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NEUROPSICOFARMACOLOGIA DO GAMA-HIDROXIBUTIRATO (GHB) COMO


DROGA DE ABUSO

Article · October 2019


DOI: 10.15729/nanocellnews.2019.10.21.001

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Aline Valéria Sousa Santos Marcela Echeverry


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NEUROPSICOFARMACOLOGIA DO GAMA-
HIDROXIBUTIRATO (GHB) COMO DROGA DE ABUSO
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October 21, 2019

Aline Valéria Sousa1,2, Camila Sayuri Higa3, Marcela Bermúdez Echeverry1

¹ Laboratório de Neurofarmacologia do Controle Motor, Centro de Matemática,


Computação e Cognição (CMCC), Universidade Federal do ABC (UFABC)

² Programa de Pós-Graduação em Neurociência e Cognição, UFABC

³ Bacharelado em Neurociência, Universidade Federal do ABC, Centro de Matemática,


Computação e Cognição, UFABC

Edição Vol. 6, N. 10, 21 de Outubro de 2019

DOI: http://dx.doi.org/10.15729/nanocellnews.2019.10.21.001

O GHB, descoberta pelo cientista francês Hemi Laborit, em 1960, é um composto


produzido endogenamente (0,5-1,0 mg/L) a partir do principal neurotransmissor inibitório,
o GABA (Ácido Gama-Aminobutírico), em vários tecidos de mamíferos, dentre eles o
encefalico (1). O GHB pode ser reconvertido a GABA, de forma que o GHB é tanto
precursor, quanto metabólito da degradação do GABA (2,3).

O GHB atua como neuromodulador no sistema GABAérgico, especialmente através da


ligação em sítios específicos, de baixa afinidade, no receptor GABAB (1). Além disso, o
GHB possui GHB receptores (GHBR) com alta afinidade por eles (2). Em contraste com
o GABAB, o agonista Baclofeno não possui afinidade pelos GHBR, que estão distribuídos
nas camadas corticais I-III, com boa distribuição no hipocampo, moderada no tálamo
(hiperpolarizando neurônios da via tálamo-cortical, por receptores GABAB), e ausente no
cerebelo (4). Possui também mecanismos específicos de síntese, liberação e
recaptação, o que tem apoiado a hipótese da existência de um sistema GHBérgico
central (5,6). Tem sido proposto, inclusive, que a atividade biológica do GHB advém da
sua ligação aos seus receptores específicos, enquanto seus efeitos farmacológicos
decorrentes de administração exógena são mediados, diretamente, pelo seu agonismo
parcial ao receptor GABAB e indiretamente, pela sua conversão ao neurotransmissor
GABA, que por sua vez, é capaz de atuar também nos receptores GABAA e produzir os
efeitos sedativos e ansiolíticos do GHB (2) (ver Figura).

O GHB é capaz de atravessar a barreira hematoencefálica (BHE) (1). Sua forma sintética
foi inicialmente proposta como um anestésico geral (3,7), porém, devido aos seus efeitos
adversos, tais como vômitos e convulsões (8) seu uso foi suspenso. Atualmente, em
alguns países o sal de sódio do GHB é utilizado como agente terapêutico, via GHBR
para tratar distúrbios do sono (Xyrem®), abstinência de álcool (Alcover®) (4), discinesia

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tardia e desordem bipolar (9); além de ser amplamente utilizado como droga de abuso
(1) envolvendo receptores GABAB (9). Em pesquisa é usado para o estudo da
fisiopatologia da deficiência da semi-aldeído succínico desidrogenase (SSADH) (4).

Como droga recreativa o GHB é também conhecido como fantasia, ecstasy líquido, e G,
amplamente utilizada entre a população mais jovem, principalmente em festas noturnas,
no convívio social (7). Sua forma física é em líquido inodoro, levemente salgado, mas
também pode ser encontrado em pequenas garrafinhas, cápsulas ou em pó. O fator
social precipitante na dependência do GHB é o fato de seu pró-fármaco, o alfa-
butirolactona (GBL) converter-se facilmente a GHB, e estar disponível no mercado aberto
com baixo custo (3). Além disso, o GHB é amplamente utilizado concomitantemente com
outros tipos de substâncias de abuso, potencializando o seu efeito (1).

O consumo abusivo do GHB está relacionado com produzir sentimentos de euforia,


sociabilidade, desinibição sexual e relaxamento, além de propiciar estados alterados de
consciência (7). Entretanto, a administração exógena de GHB pode também provocar
intoxicação, abstinência, tolerância e dependência (10). Os efeitos adversos do GHB são
dose-dependente e inclui progressivamente amnésia, perda de controle motor,
sonolência, perda de consciência, convulsões, depressão cardiorrespiratória, podendo
chegar ao estado de coma ou morte, além de, com certa frequência, estar envolvido em
comportamentos de risco e ser utilizado em atos de agressão sexual (3,7). A GHB forma
parte das chamadas club drugs – as drogas de boate- raves, trance – e no Brasil, o GHB
é uma das principais substâncias utilizadas na prática do “Boa noite, Cinderela”, crime
que consiste em drogar a vítima para roubá-la ou estuprá-la (8).

Existem diversos fatores físicos, sociais e psicológicos ligados à dependência do uso do


GHB. Em termos neurobioquímicos, o GHB é capaz de atuar em diversos sistemas de
neurotransmissão encefálica, que somados resultam em seus efeitos fisiológicos (4). Seu
efeito modulatório nas vias dopaminérgicas encefálicas, e a modulação subsequente no
circuito dopaminérgico mesolímbico, estão criticamente envolvidos nos mecanismos de
dependência (4). A via mesocorticolímbica dopaminérgica é fisiologicamente inibida por
neurônios noradrenérgicos e GABAérgicos originados do locus ceruleus, e interneurônios
GABAérgicos do mesmo circuito dopaminérgico (2) (ver figura, área tegmental ventral,
VTA). O GHB usualmente é consumido juntamente com bebidas alcoólicas, causando
maior dependência ao álcool, e potencializando o efeito depressor central do álcool. O
efeito pode ser observado em cerca de 10 minutos e pode durar de 2 a 5 horas. Estudos
sobre o mecanismo de ação do GHB, propõem que o GHB é capaz de induzir a
desinibição dos neurônios dopaminérgicos do VTA, através da inibição da entrada
GABAérgica (ver figura) e noradrenérgica, com o consequente aumento na liberação de
dopamina no núcleo accumbens (NAc), o que é típico no efeito reforçador de muitas
drogas de abuso, no córtex pré-frontal (2) e região da amígdala estendida. A
administração crônica de GHB também pode dessensibilizar os receptores de GHB e o
receptor GABAB em neurônios dopaminérgicos, o que poderia contribuir para a indução
da dependência do GHB (4).

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No SNC, o GHB tem uma curva dose-resposta íngreme o que dificulta clinicamente
encontrar a dosagem ideal, levando à proibição da comercialização do produto e
precipitando seu uso no contexto de droga de abuso ou recreativo, com maior
probabilidade de uma overdose (4). Os usuários apresentam tolerância à droga e tem
sido proposto que seja por dessensibilização dos receptores dopaminérgicos
mesolímbicos, de tal maneira que para a droga produzir o mesmo efeito, é necessário
que a dose seja aumentada (9).

Após retirada, os usuários relatam sintomas de abstinência poucas horas após a


suspensão do GHB (11). O usuário pode apresentar insônia e tremores, que geralmente
desaparecem dentro de 2 semanas (11). Esses sintomas podem progredir para delírios
graves, convulsões e à morte em usuários que possuem o hábito de consumo pesado da
droga (10). Também já foi relatada a presença da síndrome de Wernicke-Korsakoff nos
usuários que passam pela retirada da droga (11). O tratamento da dependência deve ser
feito com auxílio da farmacoterapia e da terapia psicossocial. Entretanto, embora existam
estratégias terapêuticas, ainda não há um medicamento que seja 100% eficaz no
tratamento de pacientes adictos de GHB (9).

Mesmo que o panorama do uso do GHB seja como droga de abuso, existe a perspectiva,
dependendo da dose, de ser utilizado como tratamento para dependência de drogas,
inclusive do álcool. A proposta envolve concentrações altas do GHB no VTA, provocando
um efeito nos receptores GABAB pós-sinápticos expressos nos neurônios
dopaminérgicos (ver figura), resultando numa diminuição do disparo deles por uma
hiperpolarização produzida via proteína Gi/o que pode estimular a saída de K+, por canais
de GIRK (canais de K+ retificadores internos acoplados à proteína G), modulados pelo
álcool (12).

Com tudo o anterior, nos leva a sugerir que o estudo do GHB tem várias frentes de ação.
Assim, o surgimento de novos agonistas e antagonistas específicos, para estudar os
GHBR talvez possam contribuir para definir possíveis concentrações terapêuticas, de
abuso ou de desintoxicação.

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Figura 1: GHB e via mesolímbica envolvida na adição a drogas de abuso. Na área
tegmental ventral (VTA) está representado um interneurônio GABAérgico e no seu
terminal sináptico, o GABA é formado pela GAD a partir do glutamato. O GABA é
degradado pela enzima GABA-T para semi-aldeído succínico (SSA) sendo transformado
em GHB, com conversão reversa para SSA. O GHB liberado pode agir por receptores
próprios (GHBR) ou por receptor metabotrópico GABAB que pré-sinapticamente inibe a
entrada de Ca2+ e pós-sinapticamente aumenta a saída de K+ (por canais GIRK). O GHB
exógeno pode agir nos receptores expressos no interneurônio GABAérgico provocando
desinibição do neurônio dopaminérgico e consequente estimulação do neurônio de
projeção no Núcleo Accumbens (NAc), provocando a liberação de dinorfina, além da
ativação da projeção dopaminérgica para o córtex pré-frontal e amigdala estendida (via
do craving). Concentração alta de GHB, por administração exógena, pode agir por
receptor GABAB pós-sináptico, inibindo o neurônio dopaminérgico, via proposta como
anti-craving. GAD: descarboxilase do ácido glutâmico; GABA-T: GABA-transaminase;
SSAR: semi-aldeído succínico redutase; GHBDH: GHB deshidrogenase; VGCC: canal de
cálcio voltagem dependente; DAT: transportador pré-sináptico de dopamina; GIRK:
canais de K+ retificadores internos acoplados à proteína G. Fonte: Adaptado
de Muschamp JW1, Carlezon WA Jr. Roles of nucleus accumbens CREB and dynorphin
in dysregulation of motivation. Cold Spring Harb Perspect Med. 2013 Feb
1;3(2):a012005. doi: 10.1101/cshperspect.a012005.

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REFERÊNCIAS

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