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NEOPLASIA

Uma das características principais das neoplasias é justamente proliferação celular descontrolada.
Neoplasia pode ser entendida como a lesão constituída por proliferação celular anormal, descontrolada
e autônoma, em geral com perda ou redução de diferenciação, em conseuquência de alterações em
genes ou proteínas que regulam a multiplicação e a diferenciação das células. Nesse contexto, o que
diferencia uma neoplasia de uma displasia e hiperplasia é a autonomia de proliferação. Quando ocorre
em um órgão sólido, o maior número de células de uma neoplasia forma um tumor.

As neoplasias benignas geralmente não são letais nem causam sérios transtornos para o hospedeiro; por
isso mesmo, podem evoluir durante muito tempo e não colocam em risco a vida do seu portador. As
malignas, em geral, têm crescimento rápido e muitas provocam perturbações homeostáticas graves
capazes de levar o indivíduo à morte. As neoplasias benignas e malignas têm dois componentes: (1)
células neoplásicas (parênquima); (2) microambiente tumoral, que inclui o estroma conjuntivovascular e
o componente inflamatório.

Na prática, as neoplasias são chamadas de tumores. O termo "tumor" é mais abrangente, pois significa
qualquer lesão expansiva ou intumescimento localizado, podendo ser causado por muitas lesões.
Câncer é a tradução latina da palavra carcinoma (caranguejo).

Os tumores podem ser classificados de acordo com vários critérios: (1) comportamento clínico (benignos
ou malignos); (2) aspecto microscópico (critério histomorfológico); (3) origem da neoplasia (critério
histogenético); (4) alterações genômicas (critério molecular). (1) o sufixo -oma é empregado na
denominação de qualquer neoplasia, benigna ou maligna; (2) a palavra carcinoma indica tumor maligno
que reproduzi epitélio de revestimento; quando usada como sufixo, também indica malignidade; (3) o
termo sarcoma refere-se a uma neoplasia maligna mesenquimal; usado como sufixo indica o tumos
maligno de determinado tecido; (4) a palavra blastoma pode ser usada como sinônimo de neoplasia e,
quando empregada como sufixo, indica que o tumor reproduz estruturas com características
embrionátias (nefroblastoma, neoblastoma etc.).

Teratomas são tumores benignos ou malignos originados de células totipotentes ou multipotentes que
surgem gônadas (testículos ou ovários) e, menos frequentemente, em outras sedes, sobretudo em
correspondência com a linha mediana do corpo. Como se originam de células pluripotentes, os
teratomas são constituídos por tecidos derivados de mais de um folheto embrionário. Em teratomas
benignos, há diferenciação de tecidos, que formam estruturas organoides (pele e anexos, ossos, dentes,
olho etc.), porém dispostos desordenadamente. Em teratomas malignos, a diferenciação é limitada (são
imaturos), encontrando-se apenas raros esboços organoides de permeio com as células que sofreram
transformação maligna.

Neoplasias benignas

Apesar de muitas vezes não representarem grande problema para seus portadores, tumores benignos
têm grande interesse por sua frequência e pelas consequências que podem trazer. Seja por seu volume,
seja por sua localização ou outras propriedades, tumores benignos podem causar vários transtornos
(obstrução de órgãos ou estruturas ocas, compressão de órgãos, produção de substâncias em maior
quantidade etc.), inclusive morte. Nesse sentido, o termo "benigno" deve ser entendido com reservas.
As células das neoplasias benignas em geral são bem diferenciadas e podem até ser indistinguíveis das
células normais correspondentes. As atipias celulares e arquiteturais são discretas, ou seja, o tumor
reproduz bem o tecido que lhe deu origem. Como a taxa de divisão celular é pequena (baixo índice
mitótico), em geral o tumor tem crescimento lento e é bem delimitado. Como regra, tumores benignos
não recidivam após ressecção cirúrgica, não se infiltram nem destroem tecidos vizinhos e não ulceram.
Além disso, não comprometem a nutrição do hospedeiro e nem produzem sbstâncias que causam
anemia ou caquexia.

Neoplasias malignas

O câncer é uma doença complexa (não se trata de doença única): tem causas muito variadas, manifesta-
se de formas muito diferentes e mostra evolução diversa. Alguns cânceres são curáveis ou permitem
sobrevida longa. Outros, muito agressivos, não respondem aos tratamentos disponíveis e levam à morte
em pouco tempo. Possuem alta taxa de crescimento, figuras de mitose frequentes, grau de diferenciação
desde bem diferenciada até anaplásicas, atipias celulares e arquiteturais frequentes, defeneração e
necrose presentes, tipo de crescimento infiltrativo, cápsula geralmente ausente, limites da lesão
imprecisos, efeitos locais e sistêmicos geralmente graves e às vezes letais e metástases presentes.

Aspectos Morfológicos

Aspectos macroscópicos: os tumores podem ser císticos ou sólidos. Os tumores benignos são
geralmente bem delimitados e costumam apresentar cápsula de tecido conjuntivo. Excções existem,
como alguns gliomas (tumores do sistema nervoso) e tumores vaculares, que têm limites pouco precisos
e não possuem cápsula. Os tumores malignos, em geral, são pouco delimitados, não têm cápsula e
comumente invadem os tecidos e estruturas vizinhas. Os tumores sólidos apresentam-se
macroscopicamente sob quatro tipos, cujo conhecimento é útil para os diagnósticos anatômico, por
imagens e clínico. No tipo nodular, o tumor forma uma massa expansiva que tende a ser esférica, na
superfície ou na intimidade de órgãos; é visto em tumores benignos e em malignos originados em órgãos
sólidos (fígado, pulmões e rins). O tipo vegetante, encontrado em tumores benignos ou malignos que
crescem em superfície (pele ou mucosas), forma massa exofítica que pode ser poliposa, papilomatosa ou
em couve-flor; tais tumores ulceram-se precocemente. O tipo infiltrativo é praticamente exclusivo de
tumores malignos. Embora em todos os cânceres haja infiltração de tecidos vizinhos (o tumor não
respeita limites), a expressão tumor infiltrativo ressalta o aspecto predominante da lesão. Nele, há
infiltração maciça da região acometida, mas sem formar nódulos ou vegetações. Por isso, o [orgão torna-
se espessado, mas fica menos deformado do que nas outras formas. Quando se origina em órgãos ocos,
e especialmente quando é do tipo anular (compromete toda a circunferência do órgão), causa estenose.
Uma variedade do tipo infiltrativo é o câncer cirroso, no qual se forma abundante estroma conjuntivo,
como acontece no câncer da mama. O tumor ulcerado é o que sofre ulceração precoce; é quase
exclusivo de neoplasias malignas; a lesão infiltra-se nos tecidos adjacentes e ulcera-se no centro,
formando uma cratera com bordas endurecidas, elevadas e irregulares. Em muitos casos, existem
combinações desses tipos, como neoplasia ulcerovegetante etc. Com o aumento da sensibilidade dos
métodos de diagnóstico por imagens, os tumores estão sendo reconhecidos em fases cada vez mais
precoces, quando esses padrões macroscópicos clássicos podem não ser tão evidentes.

Aspectos microscópicos

Todo tumor é formado por células neoplásicas (parênquima tumoral) e estroma. Tumores com até 1 a 2
mm não possuem vasos; a partir desse tamanho, formam-se vasos sanguíneos na neoplasia
(angiogênese). As neoplasias não possuem inervação. A dor sentida pelos pacientes cancerosos deve-se
à infiltração ou à compressão de nervos adjacentes. Em neoplasias benignas, as células são bem
diferenciadas e podem ser até indistinguíveis das células normais correspondentes. As atipias celulares e
arquiteturais são discretas, e o tumor reproduz bem o tecido que lhe deu origem. As células crescem
unidas entre si, não se infiltram nos tecidos vizinhos e formam uma massa geralmente esférica; seu
crescimento é do tipo expansivo e comprime as estruturas adjacentes, que sofrem hipotrofia. Com
frequência, forma-se uma cápsula fibrosa em torno do tumor. A neoplasia é mais ou menos bem
delimitada e pode ser ressecada completamente. O crescimento lento da lesão permite a formação de
vasos sanguíneos, assegurando boa nutrição das células; desse modo, degenerações e necrose são
pouco comuns. As células das neoplasias malignas têm propriedades bioquímicas, morfológicas e
funcionais diferentes. Como a taxa de multiplicação é elevada (alto índice mitótico), em geral seu
crescimento é rápido; o mesmo não acontece com o estroma e os vasos sanguíneos, que se
desenvolvem mais lentamente, resultando em degenerações, necrose, hemorragia e ulceração: as
neoplasias malignas frequentemente sangram e apresentam áreas de necrose. Em geral, não possuem a
cápsula. As células cancerosas são em geral mais volumosas do que as normais, sobretudo por aumento
do núcleo (aumento da relação núcleo/citoplasma). A cromatina é irregular e mais compacta
(hipercromasia nuclear), podendo haver células bi ou multinucleadas. Figuras de mitose são frequentes,
mais numerosas em neoplasias malignas, não só típicas como atípicas (mitoses tri ou multipolares);
anomalias cromossômicas também são comuns, sobretudo aumento do número de cromossomos (tri e
tetraploidia, sendo aneuploidia mais frequente em neoplasias mais agressivas). Muito comum é a maior
quantidade de células por unidade de área (hipercelularidade). Encontram-se ainda figuras de mitose,
mais numerosas em neoplasias malignas; nestas, as mitoses podem ser atípicas. O citoplasma mostra
variações no volume e na forma das células (pleomorfismo celular). Por perda da diferenciação celular,
as células malignas apresentam atipias variadas. Algumas vezes, as células tornam-se monstruosas e
perdem seus aspectos morfológicos específicos, a ponto de não se saber se são epiteliais ou
mesenquimais. Atipia acentuada e perda das características morfológicas caracterizam a anaplasia. Por
causa das atipias celulares, há também atipias arquiteturais ou histológicas, pois as células não se
organizam segundo a orientação do tecido normal. Em adenocarcinomas, as glândulas exibem inversão
da polaridade celular e formam glândulas pequenas com luz reduzida ou apenas cordões celulares sem
lúmen evidente. Como são menos aderidas entre si, as células cancerosas podem movimentar-se e
infiltrar-se no estroma e nos tecidos adjacentes. Também pelo crescimento infiltrativo, os limites do
câncer com as estruturas vizinhas são pouco definidos, e, em consequência, a remoção completa do
tumor muitas vezes é difícil. Em muitos casos, em torno da lesão principal existem ilhotas ou cordões de
células neoplásicas que proliferam e podem dar origem a novos tumores. Por isso, o cirurgião
normalmente procura retirar certa quantidade de tecidos aparentemente normais (margem de
segurança) na tentativa de que todo o tumor seja removido. Mesmo assim, o câncer tem tendência a
sofrer recidiva local. Durante certo tempo na evolução inicial de carcinomas, as células neoplásicas ficam
restritas à camada epitelial e limitadas pela membrana basal. Como não há invasão do estroma
subjacente, fala-se em carcinoma in situ. As neoplasias malignas têm estroma com células endoteliais,
pericitos, fibroblastos, mastócitos e células originadas da medula óssea, incluindo leucócitos,
precursores de células dendríticas, células-tronco mesenquimais e células supressoras mieloides.
Célulastronco do tumor mostram ampla plasticidade e originam células com características de endotélio
ou de fibroblastos associados ao tumor. Células do estroma do câncer têm propriedades diferentes
daquelas do estroma do tecido de onde o tumor se originou, todas voltadas para facilitar a progressão
da neoplasia. Complexa também é a interação das células cancerosas com o estroma durante a
carcinogênese, pois o desenvolvimento do câncer depende não somente de alterações genéticas ou
epigenéticas em células neoplásicas, mas também nas do estroma, como será visto adiante. A
quantidade e a qualidade das células no estroma nos diferentes tipos de câncer variam bastante;
exsudato inflamatório está presente, mesmo que escasso, em todos os tumores. Admitiu-se inicialmente
que as células inflamatórias estariam exercendo efeito defensivo contra a neoplasia, o que levou
pesquisadores a estudarem tais células tentando correlacionar o seu número com o prognóstico. Maior
número de células inflamatórias no tumor não se correlacionava sempre com melhor prognóstico,
podendo inclusive indicar o oposto – ou seja, pior evolução. Quando predominam linfócitos T CD4+
produtores de IFN-µ (Th1), macrófagos ativados do tipo M1 e linfócitos citotóxicos T CD8+, há correlação
com melhor prognóstico. Se há predomínio de linfócitos Th2, de macrófagos alternativamente ativados
(M2) ou de células mieloides supressoras, o número dessas células associa-se a pior evolução. Tais
observações reforçam a suspeita de que, algumas vezes, o câncer induz o sistema imunitário a trabalhar
a seu favor. A quantidade e a qualidade de matriz extracelular (MEC) no estroma dos cânceres varia
bastante. A quantidade de colágeno é pequena, enquanto o ácido hialurônico é abundante, o que
favorece o deslocamento das células tumorais. Há tumores que induzem grande produção de MEC,
especialmente de colágeno, formando tecido conjuntivo denso, pobre em células. Esses são
denominados tumores desmoplásicos.

Metástase

A propriedade mais importante das células malignas é a sua capacidade de invadir localmente, de
ganhar uma via de disseminação, de chegar a sítios distantes e de neles originar novos tumores
(metástases). Aliás, a maior gravidade do câncer depende desse fato. Metástase é a formação de um
novo tumor a partir do primeiro, mas sem continuidade entre os dois.

(1) destacamento das células da massa tumoral original; (2) deslocamento dessas células através da
matriz extracelular (MEC); (3) invasão de vasos linfáticos ou sanguíneos; (4) sobrevivência das células na
circulação; (5) adesão ao endotélio vascular no órgão em que as células irão se instalar; (6) saída dos
vasos nesse órgão (diapedese); (7) sobrevivência e proliferação no órgão invadido; (8) indução de vasos
para suprimento sanguíneo da nova colônia.
Em geral, as metástases apresentam-se macroscopicamente como nódulos múltipos, bem delimitados,
de tamanhos diversos, na superfície ou na intimidade de órgãos. Individualmente, muitas vezes o nódulo
metastático tem características macroscópicas de um tumor benigno. Ao microscópio, o quadro é bem
variado. As células de metástases podem ter as mesmas características do tumor primária ou até,
raramente, ser mais diferenciadas; na maioria das vezes, contudo, são menos diferenciadas e mais
atípicas. Por isso mesmo, ao se analisarem metástases em um órgão, nem sempre é possível determinar
o tumor de origem.

Via linfática. É a principal via de disseminação inicial de carcinomas. Como regra, o primeiro sítio de
metástases é o primeiro linfonodo na via de drenagem linfática do tumor, chamado linfonodo sentinela.
As primeiras metástases linfonodais de um câncer do pulmão, por exemplo, aparecem nos linfonodos do
hilo pulmonar, enquanto as do câncer do quadrante superior externo da mama surgem primeiro nos
linfonodos axilares. Após comprometimento da cadeia linfonodal mais próxima, outros linfonodos
situados imediatamente adiante podem ser acometidos. Algumas vezes, no entanto, as metástases
"saltam" o primeiro linfonodo e aparecem noseguinte ou surgem em linfonodos não relacionados
topograficamente com a sede do tumor. É o caso de metástases supraclaviculares de um câncer gástrico.
Linfonodos com metástases em geral encontram-se aumentados de volume e, às vezes, tornam-se
confluentes, formando massas volumosas; linfonodos ou massas podem ser palpados se estiverem
localizados em cadeias superficiais ou ser detectados por exames de imagens (radiografia,
ultrassonografia, tomografia etc.) quando em cadeias profundas. Nem toda linfonodomegalia próxima de
um câncer significa metástase: antígenos de tumores são levados aos linfonodos e induzem hiperplasia
linfoide, que resulta em aumento de volume do órgão. Por outro lado, um linfonodo pequeno, de
tamanho normal, pode conter metástases microscópicas.

Linfonodo sentinela. É aquele identificado como o primeiro linfonodo no trajeto do tumor até a cadeia
linfonodal regional; pode ser detectado por injeção no tumor de radioisótopos ou corantes que atingem
a via linfática. O exame microscópico do linfonodo sentinela é procedimento de rotina no estadiamento
de tumores da mama e melanomas e, mais recentemente, também em tumores endometriais.

Via sanguínea. Células cancerosas que penetram na corrente sanguínea podem ser levadas a qualquer
parte do corpo. Embora a metastatização não seja aleatória nem explicada somente pela anatomia da
circulação, tumores de órgãos tributários do sistema porta dão metástases inicialmente no fígado. Por
receberem todo o sangue do sistema das veias cavas, os pulmões são sede frequente de metástases.
Estas são comuns também no encéfalo e nos ossos; em cânceres próximos da coluna vertebral (p. ex.,
tireoide), as células malignas podem ganhar o plexo venoso paravertebral e originar metástases nas
vértebras. No entanto, só o critério anatômico não explica a localização preferencial de metástases, pois
estas dependem de fatores ligados tanto às células malignas como ao nicho pré-metastático.

Outras vias. O transporte de células neoplásicas pode ser feito também por canais, ductos ou cavidades
naturais. Quando atingem a pleura ou o peritônio, células neoplásicas podem originar metástases na
serosa e nos órgãos subjacentes. Quando as metástases de carcinomas são difusas no peritônio, fala-se
em carcinomatose peritoneal. Células de tumores mucossecretores do apêndice cecal podem cair na
cavidade peritoneal, implantar-se na serosa e produzir grande quantidade de material gelatinoso,
formando o chamado pseudomixoma peritoneal. Outro tipo de disseminação por via peritoneal é o
tumor de Krukenberg, no qual se formam metástases bilaterais nos ovários a partir de cânceres de
órgãos abdominais. Metástases podem surgir ainda no trajeto de feridas cirúrgicas ou de agulhas
utilizadas para punções-biópsias. Felizmente, essa complicação de biópsias por punção com agulha fina
ou grossa é pouco frequente, não invalidando seu uso como método prático e eficaz para diagnóstico de
muitos tumores.

Carcinogênese viral

O estudo da carcinogênese viral tem grande interesse porque, de um lado, cânceres humanos e de
outros animais associam-se a infecções por vírus e, de outro, pelo fato de os conhecimentos sobre os
mecanismos envolvidos na carcinogênese por vírus muito ajudarem na compreensão da carcinogênese
em geral. Vírus de RNA ou de DNA podem induzir tumores. A maioria dos vírus oncogênicos de RNA em
humanos são retrovírus. Retrovírus são vírus de RNA de fita simples que, após penetrarem em células e
por ação de uma transcritase reversa, são convertidos em DNA de fita dupla (provírus) e se integram ao
genoma celular. Alguns retrovírus possuem oncogenes (v-ONC), outros não. v-ONCs são proto-oncogenes
que sofreram mutações durante sua incorporação pelos vírus ou são proto-oncogenes que se integraram
próximo a promotores virais. Os retrovírus têm interesse sobretudo em estudos de oncogênese
experimental e de oncogenes. Tais vírus têm ampla distribuição em várias espécies animais (répteis,
peixes, aves e mamíferos), nas quais induzem neoplasias variadas. Vírus de DNA: Muitos vírus de DNA
associam-se a neoplasias diversas, benignas ou malignas, em humanos e outros animais. A maioria dos
vírus de DNA oncogênicos conhecidos é de animais de laboratório, domésticos ou selvagens. Nestes, o
exemplo mais conhecido é o do papiloma cutâneo de coelho selvagem, nos quais os tumores são
inicialmente benignos (papilomas), mas têm grande tendência a malignizar-se. Também importantes são
tumores cutâneos, genitais e do trato digestivo de bovinos causados pelo vírus do papiloma bovino
(BPV). Na carcinogênese humana, os vírus de DNA importantes são o vírus do papiloma humano (HPV), o
vírus Epstein-Barr (EBV), o vírus da hepatite B (HBV) e o vírus do herpes humano tipo 8 (HHV-8). Infecção
por vírus de DNA oncogênico ocorre de dois modos: (1) o vírus infecta a célula, e esta permite a
transcrição de seus genes precoces e tardios, além da duplicação de seu DNA; com isso, formam-se
novas partículas virais, e a célula é destruída (efeito lítico). Quando ocorre essa sequência de eventos, a
célula é chamada permissiva; (2) a célula não permite a replicação viral (não permissiva). Nesta, os genes
tardios responsáveis pela codificação de proteínas do capsídeo, não são expressos; contudo, os genes
precoces são transcritos, a célula permanece viável e o DNA viral integra-se ao genoma da célula
hospedeira. Esses dois fenômenos – expressão de genes precoces e integração do DNA viral – parecem
ser os responsáveis pela transformação celular. A expressão dos genes iniciais desses vírus resulta na
síntese de algumas proteínas que atuam na transformação celular (proteínas transformantes), as quais
se ligam a proteínas codificadas por genes supressores de tumor. A proteína E1A do adenovírus e a
proteína E7 do vírus do papiloma humano, por exemplo, ligam-se à proteína RB, enquanto as proteínas
E1B do adenovírus e E6 do vírus do papiloma humano ligam-se à p53. Inativação das proteínas RB e p53
resulta em perda do controle da proliferação celular e em aquisição do caráter transformado.
Vírus do papiloma humano. Os vírus do papiloma humano (HPV) têm tropismo para epitélio escamoso
da pele e de mucosas, nas quais provocam lesões proliferativas benignas ou malignas. São conhecidos
mais de 100 tipos diferentes do vírus, cada um com sede preferencial e potencial maligno distintos. As
lesões induzidas por HPVs mais comuns e importantes são verrugas cutâneas, papiloma da laringe,
condiloma acuminado e tumores anogenitais. O maior impacto do HPV em tumores humanos resulta de
sua associação com lesões displásicas e malignas do colo uterino. Displasias de baixo grau contêm
frequentemente HPV dos tipos 6 e 11 (baixo risco), enquanto em displasias de alto grau e em carcinomas
in situ e invasor são encontrados predominantemente os tipos 16, 18, 31, 33, 35 e 51 (alto risco). Tipos
distintos do vírus induzem lesões de gravidade variada. Na maioria dos carcinomas, o genoma viral está
integrado ao da célula hospedeira, enquanto em lesões benignas o vírus encontra-se na forma
epissomal. Tal fato reforça o papel da inserção de uma sequência estranha (mutação) no surgimento de
uma neoplasia. No carcinoma do colo uterino, o DNA do HPV integra-se ao DNA celular. A integração
ocorre em posição que bloqueia a expressão da sequência E2 do genoma viral; E2 é repressora das
sequências E6 e E7 do vírus. Com baixa expressão de E2, a expressão dos genes E6 e E7 fica liberada e
seus produtos (proteínas transformantes) combinam-se com proteínas celulares que interferem nos
mecanismos de proliferação e sobrevivência das células. pE6 liga-se à p53, e pE7, à pRB, impedindo sua
atividade ou favorecendo sua rápida degradação em proteassomos. E6 e E7 de HPV de alto risco têm
maior afinidade, respectivamente, com p53 e pRB do que as dos vírus de baixo risco. Além disso, a pE6
ativa a telomerase, enquanto a pE7 inativa a p21, esta inibidora do complexo CDK4/ciclina; com isso, há
estimulação da divisão celular. Por tudo isso, pE6 e pE7 bloqueiam um controle importante da
proliferação celular. Além desses mecanismos, outros fatores contribuem para a carcinogênese no colo
uterino, como tabagismo e outros componentes ambientas (p. ex., infecções). Coinfecção com HIV
aumenta o risco de carcinoma cervical.

Vírus Epstein-Barr. O vírus Epstein-Barr (EBV), transmitido pela saliva, é amplamente distribuído na
natureza, estimando-se que cerca de 80% dos adultos no mundo todo sejam infectados ao longo da vida.
A infecção primária geralmente é assintomática, mas pode resultar na mononucleose infecciosa, que é
doença autolimitada: os pacientes apresentam infecção de vias respiratórias superiores, febre,
linfonodomegalia e dor. Após cura da doença, o vírus permanece em linfócitos B de memória. Em alguns
indivíduos, a infecção é persistente e associa-se a neoplasias. A primeira neoplasia associada a infecção
por EBV foi o linfoma de Burkitt, descrito em crianças africanas em 1964. O tumor apresenta-se de duas
formas: uma endêmica, que acomete crianças da África e é a neoplasia da infância mais comum nessa
região, e outra esporádica, menos comum e encontrada em diversas partes do mundo. A quase
totalidade dos tumores africanos contém o genoma do vírus, e 100% dos pacientes apresentam títulos
elevados de anticorpos anti-EBV. Na forma esporádica, o genoma viral é encontrado em apenas 15 a 20%
dos tumores. Nas duas formas, existe a translocação t(8:14), que resulta em ativação do gene MYC
(Figura 10.25 A). Parece que o EBV é apenas um dos fatores causais do linfoma de Burkitt, mas incapaz,
sozinho, de induzir tumores. Nesse sentido, é postulado que a malária (também endêmica na África)
pode ser um cofator importante, pois estimula o sistema imunitário e induz proliferação de linfócitos B.
Células com taxa elevada de multiplicação são mais suscetíveis a sofrer mutações, inclusive a
translocação característica desse linfoma. Associação com EBV é encontrada também em outros
linfomas, como linfoma de Hodgkin, linfoma de células T/NK nasal e subgrupos de linfoma difuso de
grandes células B associados a imunodeficiência. Há duas possibilidades para infecção persistente: (1) o
vírus infecta linfócitos de órgãos linfoides que não foram ainda estimulados a produzir anticorpos
(estágio pré-centro germinativo); tais linfócitos passam pelo centro germinativo e sofrem ativação,
expansão policlonal, criação de diversidade do receptor de antígenos externos e seleção de clones com
maior reatividade; (2) o vírus infecta células do centro germinativo e/ou células B de memória. No
primeiro caso, o vírus modifica o seu perfil de expressão gênica ao longo da progressão de linfócitos no
centro germinativo e gera perfis de latência nos diversos linfomas relacionados com o vírus. Células
linfoides transformadas in vitro no estágio pré-centro germinativo expressam o padrão de latência III: (a)
antígenos nucleares EBNA-1, 2, 3A, 3B, 3C e LP; (b) proteínas latentes de membrana (LMP-1, LMP-2A e
LMP-2B); (c) dois grupos de miRNA virais; (d) RNAs não codificadores (EBER, Epstein-Barr encoding RNA).
Parte dos linfócitos progride para o centro germinativo e expressam o padrão de latência II, que consiste
na expressão de EBNA-1, LMP-1 e LMP-2, mas não os demais antígenos. LMP-1 e LMP-2 têm função
análoga à do receptor de células B e transmitem sinais de sobrevivência prolongada ao linfócito,
contribuindo para a sua imortalização. Nas células B de memória, o EBV modifica sua expressão para
evitar o reconhecimento antigênico (latência 0). Quando as células B de memória se dividem, o vírus
ativa o gene EBNA-1, que é necessário à produção viral epissomal e transmissão às células-filhas (padrão
de latência I).

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