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Jacqueline Anderson
Dias depois...
Era sábado à noite, estava no quarto deitada na minha cama. Era o dia
do aniversário da Antonella, não havia avisado para ela que não iria a sua
festa, não tive coragem. Meus pais estavam desapontados comigo, eles
tentaram, de todas as maneiras, descobrirem por que eu não queria ir à
festa, sendo que a gente não havia brigado. Contudo, não podia lhes
revelar que meu professor padre estava manipulando toda a minha vida
porque eu era a amante dele. O seu segredo sujo.
Sim, eu estava obedecendo todas as suas ordens e restrições. Deixei
de falar com Felipe, aliás, apenas o afastei e já não estudávamos juntos,
eu o evitava o máximo que podia. Ele percebeu e se distanciou. Antonella,
por sua vez, ainda era minha amiga, contudo começou a perceber meu
comportamento estanho. Eu não conseguia mais me abrir com ela para
nada, nossas conversas eram sempre ela falando e eu calada.
Virei-me na cama e olhei a hora, eram dez da noite, a festa da
Antonella já havia começado e meu coração estava pequeno de angústia.
Eu não podia fazer isso com ela, tinha certeza de que me odiaria. Peguei
meu celular e olhei a tela. Havia uma mensagem dela:
Droga! Não podia fazer isso com ela. Pensei um pouco. Todos em casa
já haviam se recolhido, quais eram as chances de alguém saber que eu
saí? Eu poderia ir até a festa, ficar pelo menos uma hora e depois voltar.
Meus pais não saberiam e muito menos o padre Magnus. Podia usar o
serviço do Uber, sem precisar do James, assim não levantaria nenhuma
suspeita.
Levantei-me da cama amimada, despi-me de minha camisola
enquanto corria até closet. Escolhi uma roupa rapidamente, sem me
demorar muito. Optei por um vestido preto tipo tubinho. Ele era de alça
fina e não havia necessidade de usar sutiã. Usei meias finas e um sapato
scarpin, por cima do vestido um casaco de vison. Usei poucos acessórios,
apenas uma gargantilha com pingente de cruz e brincos acompanhando.
Os cabelos deixei soltos e fiz uma maquiagem rápida, nada muito
elaborado. Pronto!
Me sentia nervosa, essa era a primeira vez que saía de casa escondido
dos meus pais e isso era estranho. Bom, se ia fazer, melhor não pensar
muito. Peguei o celular e entrei no aplicativo para solicitar o Uber,
marquei para ele me pegar na esquina da minha rua.
Pé ante pé, desci as escadas cuidadosamente. Pisei sobre os tapetes
para abafar o som dos meus saltos. Abri a porta da frente
cuidadosamente. Lá fora, tranquei a porta com a minha própria chave.
Fui andando até a esquina. Não esperei muito para o carro aparecer. Em
poucos minutos, já estava a caminho da festa.
Horas depois...
“Eu sabia que pagaria pelos meus pecados nessa Terra cedo ou tarde,
uma questão que tirou meu sono todos os dias sagrados. Antes que
apedrejem meu nome, por obséquio peço perdão, não só a todos os súditos
da diocese, quanto ao bom Deus. Falhei, pequei e nunca iria parar de
cometer o erro desde que tomei a decisão letal predominado pela minha
culpa, pela desgraça e ruína que as minhas heresias estavam me levando,
me consumindo, transformando-me em algo pior que Judas. Estou fadigado
com a investigação, logo a justiça descobrirá sobre a verba recheada que
roubo constantemente da igreja durante semanas, meses e anos só para o
meu deleite. Estão prestes a me pegar e de qualquer maneira serei morto,
torturado e humilhado por todos quando fosse trazido a público. Dessa
forma me arrepender e parar com isso seria melhor de todas as formas,
calar a minha própria voz sendo asfixiado por minhas mãos da forma cruel
que mereço por meus atos, será a melhor coisa que farei, sem dúvida
nenhuma.”
No dia seguinte, nos mudamos para a casa nova, embora fosse dez
vezes menor que a mansão, não era uma casa desagradável, era até bem
confortável com uma mobília moderna que já veio incluída. Havia uma
suíte e um quarto menor que ficou para Jemima, ela preferiu assim,
enquanto eu e mamãe dividimos o quarto maior que já estava preparado
com duas camas de solteiro.
— Por enquanto teremos que nos contentar assim, mas tenho
esperança de conseguir um trabalho em breve.
— Eu também posso trabalhar, talvez em um bar ou restaurante.
— Nunca! Você retornará para a faculdade.
— Mãe, não posso voltar para lá, muito dos alunos são do nosso meio
social, não aguentarei isso.
— Meu amor, você não pode pagar pelos erros do seu pai, além do
mais matricular você em outra faculdade está fora de cogitação. Temos
que aproveitar essa oportunidade que o padre Magnus conseguiu para
nós.
Senti um aperto na boca do estômago ao imaginar quais eram as
intenções sombrias que ele estava planejando. Será que me manterá
como assistente dele o resto do semestre? E depois? O que acontecerá?
Essas eram as perguntas que só teriam respostas se eu o confrontasse e
farei isso em breve.
O primeiro dia na nova casa foi de muito trabalho, arrumamos todas
as nossas coisas e, à noite, preparamos o jantar na pequena cozinha
conjugada com a sala. Jemima fez uma deliciosa lasanha e comemos
tranquilamente mantendo uma conversa neutra. Depois que mamãe e eu
arrumamos a cozinha, decidi assistir televisão enquanto ela se preparava
para dormir. Assim que ela terminou, veio me chamar:
— Já terminei, quer tomar seu banho agora?
— Irei mais tarde, mãe, vou terminar de assistir esse filme.
— Está bem, filha, boa noite!
Ela beijou o alto da minha cabeça e me deu sua bênção, seguiu para o
quarto. Jemima também se recolheu. Quando a noite já estava alta,
desliguei a TV e tentando fazer o mínimo de barulho, entrei no quarto e
percebi que mamãe dormia profundamente. Com certeza, ela havia
tomado o remédio para dormir, ultimamente ela só conseguia ter um
sono tranquilo dessa forma.
Entrei no banheiro e me despi, olhei por alguns segundos meu corpo
no espelho. Meus seios estavam mais vistosos e muito duros, percebia-se
até algumas veias azuladas em torno deles. Os bicos também pareciam
mais escuros. Com um profundo suspiro, peguei o teste de gravidez que
havia escondido entre as minhas roupas. Fitei aquela caixa pensando que
o caos era apenas uma palavra insignificante perto do que virá caso
minha suspeita se confirmasse. Havia uma grande possibilidade de estar
grávida, pois deixei de tomar o anticoncepcional algumas vezes. Fechei
os olhos e fiz uma pequena prece a Deus, pedindo sua misericórdia e que
aquela suspeita fosse apenas uma suspeita.
Sem mais enrolação, abri a caixa e tirei o teste. Li por alto o manual e
decidi tomar um banho antes de fazer o teste. Apenas fiz a coleta da urina
e deixei no pote. Entrei no chuveiro e deixei que a água quente
diminuísse a tensão que deixaram meus músculos doloridos.
A vida era um jogo, imaginava enquanto me entregava à carícia da
água... um jogo de tabuleiro do destino, regido por forças além do nosso
controle. Se eu nunca o houvesse conhecido, talvez tudo fosse diferente,
quem sabe até Felipe estivesse vivo. Sentia que ele decidiu por esse
caminho por causa de mim... eu não queria acreditar que ele nutria algum
sentimento por mim e eu o desprezei o fazendo se matar.
Senti um arrepio de frio ao desligar o chuveiro. Enrolei-me em uma
toalha felpuda e comecei a me enxugar. Vesti-me com um pijama, escovei
os dentes e, ao finalizar, decidi fazer o teste. Mesmo com muito medo,
mergulhei o aparelho na urina e esperei.
Angustiada, estava sendo tomada de um sentimento de fatalidade à
medida que os segundos passaram e as duas linhas rosadas surgiam no
indicador.
Um soluço seguido de lágrimas me fizeram deslizar até o chão do
banheiro e me sentar no piso frio. Encolhi-me e abracei meus próprios
joelhos me deixando embalar pelo desespero. Chorei baixinho até não
aguentar mais. Não sabia por quanto tempo fiquei naquela posição, tudo
que eu sentia era uma espécie de devastação total, estava arrasada.
Porém, mesmo devastada, apenas tinha certeza de uma coisa: o padre
Magnus jamais saberá dessa criança. Jamais!
Praticamente arrastando-me para a minha cama, deitei e descansei a
cabeça no travesseiro, deixando as lágrimas molharem a fronha. O
impacto da notícia de que estava grávida não saía da minha cabeça. A
angústia, o remorso e o padecimento nutriam dentro de mim Só pensava
em como contar para a mamãe. Ela ficaria destruída e decepcionada
comigo. Contudo, não podia lhe revelar quem era o pai do bebê, não por
medo dela se decepcionar mais ainda, mas sim para proteger o meu filho.
Não sabia ainda qual desculpa inventar para ela e nem como proceder
daqui para a frente. Tinha que organizar meus pensamentos e encontrar
uma solução para essa bagunça toda.
Que confusão, meu Deus! Eu já deveria estar preparada, eu já
esperava por isso. Mas era difícil saber e ver meu castelo de cartas
desmoronando. Tudo, exclusivamente, de uma só vez como um tsunami.
Queria ser uma lagarta pequena voltando para o seu casulo e nunca mais
sair dele.
Toquei minha barriga com os olhos pesados pelo pranto, alisei as
duas mãos por todo estômago deixando o choro escorrer pelos cantos
dos olhos. Tinha uma semente crescendo dentro de mim, um fruto de um
pecado e as palavras duras e afiadas como navalha do padre flagelavam a
minha alma. O padre Magnus havia deixado claro que a culpa disso era
minha e em nenhuma circunstância ele poderia saber da verdade que me
desolava. Não sabia o que fazer agora, contudo no momento, o que tinha
para exercer era ficar calada e saborear o preço do sacrilégio.
Não preguei os olhos por nenhum momento. Lá para as três da
madrugada parei de me revirar na cama, cruzei os olhos em um ponto
fixo na mesinha de cabeceira onde tinha uma Bíblia Sagrada e não
consegui pronunciar nenhuma palavra dirigida a Deus. Me senti a
própria blasfêmia em pessoa, a heresia e vergonha suja que não merecia
sua piedade. O que eu fiz com a minha vida? Onde cheguei?! Apaguei a luz
do abajur e a escuridão acalmou-me, pouco tempo depois adormeci.
Quando acordei na manhã seguinte, estava sozinha no quarto, mamãe
já havia levantado e sua cama estava impecavelmente arrumada. Recebi
a ausência dela com alívio, assim podia ter mais alguns minutos a sós
para reorganizar a cabeça.
Levantei-me e senti uma leve vertigem, essa sensação já era
frequente, mas diferente do que muitos falavam, não tinha enjoos
matinais com frequência, era raro acontecer, mas agora que sabia da
gravidez prestarei mais atenção nos sintomas.
O quarto estava escuro, aproximei-me da janela e afastei a cortina. O
dia estava lindo e avistei mamãe nos fundos da casa arrumando o
pequeno jardim. Ela adorava plantas e flores. Meu coração apertou, ela já
estava se acostumando com a nova vida, já não sofria tanto, e agora o
bebê... Levei a mão na barriga. Não queria pensar nele como algo
indesejado, não conseguia rejeitá-lo, muito pelo contrário me sentiria até
feliz por tê-lo, se não fosse todos os problemas em volta.
Voltei a fechar a cortina e me sentei na penteadeira. Sabia que mamãe
jamais aceitaria um aborto, assim como eu, ela me apoiaria nessa. Mas
ela não aguentaria outro escândalo. Ouvi uma pequena batida à porta e
Jemima entrou.
— Bom dia, minha menina! Você acordou cedo, não? Está bem?
— Estou bem sim, Jemima. Não se preocupe que já arrumarei as
coisas do meu quarto, e logo ajudarei você na cozinha.
— Não se preocupe, minha querida, já está tudo preparado,
esperamos você na cozinha para o desjejum.
Vi pelo reflexo do espelho ela me olhar com olhos receosos e um
pouco orgulhosos. Definitivamente, pelo menos depois dos últimos
acontecimentos, ela jamais poderia supor o que de fato estava me
corroendo nesse instante. Eu era seu orgulho, o seu motivo de “trabalho
cumprido” e nunca irei me esquecer de suas palavras e sua bondade,
entretanto agora ela entraria para a lista de pessoas que irão se
decepcionar profundamente comigo.
Assim que ela saiu fechando a porta, suspirei fundo e dei mais uma
olhada no espelho, eu não sabia por quanto tempo irei conseguir manter
esse papel de boa filha, mas farei o que for preciso, em suma importância,
pela minha mãe para esconder isso, por enquanto até saber o que fazer.
Vesti-me para enfrentar o dia, um vestido claro de estampa florida, os
cabelos soltos e maquiagem leve para esconder a depressão na minha
face.
Tomávamos o café fresquinho, os pães e os biscoitos que mamãe mais
gostava. Também as frutas que eram indispensáveis para o seu “bom
humor” pela manhã, mesmo que de fato... tivéssemos que economizar o
que mal tínhamos.
— Bom dia, mamãe!
— Bom dia, minha filha.
Coloquei o prato de brioches sobre a mesa e ela arrastou uma das
cadeiras para se sentar, mesmo com o rosto detonado pelo fracasso e
pela dor, ela deu seu melhor sorriso e abençoou o aroma dos alimentos.
— A senhora acordou bem?
— O melhor que pude, tive um sonho bom com você, minha flor
querida.
Sentei-me ao lado dela e peguei o suco fresco e natural da jarra, o
cheiro realmente era de rechear. Ela falou com Jemima e logo perguntei
querendo parecer, o mínimo possível, apresentável:
— Que sonho, mãe?
— Um sonho lindo, você estava formada! Tinha até um consultório
aqui na Itália, também estava namorando com um bom rapaz de Deus!
Tudo estava onde deveria estar.
Tentei forçar um sorriso, porém, por dentro, estava contaminada pelo
constrangimento.
— Enfim, não tenho dúvidas de que irá alcançar seus objetivos, aliás
vai voltar para a faculdade essa semana e sempre terá minha admiração.
O suco na minha boca pareceu azedo de repente, já estava sem
paladar, agora com essas palavras perdi todo.
— Não sei se estou preparada para voltar agora...
— Padre Magnus vai estar observando, querida, ele não irá deixar
que nada de ruim aconteça com você. Nem eu, é para o seu futuro e vai
lhe ajudar muito com todas as atividades.
Meu futuro. Suas palavras quase fizeram meu estômago revirar,
segurei um nó na garganta.
— Perdi muitas provas e acho...
— Por isso não deve continuar faltando às aulas, você é meu orgulho,
não perca essa oportunidade que o padre Magnus está nos oferecendo,
ele tem sido tão bom conosco.
Engoli em seco e mamãe continuava ditando suas palavras de valor
para ele:
— Devo tudo a esse homem, é tão generoso... Um homem santo, claro.
Era a gota d’água que até Jemima percebeu pela minha cara, mas nem
para ela poderia contar, na verdade para ninguém. Tinha que sustentar
essa muralha.
Mesmo contra a minha própria vontade arrumei as coisas da
faculdade na minha mochila, cadernos, livros, apostilas. Enquanto puder,
terei que ir... Até tomar alguma decisão. Por boa metade da tarde ajudei
mamãe e tentei manter minha casca. Quando já não conseguia suportar
mais a devastação, peguei meu casaco e saí para a rua dando a desculpa
que precisava respirar, sentir que era uma pessoa normal e comprar
algum doce.
Algumas pessoas até me olharam, mas era o mínimo que podiam
fazer. Por mais que pudessem pensar, não podiam me ferir tanto assim.
Caminhava pelas calçadas, olhando para as pessoas em suas vidas
movimentadas e tranquilas, casais românticos que jamais vão ser
comparados a mim e padre Magnus, crianças felizes que me causaram
enjoos só de imaginar e ao longe, saindo de um mercadinho, duas amigas,
jovens risonhas, com uma vida toda de alegrias e falando de garotas.
Uma das meninas me fez lembrar rapidamente de Antonella e me fez
sentir falta daquela risada boa, daquele abraço apertado que me fazia
esquecer por um bom momento todos os problemas da minha vida.
Peguei meu celular no bolso do casaco e disquei o número da minha
melhor amiga, os pais dela com certeza queriam ela afastada de mim e de
minha família, mas ela... NÃO! Conhecia bem a Antonella, e ela me
conhecia tanto quanto, na verdade deveria, só sabia de uma coisa... Uma
lembrança rala que povoava minha memória, desde a infância éramos
boas amigas... Daquelas que sempre uma poderia contar com a outra. E
eu precisava desabafar com alguém, porque tudo isso estava me
sufocando.
O telefone chamou, chamou e chamou até cair na caixa postal. Mordi a
boca e enviei uma mensagem para ela que não foi imediatamente
enviada por conta do sinal de internet! Xinguei de raiva e respirei fundo.
Olhei em volta e avistei um táxi, acenei e por sorte estava vago. Não
estava muito longe da casa dela, essa hora ela já chegou da faculdade e
seus pais só chegavam em casa mais tarde. Tempos atrás, esse era o
horário perfeito para aprontar todas na casa dela. Bagunçávamos toda
despensa e seus pais sempre ficavam furiosos quando chegavam na
mansão. Dei o endereço para o motorista.
Mesmo seus pais não estando lá, a possibilidade de um dos guardas
não deixar eu entrar era grande, porém não custava tentar... Não tinha
quase nada a perder e só queria me sentir normal enquanto podia,
mesmo que fosse tão difícil.
A mansão de Antonella não ficava muito longe do antigo bairro que
morava e eu precisava me recordar de coisas boas, me alimentar de
coisas simples por um segundo. A residência era grande, estilo clássico
que parecia um castelo! Cheio de mármore, árvores floridas e até plantas
comestíveis e de fragrância arrebatadora. Fazia muito tempo desde a
última vez que pisei realmente dentro da casa dela e até me surpreendeu
não ter nenhum guarda na portaria, apertei o interfone e chamei por
minha amiga, que não demorou muito para aparecer com roupas de frio
e sapatos confortáveis segurando seu celular na mão.
— O que está fazendo aqui? Se meus pais te virem, aí a coisa vai ficar
feia para o meu lado! — ela falou abrindo apenas uma fresta dos portões
enormes de grades greco-romanas.
— D-desculpe, é que... É que eu sinto sua falta e imaginei que seus
pais...
— Sim. Eles me perguntaram trinta milhões de vezes se fui tocada,
abusada ou coagida pelo seu paizinho. — As palavras de Antonella até
soaram ofensivas, mas não para mim, eu entendi e quase me arrependi
de ter vindo até sua casa.
— Ele...
— Claro que não! Se aquele velho tocasse em mim, não iria ser coisa
boa para ele e nem para você...
— Estou com tanta vergonha, não sei onde colocar a cara.
— Deveria estar mesmo, eu no seu lugar me sentiria muito pior por
todas as coisas. — Ela deu uma risadinha e eu olhei para a feição
ranzinza dela. Antonella segurou o portão, parecendo sem paciência.
— Você está bem? Não quero tomar muito seu tempo — perguntei.
Ela bufou e revirou os olhos até me encarar.
— Se estou bem? O pai da minha amiga é um pedófilo nojento, tarado,
que trai a esposa com qualquer uma... E pior que isso, saber que minha
amiga é tão pior que o pai dela, isso é abominável.
O choque atravessou minha espinha e meu rosto. Não esperava isso,
fiquei sem palavras, sem saber o que dizer, e ela continuou:
— Eu não saberia? Cara, quando te falei que o professor Crawford era
um gostoso para padre, não achei que seria nojenta o suficiente para
levar isso tão a sério nessa cabeça doentia, que eu não esperava de você.
Seduzir um padre e dar para ele na festa dos seus pais? Estou me
perguntando quem da sua família é pior, acho que você teve a quem
puxar! Estou me sentindo uma porca por ter andado com você, por ter
confiado em você! Você merece toda a desgraça que está acontecendo em
sua vida. Se me der licença, eu acho melhor você ir embora.
— Você, como você sabe? Por que está fazendo isso comigo?
— Eu os vi no terraço.
— Antonella, eu posso explicar, deixe-me contar tudo...
— Não quero saber de nada, peça misericórdia a Deus, talvez Ele
ajude a salvar alguém que profanou um padre.
Então ela bateu o portão. Limpei as lágrimas de tristeza e decepção e
esperei ela ir embora para ir também. Caminhei sem destino no frio da
tarde, as folhas do final de outono depositadas no chão em tons laranja
voavam ao receber rajadas de vento. E meu coração estava assim, como
uma árvore adormecida para receber o inverno sem suas folhas a
protegendo.
Quando cheguei em casa, não escutei mamãe, nem mesmo Jemima!
Fui direto para o quarto, deitei na minha cama e continuei chorando.
Senti tantas coisas que não deveria sentir, sufoquei-me na própria
solidão, nos meus próprios gritos, sem ter para onde correr e a quem
consultar!
Lá para o alto da noite recebi uma mensagem no meu celular, olhei a
tela. Era ele. Abri a mensagem apreensiva e, em palavras diretas, ele
ordenou:
Dias depois...
Sentia uma dor, porém já não era tão agonizante e aguda. Estabilizou-
se em uma dor amortecida, superficial. Tentei me mexer e fiquei sem
fôlego ao constatar que estava presa aos aparelhos.
— Cuidado! Não deve tentar se mover. — Uma voz suave de mulher
falou próximo de mim.
— O que aconteceu?
— Estamos a tirando dos aparelhos e do coma induzido, você está se
recuperando bem.
— O bebê — sussurrei tentando colocar a mão na barriga.
— O bebê está bem, e você também.
— Eu quero ver meu filho.
— Em breve, minha querida, primeiro vamos cuidar de você. Todos
estão ansiosos pela sua recuperação. Logo poderá vê-los também. Sua
mãe, amigos e o papai do bebê.
Fiquei sem fôlego de repente ao me recordar das cenas vividas
instantes antes de tudo acontecer. O padre Magnus nos encontrou. Meu
Deus! Comecei a respirar acelerado de medo e temi pelo meu filho. Movi-
me agitada, queria me levantar. A enfermeira, percebendo meu estado,
me segurou.
— Calma! Não pode se levantar agora.
— Eu preciso ver o meu filho, não o deixe lhe fazer mal.
— Ninguém fará mal ao seu filho, o trarei hoje para poder vê-lo, mas
primeiro preciso que se acalme.
Gentilmente, a enfermeira me fez deitar de novo. Pestanejei algumas
vezes, minha mente estava nebulosa, tudo estava turvo e eu me perdi em
minha angústia.
As horas foram passando e já estava melhor, haviam tirado todos os
aparelhos e sondas. Agora, estava sentada na cama, encostada nos
travesseiros, esperando ansiosamente trazerem meu bebê. Ouvi uma
leve batida à porta e uma enfermeira entrou empurrando o bercinho de
acrílico com um embrulho dentro. Ela o pegou e entregou a mim.
— Seu filho.
Olhei para ele e não podia acreditar, era lindo com suas bochechas
rosadas. Passei a mão em seu rostinho e meu coração transbordou de
amor. Segurei em suas mãozinhas minúsculas e ele segurou meus dedos.
Bocejou e abriu a boquinha. Ele era tão fofinho, não podia acreditar que
era meu.
— Qual o nome dele?
— Henry William.
O bebê começou a se contorcer e fazer gesto para chorar. A
enfermeira aproximou-se e disse:
— Você pode amamentá-lo, os antibióticos que está tomando são
para lactantes, esse contato será bom para vocês.
— Eu nem sei como se faz isso.
— Eu a ajudarei, porém o instinto se encarregará do resto.
Assim foi, embora, com um pouco de dificuldade e dor, logo Henry
sugava meus seios com vigor. Após a mamada, a enfermeira o levou de
volta para o bercinho e eu acabei dormindo de cansada.
Acordei sonolenta, o quarto estava na penumbra. Olhei em volta à
procura de Henry e o vi no berço dormindo. Sorri de leve aliviada. Deitei
a cabeça no travesseiro de novo, mas logo fiquei tensa ao ouvir uma voz
grave do lado da minha cama:
— Como se sente?
Arregalei os olhos e tentei identificá-lo na penumbra. O vi sentado em
uma cadeira com as pernas cruzadas e o rosto impassível. Engoli em seco
e tentei me sentar. O padre Magnus se levantou e me ajudou. Seu contato
fez algo dentro do meu peito soltar perigosamente. Por um instante
esqueci os incômodos e o atordoamento provocado pelos medicamentos.
Um doce e abençoado calor inundou minhas veias. Olhei-o e vi um brilho
diferente em seus olhos, não era hostil, também não benevolente, mas
apaixonante. Senti uma pontada de esperança, fazia tanto tempo que não
sentia nada parecido que custei a identificá-la. Talvez ele tenha
reconsiderado e aceitado o bebê. Não que isso mudasse alguma coisa,
nossa relação foi quebrada para sempre, contudo me reconfortava saber
que ele pelo menos não desprezaria o filho.
— Obrigada — agradeci enquanto ele voltava a se sentar. — Me sinto
melhor — respondi sua pergunta.
— Ótimo! Amanhã você terá alta e eu a levarei para casa.
— Casa? Para a cabana? — perguntei franzindo a testa.
— Não, para Londres, onde tenho uma casa.
— Me levará para a sua casa? Por quê?
— Por que eu determinei assim.
— Padre Magnus, acho que o senhor está equivocado, não irei a lugar
nenhum com você, esqueceu que fui embora?
— Não esqueci, Eve, muito pelo contrário, você pagará por isso.
— O que quer dizer? O que você fará?
O padre Magnus levantou-se com toda sua magnitude e se aproximou
do meu leito, debruçou-se sobre mim e segurou meu rosto próximo ao
dele. Meu coração dava cambalhotas dentro do peito quando ele deslizou
a almofada do seu polegar na minha bochecha e lábios trêmulos. Ele
agarrou minha mandíbula com força trazendo meu olhar para o dele, que
estava agora duro e implacável. Então ele sussurrou sombriamente
contra o meu ouvido:
— Eu vou me casar com você.
Meus olhos estavam tão grandes como dois discos sem ao menos
piscar completamente confusos encarando-o. O padre Magnus jogou essa
bomba sobre mim e se manteve tranquilo como se aquela notícia fosse a
coisa mais fácil do mundo. Muitas dúvidas saltaram em minha cabeça,
mas apenas uma martelava sem parar: ele deixou de ser padre?
Observei-o voltar para a mesma cadeira que estava antes, sua postura
me deixava intrigada, contudo apenas o olhava fixamente sem saber o
que dizer. Então ele mesmo quebrou aquele silêncio perturbador entre
nós:
— Tudo já está pronto, você e o bebê irão para a minha casa e nosso
casamento será realizado em quatro semanas.
— Só pode estar enlouquecido... — finalmente consegui falar com a
voz carregada.
— Não acho que me casar com você seja loucura.
— Mas o senhor é um padre... ou não é mais?
— Sim e não, pedi afastamento das minhas obrigações sacerdotais,
porém tecnicamente ainda sou um padre perante a autoridade clerical,
pois, para me desligar definitivamente, preciso passar por um processo
junto ao Vaticano. No entanto, no civil, minha condição não faz diferença,
por isso nos casaremos no civil apenas.
— Mas isso não seria algo contra as regras da igreja? Não deveria
pedir o desligamento definitivo primeiro ao Vaticano e depois se casar?
— Isso é o certo, mas eu não sigo regras estúpidas, já deveria saber
disso, Eve.
Uma pausa e ele concluiu evidentemente zangado:
—Você conseguiu o que queria.
— Eu? Nunca pedi para que deixasse de ser padre.
— Você escolheu ter essa criança, Eve, com certeza tinha a pretensão
de voltar e exigir o reconhecimento da paternidade. Ainda mais sabendo
que ele será herdeiro de uma fortuna de bilhões de dólares.
— Sobre o que está falando? Eu não sei de nada disso, não pretendia
voltar para exigir nada. Eu o quero longe de mim e do meu filho.
— Ah, Eve, você não me engana com esse teatro, tudo foi muito bem
planejado nessa sua cabecinha diabólica. Confesso que sua astúcia me
surpreendeu, mas agora que conseguiu me amarrar, eu serei seu marido
no amplo sentido da palavra.
— Pois saiba que não aceito, não me casarei com você, eu não
planejei coisa nenhuma, não aguento mais ser acusada de algo que não
fiz deliberadamente. — Meus olhos encheram de lágrimas e um nó forte
prendeu minha garganta.
— Minha querida, acho que você ainda não entendeu, você se casará
comigo em quatro semanas, isso não é um pedido, não estou te dando
alternativas.
— Você está falando sério? — Olhei-o com um misto de estupefação e
horror, ele falava como se não fosse nada demais. — Depois de tudo que
me fez passar? Ameaçou matar seu filho, acha mesmo que me casarei
com você depois disso? Fora todas as coisas ruins que você fez com as
pessoas à minha volta?
— Ótimo você falar isso, pois, se resistir ou se rebelar ao casamento,
sua mãe e a empregada intrometida passarão por maus lençóis.
Um arrepio percorreu a minha espinha e uma náusea varreu-me o
estômago. Empalideci e o encarei alarmada. Falei com a voz
entrecortada:
— Você não fará nada contra a vida delas... Não.
— Não lhes ferirei fisicamente, afinal de contas sua mãe e minha
sogra agora e a empregada nos será de serventia, pois ela que te ajudará
a cuidar do bebê. Contudo, se você não fizer exatamente o que quero,
tenho meios para deixá-las na rua da amargura, sem amparo ou
compaixão de ninguém.
A cada ameaça que ele lançava sobre mim, me fazia encolher sobre a
cama. Encorpei-me para trás e fechei os olhos. Percebi que ele se
levantou da cadeira e rapidamente abri as pálpebras, ele aproximou-se
do berço do bebê e meu coração quase saiu pela boca. Eu queria
levantar-me para pegar meu filho, mas me mantive no lugar esperando,
ele não ousaria fazer alguma coisa contra o filho no hospital. Depois de
contemplar alguns segundos o menino, o padre Magnus continuou sua
sentença:
— Essa criança é meu filho legítimo e com um piscar de olhos, eu
tomo a guarda dele de você.
— Como afirma algo assim, eu posso não ter muito dinheiro, mas sou
a mãe dele e sou perfeitamente capaz de cuidar do meu filho.
— Não disse que era incapaz, Eve, tenho certeza de que será uma
excelente mãe, mas eu posso alegar muitas coisas, tenho ótimos
advogados a meu serviço. A história do seu pai poderia ser usada como
cartada.
— Você não faria isso, nenhum juiz tirará a guarda de mim. Saiba que
eu também posso alegar que você não o queria.
— Qualquer juiz entenderá por que eu não o queria, eu sou um padre.
A frustração dominou-me.
Que irritante e arrogante era esse homem! Convencido e sempre queria
sair vencedor, mas não o deixarei dominar-me, pelo meu filho sou capaz de
tudo.
Enxuguei as lágrimas que escorriam nas bochechas e o desafiei:
— Pois faça, padre Magnus, tente a guarda dele, eu provarei para a
justiça que sou muito melhor do que você para cuidar dele.
— Se eu fosse você, não perderia seu tempo. Eu não somente usarei
argumentos contra você, como usarei meu dinheiro e influência. Se você
continuar a insistir.
— Você age como se fosse um desses homens poderosos
multimilionários, ou até como se fosse Deus, mas saiba que não é nada.
Um professor universitário pode ganhar bem, mas não o suficiente para
influenciar a justiça.
— Querida Eve, não seja tão ingênua, obviamente que não sou apenas
um professor universitário e padre.
— Então o que você é?
— Você descobrirá com a convivência quem eu sou, mas só te aviso,
Eve, não me desafie. Eu vou usar de todas as armas que tenho disponível
para conseguir o que quero, então comece a colaborar.
— Isso e chantagem — falei perplexa.
— Pense o que quiser, Eve.
Nesse momento, o bebê começou a ensaiar um choro. Olhei para o
padre alarmada, ele estava próximo do berço e voltou-se para o pequeno,
que movia as mãozinhas, nervoso. Logo começou a chorar.
— Você escolheu ter esse fedelho barulhento para atrapalhar a nossa
vida, Eve, agora arque com as consequências.
— Sai de perto do meu filho.
Ele riu irônico e apenas comunicou:
— Chamarei a enfermeira para te ajudar.
Assim que ele saiu do quarto, fiz um esforço para me levantar da
cama e pegar o Henry, que já estava se esgoelando. Aproximei-me do
berço e o peguei.
— Calma, meu menino, a mamãe está aqui.
A enfermeira entrou no cômodo e me ajudou a voltar para a cama e
amamentá-lo. Dei graças a Deus pelo padre Magnus não estar no local,
me sentiria muito constrangida.
As horas foram passando e eu não parava de pensar sobre tudo o que
estava acontecendo. De fato, o padre Magnus pode tirar o bebê de mim?
Ele disse que era influente e tinha dinheiro, mas não tinha a noção do que
isso significava. Ele também disse que Henry era herdeiro de bilhões...
Tudo isso era tão complexo, parecia um quebra-cabeça.
Alguém bateu à porta, me arrumei na cama e permiti que entrasse.
— Oi, meu amor.
Era mamãe e Jemima que beijou a minha testa e fez o sinal da cruz
para, em seguida, ir olhar o bebê.
— Oi, mãe, pensei que não viria me visitar.
— Queríamos ter vindo antes, mas o padre Magnus não permitiu.
— Não permitiu? Como assim?
— Filha, creio que ele já te falou os planos dele.
— Sim, falou, mas eu não quero me casar com ele.
— Eu tive essa mesma reação, contudo acho que não podemos fazer
nada, ele tem a faca e o queijo na mão. Tomou conta de toda a situação,
nem ao menos pude opinar sobre você e o bebê. Inclusive te transferiu
para esse hospital sem o meu conhecimento!
— Me transferiu de hospital... Essa não é a clínica do doutor Gabriel?
— Não, estamos em um hospital próximo de Londres. Olhe em volta,
a clínica do Gabriel é maravilhosa, mas não chega aos pés disso aqui.
Realmente, eu tinha reparado que o quarto era luxuoso, muito grande
inclusive, mas tinha concluído que o doutor Gabriel tivesse me instalado
em uma das melhores acomodações.
— Como ele ousou fazer isso? — perguntei indignada e continuei os
questionamentos: — E onde está o doutor Gabriel e o Miguel?
— Bom, depois que você foi transferida, ele não podia mais ser seu
médico, e Miguel... bem, eu mesma pedi para que ele não te procurasse e
nem tentasse te contatar nunca mais. Ele atendeu ao meu pedido.
— O padre Magnus... — engoli em em seco antes de continuar —
disse alguma coisa para ele? O ameaçou?
— Eu não sei, tenho notícia dele através do Gabriel e ele me informou
que o filho saiu da cidade e decidiu fazer residência em outro hospital.
— Que lástima, tudo por minha culpa!
— Não é sua culpa, infelizmente estamos nas mãos do padre Magnus,
não podemos fazer nada, meu amor.
Uma pequena enxaqueca começou a martelar minha cabeça. O que
iria ser das nossas vidas? Ele daria as ordens e obedeceríamos
humildemente? Mas o pior de tudo não era o futuro incerto, mas um
sentimento que assolava meu coração. Eu tentei não pensar sobre isso,
mas desde o momento que ele anunciou o casamento, senti uma euforia.
Droga! Eu sei, não deveria sentir isso, euforia? Ao lado dele nunca serei
realmente feliz, porém, pensando por outro lado, meu filho terá a presença
do pai em sua vida, eu secretamente havia desejado isso. Que confusão na
minha cabeça, estou no meio de um fogo cruzado.
Mamãe gentilmente pegou minhas mãos e as apertou afagando. Logo
em seguida, comunicou:
— Filha, eu não irei com vocês para a nova casa.
— Não? Mas por quê?
— Padre Magnus não permitiu, na verdade ele não me convidou. Mas
não precisa se preocupar comigo, eu estou bem morando com o Gabriel.
Jemima estará lá com você e irei visitá-las sempre e ao meu netinho
também.
— Mãe, eu posso falar com ele...
— É melhor não — mamãe me cortou. — Embora tudo isso seja
estranho, eu espero que realmente o padre Magnus seja um bom pai e
marido.
— Eu não sei, ele ameaçou tirar meu filho para me convencer a esse
casamento.
— Meu amor, preste atenção no que vou te falar. Eu não queria que se
casasse com ele nunca, por mim iríamos embora amanhã para bem
longe, mas já percebemos que de nada adiantaria, ele tem dinheiro e
influência, além do mais tem direitos sobre o menino. Se fugirmos, ele
pode nos acusar de sequestro, já que o registrou. Além do mais, temos
que pensar no Henry agora.
— Ele nem ao menos gosta do filho.
— Com o tempo, eu espero que ele se acostume, é o mínimo!
Suspirei fundo, realmente estava sem saída.
Mamãe e Jemima ficaram comigo até o início da noite. Um médico
veio me examinar e ver se estava tudo certo para liberar a alta no dia
seguinte, de manhã. Fiquei aliviada e apreensiva ao mesmo tempo por
todas aquelas mudanças em minha vida e mal consegui dormir olhando
para o meu bebê, por quem já tinha um imenso e enorme amor, um amor
que consumia todas as outras coisas.
Inclinei a cabeça para olhar pelo vidro do carro luxuoso, enquanto o
motorista cruzava a entrada de uma extensa propriedade rodeada por
jardins verdes e floridos bem tratados com chafarizes, toda a beleza
digna de ser chamada de palácio. Estava estupefata por todo o esplendor
daquele lugar, que nem imaginava poder ser meu lar. Jemima estava do
meu lado junto com Henry.
Havia recebido alta aquela manhã e, para minha surpresa, o padre
Magnus não foi me buscar, ele mandou o motorista junto com Jemima.
Confesso que fiquei um pouco desapontada, tinha fantasiado que ele
ficaria feliz em levar o filho para casa, apesar de tudo, mas vi que não.
Não deveria me sentir assim, pensei que ele só aceitou a criança por
obrigação. Continuei olhando admirada a casa que apareceu no meio da
propriedade. Era esplêndida, uma mansão com dois andares toda branca
com janelas francesas. O motorista parou na frente da casa; e logo atrás
de nós, outro carro onde haviam outras pessoas, que me pareceram
seguranças. Um deles apareceu do lado da minha porta e a abriu. Desci e
Jemima também o fez com o Henry no colo.
“Os seguranças nos protegiam de quê?”, me questionei. Mas apenas
os segui.
A grande porta de entrada foi aberta e mais pessoas estranhas nos
receberam no lar. Lar! Essa pequena palavra fez meu coração balançar de
repente, palpitando por tanta beleza em volta, mas logo movi a cabeça,
eu não tinha um lar e essa casa não se assemelhava a um.
Entrei em um amplo hall da qual surgiu uma elegante escada que se
curvava na parte superior até um corredor que unia ambas as partes da
casa. O piso e os objetos de artes, chamaram minha atenção. Não
imaginava uma criança pequena vivendo ali, aquela não era uma casa
para criar um filho.
Uma mulher elegante e distinta, vestida totalmente de preto, veio
falar conosco:
— Bem-vindas! Eu as conduzirei a seus aposentos.
Deixei-me conduzir, mas achando tudo formal demais, embora
tivesse sido criada em meio à riqueza, aquela casa nem se comparava a
nossa, que era acolhedora com uma atmosfera familiar. Essa era fria e
austera, como se fosse um museu moderno peculiar. Subimos as
escadarias e logo estava em um luxuoso quarto. Não havia nenhum berço
para colocar o Henry e fazia questão que, por ora, ele dormisse comigo,
não abrirei mão disso de jeito algum! Jemima ainda estava com o Henry
no colo com o semblante questionador.
— Essa é a suíte máster, o quarto da empregada é no andar inferior e
o do bebê ainda não foi selecionado, esperamos que o faça.
— Não quero que meu filho tenha um quarto separado ainda, se não
for pedir muito peço que providencie um berço portátil com trocador, ele
dormirá comigo.
— Sim, providenciaremos como pedido.
— O-obrigada.
— É melhor você se deitar agora para descansar um pouco, daqui a
pouco o Henry acordará e exigirá sua atenção — Jemima falou colocando
Henry sobre a enorme cama.
Outra pessoa entrou no quarto com as nossas coisas, Jemima separou
uma roupa leve para eu trocar. Os empregados saíram e ficamos eu e
Jemima. Respirei aliviada.
— Isso tudo é tão estranho, Jemima, nunca imaginei que o padre
Magnus fosse tão rico e nem mesmo que estaria nessa situação.
— Nem eu, querida, todos esses anos eu não esperava, mas não se
preocupe com isso agora, temos que pensar na segurança do Henry,
estarei aqui para te ajudar e te proteger.
— Obrigada. Gostaria que mamãe também estivesse aqui, mas seria
exigir muito.
— Amanhã ela virá, sua mãe tem a vida dela agora com o doutor
Gabriel.
O dia passou rápido e nem sinal do padre Magnus, isso me deixou
triste, realmente ele não fazia questão nenhuma de ficar com o filho.
Alguém trouxe o berço que eu havia solicitado. Depois de comer o jantar
no quarto e ter a ajuda com o Henry, deitei-me na cama pensativa sobre
tudo e acabei dormindo.
Acordei com alguém me beijando no rosto. Tentei me levantar, mas
ele me prendeu com seu corpo.
— Padre Magnus? — perguntei assustada.
— Gosto quando você me chama de padre Magnus, quero que sempre
me trate assim na cama, mas não precisa fazê-lo fora dela,
principalmente em ambientes públicos.
De novo, ele me beijou, dessa vez procurando minha boca, tentei
evitar.
— O que está fazendo? Não podemos ter contato íntimo, estou no
período de resguardo!
— Sei disso, mas te beijar não é proibido. Estou com tantas saudades.
Ele voltou a beijar a curva do meu pescoço pressionando também o
quadril para que eu sentisse a força da sua ereção. Meu corpo todo
acendeu-se, contudo esfriei rapidamente quando o pequeno Henry
começou a chorar. Rapidamente, o empurrei e saltei da cama para pegá-
lo. O bebê queria mamar, mas estava constrangida pelo padre Magnus
estar no quarto. Olhei na direção dele e percebi que seu semblante estava
bem aborrecido.
— Acho que ele quer mamar — falei tímida. Padre Magnus suspirou
profundamente e se levantou, passou os dedos pelos cabelos e me lançou
um olhar mortal.
— Faça o que tem que fazer. Amanhã te mostrarei a propriedade e
um joalheiro virá para que você escolha o seu anel.
Ele moveu- se até a porta, mas, antes de sair, comunicou:
— Eu espero, Eve, que você providencie um quarto separado para
essa criança, pois, depois do casamento, não admitirei interrupções.
— Essa criança tem nome, é Henry e é seu filho.
— Sei disso, mas te aviso que não usará essa criança para me
manipular, eu me casarei com você por bem ou por mal, porém essa é a
única exceção, do resto, quem decide sou eu.
Ele nem ao menos me deixou rebater, saiu do quanto batendo a porta.
Triste, sentei-me na poltrona para alimentar Henry, que já se mostrava
impaciente com a demora.
No dia seguinte, após o café da manhã, um joalheiro chegou com uma
imensa variedade de anéis de diamantes para que eu pudesse escolher
um. Ele apresentou diversas bandejas e eu olhei para todas aquelas
pedras magníficas sem saber qual escolher. Pensei no valor,
provavelmente valiam mais que o PIB de um pequeno país de Terceiro
Mundo. Eu não tinha certeza se podia escolher qualquer um, lhe lancei
um olhar questionador.
— Você pode escolher qualquer um deles, senhorita.
Sendo assim, acabei optando por um de diamante branco com um
solitário e, em volta do aro, pequenos diamantes.
— Excelente escolha — o joalheiro falou, pegando o anel
correspondente ao meu tamanho e me entregou, deslizei a joia no dedo e
senti uma emoção muito forte, uma vontade de chorar e rir ao mesmo
tempo.
— Obrigada — agradeci.
Os dias foram passando e os preparativos para o casamento
acontecendo, parecia que estava vivendo um sonho e um pesadelo ao
mesmo tempo. Padre Magnus, embora não demonstrasse afeto pelo
Henry, comigo ele agia como um noivo apaixonado. Flutuantes sentidos
lutavam para manter minha sanidade mental, mas a cada dia que passava
mais certeza tinha de que estava fazendo a coisa certa. Não havia dúvidas
dentro de mim que eu o amava, eu era louca por amá-lo, mas esse
sentimento se fortalecia dentro de mim a cada dia que ele me tocava.
Poucos dias antes do casamento, cheguei à conclusão que me casar
com ele era a coisa mais certa a se fazer, não haviam escolhas e de fato
colaborar parecia certo. Pelo meu filho e por mim, por todos que
restaram ao meu lado. Mesmo que ele não demonstrasse sentimentos
pelo menino, tinha a esperança de que isso mudasse com o tempo, eu
queria acreditar nisso com todas as forças, afinal iríamos nos casar e nos
tornar marido e mulher.
A manhã estava linda para um casamento. Embora o sol frio do final
de inverno se mostrasse tímido, o céu estava azul radiante sem muitas
nuvens.
Todos estavam reunidos na sala para a celebração daquela união.
Pelo que mamãe falou, não haviam muitas pessoas, além dela, do doutor
Gabriel e Jemima, alguns conhecidos do padre Magnus e familiares. Eu
estava nervosa como nunca, era estranho que, em poucos minutos,
estaria me casando com o pai do meu filho.
Olhei-me no espelho e tentei esconder a expressão sombria do rosto.
Queria me mostrar feliz e alegre com um sorriso de orelha a orelha, mas
não era realmente assim que eu me sentia agora, na verdade estava com
medo e tensa. Não pelo casamento em si, mas em como seria a nossa vida
daqui para a frente.
Nesse último mês que vivi nessa casa, descobri aos poucos quem era
o padre Magnus. De fato, como ele mesmo já havia dito, era muito mais
que um padre e professor, mas pertencente à família Crawford, uma das
mais tradicionais e influentes da Inglaterra. Todos os dias era uma
surpresa, até dono da faculdade ele era, por isso explicava muitas das
suas atitudes.
Não só isso me assustava, mas todas as decisões que ele tomava sem
ao menos me perguntar se eu concordava ou não. Inclusive, sobre a lua
de mel que ficaremos uma única noite em um dos apartamentos mais
belos dele. Não concordei na hora, não queria ficar afastada do Henry
nem por uma noite, porém ele não me deu opção. Tentei argumentar
dizendo que o bebê era muito pequeno para ficar afastado de mim, que
poderíamos levá-lo junto, até porque ele ainda mamava no peito, no
entanto ele foi irredutível em sua decisão.
O que me deixou tranquila foi que mamãe passaria essa noite em casa
junto com Jemima cuidando dele. Fiz um pequeno estoque de leite
materno congelado. Mas uma angústia e um pequeno sentimento de
culpa apossou-se de mim, não queria deixar meu filho nem nesse dia.
Passei a mão no estômago alisando o vestido simples escolhido para a
ocasião. Nada de babados e tules e nem véu. Apenas um vestido tubinho
de seda bege com uma alça fina e franzido na zona dos seios. Por cima
um cardigã curto e de acessórios um conjunto lindo de colar e brincos de
diamantes. Os cabelos estavam presos com um coque baixo e um
pequeno arranjo de orquídeas brancas ornava a cabeça. Tudo simples,
mas muito romântico e clássico.
Mamãe entrou no quarto naquele momento com o Henry no colo, que
estava vestido como um pequeno rapazinho, um príncipe.
— Está lindíssima, meu amor.
— Obrigada, mãe, e esse bebê lindo.
Estendi a mão para o pegar. Ele estava tão fofo, me encarava com
seus lindos olhos azuis-cobaltos como os do pai. Vou sentir tanta a falta
dele!
— Mãe, cuide bem do meu bebê — falei abraçando-o.
— Claro que sim, será só por uma noite, ele ficará bem.
— Obrigada, eu sei que ele será bem-cuidado, mas estou com o
coração na mão por me afastar dele mesmo que por algumas horas.
— Padre Magnus te disse para onde vocês irão?
— Ficaremos aqui em Londres mesmo, em um apartamento no
Centro.
— Bom, de qualquer maneira ele sabe que vocês não podem ficar por
muito tempo, esse anjo precisa de você.
— Para quem disse que o tiraria de mim, não duvido nada.
— Filha, você tem certeza de que esse casamento é o melhor?
— Eu não tenho opção, mãe.
— Eu sei, mas esses dias pensei e pensei, talvez possamos ter uma
saída, recorremos ao Vaticano...
— Não! Definitivamente não. Ele sabe o que está fazendo, além do
mais só seria dor de cabeça. Eu realmente quero tentar, sei que é loucura,
mas esse último mês eu vi um lado dele mais humano, sabe, ele tem sido
gentil. Sei que ainda resiste ao Henry, mas tenho certeza de que ele o
aceitará com o tempo, já vimos que fugir só pode causar mais dor.
— Eu também quero acreditar nisso e que realmente esse casamento
seja o melhor para você. Por isso, filha, tem a minha bênção.
— Obrigada, mãe.
— Agora se prepara que tudo já está pronto para o início da
cerimônia. Me dê o Henry aqui. Irei na frente e avisarei para começarem
a música.
— Okay!
Entreguei o Henry para ela e suspirei fundo, peguei o buquê de flores
e esperei a música começar a tocar antes de começar a andar a passos
lentos até o início da escadaria que estava decorada com flores frescas ao
longo do corrimão e os degraus da escada havia uma passadeira
vermelha. Meu estômago encheu-se de borboletas à medida que eu
descia a escada e um burburinho de vozes dos convidados surgiu. O
padre Magnus estava elegante no terno cinza ao pé da escada me
esperando. Ele estava tão lindo e meu coração pulou dentro do peito.
Sorrindo discretamente para mim, segurou em minhas mãos e me
conduziu até o pequeno altar onde um juiz de paz nos aguardava.
A cerimônia iniciou, para mim tudo parecia um sonho, as palavras do
homem não faziam muito sentido na minha cabeça, eu estava me
casando e minhas pernas tremiam, estava em estado de êxtase. Fiquei
com um nó na garganta ao ouvir o padre Magnus jurar amor e fidelidade
até o fim da vida com os olhos brilhando. De repente, eu senti o desejo
que ele não só falasse isso da boca para fora, mas que realmente me
amasse. Porque eu já o amava, sim eu o amava e não faria essa promessa
se não o amasse profundamente.
O casamento foi concluído após a troca das alianças e as nossas
assinaturas. Ele beijou-me calorosamente sobre o aplauso dos presentes.
Ele ficou do meu lado enquanto recebíamos as felicitações. Uma senhora
muito elegante aproximou-se de nós.
— Que bom que uma jovem como tu trouxe meu sobrinho de volta à
família.
— Nunca me afastei, tia Candice — ele falou sério.
— Ficou anos sem nos contatar, morando na Itália.
— Tenho certeza de que não sentiu minha falta, só o que te
preocupava era continuar recebendo a sua mesada.
A mulher ficou muda e ruborizou. Eu também fiquei constrangida,
mas logo outros vieram falar conosco e o clima pesado se dissipou,
contudo percebi de imediato a hostilidade com que ele tratava os poucos
parentes. Mamãe e o doutor Gabriel se aproximaram com o Henry.
— Os nossos melhores desejos de um casamento longo e feliz. — Ele
apertou a mão do doutor Gabriel e eu abracei mamãe, que já tinha
entregado o Henry para a Jemima.
— Deus te abençoe, filha.
— Assim seja, mãe.
Jemima também se aproximou e me abençoou. Olhei para o meu filho
em seu colo adormecido em sua roupinha branca e lágrimas vieram aos
meus olhos enquanto me despedia do sonho e abraçava a realidade.
— Seja muito feliz!
Após o almoço, estávamos prontos para irmos embora. Havia um
helicóptero nos aguardando. Sucederam-se abraços, beijos e despedidas.
Beijei o rosto do Henry várias vezes antes de acompanhar meu marido.
Meu coração pesava, não consegui conter as lágrimas. O padre Magnus
friamente apenas olhou para o filho sem demonstrar nenhum tipo de
afeto e esse gesto atravessou meu peito como um punhal, respirei fundo,
confiante, e seguimos para o nosso destino.