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1. INTRODUÇÃO:
Segundo o teólogo Uwe Wegner, o termo exegese pode ser definido como
“comentário ou dissertação para o esclarecimento ou minuciosa interpretação de um
texto ou de uma palavra” 1. Sua etimologia deriva-se da expressão grega exegis, isto é,
uma apresentação, descrição ou narração como explicação. A partir disso,
compreendemos que “exegese bíblica” é a ação de interpretar os textos sagrados. Logo,
sublinhamos que exegese é o trabalho de explicação e interpretação de um ou mais
fragmentos bíblicos.
2. TEXTO DE JO 13:18-21
Versão: Nova Versão Internacional.
Texto principal: Nestle Aland Novum Testamentum Graece 28ª Edição.
18 Não estou me referindo a todos vocês; conheço os que escolhi. Mas isto
acontece para que se cumpra a Escritura: ‘Aquele que partilhava do meu pão voltou-se
contra mim’.
19 Estou lhes dizendo antes que aconteça, a fim de que, quando acontecer, vocês
creiam que Eu Sou.
1
WEGNER, UWE. Exegese do Novo Testamento – Manual de Metodologia. 7. Ed. São Leopoldo:
Sinodal, 2012. p. 21.
3
20 Eu lhes garanto: Quem receber aquele que eu enviar, estará me recebendo; e
quem me recebe, recebe aquele que me enviou.
21 Depois de dizer isso, Jesus perturbou-se em espírito e declarou: "Digo-lhes que
certamente um de vocês me trairá".
22 Seus discípulos olharam uns para os outros, sem saber a quem ele se referia.
23 Um deles, o discípulo a quem Jesus amava, estava reclinado ao lado dele.
24 Simão Pedro fez sinais para esse discípulo, como a dizer: "Pergunte-lhe a quem
ele está se referindo".
25 Inclinando-se para Jesus, perguntou-lhe: "Senhor, quem é?”
26 Respondeu Jesus: "Aquele a quem eu der este pedaço de pão molhado no
prato". Então, molhando o pedaço de pão, deu-o a Judas Iscariotes, filho de Simão.
27 Tão logo Judas comeu o pão, Satanás entrou nele. "O que você está para fazer,
faça depressa", disse-lhe Jesus.
28 Mas ninguém à mesa entendeu por que Jesus lhe disse isso.
29 Visto que Judas era o encarregado do dinheiro, alguns pensaram que Jesus
estava lhe dizendo que comprasse o necessário para a festa, ou que desse algo aos
pobres.
30 Assim que comeu o pão, Judas saiu. E era noite.
2.2. Texto em grego (Nestle Aland Novum Testamentum Graece 28ª Edição)
18 Οὐ περὶ πάντων ὑμῶν λέγω· ἐγὼ οἶδα τίνας ἐξελεξάμην· ἀλλ’ ἵνα ἡ γραφὴ
πληρωθῇ· ὁ τρώγων μου τὸν ἄρτον ἐπῆρεν ἐπ’ ἐμὲ τὴν πτέρναν αὐτοῦ.
19 ἀπ’ ἄρτι λέγω ὑμῖν πρὸ τοῦ γενέσθαι, ἵνα πιστεύσητε ὅταν γένηται ὅτι ἐγώ
εἰμι.
20 ἀμὴν ἀμὴν λέγω ὑμῖν, ὁ λαμβάνων ἄν τινα πέμψω ἐμὲ λαμβάνει, ὁ δὲ ἐμὲ
λαμβάνων λαμβάνει τὸν πέμψαντά με.
21 Ταῦτα εἰπὼν [ὁ] Ἰησοῦς ἐταράχθη τῷ πνεύματι καὶ ἐμαρτύρησεν καὶ εἶπεν·
ἀμὴν ἀμὴν λέγω ὑμῖν ὅτι εἷς ἐξ ὑμῶν παραδώσει με.
24 νεύει οὖν τούτῳ Σίμων Πέτρος πυθέσθαι τίς ἂν εἴη περὶ οὗ λέγει.
4
25 ἀναπεσὼν οὖν ἐκεῖνος οὕτως ἐπὶ τὸ στῆθος τοῦ Ἰησοῦ λέγει αὐτῷ· κύριε, τίς
ἐστιν;
26 ἀποκρίνεται [ὁ] Ἰησοῦς· ἐκεῖνός ἐστιν ᾧ ἐγὼ βάψω τὸ ψωμίον καὶ δώσω αὐτῷ.
βάψας οὖν τὸ ψωμίον [λαμβάνει καὶ] δίδωσιν Ἰούδᾳ Σίμωνος Ἰσκαριώτου.
27 καὶ μετὰ τὸ ψωμίον τότε εἰσῆλθεν εἰς ἐκεῖνον ὁ σατανᾶς. λέγει οὖν αὐτῷ ὁ
Ἰησοῦς· ὃ ποιεῖς ποίησον τάχιον.
29 τινὲς γὰρ ἐδόκουν, ἐπεὶ τὸ γλωσσόκομον εἶχεν Ἰούδας, ὅτι λέγει αὐτῷ [ὁ]
Ἰησοῦς· ἀγόρασον ὧν χρείαν ἔχομεν εἰς τὴν ἑορτήν, ἢ τοῖς πτωχοῖς ἵνα τι δῷ.
2
BRUCE, F. F. João: introdução e comentário. São Paulo: Sociedade Religiosa Vida Nova e
Associação Religiosa Editora Mundo Cristão, 1987. p.11.
3
MAGGIONI, Bruno; FABRIS, Reinaldo. Os Evangelhos (II). 3. ed. São Paulo: Loyola, 1998. p. 264.
4
KUMMEL, W. Introdução ao Novo Testamento. 2. Ed. São Paulo: Paulus, 1997. p.299.
5
2- por uma testemunha ocular; 3- pelo discípulo que Jesus amava; d- por João o filho de
Zebedeu5.
Sobre a intenção teológica do livro, o quarto evangelho deixa claro, nos discursos
de despedida (14-16), o ambiente teológico a partir do qual a história de Cristo é
narrada. Esses discursos são empreendidos na perspectiva da fé pascal (2:17; 12:16;
13:7; 20:9) e o agente desse trabalho é o Paráclito. Desse modo, somente o Paráclito é a
testemunha fiel e o hermeneuta qualificado da vida e da obra do Cristo joanino. Assim,
somente a retrospectiva pascal, operada pelo Espírito, permite descobrir o sentido
completo da encarnação, do ministério terrestre, da Paixão e da elevação do Filho.
Portanto, o evangelho é, por excelência, um testemunho do Cristo encarnado, na força
do Espírito que, ao mesmo tempo, conserva a lembrança do Cristo terrestre e manifesta
sua atualidade para o hoje da fé. Nas palavras de Zumstein:
5
BRUCE, F. F. João: introdução e comentário. São Paulo: Sociedade Religiosa Vida Nova e
Associação Religiosa Editora Mundo Cristão, 1987. p.15.
6
ZUMSTEIN, Jean. O Evangelho Segundo João. In: MARGUERAT, Daniel (Org.). Novo Testamento:
história, escritura e teologia. São Paulo: Loyola, 2015, p. 437-470.
7
BROWN, Raymond Edward. A comunidade do discípulo amado. São Paulo: Paulus, 1999.
8
ZUMSTEIN, Jean. O Evangelho Segundo João. In: MARGUERAT, Daniel (Org.). Novo Testamento:
história, escritura e teologia. São Paulo: Loyola, 2015, p. 454.
6
2.2 Delimitação
Após apresentar o texto que será analisado no decorrer deste trabalho e discutir o
contexto histórico do quarto evangelho, cabe agora apontar os recortes que delimitam a
perícope em questão. Destaco que diferentes organizadores atribuíram diversos limites
para o capítulo 13 de João, especialmente naquilo que se refere ao momento em que
Jesus aponta o traidor. Desse modo, é preciso evidenciar que neste trabalho seguiremos
as delimitações apontadas pela a Bíblia NVI, a Bíblia Arqueológica e a Bíblia NVT, isto
é, Jo 13: 18-30.
Os critérios utilizados para essa delimitação foram anunciados pelo teólogo Uwe
Wegner. Em seu livro, Exegese do Novo Testamento: manual de metodologia, o autor
nos lembra que, originalmente, os livros neotestamentários foram redigidos em escrita
contínua, sem espaço entre as palavras e sem subdivisões de versículos, perícopes e
capítulos. Desse modo, ele afirma que os parâmetros para a divisão de perícopes
encontram-se nas mudanças de temática central, gênero literário, temporalidade,
espacialidade e personalidades11. Algo notório no início e no final de Jo 13: 18-30.
9
Bíblia Sagrada: Nova Versão Internacional. São Paulo: SBB, 2000.
10
Ibidem.
11
WEGNER, UWE. Exegese do Novo Testamento – Manual de Metodologia. 7. Ed. São Leopoldo:
Sinodal, 2012. p. 21.
7
A partir disso, cabe destacar que a perícope de Jo 13: 18-30 é precedida pelo
episódio do lava-pés (Jo 13: 1-17) e sucedida pelo discurso da glorificação (Jo 13: 31-
38). Esse primeiro episódio desempenha na trama do quarto evangelho um papel muito
semelhante à ceia nos sinóticos. Em outras palavras, ele revela o sentido da Paixão e
traça o caminho da igreja em seu lugar de existência. Já no segundo, ele apresenta um
novo mandamento (vs.34-35) ao iniciar o seu discurso de despedida. Em síntese, em
nossa perícope, o evangelista aponta o traidor através da boca de Jesus. Ele não o expõe
para os outros personagens do texto, mas nós, leitores, tomamos ciência do ocorrido.
Desse modo, cabe aqui abordar o seu pano de fundo.
12
MAGGIONI, Bruno; FABRIS, Reinaldo. Os Evangelhos (II). 3. ed. São Paulo: Loyola, 1998. p. 416.
13
WEGNER, UWE. Exegese do Novo Testamento – Manual de Metodologia. 7. Ed. São Leopoldo:
Sinodal, 2012. p. 115.
8
Cabe ressaltar que segundo Konigs, a pobreza e o uso do dinheiro não são a
preocupação primordial do evangelho de João. Os únicos textos que mencionam o
dinheiro também são apresentados pela tradição sinóptica (6:7 e 12:5) ou representam o
estereótipo de que Judas era ladrão (12:6, 13:26). Tendo em vista o teor da nossa
perícope, talvez podemos identificá-la como um indício de que João considera o amor
ao dinheiro como algo típico do traidor, dominado pelo diabo (13:2)15.
14
MAGGIONI, Bruno; FABRIS, Reinaldo. Os Evangelhos (II). 3. ed. São Paulo: Loyola, 1998. p. 415.
15
KONINGS, Johan. Evangelho Segundo João: Amor e Fidelidade. São Paulo: Edições Loyola, 2005,
p. 36.
9
outros o associam com a gnose. Além disso, uma terceira corrente pensa as suas
relações mais aproximadas com o judaísmo. Para esses autores, antíteses presentes no
texto como “carne/ espírito”, “coisas celestes/ coisas terrenas”, “de cima/ de baixo”,
como também o adjetivo “verdadeiro” em oposição “aparente”, são motivos que
parecem ecoar um relativo platonismo popular, que segundo os mesmos, estavam
presentes nos ambientes judaicos da época16.
3. ANÁLISE LITERÁRIA
16
MAGGIONI, Bruno; FABRIS, Reinaldo. Os Evangelhos (II). 3. ed. São Paulo: Loyola, 1998. p. 210.
17
BARRETO, Juan; MATEO, Juan. O Evangelho de São João: grande comentário bíblico. São Paulo:
Paulus, 1998.
10
Compreendendo essa divisão de forma muito semelhante, São Jerônimo diz que
os versos 18 e 20 retomam a possibilidade da traição. Para o teólogo, esta cena aponta
para o cumprimento da palavra de Jesus na crucificação (cf. 8:28). Cabe destacar que o
autor entende o anúncio da traição como uma narrativa muito próxima as histórias
presentes nos evangelhos sinóticos (Mc 14:18; Mt 26:21). Além disso, vale lembrar que
essa é a terceira vez em que vemos Jesus “perturbar-se” à medida que os
acontecimentos da paixão começaram a se desdobrar (11:33; 12:27).
Partindo desse ponto, entre os versos 23-26a, São Jerônimo identifica que a figura
de Judas, o traidor, é contraposta com o aparecimento da figura de João, aquele que é
classificado como “o discípulo amado”. É aqui que o nome de Judas é inserido como o
tomado por satanás. Contudo, o último fragmento do texto é tratado por São Jerônimo
como um acréscimo explicativo que indica o fato dos outros discípulos ainda não
encontrarem-se conscientes do propósito por detrás das ações de Judas
5.0 – VOCABULÁRIO
5.1 – Personagens
5.1.1 – Jesus
Nesta perícope Jesus se comove profundamente, pois sabe que será traído por um
dos seus discípulos íntimos (13:21). Destaco que a traição não é obra dos inimigos de
Jesus. Ela se deu justamente entre os mais próximos. Todavia, olhando para o evangelho
joanino percebemos que Jesus recebe dois títulos cristológicos. Em um primeiro
momento Ele é tratado como o “Messias”. Já em um segundo plano ele é intitulado de
“Filho de Deus”. Sublinho que as duas categorias retratam as origens históricas do
cristianismo joanino em círculos judeus-cristãos.
5.1.2- Judas
É verdade que nesta narrativa não existem dados que revelam se Judas comeu ou
não aquele pão. Simplesmente ele o pegou e saiu. O evangelho segundo João, ao
afirmar que era noite, mostra que Judas se lança inteiramente nas “trevas” que irão
matar Jesus. Nesta perícope Jesus provocou Judas. Conforme diz o evangelista Ele diz:
18
MAGGIONI, Bruno; FABRIS, Reinaldo. Os Evangelhos (II). 3. ed. São Paulo: Loyola, 1998. p. 417.
12
“O que você pretende fazer, faça-o logo”. Em síntese, Judas, fazendo a opção pelas
trevas, é classificado como amante do dinheiro, ladrão e traidor19.
5.1.3 – Satanás
Se por um lado o discípulo que Jesus amava aparece ao lado de Jesus, por outro,
Simão Pedro encontra-se longe do seu mestre. Por não amar, Pedro se distancia não só
fisicamente (a ponto de precisar da mediação do Discípulo Amado), mas, sobretudo, do
ponto de vista da solidariedade. Nesse sentido, Simão Pedro está infinitamente longe de
Jesus, pois não é capaz de amar como deveria21.
5.1.6 – Discípulos
19
BERTOLINI, José. Como ler o Evangelho de João: o caminho da vida. São Paulo: Paulus Editora,
1994. p. 129.
20
Ibidem, 130.
21
Ibidem, 131.
22
RATZINGER, Joseph. Jesus de Nazaré: a infância. São Paulo: Editora Platena, 2018.
13
Assim como já foi dito acima, Jesus revela o traidor oferecendo um pedaço de pão
molhado. Também já falamos que o pão umedecido era uma sinalização de carinho nos
atos solenes de judeus. Contudo, é preciso saber que o pão molhado também
representava aceitação. Isso significa que Jesus não supõe nenhuma delação. Para
revelar a identidade do traidor, Jesus faz um gesto de amor para com ele, que não só o
não delata, mas também o protege da atitude inquisidora dos discípulos. Em suma, esta
atitude de Jesus para com o traidor constitui-se em norma para a comunidade. Nas
palavras de Juan Barreto e Juan Mateo:
5.2.2 – noite
6.0 – HERMENÊUTICA
A ideia central deste texto encontra-se disponível em várias etapas desse trabalho.
Visto isto, podemos discerni-la a partir de alguns aspectos gerais. Em Jo 13: 18-30,
23
BARRETO, Juan; MATEO, Juan. O Evangelho de São João: grande comentário bíblico. São Paulo:
Paulus, 1998. p. 582.
24
MAGGIONI, Bruno; FABRIS, Reinaldo. Os Evangelhos (II). 3. ed. São Paulo: Loyola, 1998. p. 416.
14
vimos que, para se cumprir a profecia, Jesus é traído por um dos doze. Logo, em
resposta a essa traição, Ele não delata o traidor aos seus companheiros. Na realidade,
diante da possibilidade da vingança, Jesus oferece a sua amizade. Desse modo, podemos
perceber que a traição de Judas terá para Jesus a ocasião de demonstrar que o seu amor
é mais forte do que o ódio dos seus inimigos. Em linhas gerais, pessoalmente, entendo
essas afirmações como a ideia central do texto.
Esse quadro nos afeta, uma vez que todos nós ou cancelamos os outros ou somos
cancelados. Afinal, somos fruto do nosso tempo. Contudo, como cristãos
contemporâneos precisamos responder uma pergunta: como refletir Jesus numa
sociedade de canceladores? Em resumo, acredito que essa passagem contida em Jo
13:18-30 é imprescindível para apontar a nossa forma de ser neste tempo.
No texto que estudamos, Jesus aponta o traidor. Ele não o expõe. Ele não o agride.
Ele não o anula. Na realidade, Jesus responde a traição com cumprindo o seu propósito
(não somente dando mais alguns passos para a Cruz, como também respondendo as
ofensas com vida e esperança). Neste texto, vimos que Jesus ama na iminência do ódio.
Visto isto, entendo que o escândalo do amor estendido na relação entre Jesus e Judas é
imprescindível para manifestação da nossa fé no tempo presente.
7.0 – CONCLUSÃO
8.0 - REFERÊNCIAS
BERTOLINI, José. Como ler o Evangelho de João: o caminho da vida. São Paulo:
Paulus Editora, 1994.
KONINGS, Johan. Evangelho Segundo João: Amor e Fidelidade. São Paulo: Edições
Loyola, 2005.
MAGGIONI, Bruno; FABRIS, Reinaldo. Os Evangelhos (II). 3. ed. São Paulo: Loyola,
1998
RATZINGER, Joseph. Jesus de Nazaré: a infância. São Paulo: Editora Platena, 2018.