos constitui a conclusão. Lucas inicia a atividade pública de
Jesus em Nazaré, lugar da sua origem (cf. Lc 1,26): os nazarenos são, portanto, as primeiras testemunhas da
sua pregação e a sua reação prefigura a de Israel.
Colocada ao início do ministério público, a cena de Nazaré adquire um caráter programático e
paradigmático; vem condensados em um exemplo concreto as características da sua pregação e prefigurado
o seu destino: a favorável acolhida inicial, a rejeição por parte de Israel, o seu “voltar-se a outros”, a morte.
É traçado também a linha da missão da Igreja nos Atos: oferta do Evangelho aos Judeus – acolhida inicial –
rejeição de Israel – voltar-se ao mundo pagão.
O evangelho soube construir um conjunto bem orquestrado, quase uma “ouverture” que expõe os temas
principais da obra e já prevê o final. A perícope de Nazaré pode ser considerada “um evangelho no
evangelho” (H. Schürmann, Das Lukasevangelium, p. 225).
A primeira parte (vv. 16-22) tem seu centro na citação de Is 61,1-2a e no comentário que faz Jesus.
Também a pregação do Batista inicia com uma citação de Is (40,3-5 cf. Lc 3,3-6): o paralelismo entre João
e Jesus que caracterizava a composição dos dois primeiros capítulos encontra aqui seu prolongamento.
Não tanto um apelo de conversão, mas um “alegre anúncio”: o “hoje” da salvação chegou, porque se
realiza o cumprimento da Escritura na pessoa de Jesus.

1. TEXTO
16
Ele foi a Nazara, onde fora criado, e, segundo seu costume, entrou em dia de sábado na sinagoga e
levantou-se para fazer a leitura. 17Foi-lhe entregue o livro do profeta Isaías; desenrolou-o, encontrando o
lugar onde está escrito:
18
O Espírito do Senhor está sobre mim,
porque ele me consagrou pela unção
para evangelizar os pobres;
enviou-me para proclamar a libertação aos presos
e aos cegos a recuperação da vista,
para restituir a liberdade aos oprimidos
19
e para proclamar um ano de graças do Senhor.
20
Enrolou o livro, entregou-o ao servente e sentou-se. Todos na sinagoga olhavam-no, atentos. 21Então
começou a dizer-lhes: “Hoje se cumpriu aos vossos ouvidos essa passagem da Escritura”. 22Todos
testemunhavam a seu respeito, e admiravam-se das palavras cheias de graça que saíam de sua boca.
E diziam: “Não é este o filho de José”? 23Ele, porém, disse: “Certamente me citareis o provérbio: Médico,
cura-te a ti mesmo. Tudo o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum, faze-o também aqui em tua
pátria”. 24Mas em seguida acrescentou: “Em verdade vos digo que nenhum profeta é bem recebido em sua
pátria”.
25
De fato, eu vos digo que havia em Israel muitas viúvas nos dias de Elias, quando por três anos e seis
meses o céu permaneceu fechado e uma grande fome devastou toda a região; 26Elias, no entanto, não foi
enviado a nenhuma delas, exceto a uma viúva, em Sarepta, na região da Sidônia. 27Havia igualmente muitos
leprosos em Israel no tempo do profeta Eliseu; todavia, nenhum deles foi purificado, a não ser o sírio
Naamã.
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Diante dessas palavras, todos na sinagoga se enfureceram. 29E, levantando-se, expulsaram-no para fora
da cidade e o conduziram até um cimo da colina sobre a qual a cidade estava construída, com a intenção de
precipitá-lo de lá. 30Ele, porém, passando pelo meio deles, prosseguia seu caminho.

2. ESTRUTURA
Os vv. 14-15 tem a função de um breve sumário, que conecta a seção precedente (Lc 4,1-13) com a
seguinte (Lc 4,16-30): a pregação de Jesus nas sinagogas é um prelúdio do anúncio na sinagoga de Nazaré.
O episódio é articulado em três blocos, precedidos de uma breve introdução (v. 16a) e seguido de uma
conclusão (v. 30). Em cada bloco o esquema é constituído num binômio de ação-reação.
v. 16a Introdução
A. vv. 16-20 Jesus lê a Escritura (vv. 16b-20a)
Os presentes reagem com uma atitude de expectativa
B. vv. 21-22 Jesus explica as Escrituras (v. 21)
Os presentes reagem com estupor
C. vv. 23-29 Jesus comenta (vv. 23-27)
Os presentes reagem com ira
v. 30 Conclusão

O desenvolvimento do texto apresenta uma “dramaticidade” crescente, com as palavras de Jesus que se
tornam, cada vez mais claras e a reação da gente que passa da expectativa (v. 20b) ao ceticismo (v. 22) e
enfim à rejeição da pessoa de Jesus (vv. 28-29).

3. A SEMÂNTICA DO TEXTO
• A introdução do texto: 16Ele foi a Nazara, onde fora criado: depois das tentações que o habilitaram
ao estatuto filial em obediência à Palavra de Deus, Jesus retorna na Galileia, lugar da sua atividade
futura (cf. Lc 4,31). É este o território que tradicionalmente, segundo os evangelhos, corresponde ao
primeiro âmbito do seu ministério público. A Nazara, onde Jesus foi nutrido (criado), Lucas coloca o
ponto de partida da proclamação da salvação.
• e, segundo seu costume, entrou em dia de sábado na sinagoga e levantou-se para fazer a leitura: a
cena é ambientada numa sinagoga de Nazaré no contexto de uma liturgia sabática. Esta vem
introduzida por um breve sumário que apresenta atividade de Jesus, mestre itinerante, na região da
Galileia a motivo de sua fama. Não se pode compreender a cena na sinagoga de Nazaré sem
conhecer a liturgia sabática judaica. Depois da recitação do Shema’([m;Þv). a antiga profissão de fé (Dt
6,4-9; 11,13-21; Nm 15,37-41), e seguida das dezoito Bênçãos. A parte central do rito era centrada
na leitura da Torá e de um texto dos Profetas. Em seguida um homem respeitável da assembleia ou
mestre conhecido fazia a pregação. E segundo o costume Jesus, um pio hebreu está no sábado na
sinagoga, e na qualidade de homem adulto pode ascender para a proclamação da leitura (v. 17).
• O texto de Lc 4,16b-20 é centrado sobre a perícope de Isaías que Jesus lê; não se fala dos outros
momentos da liturgia. O texto lido por Jesus coloca em evidência a centralidade da palavra do
profeta (estrutura concêntrica):

Ele entrou em dia de sábado na sinagoga


A. e, levantando-se para fazer a leitura
B. Foi-lhe entregue o livro do profeta Isaías
C. E desenrolou o livro, encontrando o lugar onde está escrito:
Texto de IsaíasIs 61,1-2a + (58,6).
C’ enrolou o livro
B’ entregou ao servente
A’ e sentou-se
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Deste esquema resulta que a citação do profeta Isaías aquista um valor de “manifesto programático”:
apresenta a pessoa e a missão de Jesus, assim como Lucas a propõe no seu evangelho. E outras sugestões
teológicas programáticas são também detectáveis no resto do episódio e na reação conclusiva do povo.
Algumas observações importantes sobre a compreensão que o evangelista possui da missão de Jesus:
- Em primeiro a relação com o Espírito. O pneu/ma kuri,ou do qual se faz menção, é o Espírito recebido
por Jesus no batismo (3,21-22; cf. At 10,37-38). O Pai me ungiu ( cri,w ) como profeta privilegiado! É esta
unção que legitima o título de Messias, o “Ungido” (2,11; cf. At 10,38). * O ES é presente no momento do
seu nascimento (1,35); do seu batismo (3,22); nas tentações (4,1) e ao início da sua missão na Galiléia
(4,14).
- O texto da Escritura da qual Jesus apresenta a sua missão é de Is 61,1-2a + 58,6. A missão é descrita em
quatro verbos ao infinito. O primeiro é euvaggeli,sasqai ptwcoi/j: “evangelizar os pobres”. Os outros três
ilustram o significado de “evangelizar os pobres”, que concretamente consiste em:
a. proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista;
b. restituir a liberdade aos oprimidos (citação de Is 58,6 e não de Is 61,1-2).
c. proclamar um ano de graça do Senhor.

- O texto de Is 61,1-2a sofre algumas modificações. A expressão “curar os quebrantados de coração” vem
deixada (talvez demasiadamente espiritual?). Sobretudo, se interrompe o v. 2b “um dia de vingança do nosso
Deus”. Lucas evidencia a missão de Jesus sobretudo como salvação, sem “ameaça do juízo”, que será
pronunciada, ao invés, sobre Jerusalém pela rejeição da boa-nova em 21,22.
- “um ano aceitável ao Senhor” faz referimento ao Ano Jubilar (Lv 25,8-54), no qual, em Israel, vinham
perdoados os débitos daqueles que eram pobres e proclamada a liberdade de todos. Uma prática que ainda
precisava concretizar-se em Israel.
- Olhado o conjunto Is 61,1-2a + 58,6 + ano jubilar + silêncio sobre aspectos particulares, se pode
concluir que os pobres dos quais se fala este texto são de uma categoria muito concreta (prisioneiros, cegos,
escravos...): uma dimensão material de pobreza. O termo ptôchoi (ptwco,j) contém tonalidades diversas.
Aqui se apresenta em continuidade com o contexto do comprimento da profecia sobre os “anawîn” do AT,
sobretudo da passagem de Is 61,1-2a: “a boa-nova que é comunicada aos pobres retornados em pátria ou
dispersos pela diáspora”. Em Lucas, o grande interesse é sobre os pobres materialmente, como demonstram
os textos de Lc14,13.21; 16,19-26; 19,8. Mas, também sobre os pequenos e humildes, como demonstra Lc
10,21; 14,11; 18,14. No capítulo 6,20 o vocábulo ptôchoi não vai certamente entendido somente no sentido
socioeconômico, mas também não só no estoico: se trata de homens que, sobre o peso de situações
insustentáveis, colocam sua confiança em Deus, esperando dele a salvação. É a salvação na sua
integralidade. O acento está sobre a Palavra como proclamação da Boa-Nova. A atenção se concentra sobre
a EVANGELIZAÇÃO: Jesus age eficazmente mediante a sua palavra; essa muda os corações e as situações.
Alude à uma realidade eclesial: é mediante o Kerygma que a salvação vem atualizada no mundo. O Espírito
Santo é dado para este fim: é na força do Espírito que a proclamação de Jesus opera a libertação anunciada.
**A missão de Jesus é aquela do Messias esperado: o consagrado com unção anuncia que Deus continua
sua obra de salvação em favor deles, mudando as categorias humanas que consideram “bem-aventurados”
aqueles que tem posses, são saciados, riem (cf. Lc 6,20ss). Os leitores de Lucas sabem que o Espírito do
Senhor (cf. Is 61,1), com a vinda do Messias, começou a operar a mudança de valores preanunciado pelo
profeta (cf. Lc 4,18-19). Ainda é necessário complementar que o texto utilizado do evangelista era colocado
em conexão com o Yom-kippur (dia do perdão). Quando Lucas apresentará o testamento missionário de
Jesus, de proclamar até os confins da terra, utilizará o termo aphesis, aplicando-o o perdão dos pecados (cf.
Lc 24,47 e At 2,38); é evidente que o pobre é também aquele que há necessidade do perdão de Deus.
*Notar por fim: domina o tema da salvação festiva e universal e não a de um juízo, como mostra a
omissão deliberada da última parte de Is 61,2... Não se trata, portanto, de colocar Israel sob o olhar punitivo;
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importa anuncia a todos um “ano da graça”: não entendido como um ano jubilar preciso, mas como um
tempo de libertação que caracteriza a história da salvação.
• O “hoje” da Palavra (Lc 4,21-22) – “parte homilética de Jesus”: Jesus não faz um comentário
de Isaias, mas o confirma e atualiza. Aplica a si mesmo o texto do profeta Isaias e se apresenta,
portanto, como o “profeta escatológico” que inaugura o “Ano Jubilar”, trazendo a expectativa de
uma definitiva libertação. O tempo da Salvação definitiva para todos, anunciado pela Escritura tem o
seu “hoje” em Jesus. O “hoje” é a base da teologia da história lucana e apresenta Jesus como aquele
que cumpre a promessa de Deus. Este “hoje” torna-se assim um motivo central da teologia de Lucas
e abraça a missão de Jesus por inteiro: se encontra no momento do nascimento (2,11); longo todo o
ministério (5,26; 13,33; 19,5.9) até o momento supremo da morte (23,43).
NB.: na vinda e no seu ministério a profecia torna-se viva, eficaz e atual.
• O “estupor/admiração” dos presentes é um motivo frequente na atividade de Jesus (cf. 5,26;
7,16; 9,43; 10,20; 11,27; 11,54; etc.), mas aqui é acompanhado de uma pergunta retórica, carregada
de ceticismo, que reconhece, naquele homem “somente” o filho de José.
Mas creio que não podemos interpretar o “estupor” como hostilidade no nosso contexto. No terceiro
evangelho é frequentemente relacionada com a reação do homem que não entende o significado de
um “evento sobrenatural” (cf. Lc 1,63), ou não colhe toda a sua profundidade (cf. Lc 2,33; 9,43). Os
citadinos não entendem o nexo entre “as palavras de graça” e a origem de Jesus conhecida por todos:
“Não é este o filho de José”? O evangelista não coloca em dúvida a concepção virginal, mas quer
sublinhar a incompreensão dos ouvintes em relação à origem divina de Jesus.

• A “rejeição” do profeta: Lc 4,23-29:


a) A “rejeição do médico” (do qual se exigem fatos excepcionais: v. 23; cf. 11,29-32) e do
“profeta” (que não é acolhido na pátria-mãe: v. 24; cf. 13,33) prefigura o que sucederá na paixão (Lc
23).
Percebemos que o evangelista se distingue de Marcos (paralelo: Mc 6,1-6): neste último, Jesus, quer
realizar curas, mas não pode porque: “eles não têm fé”. Em Lucas, os Nazarenos querem que Jesus
realize milagres, mas é Ele quem não quer. Por que? Como interpretar esta questão em Jesus?
Duas soluções propostas:
- Jesus contesta a sede de milagres daqueles que não veem que o essencial está na palavra de
salvação proclamada;
- Os seus concidadãos avançam na pretensão de que Jesus realize os fatos que até então haviam
sido anunciados somente com a palavra.
Substancialmente percebemos a rejeição da parte dos presentes que prefigura já a hostilidade de Israel
em relação à Jesus e ao Evangelho.

Podemos ainda dizer: Jesus reage contra a pretensão dos Nazarenos de querer para si a atividade de
Jesus, de realizar um monopólio “do Cristo”, de limitá-lo à própria pátria. Jesus deve “ir” a outros
lugares, o Evangelho deve ser anunciado ao mundo: a missão pós-pascal é prefigurada como
“programa” de Jesus no Terceiro Evangelho.

A menção da atividade de Jesus em Cafarnaum (v. 23), inserida na perícope de Nazaré, convida o
leitor a compreender os milagres narrados em seguida, como inseparáveis da sua palavra de salvação
proclamada: estes não são provas ou demonstrações das suas pretensões messiânicas, mas
“proclamação em ato” – realização da libertação anunciada pela eficácia da Palavra.

Ainda uma observação: O discurso de Nazaré é colocado antes de eventos cronologicamente


anteriores, porque dá a eles a chave de sentido. Graças a Nazaré, o leitor poderá perceber como Jesus
está sempre em caminho, para algum lugar. O leitor poderá entender também o que significa
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“anunciar a Boa-Nova aos pobres”. E, sobretudo, o itinerário na sua totalidade não será fruto do
acaso ou de uma necessidade exterior, mas a efetividade de uma vocação assumida já desde o
primeiro momento.

Quanto à questão do “profeta rejeitado”: Jesus como profeta messiânico, se insere no destino dos
profetas. De acordo com algumas interpretações o provérbio dito por Jesus torna-se “uma regra
histórico-salvífica que revela uma lei do plano salvífico de Deus”. E ainda se pode dizer: “o profeta
não é chamado a permanecer em sua casa” (pátria). Assim, o contexto nos dá a entender que Jesus
responde ao desejo dos presentes de querer com que ele permaneça a Nazaré. Tem-se assim uma
preparação para os vv. sucessivos (vv. 25-27).
Em Lucas, o provérbio não faz alusão ao insucesso da pregação, prefiguração da rejeição de Israel,
mas fundamenta a divina necessidade da palavra de “alcançar o mundo”.

b) A menção de Elias e Eliseu, que fizeram o bem àqueles que se encontravam além das
fronteiras de Israel, pré-anuncia o destino universal da Palavra (cf. Lc 24,47);
Devemos notar que as respectivas menções de Elias (1Rs 17,7-16) e Eliseu (2Rs 5,1-27) não devem
ser radicalizadas: parece em primeira vista que o socorro prestado a estrangeiros é colocado em
contraste com Israel, como se Deus “houvesse mandado os seus profetas somente a estrangeiros”. No
texto bíblico, Elias e Eliseu operaram em Israel, e de forma excepcional a favor de não-Israelitas. De
nenhuma parte se manifesta uma preferência de Javé aos pagãos, em detrimento de Israel. Namã vem
a Israel para curar-se e admite a superioridade do rio Jordão em relação aos rios do seu país.
Jesus mesmo se voltará sempre com reticências aos estrangeiros e não perderá em nenhum momento
de vista à Israel como objeto principal da sua missão.

Inserindo este duplo exemplo na perícope de Nazaré, o evangelista o faz na sua intenção: por desígnio
divino, Jesus não pode limitar-se a Nazaré, mas deve ir além, a Cafarnaum, em toda a Palestina.
Como tal, o provérbio faz espelho à tarefa universal da igreja, desenvolvido em Atos: a Igreja não
pode limitar a sua missão aos judeus, mas deve voltar-se ao mundo pagão (cf. At 13 – 15). Nesta
perspectiva, o comportamento de Jesus no Terceiro Evangelho, torna-se o fundamento e o modelo da
tese de Lucas, desenvolvida por ele em Atos.
c) O furor dos presentes, que querem jogar Jesus no precipício, é um motivo narrativo que evoca
a sorte dos profetas rejeitados, de forma própria por aqueles para os quais foi enviado. Importante
dar-se conta que “a ira dos participantes da sinagoga não se origina na rejeição (por parte de Jesus)
de fazer um milagre, mas irrompe quando Jesus se refere a sua apresentação aos gentios”,
concretizado na Igreja pós-pascal.

• A conclusão (v. 30): aqui se apresenta o “andar” de Jesus (imperfeito); um caminho que
agora será evidenciado em 4,42; 5,24; 7,6.11, mas que se revestirá de um conteúdo fortemente
teológico a partir de 9,51 e que não haverá sua conclusão última em Jerusalém, mas que continuará
depois da ressurreição com os discípulos (cf. 24,16) até a meta final (cf. At 1,10-11). Sucessivamente
serão os apóstolos e missionários a levar o anúncio do perdão até os confins do mundo (Atos). E isto
explica como um dos nomes do cristianismo na obra de Lucas chama-se hodos/ caminho (cf. At 9,2).
Naturalmente não é evidenciado tanto o aspecto itinerante, quanto o “caminho de Deus, do Senhor,
da salvação” (At 18,26; 18,25; 16,17).
Evangelho de Lucas e Atos dos Apóstolos – Faculdade Dehoniana 2023.2 – Prof. Pe. Claudio Buss,scj

CONCLUSÕES:
Lucas construiu a sua perícope de Nazaré – história programática, paradigmática e prefigurativa – a que
concerne ao inteiro ministério e destino de Cristo, este também modelo e prefiguração da experiência da
Igreja de Atos.
Depois do anúncio inaugural que atua como realização das promessas de salvação, particularmente a
favor dos pobres (vv. 18-21), proclamação acolhida favoravelmente, mas não em profundidade, por parte
dos ouvintes, a problemática se desloca sobre a grande temática que será depois desenvolvida em Atos: a
rejeição por parte de Israel e a abertura da Igreja ao mundo pagão, programaticamente antecipada pelo
comportamento de Jesus – em paralelo ao de Elias e Eliseu – como vem apresentação no terceiro evangelho:
Jesus deve andar fora da sua pátria…. Até Jerusalém.
Jesus “andava…”. Se delineia uma estrutura que unifica e orienta todo o agir de Jesus no terceiro
evangelho: Jesus em caminha, de Nazaré, sua pátria, a Cafarnaum, e em todo o país dos judeus (Lc 4,43ss),
até Jerusalém (Lc 9,51), o centro de Israel. Corresponde à visão de Atos: uma Igreja missionária, em
viagem, de Jerusalém, sua pátria, à Samaria, até os confins da terra (At 1,8), o qual centro é Roma.

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