1) As instituições abordadas pelo texto 1 diferiam completamente da noção de
hospital médico proposta por Foucault. O corpo técnico das instituições pioneiras para alienados no Brasil não contava com a presença significativa de médicos ou demais profissionais da saúde. Ele era majoritariamente composto de pessoas ligadas às irmandades religiosas, possuindo, assim, um caráter essencialmente assistencial. Assim, considerando tal finalidade, não demandava-se a produção de um sistema de registro sobre os pacientes. As informações eram restritas às elevadas taxas de mortalidade, ao crescimento exponencial de pacientes internados. A rotina hospitalar, por sua vez, não se assemelhava com os protocolos seguidos rigorosamente nas instituições de saúde da atualidade. As atividades realizadas, em tese, concentravam-se apenas em fornecer aos necessitados um abrigo, alimentos e cuidados religiosos. No entanto, os registros apontam para as condições precárias enfrentadas pelos internos, à exemplo da falta de higiene, da superlotação e dos maus tratos. Nesse viés, essas condições precárias serviram como um pretexto para a implementação de hospitais organizados pelo poder disciplinar. As primeiras instituições para alienados no Brasil eram destinadas aos loucos pobres, visando retirar essas pessoas das ruas, como uma evidente estratégia de segregação. Portanto, ainda que a justificativa para o cuidado com os pobres possuísse um caráter religioso, as irmandades religiosas estavam submetidas às ordens do governo, bem como aos seus respectivos interesses. Desse modo, o propósito dessas instituições consistia basicamente em retirar de circulação os indivíduos considerados perigosos para a segurança pública, segregando-os nessas instituições. Essa segregação, posteriormente, “evoluiria” para um controle minucioso das informações e das ações desses indivíduos, a partir da organização dos hospitais pelo poder disciplinar. corpo técnico, produção de um sistema de registro sobre os pacientes e a rotina hospitalar, público atendido e propósitos da instituição)
O texto 8 aborda o “Hospício do Juquery e sua transição “de casa de loucos
à ordem terapêutica”, ou seja, a constituição de um Hospital Psiquiátrico ancorado no rigor científico e sistematicamente organizado pelo poder disciplinar. Considerando o objetivo de tornar o Hospício do Juquery um centro modelo de psiquiatria, o corpo técnico dessa instituição era composto majoritariamente por médicos psiquiatras e demais profissionais da área da ciência, rompendo com o caráter filantrópico/assistencial das instituições para alienados. Os propósitos da instituição, por sua vez, fixavam-se na “cura, na recuperação e na regeneração”. Desse modo, o hospício deveria configurar-se como um espaço médico destinado à cura e ao tratamento moral dos loucos. Objetivava-se, nesse viés, o chamado “asilamento racional”, a fim de que os hospícios deixassem de configurar “prisões para loucos” para tornarem-se um modelo organizado de assistência e cuidados médicos, alicerçado na ciência moderna. A instituição reuniu o primeiro grupo de especialistas no país. Os pacientes advindos do meio urbano eram, em sua maioria, operários, indigentes, pessoas em situação de rua, criminosos e contraventores. Já os pacientes de origem rural eram fazendeiros, colonos, trabalhadores rurais e pequenos proprietários. O contingente de internos era formado majoritariamente por homens, negros libertos ou imigrantes. A rotina dos internos era pautada na desindividualização, marcada por uma vigilância constante e extremamente opressora. Enquanto uma instituição controlada pelo poder disciplinar, objetivava-se o controle absoluto do comportamento dos pacientes e de suas subjetividades, como medida para conter o suposto perigo representado por sua loucura. A laborterapia, por exemplo, era amplamente praticada, justificada e incentivada pelo meio científico, pois conferia aos loucos algum sentido de utilidade e por realizar a manutenção da ordem. Tais princípios estavam alicerçados no ideal de que o trabalho dignifica o homem e, portanto, seria a única alternativa plausível para a degenerescência à qual os loucos estariam submetidos, A produção de um sistema de registro sobre esses pacientes, pois, foi imprescindível para o exercício de um controle rigoroso sobre os corpos loucos e seu caráter indisciplinado e desordenado, como bem elucidado no trecho abaixo: “Culminação da ciência médica”, a psiquiatria quer conhecer e desnudar as profundezas da alma humana; pretende criar um indivíduo a sua imagem e semelhança e, nesta busca, engendra no asilo um arremedo do que deveria ser a ordem social: impõe disciplina, estabelece papéis, define limites, cria rotinas e impõe uma “nova ordem científica” fundada na disciplina e no trabalho, como a ordem social a que serve.