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Universidade Federal de Mato Grosso dos Sul


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Paulo Ricardo da Silva Rosa

2013
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 2

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Paulo Ricardo da Silva Rosa

Campo Grande, 201


3.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 3

A resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam


certas.

Mário Quintana1

1 Poeta gaúcho (1906Ȃ1994). http://www.releituras.com/mquintana_cadernoh.asp


Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 4

Sumário
Capítulo 1.O projeto de pesquisa................................
................................
................................
................................
............
13

Capítulo 2.O trabalho científico e sua metodologia


................................
................................
................................
........22

2.1 A Estrutura da Pesquisa Científica- O V Epistemológico de Gowin................................


.............................
23

2.1.1 O Domínio Metodológico e o Domínio Conceitual


................................
................................
......................
24

2.1.2 O uso do V Epistemológico no Ensino


................................
................................
................................
..............
29

2.2 Fases do Trabalho Científico


................................
................................
................................
................................
.........
30

Capítulo 3.A questão básica de pesquisa


................................
................................
................................
.............................
33

3.1 O que é um evento ou fenômeno?


................................
................................
................................
...............................
33

3.2 Problema de pesquisaversusquestão básica de pesquisa


................................
................................
...............
34

3.3 A origem da questão básica


................................
................................
................................
................................
...........
37

Capítulo 4.Delineamentos de Pesquisa com Intervenção


................................
................................
............................
39

4.1 Diferentes tipos de pesquisa


................................
................................
................................
................................
.........
39

4.2 Fatores de Validade Interna................................


................................
................................
................................
..........
43

4.2.1 Maturação................................
................................
................................
................................
................................
.....43

4.2.2 História................................
................................
................................
................................
................................
...........
44

4.2.3 Testagem................................
................................
................................
................................
................................
.......44

4.2.4 Instrumentação................................
................................
................................
................................
..........................
44

4.2.5 Seleção
................................
................................
................................
................................
................................
............
45

4.2.6 Mortalidade................................
................................
................................
................................
................................
..45

4.2.7 Regressão
................................
................................
................................
................................
................................
......45

4.2.8 Efeitos de interação entre os vários fatores


................................
................................
................................
..45

4.3 Fatores de Validade Externa


................................
................................
................................
................................
..........
46

4.3.1 Validade de População


................................
................................
................................
................................
............
46

4.3.2 Validade Ecológica


................................
................................
................................
................................
.....................
47

Capítulo 5.Delineamentos de pesquisa sem intervenção


................................
................................
.............................
51

5.1 Características da Pesquisa Qualitativa sem intervenção


................................
................................
................
52

5.2 Análise Documental................................


................................
................................
................................
...........................
52
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 5

5.3 Observação direta................................


................................
................................
................................
..............................
57

5.4 IntermezzoȂO Positivismo e sua influência nas ciências físicas e a pesquisa empírica
...................
57

5.4.1 O Positivismo e sua influência nas ciências físicas


................................
................................
.....................
58

5.4.1 A Pesquisa Etnográfica


................................
................................
................................
................................
............
61

5.4.2 Dinâmica Social: aspectos dia


léticos ................................
................................
................................
.................
63

5.5 Observação Participante................................


................................
................................
................................
.................
63

5.6 Pesquisa Participante................................


................................
................................
................................
.......................
64

5.7 Pesquisa Ação


................................
................................
................................
................................
................................
.......70

5.8 Estudo de Caso


................................
................................
................................
................................
................................
.....71

5.8.1 Definição e Validação de Estudos de Caso


................................
................................
................................
......72

5.8.2 Metodologia do Estudo de Caso


................................
................................
................................
..........................
77

5.9 Grupos Focais


................................
................................
................................
................................
................................
.......81

5.9.1 Como montar, conduzir e an


alisar dados de Grupos Focais
................................
................................
...83

5.9.2 Condução................................
................................
................................
................................
................................
.......87

5.9.3 Análise dos registros................................


................................
................................
................................
................
90

5.9.4 Comentários finais sobre Grupos Focais


................................
................................
................................
.........
92

5.10 Críticas aos delineamentos sem intervenção com análise qualitativa


................................
.....................
92

Capítulo 6.Os Instrumentos de Coleta de Registros


................................
................................
................................
.......94

6.1 O questionário................................
................................
................................
................................
................................
.....94

6.1.1 Cuidados necessários ao elaborar


os itens de um questionário................................
...........................
94

6.1.2 Outros cuidados necessários na elaboração de questionários


................................
..............................
98

6.2 Opinário ou Escala de Atitudes................................


................................
................................
................................
......99

6.3 A Entrevista Clínica................................


................................
................................
................................
.........................
101

6.3.1 Conteúdo, tarefas e método da entrevista clínica.


................................
................................
...................
102

6.3.2 Fidedignidade e Validade


................................
................................
................................
................................
....104

6.3.3 Conduzindo a entrevista


................................
................................
................................
................................
......106

6.3.4 A porção flexível:linhas gerais de atuação................................


................................
................................
. 111

6.4 Construindo testes................................


................................
................................
................................
..........................
121

Capítulo 7.Analisando os registros coletados................................


................................
................................
................
125

7.1 ODiscursoe sua análise................................


................................
................................
................................
................
125
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 6

7.2 Análise de Conteúdo Categorial


................................
................................
................................
................................
129

7.3 Outros tipos de Análise de Conteúdo


................................
................................
................................
.....................
132

7.3.1 Análise de Avaliação


................................
................................
................................
................................
..............
132

7.3.2 Análise de enunciação


................................
................................
................................
................................
..........
133

7.4 Análise Microgenética................................


................................
................................
................................
...................
135

7.5 A questão da transcrição das falas


................................
................................
................................
...........................
138

Capítulo 8.Comunicando osresultados da pesquisa................................


................................
................................
...140

8.1 O problema das citações e transcrições


................................
................................
................................
................
141

8.2 Trabalhos acadêmicos


................................
................................
................................
................................
...................
142

8.2.1 Monografia................................
................................
................................
................................
................................
. 142

8.2.2 Dissertação................................
................................
................................
................................
................................
142

8.2.3 Tese................................
................................
................................
................................
................................
...............
142

8.3 A estrutura da Tese e da Dissertação


................................
................................
................................
.....................
143

8.3.1 Elementos Pré


-textuais ................................
................................
................................
................................
........143

8.3.2 ElementosTextuais................................
................................
................................
................................
................
143

8.3.3 Elementos Pós


-Textuais ................................
................................
................................
................................
......145

8.4 Trabalho regular de pesquisa


................................
................................
................................
................................
....146

8.4.1 Artigo científico................................


................................
................................
................................
.......................
146

8.4.2 Relatórios................................
................................
................................
................................
................................
...148

8.4.3 Comunicação em encontros científicos


................................
................................
................................
........150

Referências................................
................................
................................
................................
................................
................
155

Anexo................................
................................
................................
................................
................................
............................
159

Índice ................................
................................
................................
................................
................................
............................
171
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 7

Índi ce de Figuras

Figura 1 ȂInformações básicas que devem constar em um projeto de pesquisa.


................................
.............
13

Figura 2 - Campos a serem preenchidos em


formulários de apresentação de projetos de pesquisa.
......14

Figura 3 ȂElementos que devem constar da descrição da metodologia do projeto de pesquisa.


..............
16

Figura 4 ȂFluxograma auxiliar para elaboração do Cronograma.


................................
................................
............
17

Figura 5 ȂModelo de tabela de cronograma.


................................
................................
................................
.....................
18

Figura 6 - Modos de apresentação de projetos de pesquisa.


................................
................................
.......................
21

Figura 7 ȂO V epistemológico deGowin.................................


................................
................................
..............................
24

Figura 8 - Duas cadeiras................................


................................
................................
................................
...............................
25

Figura 9 - Poltrona. ................................


................................
................................
................................
................................
........25

Figura 10 - Uma mola que se contrai sob a ação de uma força. Exemplo referente
Leiàde Hooke
. ..........
26

Figura 11 ȂGráfico para aLei de Hooke(dados fictícios).................................


................................
............................
28

Figura 12 ȂFases do trabalho científico.


................................
................................
................................
..............................
30

Figura 13 - Fases do trabalho científico.


................................
................................
................................
...............................
31

Figura 14 ȂUma pirâmide.................................


................................
................................
................................
.........................
33

Figura 15 ȂUma estrela.................................


................................
................................
................................
..............................
33

Figura 16 - O delineamento da pesquisa.


................................
................................
................................
.............................
39

Figura 17 - Tipos de delineamentos de pesquisa.


................................
................................
................................
............
41

Figura 18 - O espaço da pesquisa.


................................
................................
................................
................................
...........
41

Figura 19 - Características da Pesquisa Empírica Experimental.


................................
................................
..............
42

Figura 20 - Fatores que afetam a validade interna de uma pesquisa empírica experimental.
.....................
44

Figura 21 ȂExemplo de gráfico de interação estatística.


................................
................................
..............................
50

Figura 22 ȂVisão esquemática da Análise Documental.


................................
................................
...............................
53

Figura 23 ȂNatureza dos relatos da Análise Documental.


................................
................................
...........................
56

Figura 24 ȂA evolução da humanidade segundo o Positivismo.


................................
................................
...............
58

Figura 25 ȂA fase científica da evolução da humanidade.


................................
................................
...........................
59

Figura 26 - A Ciência Positiva.


................................
................................
................................
................................
...................
59

Figura 27 ȂCaracterísticas do cientista positivo.................................


................................
................................
.............
60

Figura 28 ȂMetodologia da Pesquisa Etnográfica


................................
................................
................................
...........
62

Figura 29 ȂCaracterísticas do Relatório de Campo na Pesquisa Etnográfica.


................................
....................
62
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 8

Figura 30 ȂCaracterísticas da Observação Participante.


................................
................................
..............................
63

Figura 31 ȂCaracterísticas da ideologia.


................................
................................
................................
..............................
65

Figura 32 - Exemplos de classe.


................................
................................
................................
................................
................
66

Figura 33 - Mecanismos ideológicos.................................


................................
................................
................................
.....67

Figura 34 ȂRelação entre classe dominante, Estado e ideologia.


................................
................................
.............
67

Figura 35 ȂParticipação do grupo pesquisado na definição a Pesquisa Participante.


................................
....68

Figura 36 ȂMetodologia da Pesquisa Participante.


................................
................................
................................
........68

Figura 37 - Esquema operacional da Pesquisa Participante.


................................
................................
......................
69

Figura 38 ȂA Pesquisa Ação.


................................
................................
................................
................................
.....................
71

Figura 39 ȂCiclo da Pesquisa Ação como reflexão sobre a prática.


................................
................................
.........
71

Figura 40 - Classificação dos Estudos de Caso


- Dimensão compreensão buscada pelo pesquisador
(STAKE,1995, apud COUTINHO & CHAVES, 2002).
................................
................................
................................
........73

Figura 41 - Classificação dos Estudos de Caso


- Dimensão natureza do estudo.
................................
................
76

Figura 42 ȂCaracterísticas desejáveis do pesquisador que desenvolve estudos de caso.


.............................
77

Figura 43- Etapas doEstudo de Caso


.................................
................................
................................
................................
.....78

Figura 44 ȂComponentes do Protocolo deEstudo de Caso


.................................
................................
.........................
78

Figura 45 ȂCaracterísticas do Relatório de Campo.


................................
................................
................................
.......79

Figura 46 ȂElementosque devem estar presentes no Relatório Final do


Estudo de Caso
. ...........................
80

Figura 47 ȂFontes de evidência em estudos de caso.


................................
................................
................................
....80

Figura 48 ȂPrincípios de análise noEstudo de Caso


.................................
................................
................................
......81

Figura 49 ȂClasses de critérios para composição de


Grupos Focais
.................................
................................
.......86

Figura 50- Críticas aos delineamentos de pesquisa sem intervenção.


................................
................................
....92

Figura 51 ȂPossíveis respostas às objeções sobre os delineamentos de pesquisa sem intervenção.


......93

Figura 52 ȂCaracterísticas doOpinário.................................


................................
................................
............................
100

Figura 53 ȂTipologia da entrevista.................................


................................
................................
................................
.....101

Figura 54 ȂAspectos da entrevista.................................


................................
................................
................................
.....102

Figura 55 ȂPrimeira fase da entrevista.................................


................................
................................
............................
106

Figura 56 - Formato da Entrevista.................................


................................
................................
................................
......108

Figura 57 ȂTipos de questões da entrevista


................................
................................
................................
...................
114
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 9

Figura 58 - (a) Um atirador que não é fidedigno, porque não acerta sempre em torno do mesmo
onto,
p
e tampouco válido, pois não acerta o centro; (b) Um atirador é fidedigno, porque acerta sempre em
torno do mesmo ponto, mas não válido porque não acerta o centro; (c) Um atirador que é fidedigno,
pois acerta sempre em torno do mesmo ponto, e válido,
porque acerta o centro, objetivo do jogo.
.....122

Figura 59 ȂDiferenciação entreAnálise do Discurso


e Análise de Conteúdo
.................................
.....................
125

Figura 60 ȂCaracterísticas da Ideologia.................................


................................
................................
..........................
126

Figura 61 ȂExemplos de classe.


................................
................................
................................
................................
............
126

Figura 62 - O Campo Discursivo.


................................
................................
................................
................................
...........
127

Figura 63 ȂClasse dominante e ideologia.


................................
................................
................................
........................
128

Figura 64 ȂCaracterísticas daAnálise de Conteúdo


Categorial. ................................
................................
..............
128

Figura 65 ȂCaracterísticas doCorpusna Análise do ConteúdoCategorial.................................


.......................
130

Figura 66 ȂExemplo de apresentação inadequada.


................................
................................
................................
.....151

Figura 67 - "Tradução visual" da Figura 66.................................


................................
................................
....................
152
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 10

Índice de Quadros

Quadro 1- Dados fictícios para um experimento sobre Lei


a deHooke. ................................
................................
.27

Quadro 2ȂTipos de Pesquisa Empírica em Ciências Sociais


................................
................................
......................
40

Quadro 3- Classificação dos vários tipos de


Estudo de Ca
so segundo Gomez*.
................................
..................
74

Quadro 4- Comparação das características entre os dois tipos de formato de entrevista.*


.....................
105

Quadro 5ȂNormas para transcrição de falas.


................................
................................
................................
................
138
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 11

Apresentação
Quando alguém aponta a Lua, o tolo olha do dedo, o sábio olha a Lua2.

Provérbio Chinês

Seja bem-vindo!

Supomos que você, por escolher nosso texto para ler, seja um estudante
em fase de elaboração de seu
projeto. Este projeto poderá ser seu Trabalho de Conclusão de Curso (uma Monografia, uma
Dissertação ou uma Tese) ou um projeto que será submetido a alguma agência de fomento para
obtenção de fundos para o seu desenvolvimento
(uma bolsa, por exemplo). De qualquer modo,
esperamos que o manual que preparamos especialmente para você seja útil na elaboração de seu
projeto de pesquisa. Cremos, também, que um material como o nosso possa ser útil ao pesquisador
iniciante na construção de seus projetos de pesquisa. Além disso, esperamos que nosso texto possa
também auxiliar professores das disciplinas de metodologia da pesquisa a formar novos
pesquisadores.

Este texto foi produzido a partir de nossa experiência como docente


da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul (UFMS)nas disciplinas Metodologia da Pesquisa
para o Ensino de Ciências(Curso
I de
Mestrado em Ensino de Ciências
), Prática de Ensino de Física IV
(Licenciatura em Física)e em outras
disciplinas do curso de Licenciatura em Física. Contribuiu, também, para a sua produção a nossa
experiência na orientação de trabalhos de pesquisa de estudantes destes dois cursos.

Neste texto, discutiremos a metodologia do trabalho científico, procurando desenvolver seus aspectos
operacionais e formais.Nosso foco será aPesquisa Qualitativa
. Neste sentido, o presente texto deve ser
entendido como complementar a outro(MOREIRA e ROSA, 2013)
, no qual abordamos as técnicas de
pesquisa quantitativa. Entretanto, para completude do texto atual, vamos introduzir, de forma
resumida, alguns conceitos da pesquisa quantitativa na análise de testes.

Os aspectos operacionais
dizem respeito à formulação do problema científico e ao estabelecimento de
estratégias para encontrara solução procurada. Discutiremos o que é um problema e a sua delimitação
(o que chamamos de questão básica de pesquisa). Discutiremos, ainda, as formas de obter a resposta à
questão que formulamos (aspectos metodológicos).

Os aspectos formaisdo trabalho científico dizem respeito à forma de apresentação do trabalho


produzido. As regras para a elaboração de monografias, dissertações e teses, bem como de artigos e
projetos científicos serão discutidas.

Os caminhos que percorreremos cobrirão tópicos que ajud


arão você a:

¾ Estruturar um trabalho científico;


¾ Elaborar um projeto de pesquisa;

2A esse respeito, vale a pena ler o conto em


http://abcimaginario.blogspot.com.br/2011/10/quando -um-dedo-aponta-para-lua-
o-tolo.html.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 12

¾ Desenvolver esse projeto; e,


¾ Comunicar o resultado obtido a outras pessoas.

O eixo articulador de nosso texto será a construção de um projeto de pesquisa. Escolhemos estaaform
por uma razão simples: a elaboração de projetos de pesquisa faz parte da vida do pesquisador. Hoje em
dia, as formas de financiamento da pesquisa passam, sempre, pela elaboração de projetos de pesquisa.
Em muitas áreas, sobram recursos e faltam bons proj
etos. Além dessa razão prática, a construção do
projeto de pesquisa permite que exploremos aspectos fundamentais da construção da pesquisa
científica, tais como: a questão básica de pesquisa, a Introdução e a Justificativa de um projeto de
pesquisa, questões de natureza metodológica, aspectos ligados a orçamentos e cronogramas.

Estes últimos dois tópicos são de particular interesse e não são cobertos, normalmente, em textos
sobre Metodologia da Pesquisa. Entretanto, muitos projetos não são aprovados por ãos
órg
financiadores ou não são levados a bom termo devido ao mau planejamento das ações (expressas pelo
cronograma do projeto) ou porque os recursos alocados ao projeto foram insuficientes ou mal
distribuídos entre as diferentes rubricas (itens contempladosna proposta orçamentária).

Quanto às formas dedivulgação da pesquisarealizada, nos preocuparemos mais com o estudo de


formas atreladas diretamente ao trabalho do pesquisador atuante: a Dissertação e a Tese, o artigo
científico, a comunicação em congresso
s (oral e o pôster), etc. Abordarmos, no que diz respeito à
comunicação científica, apenas os aspectos ligados à estrutura e a finalidade destes trabalhos, focando
na sua construção e nos elementos que
neles devem aparecer. Parece
-nos que esta área está po
uco
coberta pelos textos já existentes. Diferentemente de outros textos, não daremos ênfase aos aspectos
ligados à editoração da comunicação da pesquisa (normatização da paginação, citações, forma de
referenciar, etc.). Além das normas da Associação Brasil
eira de Normas Técnicas, ABNT
3, existem

vários manuais que fazem isso que você poderá consultar. Ao final, na lista de referências, você
encontrará várias fontes para esses conteúdos, tanto impressas como na Internet.

Os conteúdos apresentados podem serobertos


c em aproximadamentequinze semanas, com quatro
horas de aula por semana. Juntamente com os conteúdos cobertos Moreira
em & Rosa (2013), forma
um curso completo em Metodologia da Pesquisa que pode ser coberto em um semestre. Todavia,
convém lembrar o caráter introdutório dos dois textos. O pesquisador, ao escolher determinada
metodologia, deve buscar nas referências listadas ao final dos dois textos o aprofundamento dos
conteúdos que apresentamos.

Para finalizar, um comentário sobre o provérbio que ab


re esta apresentação. A metodologia da
pesquisa é uma ferramenta, o dedo. O que importa é a Lua: o conhecimento sobre o mundo que
obtemos após realizar a pesquisa.

Boa leitura.

3 Embora as Normas da ABNT não tenham força de lei, elas servem de referência a muitas organizações para a normatização dos
trabalhos produzidos em seu âmbito.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 13

Capítulo 1. O projeto de pesquisa

Um projeto de pesquisaé uma proposta de pesquisaa ser apresentadaa algum órgão ou instituição.
Normalmente, o projeto de pesquisa aborda o objetivo da pesquisa
(com a justificativa de sua
relevância e ineditismo), a questão básica de pesquisa que se quer analisar e a metodolog
ia pela qual
pretendemos chegar ao objetivo pretendido. Outros itens do projeto de pesquisa são: seu Cronograma,
seu Orçamento, a relação dos profissionais envolvidos (com suas atribuições no projeto) e a lista de
instituições que participarão do projeto. As informações básicas que devem constar no projeto são
mostradas naFigura 1.

Referencial Teórico
Objeto do da Pesquisa Metodologia
Projeto da Pesquisa

Projeto de Pesquisa

Estado daarte da
área
Orçamento
Cronograma

Figura 1 ȂInformações básicas que devem constar em um projeto de pesquisa.

Para desenvolver o projeto de pesq


uisa, vamos nos basear no modelo de formulário
para apresentação
de projetos de pesquisa utilizado na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
veja( o Anexo).
Agências de Fomento e outras instituições usam outros formulários, mas elementos
os básicos são
estes que você encontrará no formulário mostrado no Anexo. Figura
A 2 mostra os campos que são
normalmente encontrados em formulários para apresentação de projetos de pesquisa. Esses campos,
em geral, são:

1. Folha de identificação do projeto .

Nesta folha, você necessitará preencher dados de modo a identificar o proponente do


projeto: título do projeto, nome e dados pessoais do coordenador, institu
ição na qual o
projeto será desenvolvido, orçamento resumido, aprovações institucionais, etc.

2. Introdução

Nesta parte do formulário do projeto você deve apresentar e contextualizar o


problema de pesquisa queserá analisado, apontando claramente qual é a questão
básica que serárespondida pela pesquisa
. Nesta parte, não cabem transcrições de
autores. Podemos citá
-los apenas com a intenção de contextualizar nosso problema.
Tampouco devemos fazer revisãoda literatura.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 14

3. Justificativa

Nesta seção devemos apontar para o avaliador de nosso projeto as razões pelas quais
achamos que a pesquisa que nos propomos a realizar deve ser feita. É nesta parte que
apresentamos nossas razões para o convencimento ao avaliador.
Essas razões devem
ter por base o ineditismo e a relevância do que estamos nos propondo a investigar.
A
importância social do conhecimento que pode ser potencialmente produzido também
deve ser salientada.

Também é aqui que a crítica a trabalhos anteriores


deve ser feita, apontando em que
aspectos estes trabalhos não conseguiram bons resultados ou foram incompletos e
como nosso trabalho pretende completar ou corrigir os resultados obtidos até o
momento em que aproposta de pesquisa é apresentada.

Introdução
Folha de rosto Justificativa

Orçamento Formulário de Projeto Objetivos e Metas


de Pesquisa da pesquisa

Cronograma Metodologia da
RH e Instituições Pesquisa
participantes

Figura 2 - Campos a serem preenchidos em formulários de apresentação de projetos


de pesquisa.

4. Objetivos

Os objetivos do projeto são os conhecimentos que nos propomos a obter, os produtos


que pretendemos desenvolver, etc., com
o resultado das atividades do projeto. Os
objetivos devem ser expressos na forma de observáveis (mensuráveis ou não). Para
isso, use verbos com essas características.

É importante diferenciar, quando falamos de projetos na área


do ensino, o que são
objetivos de ensino e o que são objetivos de pesquisa. Os objetivos ensino
de são
aqueles ligados às competências e habilidades que queremos que os alunos
desenvolvam. Para isto desenvolvemos estratégias
de ensino e produzimos materiais
instrucionais (jogos, programas de simulação, sequências didáticas alternativas, etc.).
Os objetivos de pesquisa estão relacionados à avaliação do efeito destes materiais
e
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 15

das abordagensa eles associadasna aprendizagemdos alunos. Assim, por exemplo,


consideremos um projeto de pesquisa que tenha por objetivo avaliar o uso de um
novo programa de simulação na aprendizagem de conceitos de Física Moderna por
alunos do terceiro ano do ensino médio. Neste caso, um objetivo ensino
de seria:

Ao final da sequência didática os alunos deverão saber calcular a intensidade da


corrente elétrica gerada por efeito fotoelétrico em uma placa met
álica.

Este objetivo diz respeito ao que o professor espera que os alunos sejam capazes de
realizar após o desenvolvimento da sequência didática aplicada. Por outro lado, um
objetivo de pesquisa seria:

Qual o efeito da utilização de um programa de simulação sobre o efeito


fotoelétrico na aprendizagem do cálculo da intensidade da corrente elétrica em
uma placa metálica?

Como podemos ver são objetivos completamente diferentes. Em um projeto de


pesquisa, na seção dos objetivos, devemos listar os objetivos de pesquisa e não os
objetivos de ensino (objetivos didáticos). Observe que nada falamos sobre o
desenvolvimento do programa de simulação como um dos objetivos do projeto. Do
ponto de vista do projeto, o desenvolvimento do programa não é um objetivo, mas
uma ferramenta necessária ao desenvolvimento do projeto. O que queremos avaliar é
o efeito desta ferramenta sobre a aprendizagem dos alunos.

5. Metas

A palavra Meta pode ter duas interpretações. Pode ser entendida como um objetivo de
caráter mais geral ou como um objetivo ao qual associamos indicadores de
mensuração. Por exemplo: formar 0%
9 dos acadêmicos da Física com uma nova
metodologia de ensino.

6. Metodologia

Nesta parte, o pesquisador demonstra seu domínio do tema e das técnicas disponíveis
(ou que estão sendo propostas) para atingir os objetivos opostos.
pr Na Metodologia, o
pesquisador descreve as ações que serão desenvolvidas para atingir os objetivos e
metas. É nesta parte que tipificamos a pesquisa que será executada, se experimen
tal
ou não, qualitativa ou não.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 16

É importante salientar que a proposta metodológica do projeto é subordinada ao Referencial Teórico e


à Questão Básica da pesquisa que está sendo proposta. A

Referencial Questão
Teórico básica

Metodologia

Métodos de
Delineamento análise de dados

Métodos de seleção do Métodos de


grupo estudado coleta de dados

Figura 3 mostra, esquematicamente, esta subordinação da Metodologia.


Discutiremos mais este
aspecto da Metodologia no próximo capítulo.

Referencial Questão
Teórico básica

Metodologia

Métodos de
Delineamento análise de dados

Métodos de seleção do Métodos de


grupo estudado coleta de dados

Figura 3 ȂElementos que devem constar da descrição da metodologia do projeto de


pesquisa.

7. Referências

Nesta parte do formulário do projeto você deve lista


r, segundo as normas exigidas,
normalmente as da Associação Brasileira de Normas Técnicas
4 (ABNT), os trabalhos

citados no projeto. Quanto a isto, você deve responder a duas perguntas:

i) Todos os trabalhos citadossão listados?

4A ABNT (http://www.abnt.org.br ) não é um órgão oficial, mas uma entidade de caráter privado que sugere normas a serem
seguidas para a produção de textos científicos. Estas normas são seguidas por muitas instituições.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 17

ii) Todos os trabalhos listados são citados?

Se as respostas a estas duas questões for positiva, então a lista de referências está
completa. Uma forma segura de garantir a resposta afirmativa a estas duas questões é
usar os mecanismos de in
dexação bibliográfica que osmodernos editores de texto
oferecem.

8. Instituições participantes

Neste item, listamos as instituições que participarão do projeto,


juntamente com suas
funções.

9. Participantes do Projeto

Nesta parte do formulário de pesquisa são listadas as pessoas que participarão do


projeto. Listamos suas funções e a carga horária que elas
dedicarão ao projeto. Aqui
devemos ser absolutamente honestos, pois, senão,projeto
o pode ficar inviável.

10. Cronograma

Neste item, fazemos uma descrição do tempo que será gasto em cada tarefa do projeto.
Muito cuidado deve ser tomado na análise de tempo que será gasto em cada etapa. A
elaboração do cronograma é fundamental para que possamos desenvolver o projeto
no prazo que nos propomos.

Deixe sempre uma folga no Cronograma, pois imprevistos que consomem tempo
acontecem e podem atrasar o desenvolvimento de uma atividade da qual dependem
todas as outras.Somente a experiência no desenvolvimento de projetos nos dá uma
visão mais acurada de quanto tempo cada tarefa nos tomará.

Início

Tarefa 1

Mesmo Tarefa 2 Tarefa 3


tempo

Mesmo
Tarefa 4 Tarefa 5 Tarefa 6
tempo

Outras tarefas

Figura 4 ȂFluxograma auxiliar para elaboração do Cronograma.

Apesar de ser necessária experiência


com o tema do projeto para a elaboração de um
bom cronograma, algumas ações favorecemsua
a construção:
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 18

¾ Liste todas as ações que serão necessárias para desenvolver o projeto;


¾ Construa um fluxograma, colocandono topo as ações queprimeiro precisam
ser desenvolvidas e as ações que podem ser desenvolvidas
concomitantemente na mesma linha (veja Figura
a 4);
¾ Construa o cronograma, colocando as tarefas que devem ser executadas na
ordem em que elas deverão ser realizadas, como expressa no fluxograma
(veja a Figura 5).

Tarefa a ser realizada Mês de desenvolvimento


1 2 3 4 5 6

Tarefa 1

Tarefa 2

Tarefa 3

Tarefa 4

Figura 5 ȂModelo de tabela de cronograma.

Observe que a tabela do cron


ograma deve ficar parecendo uma escada. No modelo que
apresentamos, a unidade de tempo utilizada foi o mês. Naturalmente, isto deve ser
adaptado às necessidades do projet
o.

11. Orçamento detalhado

Nesta parte do formulário do projeto de pesquisa, o pesquisador aponta os gastos que


decorrerão da execução do projeto. Um ponto importante é o seguinte: somente são
justificáveis gastos com atividades do projeto. Não coloque nenhum gasto que não
possa ser justificado a partir das necessidades da pesquisa. Seu projeto será
reprovado pelas agências de financiamento, com certeza
5.

Um exemplo: se você colocar um


notebook como item de um projeto que não envolve
pesquisa de campo, na qual esse tipo de aparelho pode ser útil, seu projeto poderá não
ser aprovado.

Outro ponto importante é justificar claramente cada item pedido em função das
necessidades do projeto. Não adiante pedir um computador se o proj
eto não necessita
desse tipo de equipamento, por mais que o seu computador esteja pedindo água!

Normalmente, nas agências públicas 6 que financiam pesquisas, o Orçamento é


dividido em dois grandes grupos: Custeio e Capital. As despesas de Custeio são

5 Em projeto apresentado a certa agência de fomento, um pesquisador colocou uma impressoraprojeto


no com a justificativa de
que precisava imprimir! Outro justificou o pedido em duplicata de um mesmo equipamento argumentando que se o
equipamento estragasse ele teria um sobressalente!
6 Algumas agências públicas de fomento à pesquisa científica :são
Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), Conselho
Nacional de Pesquisas e Desenvolvimento (CNPq), Fundação de Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior
(CAPES) e Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e TecnologiaEstado
do de Mato Grosso do Sul (FUNDECT).
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 19

aquelas correntes enquanto que as despesas de capital normalmente são associadas a


equipamentos e materiais permanentes. Cada item de gasto é chamadorubrica.
de

Despesas de Custeio

As Despesas de
Custeiosão classificadas em:

a. Diárias

Este tipo de gasto tem por objetivo cobrir gastos decorrentes de deslocamentos dos
integrantes da equipe do projeto e pode ser usado para pagar hotéis, refeições, etc. O
valor é definido pelo órgão que financia o projeto e é estipulado por dia de
afastamento da sede do pesquisador. Usualmente, o coordenador do projeto paga em
espécie ou deposita na conta do pesquisador que recebe a diária.

b. Passagens e despesas de locomoção

Este tipo de gasto também existe para cobrir despesas de locomoção paraa for
da sede
do projeto tais como: táxi, passagens aéreas, passagens terrestres, etc. Normalmente é
vedado o uso des
se recurso do projeto para cobrir participação em encontros
científicos (assim como os valores reservados a diárias).
Um aviso importante: se você
pagou Diárias, você não pode pagar despesas de
áxit ou outro meio de transporte
urbano, tampouco despesas com hospedagem não podem ser pagas

c. Serviços de Terceiro
- Pessoa Física

Este tipo de recurso é usado para pagar eventuais trabalhos de autônomo


s em
atividades ligadas ao projeto. Hoje em dia, evita
-se gastar nessa rubrica, pois,
normalmente, não há previsão de cobertura para gastos sociais (impostos, taxas, INSS,
etc.) que são contrapartida do empregador (no caso o coordenador do projeto). Além
disso, deve-se ter cuidadocom este tipo de gasto,para que a frequência com que este
tipo de pagamentoé realizadonão caracterize vínculo empregatício.

d. Serviços de Terceiros
- Pessoa Jurídica

Este tipo de recurso existe para pagar empresas por atividad


es desenvolvidas em
função do projeto. As empresas contratadas devem estar em dia com suas obrigações
fiscais e previdenciárias. O coordenador do projeto deve ter bastante cuidado a esse
respeito, porque senão terá problemas na prestação de contas do proje
to.

e. Consumo

Neste item são detalhados os gastos com materiais descartáveis a serem utilizados no
projeto. Por exemplo, o mouse de um computador é material de consumo, assim como
a tinta da impressora e o papel. Reagentes químicos, filmes fotográficos,
CDs são
outros exemplos de materiais de consumo. Normalmente, cada agência lista os
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 20

materiais que considera de consumo. É sempre bom consultar esta lista antes de
classificar os materiais previstos no projeto.

Outro ponto que você como coordenador tem que


prestar atenção é o seguinte: um
material que é considerado como consumo, um pente de memória para computador,
por exemplo, pode não ter sua compra autorizada pela agência de fomento se ela
considerar que a compra desse material é uma contrapartida da inst
ituição na qual o
projeto será desenvolvido.

Despesas de Capital : Equipamentos e Material Permanente

No Setor Público, esse é o tipo de dinheiro mais difícil de ser conseguido no orçamento
dos diferentes órgãos. Por material per
manente é entendido todo o tipo dematerial
que não se degrada pelo uso que
e durará bastante tempo. Mesas, cadeiras, armários,
máquinas em geral, computadores, etc., são classificados como materiais
permanentes. Em geral, qualquer item passível de ser pat
rimoniado é considerado
material permanente.Pela Portaria 448 de 13 de setembro de 2002
(BRASIL/STN/MF,
2002) todo bem com vida útil superior a dois anos é considerado material
permanente.

Importante: você não pode usar recur


so alocado em uma rubrica em outra, mesmo
que esteja sobrando, sem autorização explícita do órgão financiador. Em geral, é
vedado o uso de recursos de Custeio em Materiais Permanentes-versa.
e vice

12. Cronograma de desembolso

Nesta parte do formulário, a programação de liberação dos recursos é sugerida à agência de


fomento (ou instituição que financiará o projeto). Nele, você deverá apontar em que momento
ao longo do projeto os recursos precisam estar disponíveis.

Embora este quadro seja quase sempre solicitado, na maior parte das vezes os recursos são
liberados de uma única vez na conta do projeto quando do seu início.

Os projetos de pesquisa são submetidos às agências financiadoras de duas maneiras distintas: por
demanda espontâneaou por demanda induzida. No primeiro caso, o pesquisador apresenta o projeto à
agência, na forma de fluxo contínuo: o pesquisador apresenta a qualquer momento o seu projeto de
pesquisa. No segundo caso, o mais comum, a agência de financiamento lança um Edital, anunciando
que financiará projetos em certo campo do conhecimento. Figura
A 6 mostra esquematicamente estes
dois esquemas de submissão de
projetos de pesquisa.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 21

Chamada induzida:

Órgão de Lança Edital Direcionado a Projetos de


Fomento Pesquisa

Por demanda:

Projeto de Pesquisa Direcionado a Órgãos de fomento

Fluxo
contínuo

Figura 6 - Modos de apresentação de projetos de pesquisa.


Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 22

Capítulo 2. O trabalho científico e sua metodologia

Um texto sobre Metodologia, como o próprio nome sugere, é um


texto dedicado ao método adequado
pelo qual alguma tarefa deve ser realizada.Sobre o verbeteMetodologia o dicionário Houaiss nos
ensina queMetodologia é(HOUAISS, 2001)
:

1 Rubrica: lógica.
ramo da lógica que se ocupa dos métodos das diferentes ciências
1.1 parte deuma ciência que estuda os métodos aos quais ela própria recorre
1.2 Rubrica: literatura.
em literatura, investigação e estudo, segundo métodos específicos, dos componentes e do caráter
subjetivo de uma narrativa, de um poema ou de um texto dramático
2 Derivação: por extensão de sentido.
corpo de regras e diligências estabelecidas para realizar uma pesquisa; método

Nesta definição, o termoMétodoaparece de forma intensa, o que nos leva a que


stionar o que Método
significa. Novamente, recorremos ao dicionári
o (HOUAISS, 2001)
:

1 procedimento, técnica ou meio de se fazer alguma coisa, esp. de acordo com um plano
Ex.: há dois m. diferentes para executar essa tarefa
2 processo organizado, lógico e sistemático de pesquisa, instrução,
investigação, apresentação etc.
Ex.: m. analítico, dedutivo
3 ordem, lógica ou sistema que regula uma determinada atividade
Ex.: ensina
r com m. 4modo de agir; meio, recurso
Ex.: encontrou um bom m. para economizar
5 conjunto de regras e princípios normat
ivos que regulam o ensino ou a prática de uma arte
Ex.: aprendeu a ler pelo m. da silabação
6 Rubrica: filosofia.
conjunto sistemático de regras e procedimentos que, se respeitados em uma investigação
cognitiva, conduzem
-na à verdade.

Portanto, Metodologia pode ser entendida como o conjunto de regras ou procedimentos (o método)
pelo qual fazemos algo. Por outro lado,
Metodologia da Pesquisa,
se refere ao termoPesquisa,a qual,
ainda segundo o Houaiss pode ser definida como
(HOUAISS, 2001)
:

- conjunto de atividades que tem por finalidade a descoberta de novos conhecimentos no domínio
científico, literário, artístico etc.;
- investigação ou indagação minuciosa

Portanto, podemos definir aMetodologia da Pesquisacomo sendo o estudo do


s métodos pelos quais
fazemos pesquisaou, em outras palavras, o estudo dos métodos que nos permitem obter novos
conhecimentos.

Em particular, como o título de nosso texto aponta, estam


os interessados no estudo da Metodologia da
Pesquisa em Ensino de Ciências
, ou seja,estamos interessados no
s métodos pelos quais a pesquisa em
Ensino de Ciênciasdeve ser realizada. Portanto, uma possível definição de Metodologia
da Pesquisa em
Ensino de Ciênciasé:
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 23

Metodologia da Pesquisa em Ensino


de Ciências
, então, é o estudo dos métodos
que nos permitem descobrir novos conhecimentos no Ensino de Ciências, ou
novos conhecimentos sobre como ensinar Ciências.

Essa, talvez, deva ser a primeira lição: não há um único método ou o método certo pelo qual podemos
conhecer algo a respeito do Ensino de Ciências. O que existe são diferentes abordagens para diferentes
problemas. A abordagem que é adequada a uma classe de
roblemas
p pode não ser a mais adequada
para outra classe de problemas. Nosso objetivo é oferecer a você ferramentas variadas, de modo que
você, frente à determinada situação, escolha a mais adequada.

O importante, e o pesquisador deve ter isto sempre em men


te, é o fato de que os métodos de pesquisa
(ou procedimentos de pesquisa) são subordinados ao Referencial Teórico do pesquisador e, portanto,
devem ser coerentes com ele.

2.1 A Estrutura da Pesquisa Científica- O V Epistemológico de Gowin

A pesquisa científica não acontece de forma isolada do contexto social no qual o pesquisador está
inserido. Este contexto é formado pelos aspectos físicos, sociais e históricos da sociedade particular na
qual a pesquisa é realizada. Importante, também, lembrar que a pesquisa
ocorre em um momento no
tempo. Como consequência disto, o pesquisador tem a sua frente questões de pesquisa específicas
oriundas de um modo particular (e histórico) de interagir com o mundo a sua volta. Este conjunto de
elementos presentes na mente do pesq
uisador é chamado de DomínioConceitual da pesquisa. Por
outro lado, ao realizar a pesquisa, o investigador da ciência faz uso de certos métodos, concebidos a
partir de sua visão particular do assunto objeto da pesquisa. Estes
métodos são compostos por
conceitos, formas de construir dados, asserções de valor e asserções de conhecimento. A este conjunto
chamamos de DomínioMetodológico da pesquisa.O V Epistemológico de Gowin
é uma figura na qual
representamos os dois ramos da Pesquisa Científica
(Figura 7), os domínios metodológico e conceitua
l
(MOREIRA, 1990).

No campo educaciona
l, além de nos permitir visualizar a estrutura dos experimentos científicos, V
o
Epistemológico de Gowin
, ou simplesmenteV Epistemológico,é uma ferramenta muito útil em vários
contextos: como auxiliar noplanejamento, como recurso instrucional, como inst
rumento de avaliação
do aluno, como ferramenta auxiliar na análise do material instrucional,
na análise do Currículo7 de um
material instrucional, etc. Por material instrucional entende-se uma aula, um experimento de
laboratório, um livro, um artigo de revista, um programa de computador, um vídeo, etc. A vantagem do
uso do V Epistemológico
, em relação a outras ferramentas de análise, écapacidade
a de síntese que
aquele possui.

7Por currículo entende-se o que pode ser apreendido daquele material instrucional. Nesse sentido, currículo deve ser
diferenciado de uma grade curricular que simplesmente é um conjunto de disciplinas que compõem curso.
um
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 24

A rigor, o V Epistemológiconão traz novidades conceituais em termos da interp


retação da atividade de
pesquisa. A sua grande virtude está na forma comotes
es conceitos são apresentados,
a síntese visual
que possibilita e a maneira lógica como os vários elementos que compõem a pesquisa são identificados.

A base sobre a qual oV Epistemológicose sustenta é a ideiade que a pesquisa é construída sobre uma
rede de significados composta por conceitos, teorias, eventos, questões, transformações de dados,
asserções de valor e significado. O papel do
V Epistemológicoé o de explicitar essescomponentes. Esta
crença, por sua vez, tem sua base na hipótese cognitivista de que o conhecimento é estruturado na
mente dos sujeitos e que ess
a estrutura subsiste por trás do projeto de pesquisa.

Domínio Domínio
Conceitual Questão básica Metodológico

Filosofias (visões de
Domínios em Asserções de
mundo)
interação valor

Teorias Asserções de
conhecimento

Leis Dados

Conceitos Registro

Evento

Figura 7 ȂO V epistemológicode Gowin.

2.1.1 O Domínio Metodológicoe o Domínio Conceitual

A percepção de um evento passa pela estrutura cognitiva de quem percebe. Da mesma forma, o que é
uma questão básica também depende de quai
s conceitos o sujeito traz naquela estrutura. Por exemplo,
considere a seguinte questão:

Quanto tempo uma pedra leva para cair?


Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 25

A formulação desta questão, que parece de uma trivialidade e simplicidade extremas, só foi possível
após o trabalho de Galileu a
Glilei 8 no século XVII e a consequente algebrização da Física iniciada por
ele.

Assim, em toda pesquisa, para que possa haver a compreensão do evento sobre o qual a pesquisa está
interessada, aqui entendida como a identificação do evento estudado, da formu
lação da questão básica
que suscita e as respostas que porventura possa oferecer, há sempre necessidade da mediação da
estrutura conceitual dos sujeitos.

Figura 8 - Duas cadeiras

Para prosseguir, temos que definir o que entendemo


s por um conceito. Em nossa interação com o
mundo percebemos regularidades em objetos e eventos. Dessa observação de regularidades criamos
entidades mentais que são abstrações das propriedades observadas nestas regularidades. Estas
entidades mentais são osconceitos. Por exemplo, tomemos o conceito de cadeira. Mesmo duas cadeiras
completamente diferentes como as mostradas na
Figura 8 são percebidas por nós como sendo objetos
que têm algo em comum e que pertencem à esma
m classe de objetos.Por outro lado, o objeto
mostrado na Figura 9, mesmo tendo características similares às de uma cadeira (assento, encosto, pés,
etc.) é percebido claramente como um objeto que pertence à outr
a classe de objetos, as poltronas.

Figura 9 - Poltrona.

O ser humano tem a capacidade de associar signos (verbais ou não) a conceitos. Ao longo do nosso
desenvolvimento, por volta dos dois anos, já temos capacidade de associar um
signo sonoro a
diferentes objetos e eventos, aprendendo, assim, a linguagem. A partir daí, temos uma associação, que
para os adultos é quase uma identidade, entre a linguagem e os conceitos. Quando pensamos
internamente, operamos sobre os signos linguístic
os em um espaço isomorfo ao dos conceitos. A

8 Físico e Matemático italiano responsável, entre outros, pela matematização da Física e pelo uso do telescópio como
instrumento astronômico com fins científicos.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 26

discussão desse processo foge ao objetivo deste texto. Se você estiver interessado neste assunto,
sugerimos a leitura do texto de Vygotsky(1993).

Tomemos, como exemplo, umexperimento no qual devemos obter aLei de Hooke(veja a Figura 10).
Esta lei estabelece que, dentro de certos limites, a força restauradora
9 em uma mola é proporcional a

sua elongação, definida como a variação do comp


rimento da mola em relação à posição de equilíbrio
(quando nenhuma força age sobre ela).

Elongação

Mola antes da ação da força Mola após a ação da força

Figura 10 - Uma mola que se contrai sob a ação de uma força. Exemplo referente
Leiàde Hooke
.

Para entendermos o que está dito na frase ant


erior é necessário que tenhamos na nossa estrutura
cognitiva os conceitos de mola, força, posição de equilíbrio, comprimento, variação, proporcionalidade
e assim por diante. Ou seja, a interpretação e mesmo o projeto de um experimento que viesse a obter
ou verificar a Lei de Hookesomente seria possível se tivéssemos na nossa mente todos estes conceitos.

Estes conceitos se ligam de forma ordenada e lógica para gerarem asserções que estabelecem como os
entes representados pelos conceitos se relacionam. Atas
es asserções chamamos uma
Lei. Um aspecto
importante de uma Lei é que ela expressa relações de causalidade entre eventos observados. Em geral
a estrutura de uma Lei é:p o q. Sendop e q são duas proposições, a Lei nos diz que
se a primeira
proposição, p, for verdadeira então a segunda proposição,q, também o será10. Um exemplo de Lei é a
Lei de Hookeque enunciamos acima: ela relaciona vários conceitos dizendo como a força restauradora
se comportará sesoubermos qual é a elongação da mola.

As leis, por sua vez, podem ser agrupadas em estruturas mais gerais, formando as Teorias
. Um exemplo
de teoria é a Mecânica Clássica na Física ou a Genética na Biologia ou a Teoria do Átomo na Química. As
Teorias têm um poder de explicaçã
o mais geral que uma Lei e
elas expressam uma síntese de todo um
campo do conhecimento. ALei de Hookeque vimos usando como um exemplo se encaixa dentro da
teoria mais geral da Mecânica Clássica. Enquanto a Lei dá conta de um evento específico, uma Teoria

conta de princípios mais gerais envolvidos em todos os eventos de uma mesma classe.
Lei Ade Hookeé
específica para o evento de uma mola esticada ou comprimida enquanto que as Leis de Newton se

9 Força restauradora é a força que aparece em uma mola quando a esticamos ou comprimi mos fazendo com que uma mola volte
à sua posição de equilíbrio.
10 A este respeito, o trabalho de Toulmin
(2006) discute o conceito de Lei e a visão da Lei a partir da lógica.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 27

aplicam tanto a situações envolvidas na


Lei de Hookecomo em outras situações não contempladas pela
última.

Ainda, em um grau mais geral do que as Teorias, encontramos a Filosofia


11 subjacente a todo material

instrucional ou currículo. Uma Filosofia é um conjunto de ideias que dão um substrato epistemológico
às Teorias. Por exemplo, por trás da Mecânica Newtoniana se encontra a filosofia racionalista que
postula que o Universo é passível de entendimento
pela razão humanae que as leis naturais podem ser
descritas em termos matemáticos.

Estes elementos assim defini


dos constituem o que é chamado deDomínio Conceitual do fazer
científico. Conceitual por envolver aspectos ligados à estrutura de conceitos de quem faz um
experimento em Ciência.

Os conceitos são importantes não só como as peças a partir das quais estrutur
as mais gerais as
( Leis,
as Teorias e as Filosofias) são construídas, mas, também, como elementos guia do processo
experimental em Ciência. Senão vejamos o nosso experimento sobre
Leiade Hooke
. Se fossemos para
um laboratório para obter a relação entrea força restauradora em uma mola e a sua elongação
, como o
faríamos? Bem, o procedimento mais simples é medir a mola em repouso, na horizontal (por quê?) e a
seguir, usando várias massas pequenas, medirmos a elongação da mola quando submetida ao peso das
massas. A partir desse experimento construiríamo
s uma tabela do tipo mostrado noQuadro 1
(resultados fictícios).

Quadro 1- Dados fictícios para um experimento sobre Lei


a de Hooke
.

Massa (g) Elongação observada (cm)

0 0

1 2

2 4

3 6

4 8

5 10

Se traçarmos um gráfico destes dados, colocando no eixo horizontal os valores das massas e, no eixo
vertical, os valores da elongação, obteremos um gráfico semelhante ao mostradoFigura
na 11.

11 Algumas vezes também chamadas de


Visão de Mundo.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 28

Elongação
Massa

Figura 11 ȂGráfico para aLei de Hooke(dados fictícios).

Analisemos, agora, que conceitos estão intervindo nesse processo. O fato de medirmos a elongação (ou
seja, o quanto a mola esticou
em relaçãoà situação na qual a mola não está esticada ou comprimida
)
tem sentido na medida em que tenham sido construídos pelo sujeito os conceitos de medição e de
diferença de comprimento. Sem eles
, é impossível entender o processo. Outro conceito que intervém é
o de força restauradora, que aqui aparece conjugado ao conceito de força. Como se vê, o processo de
medida não é independente do Domínio Conceitual envolvido. Mas vamos adiante. Outro conceito
envolvido, de forma subjacente
, por certo, é o conceito de propo
rcionalidade. Sem ele
, fica impossível
obter a expressão para aLei de Hooke
.

Para que possamos analisar o evento sob estudo e responder à questão básica formulada, qual a
relação funcional entre a elongação e a força restauradora, certas transformaçõesbre
soos dados
brutos obtidos no experimento devem ser feitas. As grandezas que realmente são medidas nesse
experimento são um comprimento (da mola) e uma massa (do contrapeso colocado). Todo o resto
(elongação, peso, tabelas, gráficos) são transformações de
ssesRegistros de Eventos
chamadas deDados.
Portanto, um Dado é o resultado de uma (ou mais) transformação que é feita sobre os
Registros de
Eventos. Exemplos deDados são a tabela e o gráfico que apresentam
os acima.Um ponto importante
que deve ser ressaltado aqui: os
Dados são sempre resultado de um processo de construção mediado
pelos conceitos que o pesquisador tem em sua estrutura cognitiva. Principalmente em Ciências Sociais,
o dado nunca existe indepen
dente da teoria que orienta o trabalho do pesquisador.

A partir dos Dados podemos fazer afirmações a respeito do evento sobre o qual fizemos a nossa
questão básica tentando agora respondê
-la. No nosso exemplo, umaAsserção de Conhecimento
é: a
relação entre a elongaçãox da mola e a força restauradoraF é do tipo12:

F 
kx. (Lei de Hooke
)

Nessa expressão,
k é uma constante que depende da mola somente. Obtemos essa expressão a partir da
forma do gráfico: uma reta13. Essa expressão é a cham
ada Lei de Hooke
. (Pergunta: qual a origem do
sinal negativo que temos na expressão da
Lei de Hooke
?)

O nosso experimento, entretanto, não se esgota na obtenção dessas asserções de conhecimento. Todo
conhecimento, e o científico em particular, deve servir
a algum propósito. Para que serve estudar Lei
a

12 Por simplicidade tomamos a equação escalar.


13 Como sabemos, a expressão de uma reta é dada por b.
y ax 
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 29

de Hooke? Por que devemos gastar preciosos minutos de nossas vidas tentando obtê
-la? A (s) resposta
(s) a esse tipo de pergunta é o que chamamos Asserções
de de Valor
, pois são a
firmações a respeito da
utilidade e da importância, particular ou social, daquele conhecimento obtido. No nosso exemplo,
estudar a Lei de Hookeé importante porque muitos sistemas físicos são bem descritos, dentro de certos
limites, por expressões semelhan
tes à obtida neste experimento. Todas essas informações a respeito
da metodologia da realização do experimento formam Domínio
o Metodológico de um experimento.
Podemos representar ess
es dois domínios (Conceitual e Metodológico) por um
V como naFigura 7.

Proposta de exercício: construa oV Epistemológicopara o experimento daLei de Hooke


.

2.1.2 O uso do V Epistemológico


no Ensino

Como dissemos anteriormente, além de usarmos V


o Epistemológicoem situações de pesquisa
,
podemos usá-lo em várias situações de ensino. A seguir as listaremos e teceremos alguns comentários
a respeito.

1. Planejamento
Uma possível aplicação doV Epistemológicoé durante a fase de planejamento de um curso, de
uma aula expositiva, de um experimento, etc. Nesse momento o professor pode usarVo
Epistemológicocomo uma forma de explicitar relações e esclarecer como os conceitos e leis a
serem ensinados se ligam e explicitar relações de dependência entre as várias partes do
currículo.

Ainda dentro deste domínio, outra aplicação do


V Epistemológicoé como auxiliar na escolha do
livro didático por parte do professor. O V é um excelente instrumento para explicitar a
estrutura do material instrucional contido nos livros sob análisee, a partir daí, decidir qual
livro adotar para aquela turma específica.

2. Instrumento de ensino
Esta é outra aplicação potencial doV Epistemológico
. Como oV traz a informação contida no
currículo do material instrucional em uma forma compacta ele pode ser usado como forma de
apresentar o conteúdo do material instrucional antes ou após o seu desenvolvimento. Uma
aplicação na qual o uso do V se mostra particularmente útil é na análise de experimentos de
laboratório, depois da suarealização, como ferramenta defeedback, propiciando a reflexão por
parte do aluno sobre a atividade experimental desenvolvida.

3. Ferramenta de Avaliação
Relatórios de experimentos de laboratório podemser substituídos pela construção por parte
dos alunos de um V Epistemológicodo experimento por eles realizado; da mesma forma, em
vez de solicitar que os estudantes respondam a um questionário sobre determinado capítulo
de um livro porque não solicitar a construção de umV daquela unidade?
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 30

Enfim, estas são apenas algumas possíveis aplicaçõesVdo


Epistemológicono cotidiano da sala de aula.
Seguramente, o Professor será capaz de imaginar outras aplicações e adaptar
V Epistemológico
o à sua
situação concreta.

Figura 12 ȂFases do trabalho científico.

2.2 Fases do Trabalho Científico

Mais do que falar em método científico, cremos ser melhor falarmos nas fases de um trabalho científico
(veja Figura 12). Antes de fazermos algo em Ciência precisamos ter percepção de que não sabemos
algo. É somente a percepção de nosso desconhecimento que nos permite desenvolver um trabalho
científico. Essa fase é a fase da
formulação do problema com a explicitação daquestão básica de
pesquisa.

Sabendo da necessidade de investigar algo que desconhecemos, passamos à fase


planejamento
de de
nossa investigação. Nessa fase, estudamos os meios de que dispomos para atingir nosso objetivo,
listamos as estratégias a serem seguidasara
p obtermos a solução do problema, estimamos o custo
financeiro das estratégias propostas e o tempo que elas tomarão para serem desenvolvidas. Essa é a
fase de construção doProjeto de Pesquisa .

A terceira fase é a fase daexecução das atividades de pesqu


isa propriamente. Nessa etapa, as
estratégias descritas no Projeto de Pesquisa são desenvolvidas. Normalmente, essa fase é chamada de
Desenvolvimento da Pesquisa .

Por fim, do ponto de vista social, uma atividade de pesquisa somente se justifica se os resul
tados forem
compartilhados com quem financiou a pesquisa. Além dessa razão, há outra muito importante: o
resultado de uma pesquisa somente pode ser aceito se ele for reprodutível. Isso quer dizer que outros
pesquisadores, partindo das mesmas premissas, dev
em ser capazes de obter os mesmos resultados.
Para que isso possa ser feito, os outros pesquisadores precisam saber o que foi feito. É, portanto, uma
obrigação ética do pesquisador a comunicação dos resultados de uma pesquisa em uma forma
compreensível. Es
sa fase é a fase de
Comunicação dos Resultados.

Podemos detalhar um pouco mais as fases da pesquisa científica


(RUNKEL e MC GRATH, 1972)
:
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 31

1. Formular o problema - Para queo investigador possa sersistemático em sua pesquisa


, deve
escolher um problema delimitado dentre todos aqueles problemas gerais do seu campo de
trabalho;

Delineamento
Formulação do
problema Plano Operacional

Trabalho Científico
Conclusões Execução do Plano
Operacional

Relações entre Registros-> Dados


variáveis
Dados-> Variáveis

Figura 13 - Fases do trabalho científico.

2. Delinea r a pesquisa - Como salientado na introdução deste texto, o delineamento é uma das
fases mais importantes da pesquisa. Delinear uma pesquisa consiste em escolher os atores, os
comportamentos e contextos a serem observados, as partições a serem feitas entre eles e as
comparações de que serão objeto as observações. Parte importante do delineamento da
pesquisa é a definição da maneira pela qual os dados serão construídos.

3. Delinear um Plano Operacional - Como pode o pesquisador ser confiante me que


apreenderá algo sobre estas pessoas ou grupos, os quais não serão observados em sua
totalidade? Que coisas existem para serem observadas que podem servir como indicadores de
alguma propriedade intangível? Como pode o pesquisador estar seguro de quequele a
‘’‘”–ƒ‡–‘ ‘„•‡”˜ƒ†‘ ± †‡ ˆƒ–‘ ‘ O Plano ‘’‘”–ƒ‡
Operacional permeia a pesquisa e é o seu norte. Nele devemos estabelecer as etapas, os
cronogramas de execução, fontes de recursos, etc..
. É importante ter em mente o segui
nte: é na
definição do Plano Operacional que as características inerentes aos diferentes delineamentos
da pesquisa (se empírica ou não, se qualitativa ou quantitativa) irão aparecer e deverão ser
traduzidas em ações pelo pesquisador.

4. Executar o Plano Opera cional ȂEsta é a fase na qual as ações definidas no Plano Operacional
serão realizadas

5. Mapear registros em dados Ȃ O registro das vezes nas quais os comportamentos de


diferentes tipos ocorrem e sua posterior manipulação,no processo de construção dosdados,
pode habilitar o investigador a fazer comparações entre conjuntos de observações. Muitas
vezes, em vários delineamentos de pesquisa de tipo qualitativo o próprio registro é o dado,
pois já é resultado de uma transformação da interação do pesquisador com a situação de
pesquisa. Por exemplo, o Diário de Campo, comum a muitas metodologias de pesquisa é um
registro filtrado pela memória do pesquisador, portanto, também é um dado, pois é resultado
de um processo de reconstrução por parte do pesquisador.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 32

6. Mapear dados em variáveis ou categorias - Dados podem acumular -se em uma vasta
coleção. Como pode o investigador simplificar uma grande quantidade de dados em um modo
compreensível e facilmente manipulável?Para isso, o pesquisador precisa construir variáveis.
Nas metodologias de tipo qualitativo, muitas vezes estas variáveis são chamadascategorias.
de
Quer chamemos de categorias ou variáveis, o importante é o processo de sistematização e
redução envolvido. Neste processo, o pesquisador sca bu o que há de geral nos dados
construídos, em um processo de generalização. Esse processo, nas pesquisas de natureza
qualitativa, é usualmente de tipoGeneralização Analítica
. Nele, o pesquisador procurainsights
para a construção de teorias explicativas
do fenômeno social observado.

7. Explorar relações - Quando a frequência de ocorrência de uma característica em uma


população varia concomitantemente com afrequência de ocorrência de outra característica, a
concorrência é chamadarelação. Que tipos de relações são úteis e para quais propósitos?
Deve-se observar que estas relações podem ser de natureza qualitativa ou quantitativa.

8. Tirar conclusões - Que hipóteses poderiam ter sido feitas sobre pessoas ou grupos que
poderiam ser explicações alternativas para soresultados obtidos? Qual a probabilidade de que
os resultados sejam obra do acaso? Que comparações poderiam ainda ser feitas de modo a
aumentar a confiança nos resultados obtidos?Que evidências o pesquisador tem a sua
disposição e como estas evidênciasdão suporte às conclusões que foram tiradas?

Não importa quão objetivamente o pesquisador execute seu estudo e registre


-o para consulta dos
outros pesquisadores, sua escolha de uma questão (ou hipóteses) como guia da pesquisa é sempre, em
uma larga extensão, idiossincrática, arbitrária e pessoal. A escolha inicial de uma questão de pesquisa é
o resultado de uma interação entre quatro fontes de conceitualização. Uma dessas fontes é o conjunto
de ideias já disponíveis na mente do pesquisador. Outra fonte écorpo
o de conhecimento presente na
área da pesquisa. A terceira fonte possível é o mundo real observável de eventos o qual fornece
eiasid
ao pesquisador quando da interação direta entre este mundo e o ser humano que é o pesquisador
14.

Por fim, mas não menosimportante, são as interações sociais às quais o pesquisador está submetido.
Qualquer projeto de pesquisa é formado em alguma extensão por todas estas fontes de
conceitualização.

14Claro que isto não acontece dissociado do que


o pesquisador tem em sua mente.
Somente é possível de ser percebido algo equ
já está na mente do sujeito como conceito.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 33

Capítulo 3. A questão básica de pesquisa

Pesquisamos porque queremos responder algumaergunta


p sobre o mundo percebido por nós. As
origens destas perguntas são as mais diversas: a realidade imediata, a provocação intelectual colocada
pelos resultados de outras pesquisas, discussões com colegas de profissão, acidentes, etc.

3.1 O que é um eventoou fenômeno?

Observamos na natureza que certas ações são executadas. Por exemplo, veja
Figura
a 14.

Figura 14 ȂUma pirâmide.

Como você pode observar é a imagem de uma pirâmide. Esse é o to.


evenAlgo que acontece no mundo
externo e que percebemos conscientemente. Outro exemplo, o brilho de uma estrela, você encontra na
Figura 15.

Figura 15 ȂUma estrela.

Novamente, temos algo queocorre e que percebemos conscientemente. Temos outro evento.

Ao percebermosum evento, este pode despertarnossa curiosidade. Podemos, então, colocar algumas
questões de natureza geral sobre o evento:

1. Como as pirâmides foram construídas?

2. Quem as onstruiu?
c

3. Qual a cor com a qual a estrela brilha?

4. Qual o efeito das queimadas sobre o meio ambiente?

e tantas outras. Essas questões são o que chamamosproblema


de de pesquisa . O problema é colocado
como uma curiosidade que o evento percebido nos loca.
co
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 34

Erroneamente, a maior parte das pessoas pensa que fazer Ciência é apresentar respostas. De fato, a
etapa mais importante é definir um problema e quais perguntas podemos fazer sobre esse problema.
Portanto, o foco de um cientista não é buscar resposta
s, mas sim apresentar boas perguntas.

Tomemos um exemplo.Os agricultores no Centro


-Oeste têm por hábito realizar queimadas durante os
meses de agosto, setembro e outubro, principalmente. Esse é o nosso evento. Sobre o evento podemos
formular o seguinte problema:

Quais os efeitos das queimadas sobre o meio ambiente e o homem?

Sobre esse problema podemos apresentar uma série de perguntas (subproblemas):

1. Ao realizarem queimadas, que substâncias são liberadas para a atmosfera?


2. Como se modifica a composição do
solo após uma queimada?
3. Qual o aumento de produtividade o agricultorobtém após realizar as queimadas?
4. Qual a origem histórica das queimadas?
5. Como se organizam as populações
nas regiões nas quaisas queimadas acontecem?
6. Quais são os danos à saúde que esse
hábito das queimadas provoca?
7. Quais são os mecanismos pelos quais o produto das queimadas atinge o organismo?
8. Quanto tempo o ar leva para recuperar a composição anterior às queimadas?
9. Quanto tempo leva o solo para recuperar a composição de antes das queim
adas?
10. Que tipo de atividade poderia substituir as queimadas?

Claro que, além destas, poderíamos colocar muitas outras questões. Mesmo as que colocamos acima
podem ser refinadas. Por exemplo, a questão 2 poderia ser subdividida em duas outras (pelo menos):

1. Como é modificada a composição físico


-química do solo?
2. Como é modificada a composição biológica do solo?

Enquanto a primeira subquestão diz respeito aos químicos, a segunda diz respeito aos biólogos. Deve
ser observado que afirmar que o hábito da queimada
é danoso ou benéfico ao meio ambiente vai ser
função das respostas que obtivermos às perguntas acima.

Um trabalho científico somente pode ser iniciado se soubermos colocar questões como as que
colocamos sobre as queimadas.

3.2 Problema de pesquisaversus questão básica de pesquisa

Não existe pesquisa sem um problema de pesquisa. Faremos inicialmente a distinção entre problema
de pesquisa (ou situação de pesquisa) e questão
básica de pesquisa (ou, simplesmente, questão
básica). Um problema de pesquisa ou situaç
ão de pesquisa é uma situação sobre aual
q queremos obter
informações.

Nem todo problema, como os apresentados na seção anterior, é um bom começo para uma pesquisa.
Em geral, no nível de formulação de problemas, as questões ainda não são suficientemente
pecíficas
es
para um bom projeto de pesquisa.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 35

Definimos como uma questão básica de pesquisa uma questão formulada sobre o
nosso problema tão específica que contenha dentro dela a maneira como vamos
respondê-la.

Analisemos, por exemplo, a primeira pergunta da


seção anterior:

Como as pirâmides foram construídas?

Uma boa questão básica seria a seguinte:

Qual tipo de pedrafoi usado emsua construção?

Observe que essa questão indica claramente como vou respondê


-la: devo retirar uma ou várias
amostras das pedras dapirâmide e analisá-la para ver o tipo de material das pedras usadas na
construção das pirâmides.

Outro exemplo, ainda sobre a pirâmide, se refere à questão de número 2:

Quem as construiu?

Como as pirâmides estão no Egito


, a primeira ideia que vem à mente é que as pirâmides foram
construídas pelos egípcios. Então uma boa questão básica seria a seguinte:

Os registros históricos indicam que os egípcios


há cinco mil anos tinham a
capacidade de construir monumentos de tal ordem?

Novamente, a questão colocada de


ssa forma aponta para uma estratégia de busca de resposta: vamos
ler os registros históricos sobre o antigo Egito e procurar neles alguma informação sobre a tecnologia
de construção dominada pelos egípcios há cinco mil anos.

Por fim, poderíamos colocar umaquestão básica para aobservação da estrelana seçãoanterior:

Em qual comprimento de onda a estrela emite mais radiação?

Essa questão aponta, do mesmo modo que as anteriores, para a sua solução: tomamos um
espectrômetro e analisamos a luz emitida pela trela.
es

Outro exemplo é o estudo dainflu ência das ações do Homem sobre


as alterações climáticas
. Esteé um
problema de pesquisa ou uma situação de pesquisa. Uma questão
básica de pesquisasão perguntas
pontuais que fazemos sobre o problema ou situação deesquisa.
p Um exemplo de questão básica de
pesquisa é:qual a correlação entre a produção industrial e o degelo na Antártida
? Veja, o problema de
pesquisa é geral e gera muitas questões
básicasde pesquisa. A concatenação de
diferentes pesquisas,
envolvendo várias questõesbásicasde pesquisa, as quais cobrem o problema de pesquisa de maneira
mais ou menos completa é um programa de pesquisa.

A falta desta distinção entre um problema de pesquisa e uma questão básica


de pesquisaé a origem
das angústias de muitos estudantes ao iniciarem seus cursos de pós
-graduação. Muitas vezes
, os
estudantes propõem problemas de pesquisa quando em um curso de Mestrado (e mesmo de
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 36

Doutorado) o estudante tem tempo apenas para abordar uma ou mais questões básicas
de pesquisa.
Uma das principais tarefas de um orientador é levar o estudante a construir uma boa questão básica de
pesquisa. Em grupos de pesquisa, com vários pesquisadores e estudantes (de iniciação científica,
mestrado ou doutorado), normalmente as pesquisas ligadas às
diferentes questões básicas de pesquisa
abordadas pelo grupo dentro de seu programa de pesquisa
são divididas entre seus vários membros.
Assim, seguindo o exemplo dado anteriormente, enquanto um aluno de doutorado investiga a
correlação entre a produção industrial e o degelo da Antártida, outro estuda essa correlação, mas com
o Ártico. Outro ainda pode estudar os efeitos da produção industrial com as taxas de reprodução dos
pinguins.

Uma característica de uma boa questão básica de pesquisa é que dentro dela
temos uma indicação
clara de como vamos respondê
-la. Veja a questão que colocamos mais acima e que repetimos abaixo:

Qual a correlação entre a produção industrial e as taxas de


reprodução dospinguins?

Esta questão aponta claramente a forma como pode ser


respondida: peguemos a produção industrial
do planeta em certo período de tempo (os últimos cinquenta anos, por exemplo) e as taxas de
reprodução dos pinguins no mesmo período e calculemos o coeficiente de correlação entre as duas
variáveis. Caso a correla
ção seja negativa (e perto de um) podemos então afirmar que há indícios de
que o aumento na produção industrial deste período pode ter levado a uma diminuição das taxas de
reprodução entre os pinguins. Se o coeficiente de correlação for próximo de zero, tão
en nossa
conclusão será de que, provavelmente, as taxas de reprodução dos
pinguins não são afetadas para mais
ou para menos pelas taxas de produção industrial. Por fim, se o coeficiente de correlação for positivo e
próximo de um, isto significará que há ndícios
i de que o aumento das taxas de produção industrial
pode influenciar positivamente as taxas de reprodução dos
pinguins15.

Observe que esta metodologia de responder a questão básica de pesquisa não estará presente se
modificarmos ligeiramente a forma como a questão básica for colocada:

Qual o efeito da produção industrialsobre ospinguins?

Agora, não temos mais um indicativo do que fazer. Qual efeito procura
mos: sobre as taxas de
reprodução, como antes? Sobre os hábitos migratórios? Sobre a cor da gem
pela dospinguins? Sobre os
hábitos alimentares dos pinguins? Como você pode vera variedade de questões básicas de pesquisa
subjacentes à questão proposta é ampla. O pesquisador experiente dedica bom tempo da fase inicial da
pesquisana tarefa dedefinir com clareza qual é a verdadeira questão básica de pesquisa
.

Resumindo o que dissemos até agora, ao formular a sua questão básica de pesquisa responda de forma
honesta as seguintes perguntas:

15Discutiremos mais adiante a interpretação correta do coeficiente de correlação e porque não podemos baseados nele atribuir
relação de causalidade entre duas variáveis.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 37

x Há uma pergunta claramente formulada?


x O universo da pesquisa está
claramente delimitado?
x A formulação dapergunta sugere uma maneira derespondê-la?

3.3 A origem da questão básica

Qual a origem das questões básicas?


Ninguém acorda e, em frente ao espelho, diz para si mesmo: vou
responder tal questão básica hoje. A questão sica
bá surge da nossa experiência com o tema. Essa
experiência possui duas fontes básicas:

1. O nosso próprio trabalho de pesquisa, nossa experiência pessoal com o tema;

2. O trabalho dos outros pesquisadores no mesmo campo, divulgado


por meio das
revistas científicas.

Para construir o novo, é necessário que tenhamos um profundo conhecimento sobre o que
já é
conhecido no nosso campo de trabalho. Essa é a razão pela qual, na maior parte dos casos, os trabalhos
acadêmicos começam por uma profunda revisão da bib
liografia sobre o tema de pesquisa (o
problema). Essa revisão tem por objetivo a tomada de posse por parte do pesquisador daquilo que já
foi produzido na área e, naturalmente, indica o que ainda não é conhecido.

Tomemos o nosso exemplo das pirâmides. O nos


so pesquisador colocou a seguinte questão:

Qual o tipo de pedra usada na sua


onstrução
c ?

Vamos supor que outra pessoa já tenha feito essa mesma pergunta e tenha publicado os resultados
dessa pesquisa (nos moldes que descrevemos antes) em alguma revista
e divulgação
d científica. O
nosso pesquisador estaria então perdendo o seu tempo.

A questão básica traz uma proposta de resposta a ela mesma:


hipótese
a . A hipótese é uma verdade
provisória. Fazemos a seguinte pergunta: e se isso for ver
dade quais as conseq
uências?

A ciência moderna se estrutura de maneira dedutiva. Por dedutiva, entendemos o seguinte


procedimento: dado um problema e uma questão básica, fazemos uma afirmação
provisória sobre a
solução do problema. Dessa afirmação retiramo
s consequências. Se as conseq
uências se mostram
verdadeiras então a nossa verdade provisória assume o valor de verdade
permanente provisória.

Esse termo,permanente provisória, indica que tomamos a nossa afirmação como verd
adeira até que
alguma outra evidência a questione. Ou seja, a ciência não assume que algo seja verdadeiro de forma
permanente.

Voltemos ao exemplo da nossa pirâmide. A pergunta básica que nosso pesquisador tinha feito era:

Qual o tipo de pedra usada na sua


construção?
Implícita nessa questão há uma hipótese:a pirâmide é feita de pedra
. Pode parecer óbvio, mas essa é a
ideia que orienta a questão básica. Menos óbvia é a questão que dirige os trabalhos de análise: a técnica
escolhida para testar a pedra da ual
q a pirâmide é feita. Essa pedra pode ser de tipo sedimentar,
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 38

vulcânica, etc. Cada uma exige uma técnica diferente de análise. Ao escolher a técnica de análise
estamos fazendo uma hipótese: a pedra é vulcânica então usarei tal técnica. Se o resultado
negativo,
for
então a nossa verdade provisória (a pedra é vulcânica) não terá sido corroborada e a descartamos.

Um exemplo na área de ciências sociaisoéseguinte: você está estudando pela


Internet em um curso de
Mestrado em Ensino de Ciências. Qual a verdad
e provisória? A resposta é: estudando a distância
podemos aprender tanto quanto em um curso presencial. Ao final desse curso
você saberá se aprendeu
ou não e seu desempenho é equivalente ao de alguém que estudou em um curso presencial. Aí então
poderá dizer se ahipótese é verdadeira ou falsa.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 39

Capítulo 4. Delineamentos de Pesquisa com I ntervenção

Um Delineamento de Pesquisa
é o desenho decomo a pesquisa será executada.nvolve
E a descrição de
como os registros serão coletados e analisados, como os grupos que partic
iparão da pesquisa serão
escolhidos, como os dados serão construídos e analisados
, etc. (veja aFigura 16). Os Delineamentos de
pesquisa podem ser classificados com e sem intervenção. No primeiro caso, Delineamentos
m co
Intervenção, o pesquisador altera o ambiente estudado de alguma maneira e analisa o efeito desta
alteração. No segundo, Delineamentos sem Intervenção, o pesquisador estuda o ambiente sem
modificar ou introduzir nenhum elemento.

Seleção da
amostra ou caso Forma de
População coleta de dados

Delineamento

Cronograma Forma de análise


dos dados

Figura 16 - O delineamento da pesquisa.

Neste capítulo analisaremos os delineamentos com intervenção e no próximo os delineamentos sem


intervenção.

4.1 Diferentes tipos de pesquisa

As pesquisas em Ciências Sociais em geral podem ser classificadas segundo uma


s células
da doQuadro
2. Uma pesquisaé dita empírica quando busca na realidade observável os
registros sobre os quais
tecerá sua análise. Assim,por exemplo, a Observação Participante e a pe
squisa de natureza
fenomenológica são empíricas.

Dizemos que a pesquisaé empírica experimental se houver intervenção de qualquer tipo, com a
intencionalidade de modificar de forma controladacertas condições do me
io no qual a pesquisa está
sendo realizada e observar o resultado
dessa intervenção. O caráterexperimental da pesquisa vem da
característica de intervenção na realidade que se quer estudar
e da intenção do pesquisador de
controlar as variáveis queregem o fenômeno sob análise.

Por outro lado, o caráter quantitativo ou não da pesquisa vem do uso ou não de ferramentas
quantitativas (tipicamente ferramentas da Estatística Inferencial) para análise dos
registros colhidos.
Pesquisasqualitativas têm por característica não usarem estas ferramentas, privilegiando o uso de
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 42

Quantitativa busca, como intencionalidade, a generalizaçãoasdobservações e resultadosobtidos para


um número pequeno de sujeitos para uma populaç
ão inteira. Para isso, faz uso intensivo de Estatística
Inferencial.

No que diz respeito a aspectos metodológicos, a Pesquisa Qualitativa procura utilizar instrumentos que
privilegiem a qualidade da observação, normalmente estudando em profundidade poucos
casos do
evento, tentando identificar o que esses poucos casos têm em comum. Já a Pesquisa Quantitativa
procura estudar em extensão muitos casos do evento procurando padrões generalizáveis. Quando
realizamos pesquisas quantitativas, técnicas de Estatístic
a Inferencial são usadas para estudar o
comportamento de populações16. A pergunta que procuramos responder com esse tipo de pesquisa é a
seguinte: com base nos resultados obtidos com a amostra, qual a probabilidade que temos de que esse
resultado seja válido para a população inteira?

É experimental, pois o
É empírica, pois é
pesquisador tenta
realizada no local em
controlar variáveis
que o evento ocorre

Pesquisa Empírica
Experimental

É com intervenção, pois É quantitativa quando faz


o pesquisador altera as uso de ferramentas da
condições nas quais os É qualitativa quando Estatística Inferencial
indivíduos vivem. utiliza técnicas
interpretativas

Figura 19 - Características da Pesquisa Empírica Experimental.

Na pesquisa qualitativa estamos mais interessados em aspectos qualitativos dos dados do que em
aspectos quantitativos. Este tipo de pesquisa
é usado, principalmente, para analisar questões que não
podem ser mensuradasou para as quais queremos construir um modelo explicativo
. Por exemplo, fica
difícil quantificar a esperança em um novo governo
17. Podemos apenas dizer se as pessoas têm

esperança ou não. Da mesma forma, como quantificar a interpretação de um sonho?


A Figura 18
mostra o espaço da pesquisa. Uma pesquisa pode ser classificada em qualquer um dos quatro
quadrantes deste espaço. O mai usual, con
tudo, é termos pesquisas que ocupam mais de um quadrante
neste espaço.

16 O leitor interessado nos aspectos da pe


squisa quantitativa pode consultar Moreira e Rosa
(2013) .
17 Embora isso seja possível se usarmosuma das técnicas deAnálise de Conteúdodescritas mais adiante.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 43

Ao executarmos uma pesquisaempírica com intervenção, aquele tipo de pesquisa no qual intervimos
sobre o meio e queremos avaliar a extensão do efeito da intervenção, com a intencionalid
ade de
generalizar nossos resultados,devemos nos preocupar com quais fatores podem fazer com que
cheguemos a conclusões incorretas a partir dos dados que obtemos na realidade investigada.
Para
outros tipos de pesquisa, como oEstudo de Caso
e a Fenomenolo
gia, por exemplo, estes vínculos são
menos rígidos ou a intenção de generalização é completamente abandonada
(veja a Figura 19).

Os fatores que podem invalidar nossas conclusões, e que dizem respeito à metodologializada,
uti são
chamados de Fatores de Validade Internada pesquisa. Por outro lado, sempre que pesquisamos uma
situação particular com a intencionalidade degeneralizar os resultados e conclusões que obtemos para
outras situações, generalizando as conclusões
, precisamos analisar os fatores que nos permitem ou não
fazer isso. Esses fatoressão chamados deFatores de Validade Externa
da pesquisa.Analisaremos cada
um deles agora.

4.2 Fatores de Validade Interna

Os fatores que devem ser analisados de modo a atestar


a Validade Interna de uma pesquisa são em
número de oito (CAMPBELL e STANLEY, 1979)
e são mais críticos em pesquisas empíricas de natureza
experimental, quando testamos alguma metodologia ou algum aterial
m instrucional (Figura 19).
Suponha que você realizou uma pesquisa envolvendo um grupo de alunos e uma atividade
diferenciada, chamada de tratamento. Observe que você está buscando analisar o resultado da sua
intervenção para saber se foi positiva, negativa ou
indiferente 18.

4.2.1 Maturação

A maturação diz respeito às modificações que ocorrem nos sujeitos sendo pesquisados simplesmente
porque o tempo passa e eles ficam mais velh
os, com mais experiência ou em um nível cognitivo
diferente. Por maturação, entendemos variações internas
que ocorrem nos respondentes devidas,
simplesmente, à passagem do tempo e são independentes do tratamento que se quer estudar. Essas
são, por exemplo: fome, cansaço, envelhecimento, desenvolvimento cognitivo, desenvolvimento
psicomotor, desenvolvimento afetivo, etc.

Imagine que você esteja querendo estudar o efeito de determinada metodologia de ensino de ciências
ao longo de três anos em crianças entrecinco e oito anos. É claro que os seus resultados serão
mascarados pelo fato de que neste período de tempo as variações cognitivas (passagem do estágio
- pré
operatório para o estágio operatório concreto na descrição piagetiana do desenvolvimento
) são
extremamente importantes. Como saber se os resultados observados são resultado do método
empregado e não conseq
uências do processo de maturação ele mesmo?

18 Estas palavras são perigosas, se não forem bem definidas.


Por positivo, entendemos que o tratamento provocou a
aprendizagem e por negativo quando o tratamento dificultou a aprendizagem. Por outro lado, indiferente entendemos o
tratamento que não influenciou de modo algum a aprendizagem. Naturalmente, a definição
do que seja aprendizagem e sua
detecção é função do referencial teórico escolhido.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 44

4.2.2 História

A História diz respeito ao conjunto de eventos que acontecem


durante o transcorrer da atividade de
pesquisa. Esses eventos podem ser tanto internos ao ambiente
a pesquisa
d como externos.

Suponha que você esteja fazendo um estudo sobre a percepção a respeito da Ciência e como o ensino
de ciências pode afetar esta ercepção
p entre os alunos de uma determinada comunidade. Você aplica
um questionário em um dado instante do ano escolare volta a aplicar o questionário em outro
momento, no início e no final do ano, por exemplo. Entretanto, neste intervalo de tempo foi descoberta
a cura para determinada doença que aflige em particular aquela comunidade. Será que este fato não
alterará a percepção que os alunos apresentam àgunda
se aplicação do questionário?

Este é um exemplo típico de como a hist


ória pode afetar uma pesquis
a. Eventos específicos que
acontecem durante a aplicação do tratamento que se quer investigar,
entre duas coletas de dados
,
podem afetar em larga medida os resultados obtidos.

4.2.3 Testagem

São os efeitos do pré


-teste sobre os resultados do pós-teste. Dependendo do pré
-teste este pode
catalisar algum processo de maturação que afetará os resultados do -teste.
pós Por exemplo, você está
fazendo uma pesquisa sobre a posição dos alunos sobre o uso do tabaco. Você faz uma entrevis
ta na
qual os coloca frente a várias situações
nas quaiso uso do tabaco ocorre. Isto pode levá
-los a refletir
sobre este uso, fato que não aconteceria se a entrevista não tivesse acontecido. Se você em seguida
aplicar uma segunda entrevista os resultados
não serão mais os mesmos em relação a uma situação
na
qual a primeira entrevista não tivesse acontecido.

Testagem
História Regressão

Validade Interna Instrumentação


Interação entre
múltiplos fatores

Mortalidade
Maturação
Seleção

Figura 20 - Fatores que afetam a validade interna de uma pesquisa empírica experimental.

4.2.4 Instrumentação

Uma medida posterior pode variar de uma medida anterior pela variação do instrumento de medida
e/ou das condições nas quais o primeiro teste foi aplicado. Exemplo clássico: você aplica dois testes
sem verificar se eles realmente estão
medindo a mesma coisa.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 45

4.2.5 Seleção

Se os sujeitos são distribuídos em diferentes grupos de qualquer modo que não o aleatório, resultarão
diferenças sistemáticas entre os grupos que podem ter efeitos no desempenho
19.

Por exemplo, você está fazendo uma pesquisa sobre a percepção que os sujeitos de dada comunidade
têm sobre a AIDS. Para isto
, você seleciona para uma entrevista vários indivíduos que tiveram pessoas
de suas relações contaminadas pelo vírus. É claro que a percepção
destas pessoas será totalmente
diferente da percepção das pessoas que não foram diretamente afetadas pela doença e os resultados da
pesquisa serão mascarados por este fator.

4.2.6 Mortalidade

Perdas de respondentes entreos grupos sendo comparados é outra fonte de não validade interna. Se
alguns dos sujeitos analisados na primeira medida saem do experimento antes da medida final, as
características dos grupos não mais serão as mesmas e estas diferenças podem ter efeitos
retos
di no
desempenho final.

Imagine uma pesquisana qual você esteja interessado em analisar a percepção sobre o futebol no Rio
Grande do Sul. Para isto você seleciona um número de torcedores composto metade a metade por
gremistas e colorados, para duas ent
revistas, separadas no tempo portrês meses. No entanto, como o
Internacional foi desclassificado no meio do campeonato, os colorados se desinteressam de
comparecer a uma segunda entrevista. Neste caso, o não comparecimento dos colorados alterará as
conclusões a que você poderá chegar somente contando com os gremistas.

4.2.7 Regressão

Se um grupo de sujeitos é selecionado a partir de seu desempenho em uma dada medida, as


imperfeições daquela medida podem produzir um desloca
mento sistemático para a média quando os
escores são tomados após aquela mesma medida. Este é um efeito estatístico e pode se manifestar, por
exemplo, na situaçãona qual um grupo de alunos passa por um tratamento especial por ter ido mal em
uma prova. A média do grupo assim formado apresenta uma tendência de se deslocar para o valor
médio do grupo original.

4.2.8 Efeitos de interação entre os vários fatores

Qualquer um dos fatores acima mencionados pode interagir com o tratamento experimental e produzir
efeitos que mascaram o real efeito do tratamento. Por exemplo, a pré
-testagem pode sensibilizar o
sujeito somente quando for seguida pelo tratamentoX. Ou os tipos de sujeitos que abandonam o
estudo (mortalidade) podem diferir entre o grupo recebendo o tratamentoe o grupo que não recebe o
tratamento X.

19 Sobre a questão da aleatoriedade veja


(MOREIRA e ROSA, 2013)
.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 46

A Figura 20 mostra os fatores que afetam a validade interna de pesquisas empíricas experimentais.

4.3 Fatores de Validade Externa

Como dissemos, os fatores de validade externa dizem


respeito ao grau de generalização dos resultados
obtidos durante a pesquisa. Em pesquisas não experimentais (normalmente associadas com
metodologias qualitativas) esses fatores não são críticos, pois os resultados obtidos a partir desse tipo
de pesquisa são de difícil generalização ou, como já dissemos, a generalização é descartada
a priori.

A extensão e o modo pelo qual os resultados de um experimento podem ser generalizados a diferentes
sujeitos, condições, experimentadores e, possivelmente, testes é mada
cha de validade externa do
experimento. Podemos relacionar os pontos de estrangulamento que restringem a validade de um
experimento às condições nas quais o experimento se realizou. Estes pontos de estrangulamento
da
validade externa de um experimento podem ser agrupados em duas classes:
validade de população e
validade ecológica. Estas duas classes são bastante gerais. Passaremos agora a analisar cada uma
delas.

4.3.1 Validade de População

Falamos de Validade de População quando lidamos com fatores ligados à generalização dos
resultados a populações de sujeitos das quais a amostra foi retirada
:

Que tipo de sujeito pode ser esperado comportar


-se do mesmo modo como o fez a
amostra experimental?

População experimentalmente acessível vs. população alvo

A generalização, a partir dos resultados obtidos pelo experimentador para a parte


da população de
sujeitos que é disponível aopesquisador (a população acessível)
, para uma população de sujeitos sobre
a qual ele está interessado (a população alvo) exige um conhecimento detalhado das características de
ambas. Os resultados de um experimento podem aplicar
-se somente para aqueles tipos especiais de
pessoas das quais os sujeitos pertenc
entes ao grupo experimental foram selecionados e não a uma
população qualquer.

Interação de variáveis pessoais e efeitos do tratamento

Se a superioridade de um tratamento experimental sobre outro puder ser revertida quando sujeitos
em diferentes níveis dealguma variável descritiva forem expostos ao tratamento, então existe uma
interação dos efeitos do tratamento com variáveis de caráter pessoal.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 47

4.3.2 Validade Ecológica

Este tipo de validade lida com variáveis ligadas ao ambiente do experimento. Sobre quais
ondições,
c
isto é, parâmetros, tratamentos, experimentadores, variáveis dependentes, etc., podem os mesmos
resultados ser esperados?

Descrição explícita da variável independente

A generalização e repetição do experimento e seus resultados pressupõe um conhe


cimento completo
de todos os aspectos do tratamento e condições experimentais.

Interferência de múltiplos tratamentos

Quando dois ou mais tratamentos são administrados consecutivamente às mesmas pessoas dentro do
mesmo ou de diferentes estudos, é difícil,se não mesmo impossível algumas vezes, identificar as
causas dos resultados experimentais ou generalizar os resultados a condições nas quais somente um
dos tratamentos está presente.

Interação sujeito - experimento (EfeitoHawthorne)

O comportamento do sujeito pode ser influenciado parcialmente por sua percepção do experimento e
de como ele poderia responder aos estímulos experimentais. Sua consciência de participação em um
experimento pode precipitar comportamentos os quais não ocorreriam em condições não
percebidas
como experimentais.

Fatores novidade e mudança

Os resultados experimentais podem ser devidos


, parcialmente, à quebra da rotina ouao entusiasmo
gerado pela novidade do tratamento. O efeito de algum programa novo em condições
nas quais
variações são comuns pode ser muito diferente do efeito em condições
nas quais muito poucas
variações são experimentadas.

Influência do experimentador

O comportamento dos sujeitos pode ser influenciado não intencionalmente por certas características
ou comportamentos do experimentador. As expectativas do experimentador podem também
influenciar a aplicação do tratamento e as observações do comportamento dos sujeitos.

Sensibilização devido ao pré


-teste

Quando um pré-teste foi administrado, os resultados experimentais odem


p parcialmente ser resultado
da sensibilização ao conteúdo do tratamento. Os resultados do experimento podem não ser aplicáveis a
um segundo grupo de sujeitos que não foram pré
-testados.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 48

Sensibilização devido ao pós


-teste

Efeitos do tratamento podem serlatentes ou incompletos e aparecer somente quando um teste pós
-
experimental for aplicado. O pós
-teste pode clarear alguns pontos.

Interação entre História e Tratamento

Os resultados podem ser unicamente devidos a eventos estranhos ao tratamento que ocorre
ram
paralelamente à aplicação do mesmo.

Medidas da variável dependente

A generalização dos resultados depende da clara identificação das variáveis dependentes e da seleção
dos instrumentos para medir estas variáveis.

Interação entre o tempo de medida e oratamento


t

Medidas da variável dependente em dois instantes de tempo diferentes podem produzir resultados
diferentes. Certo efeito do tratamento observado imediatamente após sua aplicação pode não ser
observado algum tempo depois, e vice
-versa.

Interação entre a seleção e o tratamento

Se estivéssemos conduzindo um experimento dentro de uma escola específica, usando distribuição


aleatória dos sujeitos entre os grupos experimental e de controle, poderíamos não nos preocupar
muito com o efeito principal: a própria escola. Se, por outro lado, existissem características da escola
que influenciassem o tratamento experimental de modo que esse fosse mais ou menos efetivo do que o
seria quando aplicado em outra população alvo pertencente a outra escola, isto poderia
er sum
problema sério para a generalização dos resultados obtidos.

Interação entre a instrumentação e o tratamento

São aqueles efeitos associados à influência da instrumentação de medida sobre os resultados do


tratamento. Por exemplo, a análise de uma entre
vista clínica sabendo se o sujeito era do grupo
experimental ou de controle.

Interações estatísticas

Interações estatísticas não são aquelas entre indivíduos ou grupos, mas são aquelas entre variáveis
independentes. Questões sobre a generalidade dos result
ados podem ser vistas como questões sobre os
efeitos de interação
. Por exemplo, a presença de interação entre o tratamento (isto é, a variável
independente primária) e o que opesquisador espera como resultado do tratamento é evidência de
falta de possibilidade de generalização do estudo. Validade externa exige a ausência de interações
entre a principal variável independente do estudo e as condições de pesquisa na variável dependente.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 49

Para uma interpretação mais fácil, gráficos são muitas vezes traçados aparmostrar efeitos de
interação. Neste tipo de gráfico, a variável dependente é traçada no eixo vertical. Uma das variáveis
independentes (notas, por exemplo) é traçada no eixo horizontal. Os escores médios de ambos os
grupos são então traçados, deste modo
obtendo-se duas linhas.

Linhas paralelas indicam uma diferença constante e falta de interação. Interações são medidas em
diferenças Ȃpor linhas não paralelasȂe não por se alguma diferença é para mais ou para menos.
Naturalmente, se linhas se cruzam deveexistir interação presente na amostra dos dados sendo
mostrados, mas cruzamento de linhas não é requerido para que haja interação, basta que
sejam não
paralelas.

Raramente estamos interessados em um grupo particular de sujeitos: queremos generalizar nosso


s
resultados para populações reais ou hipotéticas. Testes de significância de interações -nos
dão uma
estimativa da probabilidade de que nossos resultados, tais como o não paralelismo das linhas em nossa
amostra de dados, reflitam o resultado da populaçãoomo
c um todo. Isto é, a tradicionalhipótese nula
é a de que não haja interação entre as populações, e a questão é se a interação que obtivermos em
nossa amostra é pequena o suficiente para ser consistente com essa hipótese nula. A análise da
variância é oteste mais comumente usado para verificar a significância estatística da interação
.

Problema: Suponhamos que os escores mostrados Tabela


na 1 para o pós-teste, fossem obtidos em um
experimento com estudantes dos sextoao oitavo ano. O mesmo tratamento foi aplicado aos grupos
experimentais nos três anos.

Tabela 1 - Tabela de escores médios em três turmas do ensino fundamental.

Série Grupo Experimental Grupo de Controle

Sexto ano 67,7 29,1

Sétimo ano 48,0 24,9

Oitavo ano 45,6 28,1

A questão a ser respondida é: houve ou não interação estatística? Sugestão: representar graficamente
estes dados, colocando as séries em um eixo e as médias em outro. Linhas paralelas indicarão ausência
de interação estatística e aslinhas não paralelasevidenciarão a existência de interação estatística.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 50

70

65

60 Grupo Experimental
Grupo de Controle
55

Escores 50

45

40

35

30

25

6,0 6,5 7,0 7,5 8,0

Ano

Figura 21 ȂExemplo de gráfico de interação estatística.

Novamente, sugerimos ao leitor interessado neste tipo de pesquisa mais qua


ntitativa a consulta à obra
Moreira e Rosa(2013).
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 51

Capítulo 5. Delineamentos de pesquisa sem intervenção

Os Delineamentosde pesquisasem intervençãosão os mais diversos, não sendo correto dizer


-se que
existe o Delineamento de pesquisa sem intervenção. Exploraremos aqui apenas as características de
alguns deles, os mais usados na área de Ensinode Ciências. Deste modo, algu
ns Delineamentos de
pesquisa importantes em outros ramos das Ciências Sociais não serão abordad
os como, por exemplo,a
PesquisaEtnográfica, bastante usada na Antropologia.

Aqui, nos deteremos nos d


elineamentosde pesquisasem intervençãomais utilizados:

1. Análise Documental;
2. Observação Direta;
3. Estudo de Caso
;
4. Observação Participante;
5. Pesquisa Participante;
6. Pesquisa Ação
;
7. Grupos Focais.

Normalmente, os registros coletados pelo pesquisador que faz uso deste tipo de delineamento
são
obtidos por Instrumentos de Coleta de Registrospropícios para serem associados aTécnicas de
Análise de Dadosqualitativas. Convêm, neste momento, separar estes dois conceitos. sOInstrumentos
de Coleta deRegistros são as ferramentas que utilizamos para coletar registros sobre a realidade
estudada. As Técnicas de Análise de Registros são as ferramentas que utilizamos para extrair
informações dosregistros coletados, transformando-os em dadosque nos permitirão construir nossos
juízos de conhecimento.

Os Instrumentos de Coleta de
Registros mais utilizados nas pesquisas de caráter qualitativo em Ensino
são:

1. Questionários;
2. Entrevistas;
3. Opinários;
4. Caderno deCampo;
5. Testemunhos de Vida;
6. Testes;
7. Filmagens.

Dentre as Técnicas de Análise de


Registros, a Análise de ConteúdoCategorial é das mais utilizadas.
Analisaremos neste capítuloos diferentes Delineamentosde PesquisaSem Intervenção, deixando para
o próximo a descrição dos Instrumentos de Coleta de
Registros e, em outro,das Técnicas de Análise de
Registros. Mas, primeiro, vamos analisar as características deuma pesquisa qualitativa sem
intervenção.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 52

5.1 Características da PesquisaQualitativa sem intervenção

Este tipo de pesquisa se caracteriza por ser de natureza interpretativa. O pesquisador deve interpretar
os registros obtidos a partir da pesquisa tendo comobase a sua matriz culturale seu referencial
teórico. Para isso, neste tipo de pesquisa, o pesquisador devearest
imerso no universo estudado.

SegundoPatton (1980) e Glazier (1992),apud Dias (2011), os registros em pesquisas qualitativas são
obtidos a partir de:

x Descrições detalhadas de fenômenos, comportamentos;


x Citações diretas de pessoas sobre suas experiências;
x Trechos de documentos, registros, correspondências;
x Gravações ou transcrições de entrevistasDiscurso
e s;
x Dados com maior riqueza de detalhes e profundidade;
x Interações entre indivíduos, grupos e organizações.

Um aspecto fundamental de todas as metodologias de pesquisa qualitativa


sem intervenção é a
intencionalidade de estudar os sujeitos em estado natural
, ou seja, opesquisador não retira os
indivíduos estudados de seu contexto,tampouco o altera, uma vez que o contexto determina as
atitudes e respostas dos sujeitos
20.

Este é um ponto sobre o qual devemos nos deter mais. Vemos muitos trabalhos serem chamad
os por
seus autores como trabalhos qualitativos apenas porque usam
Análise de ConteúdoCategorial, por
exemplo, como ferramenta de análise dos dados. Usam este termo como sinônimo de delineamentos
•‡‹–‡”˜‡­ ‘ǡˆ—‰‹†‘†ƒDzƒŽ
quando de fato
—Šƒdz†‡’‡•“—‹•ƒ‡’
fazem uma intervenção no
ambiente, o modificando em relação ao seu estado natural. Esquecem, por vezes, que a simples
presença do pesquisador já é uma intervenção e o simples fato de os sujeitos saberem que estão sendo
observados modifica seus comportamentos. Devemos insistir na diferenciação entre um delineamento
empírico, no qual o pesquisador observa a realidade
in loco, o qual pode ser um delineamento de tipo
experimental com intervenção, empírico não experimental com intervenção, um del
ineamento
empírico não experimental sem intervenção e delineamentos
não empíricos (sem intervenção alguma,
portanto, não podem ser e
xperimentais). É sobre este
s último s tipos que nos deteremos aqui, nos
delineamentos sem intervenção, empíricos ou não.
Em todos os casos listados, o que torna a pesquisa
qualitativa ou quantitativa é como os dados são construídos e analisados.

5.2 Análise Documental

Nesse tipo de pesquisa, buscamos em documentos as informações que necessitamos.


Embora não seja
uma forma de pesquisa empírica, nosso foco neste texto, a Análise Documental é importante como
técnica de pesquisa,e nos interessa particularmentepor duas razões:

20 Naturalmente que a questão da alteração do estado natural pela simples prese


nça do pesquisador está sempre presente.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 53

x Este tipo de pesquisa pode ser um fim em si mesmo; e,


x Esse tipo de pesquisa é, normalmente, a etapa inicial uma
de pesquisa empírica.

No primeiro caso, é utilizada como ferramenta de coleta de registros para um trabalho de pesquisa
baseado na interpretação de documentos.oNsegundo caso, a análise documental é utilizada para que o
pesquisador tenha noção do estad
o da arte no seu campo de pesquisa: o que já foi realizado? Quais os
principais resultados que já foram obtidos por outros pesquisadores? Que metodologias já foram
utilizadas para estudar este assunto? Etc.

É uma pesquisa baseada em


Textos administrativos: documentos.
memorandos, ofícios, relatórios,
etc.

Relatos de
Textos legais: leis, decretos, observadores
instruções normativas, etc.
Fontes Fontes
primárias secundárias
Textos produzidos pelos sujeitos
da pesquisa: cartas, diários, Comentadores
manifestos, etc.

Livros, artigos científicos, anais


de encontros científicos,
comunicações privadas.

Figura 22 ȂVisão esquemática da Análise Documental.

Podemos dividir esse tipo de pesquisa em dois grupos (vejaFigura


a 22):

1. Pesquisa em fontes primárias

Documentos primários são os documentos produzidos ao lon


go do processo que se quer estudar pelos
participantes dos eventos.

Exemplo: uma pesquisa em que queremos saber quais foram as políticas públicas
em relação à Educação a Distância nos últimos 100 anos. Nesse caso, fontes
primárias seriam documentos do Min
istério da Educação que tratem do assunto,
leis publicadas no período (Lei de Diretrizes e Bases da Educação, por exemplo),
transcrições de debates no Congresso Nacional, cartas trocadas entre gestores
da educação no país que tratem do tema, etc.

2. Pesqui
sas em fontes secundárias

Fontes secundárias são aquelas que comentam, citam, informam sobre o conteúdo das fontes
primárias.

Exemplo: em uma pesquisa sobre a delinquência juvenil na escola a tese de


doutorado de alguém que es
tudou o problema pode ser uma fonte secundária
sobre o tema.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 54

Naturalmente que, em pesquisas documentais, a preferência deve ser dada às fontes primárias. Certa
vez, perguntado sobre o que alguém deveria ler para entender Shakespeare, Mário Quintana
21

respondeu simplesmente: leia Shakespeare!

A metodologia da pesquisa documental envolve quatro momentos:

1. Definição das palavras -chave

Escolha um conjunto de palavras


-chave. Este conjunto deve ser composto por palavras do
campo de interesse da pesquisa. Use de
inte
v a trinta palavras ou expressões. Caso este
número se mostre inadequado, o altere. Estas palavras ou expressões irão orientar o
processo de seleção dos documentos que comporãocorpus
o da pesquisa.

2. Definição do e scopo

Defina a priori o escopo da pesqui


sa, ou seja, responda às seguintes questões
:

x Que tipo de documento será buscado?


x Qual o intervalo de tempo será pesquisado?
x Quais fontes dos documentos serão pesquisadas?
x Quais campos dos documentos serão analisados em busca das palavras
-
chave?
3. Seleção do corpus

Tendo definido as palavras-chave e o escopo da pesquisa documental, colete os


documentos que atendam a esses critérios. Por exemplo, se você selecionou os campos
Título e Resumode artigos científicos em um conjunto de revistas sobre o Ensino de
Física, busque nas revistas selecionadas todos os artigos que atendam seu critério de
busca. Nesta fase, os artigos não são lidos, apenas lemos os campos previamente
selecionados na etapa dois.

4. Análise

Esta é a fase na qual lemos os documentos coletadosbuscamos


e as informações
desejadas. Você usará aqui uma das ferramentas de análise de registros que
descreveremos mais adiante. O processo de análise passa pelo fichamento dos textos
coletados (elaboração de fichas de leitura para cada um dos documentosletados).
co

Um instrumento bastante útil para a pesquisa documental é a ficha de leitura


. Antigamente, aficha de
leitura consistia de um cartão no qualos dados bibliográficos relevantes(autor, nome do livro ou título
do trabalho, data de publicação, etc.) e as ideias principais para futura referência
eram anotados.
Entretanto, nos tempos mode
rnos, isto não se justifica mais.

21 Poeta gaúcho (1906Ȃ1994).


Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 55

Embora o termo fichamento remeta à ficha de leitura (papel), nos dias de hoje
não se justifica mais este
tipo de suporte para esta tarefa. Use um banco de
dados (como os normalmente encontrados em pacotes para escritório) para
criar suas fichas de leitura. A vantagem de usar esta ferramenta é a
possibilidade de recuperar rapidamente a informação por meio da
usca
b por
palavras-chave.

É muito importante nesse tipo de pesquisa a anotação sistemática de tudo que for relevante para o

.
trabalho. Não confie na sua memória para guardar esse tipo de informação

Uma boa ficha de leituradeve conter os seguintes elementos do texto:

¾ Título do documento;
¾ Autores do documento;
¾ Local de publicação do documento (quem publicou, meio de divulgação, dados do meio de
divulgação, etc.);
¾ Data de publicação do documento;
¾ Resumo do documento: as
sunto sobre o qualtrata o documento, hipóteses de trabalho,
modelo utilizado, metodologia do trabalho, principais conclusões do trabalho;
¾ Sua opinião sobre o trabalho e de como este trabalho se relaciona com seu próprio
trabalho e com outros que foram ana
lisados.

Podemos indexar as fichas de várias maneiras.


Hoje, com os bancos de dados relacionais
, podemos
criar índices que cubram as quatro categorias abaixo, a busca sendo feita pelo próprio banco de dados.
Deste modo, as categorizações
a seguir indicam mais a forma como vamos buscar a informação no
banco de dados do que propriamente do processo de catalogação
.

1. Por autor - nesse caso teremos uma ficha para cada autor. Desse modo, todas as referências
a um determinado autor estarão em uma mesma ficha. Essa forma é bastante útil quando
estamos estudando vários autores. Por exemplo, em um trabalho no qual analisamos as
concepções sobre o papel do professor que aparecem nos trabalhos dos cognitivistas, teríamos
uma ficha para Piaget, outra para Vygotsky, outra para Wallon, etc.

2. Por assunto- indexamos por assunto, colocando em uma mesma ficha todas as referências
ao assunto tratado. Essa é a forma mais adequada em trabalhos que envolvam vários temas.
Assim, por exemplo, em um trabalho sobre as várias escolas psicológicas (cognitivismo,
comportamentalismo, humanismo, etc.) e sua influência na concepção de educação à distância
teríamos uma ficha para o cognitivismo, outra para o comportamentalismo e assim por diante.

3. Por data - o índice de entrada nesse caso é a data de publicação do assunto. Em um trabalho
no qual analisamos o papel da imprensa como formadora de opinião sobre determinado tema
podemos organizar por ano as nossas anotações.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 56

4. Por obra - nesse caso temosuma ficha por obra consultada. Essa não é a melhor forma de
fazer análise documental, as formas anteriores sendo melhores. No entanto, essa forma de
ficha de leitura é das mais difundidas.

Tipos de relatos

Sintética:
Crônica: relatamos
analisamos por
quem fez o que.
assunto.

Mais simples e Visão sistêmica do


mais rápida. assunto.

Figura 23 ȂNatureza dos relatos da Anál


ise Documental.

Hoje em dia, as pesquisas


em fontes na Internet são bastante comuns
. Ao mesmo tempo estas fontes
são efêmeras. Nãose esqueça deanotar na ficha de leitura a data em que a página foi acessada.

Você deve observar que uma ficha de leitura bem


escrita fornece a base do texto que você vai
produzir
sobre o assunto. Além disso, quanto mais completas forem as fichas de leitura, mais fácil ficará
escrever o capítulo de revisão da bibliografia do seu trabalho.

A análise documentaltermina, normalmente, pela construção de um texto no qual relatamosa revisão


que foi feita. Tendo por base as fichas de leitura elaboradas, podemos construir o texto de revisão de
duas maneiras: Crônica ou Síntese. Na primeira , tipo Crônica, descrevemos quem fez o quê. Neste tipo
de texto, descrevemos o que cada um dos trabalhos analisados produziu: qual pergunta respondeu,
qual metodologia usou, quais resultados obteve e assim por diante
. Indexações por autor, obra ou data
são as mais utilizadas quando qu
eremos fazer este tipo de revisão
. No segundo tipo de análise, tipo
Síntese, procuramos sintetizar resultados semelhantes obtidos em diferentes trabalhos, apontando
similaridades e divergências entre eles. Aqui, queremos construir umasão
vi geral sobre o campo de
estudo. Neste caso, a indexação por assunto é a que deve ser utilizada.
O texto tipo Crônica é mais
simples e fácil de produzir do que o texto tipoSíntese. Contudo, este último torna a leitura mais
agradável e nos dá umconhecimento mais sistemático sobre o assunto. A Figura 23 mostra
esquematicamente estes dois tipos de relatos.

Um último comentário:

O texto de revisão deve ser seu. Transcreva o mínimo possível dos textos que você
consultou.Leia-os, reflita sobre eles e descreva o que eles obtiveram
.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 57

5.3 Observação direta

A Observação Direta se caracteriza pela presença do observador no ambiente do grupo estudado sem
que haja por parte dele uma proposta de intervenção. Na Observação Direta esquisador
op é alguém
externo ao grupo pesquisado (o que diferencia esta metodologia da
Observação Participante
) 22. O
pesquisador está ali somente para coletar dados em tempo real, enquanto os processos de interesse se
desenvolvem dentro do grupo.

Bastante usada em pesquisas de campo, esse tipo de pesquisa exige que o observador permaneça junto
ao grupo observado. Naturalmente, esse
delineamento pode apresentar vieses nos resultados obtidos,
pois nunca se sabe se a presença do observador alterou ou não o compo
rtamento observado.Devemos
ressaltar que aObservação Diretapode ser feita também se usarmos meios eletrônicos. Por exemplo, se
filmamos o comportamento a ser estudado.

Sua metodologia de trabalho é bastante parecida com a Estudo


do de Caso
. Por essa ra
zão, deixaremos
para descrevê-la quando estudarmos o Delineamento tipoEstudo de Caso
.

Um exemplo desse tipo de pesquisa éobservação


a dos comportamentos no
horário da recreação, em ma
u pesquisana qual estudamos o comportamento
afetivo de jovens em escol
as de periferia.

Um pressuposto daObservação Direta± ƒ Dz‘„Œ‡–‹˜‹†ƒ†‡dz †‘ ‘„•‡”˜ƒ†‘”Ǥ


Dz‘„Œ‡–‹˜‹†ƒ†‡dz±’‘••À˜‡Žǫ
Isto nos leva a discutir o Positivismo e sua influência nas Ciências Sociais.

5.4 Intermezzo Ȃ O Positivismo e sua influência nas ciências físicas e a


pesquisa empírica

A metodologia de pesquisaempírica das ciências exatasfoi transposta sem alterações para o campo
das Ciências Sociais
durante o final do século XIX e início do século XX. Esta metodologia de pesquisa
levou para o campo das Ciências Sociais abordagem
a das Ciências Exatas de encarar o sujeito da
pesquisa (pesquisador) e o objeto da pesquisa (pesquisado) como entes separados e não dependentes
um do outro. O olhar do observador deve
ria ser objetivo, não interferindo no comportamento do ente
observado. Ideologicamente, esta postura nega o caráter político
Ȃideológico da pesquisa e, com isso, a
possibilidade de transformação social.

O cientista duro não vê, normalmente, qualquer tipo de viés ideológico no seu traba
lho rotineiro. Para
ele, se houver algum traço ideológico cercando seu trabalho, esse é relacionado ao uso que será feito de
sua descoberta. É comum ouvirmos de físicos, por exemplo, a metáfora da faca:
o erro não está em
produzir a faca, que pode ser usad
a tanto para cortar o pão ou para matar uma pessoa, mas sim no uso
que osoutros fazem dela.Ou seja, nas ciências exatas foi construído o mito de neutralidade científica:
ƒ„‡ ƒ‘ ‹‡–‹•–ƒ ’‡•“—‹•ƒ” ‘ “—‡ Dz“—‹•‡”dzǡ
s usos de suas ‘ †‡˜‡
descobertas. O cientista, usualmente, não questiona a razão de os problemas de pesquisa serem o que

Aqui devemos chamar a atenção que usamos uma terminologia diferente da de outros textos de Metodologia da Pesquisa
22

Qualitativa (BOGDAN e BIKLEN, 1991)


: o que chamamos de Observação Direta, para eles é Observação Participante.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 58

são e, tampouco,o porquê de as agências de financiamento lançarem editais apoiando certas áreas e
não outras.

Ao longo do final do século XX


, estes aspectos foram questionados e surgiram novas concepções do que
viria a ser a metodologia da pesquisa em Ciências Sociais. Para entendermos o que vem a ser essa nova
maneira de fazer pesquisa em Ciências Sociais, precisamos ter em mente quais osssupostos
pre
(ideológicos, principalmente) da pesquisa empírica.

Evolução da
Humanidade

Fase
Fase Teológica: científica:
Fase Metafísica:

Busca relações
Fase do mito e Foco na causa entre eventos.
da religião. dos eventos,
filosófica.

Figura 24 ȂA evolução da humanidade segundo o Positivismo.

5.4.1 O Positivismo e sua influência nas ciências físicas

O Positivismo surgiu no século XIX por meio de Augusteomte


C (1798 Ȃ1857) como uma filosofia
capaz de dar suporte teórico à dominação das camadas mais desfavorecidas economicamente pela
burguesia industrial já estruturada e o capitalismo.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 59

Ordem
mantida
Fase Ordem
científica Social
Propriedade Privada
se justifica
Comandada

Homem de Estado Distribuição


Ciência organiza Faz a de riqueza
racional

Figura 25 ȂA fase científica da evolução daumanidade.


h

Para Comte, a Humanidade evolui em três etapas ou fases. A primeira fase é a fase
Teológica . Nesta
fase, as explicações para as observações feitas pelo Homem são de caráter teológico. É a fase do mito e
da religião. A segun
da fase é aMetafísica , na qual as explicações para estas mesmas observações
assumem caráter filosófico, sendo dada ênfase à explicação das
causasdos eventos.

Ciência
Positiva

Análise Controle
Sociologia
Positiva

Ver para prever!


Estática Dinâmica

Ordem Processo dentro da


ordem

Figura 26 - A Ciência Positiva.

A terceira faseda evolução é aCientífica . Neste período, as explicações são de caráter científico, com a
ciência buscando uma explicação não das causas
, mas dasrelaçõesentre dois eventos. Para Comte, na
fase científica o poder político deve ser xercido
e pelo sábio (definido como Homem de Ciência) cuja
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 60

função é organizar o Estado e distribuir a riqueza para as classes menos favorecidas, porém
sem alterar
a ordem vigente. Este pensamento leva a uma visão hierarquizada e elitizada do todo social. A
propriedade privada e a posse da riqueza por parte de alguns é vista como apenas um momento
histórico do fluxo da riqueza, que deve voltar ao todo social com o passar do tempo
23.

A obtenção de uma sociedade positiva, entretanto, primeiro deve passar pela ação
cri do Homem
Positivo, por meio de uma reforma intelectual do Homem, o que levaria a uma reformulação da
sociedade. Este desígnio leva Comte a criarReligião
a da Humanidade .

Dentro deste quadro, a ciência é vista como strumento


in de análise e controle, tanto do mundo físico
como do meio social.Ver para prever é o lema positivista. O cientista positivo é aquele qu
e se mantém
alheio ao processoinvestigado, procurando estudar apenas as relações envolvidas no objeto de estu
do.
Como cada ciência estuda apenas uma parte da realidade, a visão geral do Universo será obtida se
metodologia idêntica for aplicada a todos os campos de estudo, produzindo
convergência e
homogeneidade dos resultados. A Sociologia assume para Comte oelpap
de ciência final e integradora,
pois estuda o mais complexo: o corpo social. Esta Sociologia se dividirá em duas partes: a Estática
Social, que estudaria o que existe de constante dentro da sociedade, e a Dinâmica Social
, que se
preocuparia com o estudo das leis do desenvolvimento social. A primeira leva à necessidade da ordem
e a segunda ao processo
dentro da ordem.

A partir desta visão, a função do Estado é promover a incorporação do proletariadosociedade


à
moderna em funçõestécnicas.

Diz Comte(1978):

O povo só pode interessar


-se essencialmente pelo uso efetivo do poder, onde quer
que resida, e não por sua conquista especial... Numa palavra, o povo está
naturalmente disposto a desejar que a vã e tempestuosa discussão dos direitos
seja, enfim, substituída por uma fecunda e salutar apreciação dos diversos
deveres essenciais, quer gerais, quer especiais... -86)
(p 85

O cientista
positivo
É

Objeto Objetivo Relações

Figura 27 ȂCaracterísticas do cientista positivo.

23Houve um ministro nos anos 1970 que, ao defender a concentração de renda, dizia que era preciso esperar o bolo crescer para
depois dividi-lo.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 61

5.4.1 A Pesquisa Etnográfica

O positivismo quando aplicado às ciências físicas provou dar resultados quanto aquisição
à de
conhecimentos
. O fato de o cientista analisar um sistema físico imparcialmente é útil para a descoberta
das leis que governam a matéria. Contudo, se o objeto de estudo são grupos sociais, útil
seráeste
isolamento científico proposto pelo Positivismo? É a pesquisa empírica, nos moldes positivistas,
eficiente e eficaz quando aplicado ao social?
Além disso, a pesqu
isa a partir dos pressupostos
positivistas é possível no campo das Ciências Sociais?

Essas questões começaram a ser colocadas já no final do século XIX por antropólogos e sociólogos
descontentes com os rumos tomados pelas ciências sociais. A Antropologia
o final
n daquele século era
feita a partir do relato de viajantes e missionários que tinham
convivido durante algum tempo entre os
selvagens
. A partir destes relatos, o antropólogo fazia a sua construção teórica.

Este tipo de construção começou a ser questi


onada por Malinowski (1978) que propõe outra
metodologia de pesquisa, chamadaPesquisa Etnográfica . O antropólogo para Malinowski deve
imiscuir -se na vida tribal para a apreensão das estruturas que organizam e regulam
a sociedade
estudada. Todavia, apesar de pregar a participação do antropólogo na vida tribal, o mesmo não deve
interferir na vida da sociedade, ou deve fazê
-lo o mínimo possível, mantendo o seu distanciamento
objetivo.

Diz Malinowski (1978):

O objetivo fundamental da pesquisa etnográfica do campo é, portanto,


estabelecer o contorno firme e claro da constituição tribal e delinear as leis e os
padrões de todos os fenômenos culturais, isolando
-os de fatos irrelevantes.

Em relação ao método adequado para observar e registrar estes aspectos


imponderáveis da vida real e do comportamento típico, não resta dúvida de que
a subjetividade do observador interfere de modo mais marcante do que na coleta
de dados etnográficos cristaliz
ados. Porém, mesmo neste particular, devemos
empenhar-nos no sentido de deixar que os fatos falem por si mesmos. Se, ao
fazermos nossa ronda diária na aldeia, observamos que certos pequenos
incidentes, o modo característico como os nativos se alimentam,
lam,
fa
conversam e trabalham, ocorrem repetidamente, ..., devemos registrá
-lo o
quanto antes.

Por outro lado, neste tipo de pesquisa, recomenda


-se ao etnógrafo que de vez em
quando deixe de lado a máquina fotográfica, lápis e caderno e participe do que
está acontecendo. (p. 24 e 31)
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 62

Metodologia

Registros dos dados


Pesquisador
Interpretativa
Diário de Campo

Figura 28 ȂMetodologia da Pesquisa Etnográfica

Embora em Malinowski o sujeito da pesquisa e o objeto da pesquisa


ainda estejam dissociados, é nele
que surge pela primeira vez a ideia de explicar a cultu
ra por meio da lógica e da ótica da própria
cultura. Contudo, esse objetivo não pode ser plenamente alcançado
, uma vez que esta explicação é uma
reconstrução racional por parte do antropólogo, o qual nunca pode olhar a cultura de dentro, já que a
análise do antropólogo parte de sua matriz cultural .

Relatório de
campo.

Traz os
É descritivo. comentários do
pesquisador e suas
É produzido imediatamente impressões.
após os acontecimentos
vivenciados pelo
pesquisador .

Cada dia de observação produz um


relatório de campo.

Figura 29 ȂCaracterísticas do Relatório de Campo na Pesquisa Etnográfica.

A outra vertente, por assim dizer, da pesqui


sa participante surge com Marx(1978) e poderíamos
chamá-la de Participação da Pesquisa .

A pesquisa, em Marx, assume um papel político. Marx não fez pesquisa etnográfica, no sentido de
Malinowski; a pesquisa para ele está intimamente relacionada ao seu projeto de transformação social.
A pesquisa é um instrumento de ação política, e não
um fim em si mesmo, como no positivismo
.
Convém destacar que tanto em Marx como em Malinowski a distinção sujeito
Ȃobjeto da pesquisa é
marcante e determinante do tipo de pesquisa a ser feita e do result
ado obtido.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 63

5.4.2 Dinâmica Social: aspectos dialéticos

Marx aponta para a necessidade de buscar na História e nos fatores econômicos as causas da situação
atual e uma destinação políticapara a pesquisa. Entretanto, sua análise ainda é positivista, no sentido
de que Marx estuda o movimento social de fora, a partir de uma ótica intelectual que busca explicações
para a situação apresentada pelo movimento social de seu tempo. O operariado, objeto da pesquisa,
participa dela por meio da resposta a questionários. É um
a pesquisa individual.

Por outro lado, a observação participante de Malinowski


objetiva a obtenção de uma fotografia social,
como se as instituições fossem estáticas, sem alteração temporal, evolução.
No entanto, as relações
entre grupos sociais possuem, omo
c maior característica, a dinamicidade, sendo o conjunto das
relações sociais um constante vir a ser, em uma relação
dialética entre a aparência (o que é visto,
resultado) e a essência (o que é), mediada pelo processo em determinada sociedade. Este ser
vir a
constante não pode ser apreendido de fora, a partir de uma posição de isolamento crítico e analítico,
mas nasce da vivência da práxis, a partir de uma visão de queminterno
é ao grupo e que tem por
objetivo sua transformação .

Esse aspecto dialético, portanto, não pode ser apreendido pela pesquisa nos moldes positivistas, pelas
próprias características e pressupostos desta, tanto por sua ideologia com
o pelos seus aspectos
metodológicos, daí a necess
idade de outro tipo de pesquisa. Esse novo tipo de
pesquisa deve desvelar e
compreender o aspecto dinâmico do social, paralelamente a seu lado estático, que nada mais é que o
congelamento de um momento histórico por meio de gráficos, tabelas, etc.

Questão: o pesquisador pode


•‡”Dz‘„Œ‡–‹˜‘dz‡•—ƒƒžŽ‹•‡ǫ

Os registros de campo são a Questões O pesquisador não tem


principal fonte de evidências metodológicas um roteiro prévio de
do observador. observação.

Não há levantamento
de hipóteses a priori.

Figura 30 ȂCaracterísticas da Ob
servação Participante.

5.5 Observação Participante

Esse tipo de pesquisa é bastante usado na análise de movimentos sociais. Nela, a fronteira entre o
pesquisador e o objeto da pesquisa não existe e o pesquisador, ao mesmo tempo em que reflete sobre o
tema, está inserido no contexto estudado porser parte do universo estudado.

Na Observação Participanteo pesquisadorestá inserido em determinado grupo,no sentido de que faz


parte dele, participando das ações desse grupo,
enquanto o observa. O pesquisador, comoal,t não
interfere no que o grupo faz ou deixa de fazer, isto é, o pesquisador não sugere ações ao grupo porque
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 64

essas ações gerarão situações que deseja pesquisar. Ele contribui com o grupo comointegrante.
seu
Durante sua atuação como membro do grupo o pes
quisador coleta os registros eos analisa, podendo
ou não devolver ao grupo os resultados obtidos.

Este último ponto é importante: o pesquisador desempenha dois papéis neste tipo de pesquisa, o de
membro do grupo e o de pesquisador. Como
parte do grupo eleatua normalmente e como pesquisador
ele o observa. Não há intervenção do pesquisador no sentido de provocar reações do grupo, ele apenas
observa o grupo em seuhabitat, registrando ações, atitudes, cadeias de decisão, etc.

É isto que difere a Observação a


Prticipante da Pesquisa Etnográficae da Observação Direta
, que
discutimos antes. Nestas, o pesquisador é alguém externo ao grupo estudado, que analisa este grupo a
partir de uma matriz cultural diferente da matriz cultural do grupo sob estudo. NaObservação
Participante, como o pesquisador é um membro do grupo, a análise parte sempre da matriz cultural do
grupo estudado. Em certo sentido, a análise na
Pesquisa Etnográficafornece uma análise externalista
do fenômeno, enquanto aObservação Participantefornece uma análise internalista.

5.6 Pesquisa Participante

Não existe uma definição precisa do que seja


Pesquisa Participante
. A própria denominação não é
consenso, sendo usadas, ainda, as expressõesPesquisa Participativa
, Pesquisa Popular
, etc. Muitas
vezes o e
t rmo Pesquisa Açãotambém é usado como sinônimo de
Pesquisa Participante
, uso com o qual
não concordamos. Permeando todas estas definições
, existe um traço comum: é a ênfase no fato de que
pesquisadores e pesquisados são sujeitos de um trabalho comum. Uma
definição possível, segundo
Borda (1980), apud WEBERet al. (1984), seria:

Pesquisa da ação voltada para as necessidades de populações que compreendem


operários, camponeses, agricultores e índios, as classes mais carente
s nas
estruturas sociais contemporâneas, levando
-se em conta suas aspirações e
potencialidades de conhecer e agir. É a metodologia que procura incentivar o
desenvolvimento autônomo (autoconfiante), a partir das bases e de uma relativa
independência do exte
rior.

Outra definição é apresentada por Grossi (1981


), apud WEBERet al. (1984):

... é um modo de pesquisa social mediante o qual se busca a plena participação


da comunidade na análise de sua própria realidade, com oetivo
obj de promover
a transformação social para o benefício dos participantes da pesquisa. Estes são
os oprimidos, marginalizados e explorados. Esta atividade é, portanto, atividade
educativa de pesquisa e ação social.

As principais diferenças entre a Pesqui


sa Participante e a pesquisa tradicional são:

1. A consciência emPesquisa Participantede que a Estatística e a Matemática não são os


únicos caminhos para o conhecimento e a Ciência;
2. Para aPesquisa Participantea dissociação sujeito- objeto da pesquisa éndevida,
i pois
o pesquisador (sujeito) faz parte da sociedade que investiga. Portanto, o
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 65

distanciamento e a frieza exigidos pelo positivismo são inatingíveis. Há produção


coletiva do conhecimento;
3. A Pesquisa Participanteé a forma de ação orientada para pro
jetos de transformação
social;
4. Para a Pesquisa Participante
, o processo de conhecimento, na medida em que está
relacionado com a participação, está também com a concepção de sociedade, como
uma estratégia de uma ação possível efetiva, sendo um
processo pol ítico localizado;
5. O aspecto básico daPesquisa Participanteé de que só a produção de conhecimento,
em uma ação concreta de transformação da realidade na qual as pessoas estão
inseridas, gera consciênciasobre estamesma realidade.

Ideologia: certa forma de


representar a realidade
por meio de um conjunto
de ideias

Caráter Versão incompleta


Abstração da
político da realidade
realidade

Modelo de Está a serviço de Ocultações são tão importantes


mundo um grupo quanto explicitações

Figura 31 ȂCaracterísticas da ideologia.

Para o que segue, precisamos entender o que significamos pelo termo


ideologia . Este termo
designa certa forma de representar a realidade por meio de um conjunto de ideias. Ou seja, a
ideologia tem um caráter de abstração da realidade. Entretanto, diferentemente de outras formas
de representar a realidade, a ideologia tem um caráter político: a ideologia como um conjunto de
ideias representa a realidade a partir da visão de um grupo social espe
cífico, que tenta impor esta
forma de representar a realidade aos outros grupos sociais (classes). O conceito de classe
é
fundamental aqui:

Conjunto de indivíduos agrupados segundo algum critério (usualmente


econômico) e que partilham de
interesses comuns.

É importante observar que a ideologia se manifesta pelas ideias que explicita, mas também pelas ideias
que não explicita. Em geral, temos várias ideologias em disputa dentro de determinada sociedade,
sendo dominante aquela defendida pel
o grupo dominante naquele contexto histórico - social
particular. O grupo dominante pode ser composto por apenas uma classe ou por um conjunto de
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 66

classes que produzem acordos a partir de interesses momentâneos.


Este grupo, ao se apropriar do
Estado, difunde a sua ideologia por meio de dois mecanismos: Aparelhos
os Ideológicos do Estado
, como
a Escola, e osAparelhos Repressores do Estado
, como os organismos policiais. Enqu
anto os Aparelhos
Ideológicos do Estadotêm caráter doutrinário, procurando fazer com que os indivíduos adotem a
ideologia da classe dominante como a sua ideologia, Aparelhos
os Repressores do Estado
têm como
função reprimir os movimentos contrários à ideologia dominante e que podem, potencialmente, levar à
substituição da classe dominante por outra que se lhe opõe.

Trabalhadores Financistas
Índios
urbanos

Sociedade
Clero Latifundiários

Sem terra Trabalhadores


Militares rurais

Figura 32 - Exemplos de classe.

Em uma pesquisa tradicional é possível, em princípio, mascarar a ideologia do pesquis


ador e/ou
instituição, não a expressando claramente, até o momento da utilização dos resultados, enquanto na
Pesquisa Participanteo cientista é vinculado à comunidade por meio de um compromisso e esta a um
compromisso com sua própria realidade, estando ideologia
a que dirige a pesquisa explícita desde o
momento em que o pesquisador opta por este tipo de pesquisa e vai se fortalecendo até a utilização
dos resultados.

Na Pesquisa Participantenão há separação entre a busca do conhecimento e a intervençãorealidade,


na
porque a ação de pesquisar não isola a ação de transformar, mesmo ao nível de consciência, por
exemplo.

Quando utilizada como instrumental de trabalho, por parte do Estado ou instituições ligadas ao poder,
a Pesquisa Participanteserá apenas um
a forma de levar as pessoas a agirem segundo os objetivos
daqueles interessados em dirigi
-las.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 67

Mecanismos
ideológicos

Aparelhos Ideol
ógicos Aparelhos
do Estado Repressores do
Estado

Função
Função repressora de
doutrinária
contramanifestações

Ex.: Escola
Ex.: Aparato
policial

Figura 33 - Mecanismos ideológicos.

Na Pesquisa Participante
, o pesquisador participa do grupo nesta condição, colocando suas habilid
ades
técnicas a serviço do grupo e interferindo no processo, apontando e discutindo temas a serem
pesquisados e métodos de análise dos dados. A decisão sobre quais as temáticas da pesquisa pertence
ao grupo, assim como a decisão sobre a metodologia a ser
sada.
u Neste caso, os resultados da pesquisa
executada pertencem e devem, necessariamente, retornar ao grupo. De fato, a análise dos resultados
da pesquisa também deve ser feita pelo grupo, subsidiada pela competência técnica do pesquisador.

Classe
dominante Se apropria Estado

Ideologia

Figura 34 ȂRelação entre classe dominante, Estado e ideologia.


Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 69

x Que conceitos serão abordados?

A delimitação da região a ser estudada é importante também. A seguir, passa


-se ao processo de
organização da pesquisa que será desenvolvida:

x Quais instituições e grupos participarão da pesquisa?


x Quem cumprirá as diferentes tarefas?
x Como as decisões serão tomadas?

Para finalizar esta parte, é necessário definir quem serão os pesquisadores e como os diferentes
grupos de pesquisa serão formados. Porim,
f o cronograma e o orçamento das ações devem ser
produzidos.

A segunda fase da Pesquisa Participante é chamadaEstudo


de Preliminar da região e da População
Envolvida. Nesta fase,o pesquisador procuraidentificar as características da população que será alvo
do estudo, identificando as necessidades e os problemas daquela população. Estes problemas serão
classificados segundo categorias definidas pelo grupo de pesquisa (como a classe social, por exemplo).
A descentralização dapesquisa ocorre nesta fase. Ações típicas desta fase são: a descoberta do
universo dos pesquisados, o levantamento de dados socioeconômicos e um primeiro retorno da
pesquisa ao grupo envolvido.

A Análise Crítica dos Problemas Considerados Prioritários constitui a terceira fase. Como o
próprio nome diz, nesta fase os participantes, distribuídos em grupos de estudo
e discussão, buscarão
analisar criticamente os problemas, analisando possíveis estratégias de superação.

Na quarta fase, Programação e Aplicação de um Plano de Ação, as ações planejadas são executadas
e a pesquisa propriamente dita acontece. Nesta etapa, as ações que foram delineadas nas etapas
anteriores serãoexecutadase o grupo recebe os resultados.

A Figura 37 ilustra o processo.

Fase I: Institucional e
Metodológica da Pesquisa.

Fase IV: Programação e Aplicação de


Fase II: Estudo Preliminar da
um Plano de Ação.
região e da População
Envolvida.

Fase III: Análise Crítica dos


Problemas Considerados
Prioritários.

Figura 37 - Esquema operacional da Pesquisa Participante.

As deficiências que têm sido apontadas na metodologia da


PesquisaParticipante, a partir da lógica da
ciência de caráter positivista, são:
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 70

1. Indefinições metodológicas específicas, pois não existem hipóteses, instrumentos de coleta


de dados, temática e problemática definidos
a priori pelo pesquisador;
2. O caráter participante é local (realidades específicas), sendo difícil a generalização dos
resultados da pesquisa participante;
3. Há dependência no grau de motivação, do nível de comprometimento da comunidade,
sobretudo das possibilidades políticas do contexto no qual se insere
a pesquisa.

Cellis (apud FREITAS FILHO, 1984) classifica os tipos de participação já tentados emPesquisa
Participante:

1. Participação a partir da devolução da informação;


2. Participação a partir da coleta de dados;
3. Participação em todo o processo a partir de
um tema escolhido pelo especialista;
4. Participação em todo o processo a partir de um tema proposto pela própria comunidade;
5. Participação na investigação a partir da ação educativa.

A Pesquisa Participanteimpõe uma redefinição do paradigma geral da ciência


e sugere uma nova
demarcação do que seja
investigação científica : seu produto específico (teoria ou prática social) e sua
função social.

Ao mesmo tempoem que cumpre alguns dos critériosmais ou menos aceitos como científicos pelas
diversas correntes metodológicas (consistência e coerência, por exemplo), Pesquisa
a Participante
deixa de produzir, pelo menos no nível de exigênciaestas
d mesmascorrentes metodológicas, teorias
explicativas mais abrangentes da realidade.

A reflexão sobre a cientificidade da Pesquisa Participanteindaga, necessariamente, se os critérios


aceitos nos moldes tradicionais de investigação da realidade social são os únicos a serem pensados
como científicos.

A Pesquisa Participantese desenvolveu mais em sociedades que apresentaramgime


re político
autoritário ou alto grau de desigualdade social. Nesses contextos, não só
Pesquisa
a Participante
, como
a ação transformadora que a justifica, são práticas sociais alternativas, reprimidas ou toleradas, tal
como a participação geral da socied
ade civil nas decisões do Estado.

5.7 PesquisaAção

O termo Pesquisa Ação


tem duas acepções. A primeira, ligada aos movimentos sociais das décadas de
60 a 90, principalmente em países de terceiro mundo, está associada a uma ação política cujo objetivo
é a transformação social. Neste sentido, Pesquisa
a Açãoé bastante similar à Pesquisa Participante
quanto à metodologia. Contudo, há uma diferença fundamental: o pesquisador
se insere no grupo com
a intencionalidade de exercer uma ação política de transformaçãoo dgrupo, com a pesquisa sendo a
ferramenta para isto (Figura 38).
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 71

Pesquisa Pesquisa
Participante ação

Compromisso
Intencionalidade de com a
transformação
política
Figura 38 ȂA Pesquisa Ação.

Mais recentemente, este termo tomou outro significado, apontando para um tipo de pesquisa que
é
desenvolvida enquanto a ação acontece. Neste caso,Pesquisa
a Açãopassa por um ciclo, como o
mostrado na Figura 39.

Reflexão Ação Reflexão sobre a ação

Figura 39 ȂCiclo da Pesquisa Ação como reflexão sobre a prática.

No campo educacional, este tipo de entendimento do que Pesquisa


é Açãoé associado a projetos de
pesquisa nos quais o professor é o pesquisador e o objeto da pesquisaprópria
éa prática do docente.A
ideia central é que o professor sistematize suas práticas, cons
truindo um conhecimento de nível mais
geral baseado na reflexão teórica sobre a ática,
pr a transformando, assim, em uma práxis. Embora este
tipo de pesquisa seja também associado a práticas transformadoras da realidade da escola, seu
objetivo é bem menos a
mplo que o sentido original.

A ideia de transformar o professor em um pesquisador encontra nosso


a ver um problema sério.
Muitas vezes, durante o processo de pesquisa somos confrontados com situações para as quais temos
que escolher entre o papel de docent
e e o papel de pesquisador. É impossível exercer os dois papéis ao
mesmo tempo nesses casos. Eticamente, nessas situações o papel de pesquisador deve ser deixado de
lado e o papel de docente deve prevalecer.

5.8 Estudo de Caso

O Estudo de Caso
, como o próprio nome diz, é um tipo de pesquisa que não busca
a generalização pelo
estudo de muitos casos, mas busca especificidade da situação concreta.
O Estudo de Casoé
especialmente indicado para analisar
mos situações complexas para as quais não temos indicativos de
quais as causas da situação observada.
O texto fundamental para este tipo de delineamento de
pesquisa é o texto de Yin(2005).

Segundo Adelman apud


( ANDRÉ, 1984):

Estudo de Caso
é uma família de métodos de pesquisajacudecisão comum é o enfoque numa
instância.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 72

O Estudo de Casoainda é indicado quanto queremos coletar elementos para construir hipóteses de
trabalho, as quais passarão pelo teste da generalização em outras investigações.
O Estudo de Caso
também pode ser usado para estudarmos situações que já ocorreram e que geraram um resultado
específico para o qual queremos obter as causas ou explicitar os fatores que levaram ao resultado
observado.

Um ponto importante no que diz respeito aoEstudo de Caso(assim como para outras formas de
pesquisa qualitativa) é o tipo de generalização que Estudo
o de Caso
permite (e que o pesquisador
deseja). Ao contrário de pesquisas com amostras, as quais buscam a generalização a uma população, o
Estudo de Casobusca a GeneralizaçãoAnalítica. Enquanto a Generalização a umaPopulação se
preocupa com a questão
:

Com qual probabilidade o pesquisador pode afirmar que os resultados obtidos


para uma amostra da pop
ulação são válidos para a população como um todo?

A Generalização Analíticaprocura responder à questão:

Qual teoria pode ser construída a partir doestudo do caso observado e que
explica sua dinâmica
?

Portanto, o pesquisador que utiliza a metodologia odEstudo de Caso


está interessado na construção de
uma teoria explicativa (modelo) para a realidade observada.
Este modelo será,então, objeto de outras
pesquisas, envolvendo outros casos, de modo a testar sua generalidade.

5.8.1 Definição e Validação de Estudos


de Caso

Segundo André(1984), o Estudo de Caso


têm por características:

1. Buscar a descoberta;
2. Enfatizar ƒDz‹–‡”’”‡–ƒ­ ‘‡ ‘–‡š–‘dzǢ
3. Procurar representar os diferentes e, às vezes, conflitantes pontos de vista presen
tes em
uma situação social;
4. Usar uma variedade de fontes de informação
;
5. Revelar experiências de outros e permitir generalizações naturalísticas;
6. Procurar retratar a realidade de forma completa e profunda; e,
7. Elaborar seus relatos em uma linguagem e em uma forma mais acessível do que outros
tipos de relatórios de pesquisa.

Ainda conforme André (op. cit.):


Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 73

... o conhecimento derivado do estudo de caso é mais concreto,


mais contextual e
mais sujeito à interpretação do leitor do que o conhecimento geradooutros
em
tipos de pesquisa. (página 54)

O maior problema metodológico doEstudo de Caso


vem a ser exatamente determinar o que é caso
o .
Para isso, primeiro, devemos definir qual o universo que queremos estudar e, a partir desta definição,
escolher o caso. O casopode ser um indivíduo, uma turma, uma escola ou mesmo um Sistema de Ensino
(a Secretaria de Educação do Estado, por exemplo).
Uma vez definido ocaso, as variáveis analisadas
devem dizer respeito a ele, não se dev
endo misturar, em ummesmo estudo, variáveis que caracterizam
diferentes tipos de caso.

Tomemos um exemplo. Vamos avaliar porque na sua cidade o gosto musical é tão desenvolvido e há
suspeita de que isso seja consequência da educação recebida nas escolas públicas municipais.
Considere o conjunto de alunos da rede pública de sua cidade. Este é o universo.

Dimensão:Compreensão
buscada pelo pesquisador.

Estudo de caso de tipo Estudo de caso de Estudo de caso


intrínseco. tipo Instrumental. de tipo Coletivo.

Quando queremos estudar o Quando queremos Quando analisamos


caso mesmo, buscando as validar alguma teoria vários casos buscando
causas do evento. ou elementos para regularidades em
validar outros casos. alguma variável.

Figura 40 - Classificação dos Estudos de Caso


- Dimensão compreensão buscada pelo pesquisador
(STAKE, 1995,apud COUTINHO & CHAVES, 2002
).

O casoseria um estudantedeste universo. Por outro lado, se você definisse o seu universo o conjunto
de escolas da sua cidade, caso
o seria uma escola específica. No primeiro exemplo, vocêseguiria um
aluno individual. No segundo, vocêobservaria uma escola individualmente. Deste modo, as variáveis
analisadas no primeiro caso seriam características individuais do aluno observado, enquanto que no
segundocasoas variáveis seriam as da escola. Um exemplo de variável a ser acompanhada no primeiro
caso seria a nota do aluno em Música ou a sua frequência
. No segundo, o número de alunos
matriculados na disciplina de Músicaou a formação dos professores de música da escola
.

Outra característica importante do Estudo de Casoé que, mesmo sendo uma pesquisa empírica, no
sentido que estudamos o fenômeno no ambiente em que
o mesmo acontece, no Estudo de Caso
não há
intervenção por parte do pesquisador com o objetivo de provocar mudanças controladas nas
variáveis estudadas.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 74

Existem várias propostas de classificação doscasos. Por exemplo, Stake (1995, apud COUTINHOe
CHAVES
, 2002) propõe classificar oEstudo de Caso
a partir de três categorias que têm a ver com o tipo
de compreensão buscada pelo pesquisador:

1. Estudo de Casode Tipo Intrínseco - nesta categoria estão aquelescasos nos quais o
pesquisador possui interesse nas relações internas do caso. Por exemplo, em uma escola,
queremos analisar o fluxo de informações e como os dirigentes daquela escola
manipulam
a circulação deinformações relevantes como forma de manter o poder;
2. Estudo de Casode Tipo Instrumental - nesta categoria são enquadrados os
casosque são
usados para validar teorias, obter variáveis de natureza causal que poderão ajudar a
compreender outros casos. No nosso exemplo anterior, oestudo de caso
teria esta natureza
se procurássemos variáveis que explicassem o sucesso de uma escola no ENEM e
usássemos esta informação para analisar, segundo estas variáveis
, outros casos;
3. Estudo de Caso
de Tipo Coletivo - neste tipo de estudo, analisamos vários
casos, conforme
resultados observados em alguma categoria de análise, buscando semelhanças e
diferenças que explicassem os resultados diferentes observados nestas categorias.

Quanto à natureza dos objetivos, o


Estudo de Caso
pode ser classificado como
: exploratório, descritivo
ou explanatório (GOMEZ, FLORES & JIMENEZ, 1996
, apud COUTINHO e CHAVES, 2002
).

O Estudo de Caso
é dito exploratório quando seu objetivo é obter evidências sobre quais variáveis ou
processos estão governando o problema
estudado. Quando o objetivo doEstudo de Casofor, apenas, a
descrição pormenorizada de certa situação de interesse, Estudo
o de Casoé chamado de descritivo.
Finalmente, quando queremos responder a questões do tipo
como ou por quê o Estudo de Caso
é dito
explanatório.

O Quadro 3 mostra uma possível classificação do


Estudo de Caso
proposta por Gomez, Flores & Jimenez
(1996, apud COUTINHOe CHAVES
, 2002).

Por romper com metodologias tradicionais, oEstudo de Caso


, como a Pesquisa Participante
, sofre
inúmeras críticas.Dentre elas podemos apontar as seguintes:

x Falta rigor à metodologia Ȃpela sua própria natureza oEstudo de Casonão tem o rigor
metodológico de outras formas de pesquisa (como Pesquisa
a Experimental Quantitativa
, por
exemplo). A esta crítica, pode
-se argumentar que há maneiras de verificar a validade e a
confiabilidade do estudo realizado;
x Viés devido ao pesquisadorȂno Estudo de Caso
o papel do pesquisador é central, uma vez que
é ele quem determina o caso a ser estudado e o analisa segundo seu referen
cial particular. Se o
pesquisador, mesmo inconscientemente, esperar obter o resultado da pesquisa apontando em
alguma direção então isto poderá causar a seleção de variáveis (ou mesmo caso) que sejam
favoráveis ao resultado esperado. A respeito desta obser
vação, pode-se também argumentar
que formas de validação e de verificação da confiabilidade podem ser aplicadas;

Quadro 3 - Classificação dos vários tipos de


Estudo de Caso
segundoGomez*.
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 75

Tipo de Caso Modalidades Descrição

Estudode CasoÚnico Histórico Ocupa-se da evolução de uma instituição

Observacional Tem na observação participante ou etnográfica a principal técnica de


recolha de dados.

Biografia Com base em entrevista intensivacom uma pessoa, produz uma


narração na primeira pessoa.

Comunitário Estuda uma comunidade.

Situacional Estuda o acontecimento na perspectiva de quem nele participou.

Micro etnografia Ocupa-se de pequenas unidades ou atividades dentro de uma


organização.

Estudo de Caso Indução Busca desenvolver conceitos abstratos contrastando explicações no


Múltiplo Analítica marco representativo de um contexto mais geral.

Comparação Pretende gerar teoria contrastando proposições (hipóteses)


Constante extraídas de um contexto noutro contexto diferente.

Fonte: Flores & Jimenez (1996),


apud COUTINHO e CHAVES, 2002.

x A falta de base para generalizações


Ȃpor ser baseado no estudo de um ou poucos
casos, o
Estudo de Caso
não permitiria a generalização dos resultados obtidos. Isto em parte é verdade,
se quisermos dar ao Estudo de Casoum caráter que ele não tem. OEstudo de Casoprocura
asserções de conhecimento geraisGeneralização
( Analítica
) e não afirmações sobre grupos
específicos de sujeitos(Generalização à População
). Estas asserções de conhecimento são
passíveis de verificação em outros tipos de estudo, comoPesquisa
a Empírica Qual
itativa ou
outros Estudos de Caso
;
x Extensão no tempoȂsegundo seus críticos, oEstudo de Caso
é muito extenso e toma muito
tempo para ser realizado. Os defensores da metodologia
, por outro lado, argumentam que
podemos ter Estudo de Casoque utilize ferramentas que não consumam tanto tempo.
Associado a isto, oRelatório do Caso
, principal ferramenta de comunicação dos resultados
obtidos, não precisaria ser detalhista em extremo.

O delineamento do estudo de caso passa por cinco etapas:

x Ter claramente uma questão expressa usando os termos


como e por quê. Este tipo de questão
aponta para explicações de natureza causal para o fenômeno estudado;
x Listar as questões orientadoras do estudo
claramente. Estas questões podem se desdobrar em
questões mais específicas (secundárias);
x Definir o que é ocaso, apontando claramente aqui o que é a unidade de análise;
Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa em Ensino de Ciências Página | 76

x Ter clareza do tipo de estrutura lógica que será usada na análise dos dados, permitin
do a
construção de asserções de conhecimento;
x Definir claramente o Referencial Teórico que será utilizado e as categorias que serão utilizadas
na análise docaso.

Histórico Dimensão: natureza do estudo


de caso.

Observacional
Indução Analítica
Biografia
Estudo de Caso Estudo de Caso
único múltiplo
Comunitário Comparação
Constante

Situacional

Microetnografia

Figura 41 - Classificação dos Estudos de Caso


- Dimensão natureza do estudo.

São quatro os tipos de validação que podemos usar em


Estudos de Caso
:

1. Validação de Constructo

Neste tipo de processo de validação, procuramos analisar cada variável a partir de diferentes
instrumentos, buscando várias fontes de evidência para aariável.
v A definição de quais são as
variáveis (bem como os conceitos e princípios operacionais) deve ser feita
a priori. A validação
se dá quando obtemos o mesmo resultado a partir de diferentes fontes para uma dada
variável.

2. Validação Interna

Neste tipo de processo de validação, buscamos uma explicação de tipo causal envolvendo as
diferentes variáveis e os resultados obtidos. Assim, para certa situação observada (resultado)
buscamos as causas dessa situação em variáveis presentes no meio estudado. Por
emplo,
ex
observamos que em uma escola (nosso
caso) há um grande interesse por música (resultado
observado) e que nesta escola existem professores Licenciados em Música (variável
professor).
Podemos então propor a relação causal:

Se há professores de música
na escola os alunos desenvolverão
interesse pela
música devido à qualificação dos professores que serão capazes de ensinar
música de forma adequada.
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3. Validação Externa

Neste caso, procuramos estudos semelhantes, com


casosparecidos, e procuramos evidênci
a de
que nossos resultados são coerentes com aqueles.

4. Validação por replicação

Se os resultados de um estudo (de


Casoou não) puderem ser replicados isto é um forte indício
de que o Estudo de Casoobteve resultados consistentes. Para isso, Protocolo
o deEstudo de
Caso(que discutiremos a seguir) é fundamental.

5.8.2 Metodologia doEstudo de Caso

O Estudo de Caso
é construído a partir de um conjunto de ações. Primeiro, o pesquisador tem que ter a
qualificação e o treinamento necessários para conduzir o estudopropriadamente.
a Uma característica
do Estudo de Casoé que a interpretação dos dados ocorre quase que simultaneamente com a sua
coleta.

Bom ouvinte
Bom formulador Livre de
de questões preconceitos

Pesquisador
Ter coragem de Ser
mudar adaptativo

Conhecer o
Ser flexível
assunto

Figura 42 ȂCaracterísticas desejáveis do pesquisador que desenvolve estudos de caso.

Algumascaracterísticas do bom pesquisador em


Estudo de Caso
são (Figura 42):

x Ser capaz de formular boas questões;


x Ser bom ouvinte;
x Ser livre de preconceitos sobre o tema estudado;
x Ser adaptativo e flexível, mas com rigor;
x Ter conhecimento sobre o assuntoinvestigado;
x Ter coragem de mudar de caso ou delineamento
se isto for necessário.

O desenvolvimento doEstudo de Caso(veja a Figura 43) passa pela elaboração de um


Protocolo de
Estudo deCaso(YIN, 2005). Este Protocolo é um documen
to que registra todos os procedimentos e as
regras gerais seguidas pelo pesquisador ao longo do
Estudo de Caso
. As partes de umProtocolo de
Estudo de Caso
são:

x Visão Geral do Proje


to de Estudo de Caso
;

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