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Em termos farmacodinâmicos, a ação de um fármaco depende do alvo em que este atua, sendo que
podemos dividir os alvos moleculares dos fármacos em quatro grandes grupos:
Recetores GPCR
Canais iónicos
Enzimas
Transportadores
Conhecem-se, neste momento, mais de 800 GPCRs em humanos, sendo esta a maior família de
recetores da superfície celular. É esta a família de recetores responsável pela atividade nervosa,
secreção de muitas das glândulas do nosso organismo e pela taxa e intensidade de contração do
músculo cardíaco. Está também muito associada aos sentidos da visão, paladar e olfato. Na seguinte
tabela são apresentados algumas das GPCRs fisiológicas:
Regra geral, os GPCR são capazes de interagir com uma grande variedade de entidades biológicas,
entre fotões, neurotransmissores, hormonas e substâncias proteicas.
Estruturalmente, apresentam 7 domínios alfa-hélice transmembranares, com o C-terminal voltado
para o interior da célula e o N-terminal para o exterior. Estes recetores estão associados a uma
A transdução por recetores acoplados a proteínas G segue um ciclo que compreende os seguintes
passos:
1) Ativação pelo ligando
2) Interação da proteína G inativa, ligada ao GDP, com o complexo recetor-ligando que promove
mudança de conformação facilitando troca de GDP por GTP (GPCR ativado atua como uma GEF)
3) A proteína G ativada, ligada ao
GTP, dissocia-se do recetor e os
complexos α-GTP e βγ separam-
se, cada um interagindo com
proteínas efetoras no plano da
membrana
4) A subunidade α hidrolisa GTP
em GDP, dissocia-se das proteínas
efetoras e volta a ligar-se ao
complexo βγ, que estabiliza a
ligação do GDP à subunidade α e
impede a transdução de sinal na
ausência de estímulo.
As proteínas efetoras que interagem com as proteínas G são diversas e abrangem desde enzimas a
canais iónicos. Entre as várias ações mediadas pelo complexo βγ, uma ação particular é o
recrutamento de cínases (GRKs) que fosforilam o recetor ativado, aumentando a afinidade deste
para a proteína β-arrestina, que promove a dissociação do ligando e estabiliza o recetor inativo. Este
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Com esse intuito, torna-se relevante verificar a taxa e magnitude de ativação de determinadas vias
de sinalização, objetivo esse que pode ser cumprido através da quantificação do AMPc (2º
Mensageiro central em muitas das vias associadas às proteínas G). Nesta quantificação podem ser
utilizados percursores marcados radioactivamente, técnicas baseadas na competição entre o AMPc
celular e o AMPc marcado radioactivamente, complementaridade enzimática e quantificação de
genes que respondem à ação do AMPc.
Farmacologia:
Salbutamol (Albuterol): Um dos fármacos que atua neste tipo de recetores é o salbutamol
(albuterol), um agonista β2-adrenérgico seletivo de curta duração. Este fármaco é administrado por
inalação para alívio do broncospasmo (no tratamento da asma, por exemplo), pois ativa os recetores
β2 presentes no músculo liso das vias respiratórias que, através da via da proteína G s-adenilcíclase-
AMPc-PKA, resulta no relaxamento
do músculo liso com consequente
broncodilatação. A afinidade
preferencial pelos recetores β2 em
comparação com os recetores β1
presentes no miocárdio é uma das
estratégias para evitar efeitos
adversos, mas esta seletividade não
é absoluta e desaparece com a
administração de concentrações
demasiado elevada de fármaco.
Os Canais de Na+ Dependentes da Voltagem são ativados pela despolarização da membrana e são
inativados após 1-2 milissegundos. São estes os responsáveis por iniciar os potenciais de ação em
células nervosas, musculares e outras células excitáveis. São codificados por 10 genes e possuem 3
estados de atividade: repouso, ativo e inativo.
Estruturalmente, são constituídos por uma subunidade α - composta por quatro domínios - e por
uma ou duas subunidades β.
Cada domínio da subunidade α é constituída por 6 segmentos: os segmentos S1-S4 constituem a
zona de deteção de voltagem, enquanto os segmentos S5-S6 e Loop P constituem o poro. Entre os
domínios III e IV da subunidade α existe um loop intracelular que consiste numa zona de rápida
inativação do canal. Notar ainda que os aminoácidos dos segmentos α-helicoidais entre S5 e S6
apresentam seletividade iónica, constituindo uma zona de ligação da tetrodotoxina.
Os Canais de Na+ Dependentes da Voltagem têm um grande interesse farmacológico. Assim, são
bloqueadores que impedem a iniciação e propagação do potencial de ação os seguintes fármacos:
No entanto, estes fármacos não têm uma ação seletiva, podendo resultar no aparecimento de
efeitos adversos em múltiplos tecidos (perda sensorial completa, coma, paragem cardíaca).
Segundo a Modulated Receptor Hypothesis (Hille, 1977), os fármacos usados como bloqueadores
têm uma ação dependente da frequência de despolarização e da voltagem das células. Estes ligam-
se mais rapidamente quando o canal está aberto durante um potencial de ação e ligam-se com
maior afinidade a canais inativados. Sendo assim, vão ter como alvos preferenciais células saudáveis
com alta frequência de disparos e células lesadas em despolarização constante. Inibem, portanto, a
geração de potenciais de ação preferencialmente nestas células, responsáveis, entre outros, pela
dor, arritmias e epilepsia, ao invés de atuarem sobre células com normal funcionamento. São, assim,
fármacos usados no tratamento destas patologias. No entanto, nestes fármacos, verifica-se falta de
seletividade e perigo de sobredosagem.
Dentro dos Canais de Ca2+ Dependentes da Voltagem são definidas diferentes famílias:
Cav1 (tipo L) - Cav1.1, Cav1.2, Cav1.3, Cav1.4
Cav2
Cav3 (tipo T)
Família Cav1/ Tipo L: caracterizada pela sua ativação “long-lasting” com correntes de alta voltagem.
Possível fazer uma divisão em subfamílias:
Família Cav3 / Tipo T: Canais ativados por correntes de baixa voltagem; não necessitam de
subunidades auxiliares β e α2δ, mas são regulados por estas; envolvidos na regulação da
excitabilidade neuronal, no eixo do SRAA e no sistema cardiovascular; patologia - transtornos
convulsivos, autismo, hiperaldosteronismo, dor crónica
Recetores de GABAA
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Farmacologia
Os recetores GABAA são o local de ação de uma
série de fármacos clinicamente importantes, dos
quais são exemplos as benzodiazepinas, os
barbitúricos, os esteroides neuroativos, os
anestésicos e os convulsivantes.
A ligação das benzodiazepinas (ex.: diazepam), ao
contrário da ligação do GABA ou dos seus agonistas,
não consegue ativar diretamente estes recetores,
mas apenas modular alostericamente as correntes
induzidas pelo GABA. As benzodiazepinas são
fármacos que interagem na interface α+γ-, servindo
como fortes anticonvulsivos, relaxantes
musculares, sedativos, hipnóticos e ansiolíticos.
Pelo contrário, os esteroides, os anestésicos inalatórios e intravenosos e os barbitúricos
interagem, possivelmente, com dois locais de ligação no domínio transmembranar do recetor,
apresentando duas ações distintas: em baixas concentrações, estimulam as correntes induzidas pelo
GABA; em altas concentrações, induzem eles próprios estas correntes mediadas pelo recetor,
mesmo na ausência de GABA. Também os esteroides neuroativos interagem com dois locais de
ligação no domínio transmembranar do recetor: em baixas concentrações, atua num dos locais,
fazendo modulação alostérica; em altas concentrações, atua no outro local, ativando o recetor.
O ansiolítico CGS-9895 interage na interface α+β-.
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Outro alvo farmacológico também necessário de ter em atenção são as as enzimas. Estas podem ser
classificadas como:
Enzimas Transmembranares (Recetores cínase de tirosina; Recetores cínase
Serina-Treonina; Recetores dos Péptidos Natriuréticos) – possuem atividade
catalítica intrínseca
Não Enzimas Transmembranares (Recetores citocinas; Via de sinalização
JAK/STAT; Recetor TNF-α; Recetores Toll-like) – não possuem atividade catalítica
intrínseca
Enzimas Intracelulares (Recetores Cíclase do Guanilato Solúvel)
Cetuximab
Imatinib
Gefitinib
Erlotinib
Farmacologia:
Os fármacos que atuam nos recetores desta família incluem:
Cetuximab - Anticorpo monoclonal que tem como alvo o domínio extracelular de
reconhecimento do ligando do EGFR, inibindo a sinalização do EGF. É utilizado no
tratamento do cancro colo-retal e carcinoma da cabeça e do pescoço
Gefitinib, Erlotinib e Imatinib – Moléculas pequenas que bloqueiam o domínio efetor
(cínase de tirosina). O Gefitinib e o Erlotinib estão a ser usados no tratamento de alguns
tipos de carcinoma do pulmão. O Imatinib inibe as cínases de tirosina BCR-Abl, sendo
utilizado para tratar leucemia mieloide crónica, tumores do estroma gastrointestinal com
tirosina-cínases desreguladas
Insulina – Utilizada no tratamento da Diabetes Mellitus
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Farmacologia:
O Fresolimumab é um anticorpo monoclonal recombinante completamente humano
especificamente dirigido contra o fator de crescimento transformante humano (TGF) beta 1, 2 e 3
com potencial atividade anti-neoplásica (glioma e melanoma e possivelmente cancro da mama). O
Fresolimumab liga-se e inibe a atividade de todas as isoformas de TGF-beta, o que pode resultar na
inibição do crescimento de células tumorais, angiogénese e migração. O TGF-beta é frequentemente
sobre-expresso em vários tumores malignos e pode desempenhar um papel importante na
promoção do crescimento, progressão e migração de células tumorais.
O Galunisertib (LY2157299) é um fármaco que impede a atividade do recetor e que é, até à data, o
inibidor da sinalização TGF-β mais avançado.
Tem como ligandos o ANP, BNP e CNP. O ANP é libertado como resposta ao aumento do volume
intravascular ou estimulação hormonal. O BNP é libertado pelo tecido ventricular como resposta a
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Estes recetores têm como ligandos algumas citocinas (ex.: γ-Interferão) e hormonas (hormona de
crescimento, prolactina). Não têm atividade catalítica intrínseca, sendo que os domínios
intracelulares, aquando da interação ligando/recetor, se ligam a uma cínase de tirosina denominada
Janus Kinase. Após dimerização,
as JAKs fosforilam outras
proteínas designadas “signal
transducers and activators of
transcription” – STATs - que se
deslocam para o núcleo e
regulam a transcrição de
variados genes.
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Farmacologia:
Infliximab é um anticorpo monoclonal que se liga ao TNF-alfa, inibindo a sua ação sobre os
recetores. Isto reduz a produção de citocinas pró-inflamatórias (como a IL1 e IL6).
Não existem fármacos capazes de atuar nas regiões citoplasmáticas da via de sinalização do TNF-α.
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Transportadores
As proteínas ABC pertencem à família dos transportadores ativos primários, que dependem da
hidrólise do ATP para bombear os seus substratos através da membrana. Existem 49 genes
conhecidos que codificam para estas proteínas, que podem ser agrupados em 7 famílias (ABCA-
ABCG). Destes, destaca-se a Glicoproteína-P, codificada pelo gene ABCB1 (MDR1) e o CFTR
(regulador transmembranar da fibrose cística), codificado pelo ABCC7.
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Alterações nestes mecanismos são responsáveis por explicar resistências genéticas a alguns tipos
de fármacos como, por exemplo, antineoplásicos, antivirais e anti-convulsionantes. Isto ocorre por
vários processos, entre os quais uma diminuição da expressão de transportadores de entrada
(mecanismo presente em alguns tumores) ou aumento da expressão de transportadores como a
glicoproteína-p que aumentam o efluxo dos antineoplásicos em células tumorais, o que confere a
estas resistência aos efeitos citotóxicos desses fármacos.
Tipos de Transporte
São definidos dois grandes tipos de transporte consoante exista ou não gasto energético. Sendo
assim, podemos ter um Transporte Ativo ou um Transporte Passivo, respetivamente.
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O Transporte Ativo tem ainda outras duas características importantes: é saturável e passível de ser
inibido:
Saturável: tendo em conta a Constante de Michaelis (Km – concentração de substrato para
a qual a velocidade de fluxo é metade de Vmax) tem-se que quando C < Km existe uma
relação linear entre fluxo e concentração e quando C > Km o fluxo aproxima-se de um valor
constante (Vmax)
Inibição: pode ser competitiva (substrato e inibidor partilham um local de ligação comum no
transportador, resultando num aumento aparente do Km na presença do mesmo), não
competitiva (o inibidor possui um efeito alostérico, inibindo o processo de translocação e
não propriamente a formação de um complexo intermediário) ou ser ainda um caso “sem
competição”
Transporte vetorial
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Muitos transportadores são regulados na etapa da transcrição, sendo que fármacos e condições
fisiopatológicas influenciam esta etapa, induzindo ou hipo-regulando os mRNA dos
transportadores. Estudos recentes mostram que recetores nucleares tipo II, que formam
heterodímeros com o RXR (recetor do ácido 9-cis-retinoico), são importantes para a regulação das
enzimas envolvidas no processamento dos fármacos e transportadores.
Transportadores Hepáticos
Participam no influxo e efluxo dos
fármacos pela membrana sinusoidal
e na excreção dos mesmos pela
membrana canalicular biliar. A
captação de iões e sais biliares é
mediada por transportadores da
Família SLC na membrana basolateral
(sinusoidal) dos hepatócitos: OATP E
OAT (difusão facilitada ou transporte
ativo secundário). Os
Transportadores ABC encontram-se
na membrana canalicular e medeiam
a excreção de fármacos, mas não só
(sais biliares, fosfolípidos, etc.) contra
um acentuado gradiente de concentrações entre o fígado e a bile. Alguns destes encontram-se
também na membrana basolateral e podem fazer o efluxo dos fármacos de volta para o sangue.
Todo este processo é importante para a depuração sistémica de muitos fármacos, determinando a
sua taxa de eliminação. A captação hepática pode ser causa de interações farmacológicas. Conhecer
a contribuição dos transportadores para a captação hepática total é necessária para compreender
a sua importância na deposição dos fármacos
(Clhep,ref/Clexp,ref: captação de compostos de referência
pelos hepatócitos e pelas células que expressam
transportadores; Clhep,test/Clexp,test: captação
dos compostos de teste nos sistemas correspondentes.)
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Os fármacos que atuam no SNC têm de atravessar a Barreira Hematencefálica [A] (constituída por
células endoteliais capilares do cérebro) e Hematoliquórica [B] (constituída por células epiteliais do
plexo coroideu). Estas são barreiras dinâmicas nas quais os transportadores de efluxo
desempenham um papel importante. A glicoproteína-P expulsa os substratos farmacológicos
presentes na membrana luminar das células endoteliais dos capilares para o sangue, dificultando a
sua penetração. Além desta
glicoproteína, há evidências
crescentes quanto à função
do BCRP e do MRP4 na
limitação da penetração
cerebral pelos fármacos
através da BHE. Sendo assim,
o reconhecimento por parte
destes transportadores de um
determinado fármaco
representa uma grande
desvantagem para fármacos
utilizados em doenças do
SNC.
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