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Porto Alegre, 15 de maio de 2017.

Informação nº 1.018/2017

Interessado: Município de [...] – Poder [...].


Consulente: [...], [...].
Destinatário: [...].
Consultor(es): Márcia Bello de Oliveira Braga, Ana Maria Janovik e Armando Moutinho
Perin.
Ementa: 1. Os recursos minerais são propriedade distinta do solo e pertencem à
União, conforme disciplina o art. 20, inciso IX, e art. 176, ambos da
Constituição da República de 1988. Desses dispositivos derivam-se
todas as modalidades legais ou regimes de aproveitamento das
substâncias minerais, consubstanciados no Código de Mineração, o
Decreto-Lei nº 227/1967.
2. O Decreto-Lei nº 227/1967, no parágrafo único do art. 2º, exclui dos
regimes de aproveitamento de substâncias minerais os órgãos da
Administração Direta, inclusive dos Municípios, permitindo a extração
de substâncias, definidas em portaria do Ministério de Minas e Energia,
para uso exclusivo em obras públicas por eles executadas diretamente,
respeitando os direitos minerários em vigor e sendo vedada a
comercialização. Regulamentação da matéria pela Portaria DNPM
nº 23/2000 e Decreto nº 3.358/2000.
3. Além disso, o Decreto-Lei nº 227/1967, no §1º do art. 3º, exclui do
regime jurídico previsto no Código de Minas os “trabalhos de
movimentação de terras e de desmonte de materiais in natura, que se
fizerem necessários à abertura de vias de transporte, obras gerais de
terraplenagem e de edificações, desde que não haja comercialização
das terras e dos materiais resultantes dos referidos trabalhos e ficando
o seu aproveitamento restrito à utilização na própria obra”.
Regulamentação da matéria pela Portaria DNPM nº 441/2009.
4. A forma de realização da exploração de minerais pelo Município
dependerá do preenchimento dos requisitos de uma ou outra norma no
caso concreto. Considerações.

Recebemos consulta, registrada na DPM sob o nº 28.331/2017,


com o seguinte teor:
Estamos com a seguinte questão: precisamos movimentar solo para
recapeamento de estradas. O município não tem lei municipal
específica para esta atividade. Solicitamos orientação de como
proceder.

Em contato com a consulente, no dia 05 de maio corrente, foi


esclarecido que a intenção era retirar saibro de uma propriedade privada para a utilização
do material em uma estrada estadual, cuja manutenção é responsabilidade do Município
em razão de convênio celebrado com o Estado do Rio Grande do Sul. As dúvidas são a
respeito da necessidade de licenciamento ambiental e do aproveitamento desse material
mineral.

Examinada a matéria, passamos a opinar.

1. Os recursos minerais são propriedade distinta do solo e


pertencem à União, conforme disciplina o art. 20, inciso IX, e art. 176, ambos da
Constituição da República de 1988. Desses dispositivos derivam-se todas as modalidades
legais ou regimes de aproveitamento das substâncias minerais, consubstanciados no
Código de Mineração, o Decreto-Lei nº 227/1967.

O referido Decreto-Lei nº 227/1967, no parágrafo único do art. 2º,


exclui dos regimes de aproveitamento de substâncias minerais os órgãos da
Administração Direta, inclusive dos Municípios, permitindo a extração de substâncias,
definidas em portaria do Ministério de Minas e Energia, para uso exclusivo em obras
públicas por eles executadas diretamente, respeitando os direitos minerários em vigor e
sendo vedada a comercialização.

Além disso, o Decreto-Lei nº 227/1967, agora no §1º do art. 3º,


exclui do regime jurídico previsto no Código de Minas os “trabalhos de movimentação de
terras e de desmonte de materiais in natura, que se fizerem necessários à abertura de

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vias de transporte, obras gerais de terraplenagem e de edificações, desde que não haja
comercialização das terras e dos materiais resultantes dos referidos trabalhos e ficando o
seu aproveitamento restrito à utilização na própria obra”.

Portanto, a questão posta na consulta pode caracterizar duas


situações distintas, sujeitas a regras próprias, conforme se passa a examinar.

2. Ao tratar dos regimes de aproveitamento das substâncias


minerais, o Código de Minas, em seu art. 2º, parágrafo único, assim dispõe:

Art. 2º. Os regimes de aproveitamento das substâncias minerais, para


efeito deste Código, são:
I - regime de concessão, quando depender de portaria de concessão do
Ministro de Estado de Minas e Energia;
II - regime de autorização, quando depender de expedição de alvará de
autorização do Diretor-Geral do Departamento Nacional de Produção
Mineral - DNPM;
III - regime de licenciamento, quando depender de licença expedida em
obediência a regulamentos administrativos locais e de registro da
licença no Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM;
IV - regime de permissão de lavra garimpeira, quando depender de
portaria de permissão do Diretor-Geral do Departamento Nacional de
Produção Mineral – DNPM
V - regime de monopolização, quando, em virtude de lei especial,
depender de execução direta ou indireta do Governo Federal.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica aos órgãos
da administração direta e autárquica da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, sendo-lhes permitida a extração
de substâncias minerais de emprego imediato na construção civil,
definidas em Portaria do Ministério de Minas e Energia, para uso
exclusivo em obras públicas por eles executadas diretamente,
respeitados os direitos minerários em vigor nas áreas onde devam
ser executadas as obras e vedada a comercialização. (grifamos)

Do dispositivo acima já é possível concluir que essa exceção aos


regimes de aproveitamento das substâncias minerais, estabelecida em favor dos demais
entes da Federação, é (a) aplicável exclusivamente aos órgãos de administração direta e
autárquica, (b) quando se tratar de extração das substâncias minerais de emprego
imediato na construção civil elencadas em Portaria do Ministério de Minas e Energia,
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sendo o (c) uso dos materiais limitados a obras públicas de execução direta1, além de (d)
vedada a comercialização. A contrario sensu, pode-se inferir que não é permitida a
extração de que trata o art. 2º, parágrafo único, do Decreto-Lei nº 237/1967, por órgãos
da administração indireta de qualquer ente da Federação, exceto autarquias; bem como
não se aplica a exceção em exame quando a administração direta ou autárquica contratar
terceiros para a execução da obra na qual o material será empregado.

Regulamentando esse dispositivo, em 2 de fevereiro de 2000, foi


editado o Decreto nº 3.358, e, no dia seguinte, 3 de fevereiro de 2000, foi expedida a
Portaria do Ministério de Minas e Energia (MME) nº 23.

A Portaria MME nº 23/2000, obedecendo ao comando do


parágrafo único do art. 2º do Código de Minas, define quais são as substâncias minerais
de emprego imediato na construção civil, conforme segue:

Art. 1º Consideram-se substâncias minerais de emprego imediato na


construção civil, para fins de aplicação do disposto no Decreto nº 3.358,
de 2 de fevereiro de 2000:
I – areia, cascalho e saibro, quando utilizados in natura na construção
civil e no preparo de agregado e argamassas;
II – material sílico-argiloso, cascalho e saibro empregados como
material de empréstimo;
III – rochas, quando aparelhadas para paralelepípedos, guias, sarjetas,
moirões ou lajes para calçamento;
IV – rochas, quando britadas para uso imediato na construção civil.

Já o Decreto nº 3.358/2000, regulamentando a matéria, determina


que a extração depende de registro no Departamento Nacional de Produção Mineral –
DNPM – (art. 2º) e está limitada a área máxima de 5 (cinco) hectares (art. 3º, §2º). Para o
requerimento do registro, dentre outras informações, é necessário indicar a localização e
extensão da área pretendida para extração, bem como as informações relativas a obra

1
Lei nº 8.666/1993, art. 6º, inciso VII: “Execução direta - a que é feita pelos órgãos e entidades da
Administração, pelos próprios meios”.

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pública em que será aplicada, inclusive com data prevista para início e para conclusão,
além da licença ambiental de operação, dentre outras informações (art. 4º).

3. O art. 3º, §1º, do Decreto-Lei nº 227/1967, por sua vez, assim


dispõe:

Art 3º [...]
§ 1º Não estão sujeitos aos preceitos deste Código os trabalhos de
movimentação de terras e de desmonte de materiais in natura, que
se fizerem necessários à abertura de vias de transporte, obras
gerais de terraplenagem e de edificações, desde que não haja
comercialização das terras e dos materiais resultantes dos
referidos trabalhos e ficando o seu aproveitamento restrito à
utilização na própria obra.

Diferentemente da situação anterior, nessa hipótese não há


limitação da sua aplicação aos órgãos públicos ou à forma de execução da obra, sendo
condicionantes desta exceção ser a atividade de (a) movimentação de terras e desmonte
de materiais in natura, desde que (b) sejam necessários à abertura de vias de transporte,
obras gerais de terraplenagem e de edificações, devendo (c) o seu aproveitamento se dar
na própria obra, razão pela qual é (d) vedada a comercialização das terras e dos demais
materiais.

Regulamentando o art. 3º, §1º, do Código de Minas, foi expedida


a Portaria DNPM nº 441, de 11 de dezembro de 2009, que traz importantes definições
para a compreensão da matéria:

Art. 2º Consideram-se, para efeito desta Portaria:


I - movimentação de terras: operação de remoção de solo ou de
material inconsolidado ou intemperizado, de sua posição natural;
II - desmonte de material in natura: operação de remoção, do seu
estado natural, de material rochoso de emprego imediato na construção
civil;
III – obra: atividades de execução de aberturas de vias de transporte,
trabalho de terraplenagem e de edificações que possam implicar
trabalhos de movimentação de terras ou de desmonte de material in
natura;

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IV - faixa de domínio: limites da seção do projeto de engenharia que
definem o corpo da obra e a área de sua influência direta;
V - área de interesse: local de execução dos trabalhos de
movimentação de terra ou de desmonte de material in natura,
identificado no projeto ou selecionado no decorrer de sua execução e
VI – Declaração de Dispensa de Título Minerário: certidão emitida pelo
DNPM que reconhece o disposto no § 1º do art. 3º do Código de
Mineração para caracterização de caso específico.

Tendo em vista que o referido art. 3º, §1º, exclui a situação nele
prevista do regime jurídico determinado pelo próprio Código de Minas, a Portaria DNPM
nº 441/2009 esclarece que a execução dos trabalhos de movimentação de terras ou
desmonte de materiais in natura, que se enquadre na exceção legal, independe de
outorga de título minerário ou sequer de manifestação prévia do DNPM. Todavia, permite
ao empreendedor o requerimento de uma Declaração de Dispensa de Título Minerário,
para a verificação do preenchimento dos requisitos necessários, como medida opcional
de cautela (art. 3º), visando a prevenir eventual acusação de lavra ilegal (art. 6º).

Considerando que, dentre os requisitos impostos pelo Código de


Minas, está a necessidade de execução dos trabalhos de movimentação de terras ou
desmonte de materiais in natura para realização da obra, a Portaria DNPM n º 441/2009
prevê que:

Art. 4º O enquadramento dos casos específicos no § 1º do art. 3º do


Código de Mineração depende da observância dos seguintes requisitos:
para a obra; e
I – real necessidade dos trabalhos de movimentação de terras ou de
desmonte de materiais in natura
II – vedação de comercialização das terras e dos materiais in natura
resultantes dos referidos trabalhos.
§ 1º Para fins do inciso I deste artigo, entende-se por real necessidade
aquela resultante de fatores que condicionam a própria viabilidade da
execução das obras à realização dos trabalhos de movimentação de
terras ou de desmonte de materiais in natura, ainda que
excepcionalmente fora da faixa de domínio.
§ 2º Os fatores referidos no § 1º deste artigo podem ser naturais ou
físicos, como o relevo do local, mas também de outras naturezas, desde
que igualmente impeditivos à execução das obras, como, por exemplo,

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comprovada ausência, insuficiência ou prática de preço abusivo do
material na localidade, ou, no caso de obras públicas contratadas pela
União e suas autarquias e as executadas com recursos federais, a
redução dos custos de execução da obra considerando o custo de
produção pelo próprio requerente em relação ao valor comercial do bem
mineral objetivado, a critério do DNPM.

O caráter discricionário na avaliação do atendimento desse


requisito, indicado no uso da expressão “a critério do DNPM”, constante ao final do §2º do
art. 4º, transcrito acima, reforça ser prudente o requerimento da Declaração de Dispensa
de Título Minerário.

Além disso, a Portaria DNPM nº 411/2009 reforça que o


aproveitamento das terras e materiais se restringe à obra que deu origem à tais materiais,
sendo admitidas operações de beneficiamento, quando necessárias a sua adequação às
especificações técnicas exigidas pela obra (art. 10), devendo o material excedente ser
depositado em local previamente definido no âmbito do licenciamento ambiental.

Ao requer a Declaração de Dispensa de Título Minerário, deverá


ser indicado o órgão ou entidade contratante, se a obra for contratada pelo Administração
Pública direta ou indireta (art. 7º, parágrafo único, incisos VIII e IX), sendo que o Chefe do
Distrito do DNPM, ao emitir o documento, deverá comunicar o fato ao contratante para
subsidiar a adoção de medidas necessárias para a manutenção do equilíbrio econômico-
financeiro do contrato, se for o caso (art. 14).

4. Assim, a dominialidade da área, por si só, não é fator


determinante para o enquadramento em uma ou outra hipótese. Todavia, se a extração é
realizada em área privada para aplicação em uma área pública, somente poderá ser
utilizada a exceção prevista no parágrafo único do art. 2º do Código de Minas (se
preenchidos os demais requisitos legais). Isso porque a exceção do §1º do art. 3º exige a
sua aplicação na mesma obra (e local) que deu origem aos materiais.

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5. Quanto ao licenciamento ambiental, necessário esclarecer que a
flexibilização das regras minerárias não substituem ou dispensam as regras ambientais
incidentes sobre as atividades de mineração, que, inclusive, foram merecedoras de
expressa menção constitucional, no §2º do art. 225, que assim dispõe: “Aquele que
explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de
acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei”.

5.1. Na primeira hipótese, prevista no parágrafo único do art. 2º do


Código de Minas, além do licenciamento ambiental da obra em si, será necessário o
licenciamento ambiental da lavra de saibro. Em se tratando de lavra de saibro a céu
aberto e com recuperação da área degradada (CODRAM 530-10), limitada a 5 há (cinco
hectares), o licenciamento ambiental é de competência municipal.

Importante referir que, quando o Município atua simultaneamente


na qualidade de empreendedor e de órgão ambiental licenciador, é necessário garantir a
segregação de funções, evitando comprometer a isenção e a independência na análise
dos documentos produzidos. O ideal em hipóteses semelhantes – quando o Município for
o licenciador dos próprios empreendimentos – é que órgãos diferentes se responsabilizem
pela execução dos trabalhos, pois, ainda que não sejam os mesmos profissionais autores
dos projetos e estudos a proceder ao seu exame no âmbito do licenciamento, mas outros
técnicos não envolvidos, porém lotados na mesma Secretaria, haverá o risco de influência
ou constrangimento dos autores dos projetos sobre colegas, prejudicando as finalidades
do ato e os princípios da Administração Pública.

5.2. Na segunda hipótese, prevista no §1º do art. 3º do Código de


Minas, o licenciamento ambiental da movimentação da terra será feito no âmbito da
atividade principal – rodovia2. Se a rodovia fosse municipal, CODRAM 3451-10, o

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A reforma ou recuperação da rodovia também está sujeita ao licenciamento ambiental prévio, tendo em
vista o art. 55 do Código Estadual do Meio Ambiente, a Lei Estadual nº 11.520, de 3 de agosto de 2000, que
assim dispõe: “Art. 55 – A construção, instalação, ampliação, reforma, recuperação, alteração, operação e
desativação de estabelecimentos, obras e atividades utilizadoras de recursos ambientais ou consideradas
efetivas ou potencialmente poluidoras, bem como capazes, sob qualquer forma, de causar degradação

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licenciamento ambiental também seria de competência local. Todavia, de acordo com as
informações repassadas pela consulente, a rodovia é estadual. Assim, salvo delegação
de competência também para o licenciamento ambiental, além da execução da obra em
si, prevista no convênio celebrado entre o Estado e o Município, o licenciamento
ambiental da reforma ou recuperação da rodovia (e da movimentação de terra a ela
necessária) é de competência do órgão ambiental estadual.

São as informações que julgamos pertinentes à consulta


formulada.

ambiental, dependerão de prévio licenciamento do órgão ambiental competente, sem prejuízo de outras
licenças legalmente exigíveis.” (grifamos)

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