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OLIVEIRA, M.R.N.S. (1993), A reconstruçãn da didática: Elementos teórico- Ilma Passos Alencastro Veiga
metodol6gicos. Campinas: Papirus.
---- (2000). "Vinte anos de Endipe", In: CANDAU, V.M. (org.). Didática, A retrospectiva histórica da didática abrange duas partes: na primeira,
currículo e saberes escolares. Rio de Janeiro: DP&A. 'é abordado o papel da disciplina antes de sua inclusão nos cursos de formação
de professores de nível superior, compreendendo o período que vai de 1549
PERRENOUD, P (1999), Construir competências desde a escola. Porto Alegre:
Artlvled. até 1930; a segunda parte procura reconstruir a trajetória da didática a partir
da década de 1930 até os dias atuais.
SACRISTÁN, 1.0, e OÓMEZ, LP, (1998), Compreender e transformar o ensino,
Porto Alegre: ArtMed, São destacados os aspectos socioeconôrnicos, polfticos e educacionais
que servem de pano de fundo para identificar as propostas pedagógicas
SKINNER, B,F. (1972a). Tecnologia do ensino. São Paulo: EPUlEdusp. presentes na educação, bem como os enfoques do papel da didática.
VEIOA, I.P.A. (1987). "Didática: Uma retrospectiva histórica". In: VEIGA, LP.A.
(org.). Repensando a didática. Campinas: Papírus.
" Texto apresentado ao Grupo Metodologia Didática, na'X Reunião Anual da Anped, Salvador,
·rnaio de 1987. Revisado e ampliado ern janeiro de 2003,
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Repensando a didática 33
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'~. No contexto de uma sociedade de economia agrário-exportadora- A metodologia de ensino (didática) é entendida como um conjunto
dependente, explorada pela metrópole, a educação não era considerada um de regras e normas prescritivas que visam à orientação do ensino e do estudo.
valor social importante. A tarefa educativa estava voltada para a catequese Como afirma Paiva (1981, p. 11), "um conjunto de normas metodológicas
e a instrução dos indígenas; entretanto, para a elite colonial, outro tipo de referentes à aula, seja na ordem das questões, no ritmo do desenvolvimento
educação era oferecido. e seja, ainda, no próprio processo de ensino".
O plano de instrução era consubstanciado na Ratio Studiorum, cujo Após os jesuítas, não ocorreram no país grandes movimentos
ideal era a formação do homem universal, humanista e cristão. A educação pedagógicos, como são poucas as mudanças sofridas pela sociedade colonial
se preocupava com o ensino humanista de cultura geral, enciclopédico e e durante o Império e a República.' A nova organização instituída por Pombal
alheio à realidade da vida de colônia. Esses eram os alicerces da pedagogia representou, pedagogicamente, um retrocesso. Professores leigos começaram
tradicional na vertente religiosa que, de acordo com Saviani (1984a, p. 12), a ser admitidos para as "aulas-régias" introduzidas pela reforma pombalina.
é marcada por uma "visão essencialista de homem, isto é, o homem
Por volta de 1870, época de expansão cafeeira e da passagem de um
constituído por uma essência universal e imutável". A essência humana é
modelo agrário-exportador para um urbano-comercial-exportador, o Brasil
considerada criação divina e, assim, o homem deve empenhar-se para
vive o seu período de iluminismo, Segundo Saviani (1984,p. 275), "tomam
. atingir a perfeição, "para fazer por merecer a dádiva da vida sobrenatural"
corpo movimentos cada vez mais independentes da influência religiosa".
(ibid., p. 12).
No campo educacional, suprime-se o ensino religioso nas escolas
A ação pedagógica dos jesuítas foi marcada pelas formas dogmáticas
públicas, passando o Estado a assumir a laicidade. É aprovada a reforma de
de pensamento contra o pensamento crítico. Privilegiava o exercício da .
Benjamin Constant (1890), sob a influência do positivismo. A escola busca
memória e o desenvolvimento do raciocínio; dedicava atenção ao preparo
disseminar uma visão burguesa de mundo e sociedade, a fim de garantir a I
dos padres-mestres, dando ênfase à formação do caráter e à formação'
psicológica para conhecimento de si e do aluno.
. consolidação da burguesia industrial como classe dominante. !
Dessa forma, não se poderia pensar em uma prática pedagógica e
Os indicadores de penetração da pedagogia tradicional em sua ,!
vertente leiga são.os pareceres de Rui Barbosa, de 1882, e a primeira reforma
muito menos em uma didática que buscasse uma perspectiva transformadora
na educação.
republicana, de Benjamin Constant, em 1890. ,I
Essa vertente leiga da pedagogia tradicional mantém a visão
Os pressupostos didáticos diluídos na Ratio Studiorum enfocavam
essencialista de homem, não como criação divina, mas aliada à noção de 11
instrumentos e regras metodo1ógicas compreendendo o estudo privado, em
natureza humana, essencialmente racional. Inspirou a criação da escola
que o mestre prescrevia o método de estudo, a matéria e o horário; as aulas, 11
pública, Iaica, universal e gratuita (Saviani 1984b, p. 274).
ministradas de forma expositiva; a repetição, visando repetir, decorar e
A essa teoria pedagógica corresponderiam as seguintes
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expor em aula; o desafio, estimulando a competição; a disputa, outro recurso
metodológico visto como uma defesa de tese. Os exames eram orais e características: a ênfase no ensino humanístico de cultura geral, centrado
no professor, que transmite a todos os alunos, indistintamente, a verdade ~
escritos, visando avaliar o aproveitamento do aluno. 'jl!
universal e enciclopédica; a relação pedagógica se desenvolve de forma
O enfoque sobre o papel da didática, ou melhor, da metodologia de
hierarquizada e verticalista, onde o aluno é educado para seguir atentamente ~
ensino, como é denominada no código pedagógico dos jesuítas, está centrado. 'i
a exposição do professor; o método .de ensino, calcado nos cinco passos j
em seu caráter meramente formal, tendo por base o intelecto, o
formais de Herbart (preparação ou apresentação, comparação, assimilação, '1
conhecimento, e marcado pela visão essencialista de homem.
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generalização e aplicação).
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É assim que a didática, no bojo da pedagogia tradicional leiga, está No âmbito educacional, durante o governo revolucionário de 1930,
centrada no intelecto, na essência, atribuindo um caráter dogmático aos Vargas constitui o Ministério de Educação e Saúde Pública. Em 1932 é
conteúdos; os métodos são princípios universais e lógicos; o professor se lançado o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, preconizando a
torna o centro do processo de aprendizagem, concebendo o aluno como um reconstrução social da escola na sociedade urbana e industrial.
ser receptivo e passivo. A disciplina é a forma de garantir a atenção, o Entre os anos de 1931 e 1932 efetivou-se a Reforma Francisco
silêncio e a ordem. Campos. Organiza-se o regime universitário para o ensino superior, bem
A didática é compreendida como um conjunto de regras que visam como a primeira universidade brasileira. A Faculdade de Filosofia,
assegurar aos futuros professores as orientações necessárias ao trabalho Ciências e Letras da Universidade de São Paulo foi o primeiro instituto
docente. A atividade docente é entendida como inteiramente autônoma em de ensino superior que funcionou de acordo com o modelo Francisco
face da política, dissociada das questões enn:e escola e sociedade. Uma Campos. A origem da didática como disciplina dos cursos de formação
didática que separa teoria e prática. de professores em nível superior está vinculada à criação da referida
A pedagogia tradicionalista leiga refletia-se nas disciplinas de faculdade, em 1934, sabendo-se que a qualificação do magistério era
natureza pedagógica do currículo das Escolas Normais desde o início de colocada como ponto central para a renovação do ensino. No início, a
sua criação, em 1835. parte pedagógica existente nos cursos de formação de professores era
realizada no instituto de educação, sendo aí incluída, a disciplina
A inclusão da didática como disciplina em cursos 'de formação de
"metodologia do ensino secundário", equivalente à didática hoje nos cursos
professores para o então ensino secundário ocorreu quase um século depois,
de licenciatura.
ou seja, em 1934.
Por força do art. 20 do decreto-lei nQ 1.190/39, a didática foi instituída
, como curso e disciplina, com duração de um ano. A legislação educacional
foi introduzindo alterações para, em 1941, o curso de didática ser
A didática nos cursos de formação de professores a partir de 1930
considerado um curso independente, realizado após o término do
bacharelado (esquema três mais um).
Em1937, ao se consolidar no poder com auxilio de grupos militantes
o período de 1930/1945: A didática é tradicional, cumpre
e apoiado pela classe burguesa, Vargas implantou o Estado Novo, ditatorial,
renová-Ia
que persistiria até 1945.
Na década de 1930, a sociedade brasileira sofre profundas Os" debates educacionais foram paralisados e o "prestígio dos
transformações, motivadas basicamente pela modificação do modelo educadores passa a condicionar-se às respectivas posições políticas", como
socioeconôrnico. A crise mundial da economia capitalista provoca no Brasil afirma Paiva (1973, p. 125).
a crise cafeeira, instalando-se o modelo socioeconômico de substituição de O período situado entre 1930 e 1945 é marcado pelo equilíbrio
importações. entre as influências das concepções humanista tradicional (representada
Paralelamente, desencadeia-se ..o movimento de reorganização das pelos católicos) e humanista moderna (representada pelos pioneiros). Para
forças econômicas e políticas, o que resultou em um conflito: a Revolução Saviani (1983, p. 256), a concepção humanista moderna se baseia em
de 30, marco comumente empregado para indicar o início de uma nova fase uma "visão de homem centrada na existência, na vida, na atividade". Há
na história da República do Brasil. predomínio do aspecto psicológico sobre o lógico. O escolanovismo
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Programa Americano-Brasileiro de Auxílio ao Ensino Elementar (Pabaee), II O pressuposto que embasou essa pedagogia está na neutralidade
voltado para o aperfeiçoamento de professores do curso normal. Nesses científica, inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência e produtividade.
cursos, começaram a ser introduzidos os princípios de uma tecnologia Buscou-se a objetivação do trabalho pedagógico da mesma maneira como
educacional importada dos Estados Unidos. Dado seu caráter multiplicador,
o ideário renovador-tecnicista foi-se difundindo.
I ocorreu no trabalho fabril. Instalou-se na escola a divisão do trabalho com a
justificativa de produtividade, propiciando a fragmentação do processo e,
É importante frisar que, nessa fase, o ensino de didática também se
I' com isso, acentuando as distâncias entre quem planeja e quem executa.
inspirava no liberalismo e no pragmatismo, acentuando a predominância
i A pedagogia tecnicista está relacionada com a concepção analítica
dos processos metodológicos em detrimento da própria aquisição do
I
I de filosofia da educação, mas não como sua conseqüência. Saviani (1984a,
conhecimento. A didática se voltava para as variáveis do processo de ensino p. 179) explica que a concepção analítica
sem considerar o contexto político-social. Acentua-se, dessa forma, o
enfoque renovador-tecnicista da didática, na esteira do movimento
I ( ... ) não tem por objeto a realidade. Refere-se, pois, à clareza e
escolanovista. ! consistência dos enunciados relativos aos fenômenos eles mesmos. (... )
A ela cabe fazer a assepsia da linguagem, depurá-Ia de suas
inconsistências e ambigüidades. Não é sua tarefa produzir enunciados e
o período pós-1964: Os descaminhos da didática muito menos práticas.
minimizadas. I porém, conserva inúmeros aspectos dela, mediante diferentes formas e meios
(Falcão 1986, p. 27).
Em conseqüência, a didática passou também a fazer o discurso I A luta operária ganha força, passando a generalizar-se em outras
reprodutivista, ou seja, a apontar seu conteúdo ideológico, buscando sua categorias profissionais e, dentre elas, a dos professores ..
desmistificação de certa forma relevante, relegando, porém, a segundo plano, I
I É nessa década que os professores se empenham na reconquista do
sua especificidade.
direito e do dever de participarem-da definição da política educacional e da
Candau (1982, p. 28) afirma que: I.
I
luta pela recuperação da escola pública.
A realização da I Conferência Brasileira de Educação foi um marco
( ...) junto com esta postura de denúncia e de explicitação do compromisso importante na história da educação brasileira. Constituiu um espaço para a
com o "status quo" do técnico aparentemente neutro, alguns autores
discussão e a disseminação da concepção crítica de educação, pois, como
chegaram à negação da própria dimensão da prática docente.
afirma Saviàru:(1984a, p. 24),
recuperar as tarefas especificamente pedagógicas, desprestigiadas pel~ sobre a educação, particularmente no que se refere à organização do trabalho
discurso reprodutivista. Procura, ainda, compreender e analisar a realidade pedagógico, delegando uma série de atribuições às escolas, aos professores
social onde está inserida a escola. e alunos. Vieira esclarece que as medidas legais, no âmbito da globalização,
produzem efeitos desastrosos sobre o trabalho pedagógico:
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1I,
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Mudanças nas formas de organização do trabalho escolar - ciclo e classes técnico da didática orientada pelos documentos legais que norteiam a formação
de aceleração - alternam radicalmente a rotina dos professores. Estes se
de professores. Parece ser esse o sentido da afirmação de Candau, qUa:'do
vêem diante de um acúmulo de papéis, funções e responsabilidades
impostas por um processo de reforma sobre o qual não foram consultados diz que: "(...) O atual contexto em que vivemos, configurado pelo prol.eto
e que, ao que tudo indica, não sabem para onde carnin har. O impacto neoliberal, favorece fortemente uma nova versão da perspectiva
dessas medidas sobre o cotidiano da escola pode ser dramático. No afã modemizadora e instrumental da educação e da didática" (1997, p. 77).
de promover a modernização a qualquer custo, as reformas em curso
podem representar uma faca de dois gumes. (2002, p. 30) A didática modernizadora explícita nos referenciais e nas diretrizes
curriculares para a formação do professor (em nível médio e superior) está
fundamentada em uma lógica 'de duas vertentes: uma, ligada à concepção
Essas medidas impõem novas demandas sobre a educação e os
da pedagogia por competências, e outra, ligada à avaliação de resultados.
sistemas educacionais, particularmente 1)0 que se refere ao trabalho
Um grande número de correntes e enfoques teóricos, oriundos das ciências
pedagógico de modo geral, provocando a construção de novas categorias e
sociais e humanas, pesa sobre o conhecimento da área. Dessa forma, é
práticas pedagógicas. Há necessidade de se rever também ri prática avaliativa
possível destacar a presença dos seguintes enfoques teórico-metodológicos:
escolar para tomar realidade a organização do processo educativo, hoje
o neobehaviorismo, o cognitivismo computacional baseado na teoria do
submetido às diversas modalidades de avaliação externa coordenada por
processamento da informação, o construtivismo e o socioconstrutivismo, o
uma ação centralizada das políticas globalizadas.
simbolismo-interacionista e, ainda, os estudos sobre o' ensino eficaz e
Nesse mundo complexo em que vivemos,. marcado pelo projeto estratégico, sobre as competências dos professores, entre outros.
neoliberal e de profundas transformações, "torna-se inquestionável uma
Nessa concepção, a didática é desvinculada do contexto social mais
nova forma de organização do trabalho das instituições e nos processos de
amplo, possibilitando a formação do professor técnico, mero executor de
formação inicial e continuada de professores, bem como no posicionamento
atividades rotineiras, acríticas e burocráticas. Deixa de compreender o
de todos os que trabalham na educação" (Veiga 2002, p. 67). i.
ensino, seu objeto de estudo, como prática social concreta para vinculá-Ia à
Portanto, os anos 90 inauguram um novo período na educação capacidade de resolver problemas em uma dada .situação, o que implica
brasileira com repercussões no campo da pedagogia e, conseqüentemente, ação mensurá~~i por meio da aferição de seus resultados imediatos. O
da didática. Esse período, situado entre o início da década de 1990 até processo de ensino é concebido numa perspectiva dicotômica; é ordenado,
nossos dias, discute os enfoques do papel da didática de duas perspectivas: disciplinador e neotecnicista. A didática modernizadora se orienta pelo viés
a primeira, com ênfase voltada para a formação do tecnólogo do ensino; o da unidimensionalidade e da conformidade.
segundo enfoque procura favorecer e aprofundar a perspectiva crítica,
Tendo por base a racionalidade técnica, na didática modernizadora
voltada para a formação do professor como agente social.
o conhecimento é hierarquizado e se desdobra em três níveis baseados em
um processo lógico de derivação entre eles: "de uma ciência básica ou
disciplinar, deriva de uma ciência aplicada ou engenharia, da qual derivam
A didática no bojo da educação neoliberal: A primazia das conhecimentos procedimentais, em um conjunto de competências e atitudes
competências e da avaliação de controle que utilizam o conhecimento básico e aplicado que lhe está subjacente"
,
(Schein 1980, citado por Górnez 1995, pp. 96-97).
o ideário pedagógico difundido pela legislação educacional, pelas
Assim, os conhecimentos didáticos para a formação do professor
diretrizes e parâmetros curriculares e pelo sistema de avaliação de produto
abrangem toda uma gama de conteúdos, saberes tradicionalmente apontados
deixa transparecer um outro enfoque do papel da didática. Há um reducionismo .
para o trabalho em sala de aula. As diretrizes curriculares estão fortemente
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ligadas à noção de competência e, como concepção nuclear, estão· crítica chega aos anos 2000 acumulada em expressiva produção acadêmica
subordinadas à racionalidade técnica e econômica. Trata-se, portanto, de na área. Ao longo da década de 1990, o debate adquiriu maior precisão em
uma concepção pragmatista na qual a didática de cunho modernizador se suas determinações; todavia, essas análises estão longe de apresentar uma
restringe a um conjunto de informações técnicas para o exercício da homogeneidade de proporção e concepção; no entanto, pode-se observar
docência, distanciando-se de seu significado mais amplo. uma ampliação do enfoque crítico com base no qual se articulam algumas
Desse enfoque, a didática analisa o processo do ensino tendo por das recentes elaborações. Entre elas, cumpre destacar os pressupostos
base a aprendizagem por competências com prevalência dos métodos.dos comuns e as diferentes manifestações do trabalho de estudiosos nas
instrumentos, das ferramentas, da medida. A aprendizagem por construções quanto ao conteúdo 'da área e quanto à metodologia do ensino
competências provoca a individualização dos processos cognitivos em de didática.
detrimento dos aspectos sociais presentes nos processos de produção do Existe atualmente um consenso de que a didática, como área de
conhecimento (Ropé e Tanguy 1997). A didática centrada nas competências estudo, focaliza quatro pressupostos:
é restrita e prepara na realidade "o prático, o tecn6logo, isto é, aquele que
faz mas não conhece os fundamentos do fazer, que se restringe ao a educação como prática social é um processo construtivo e
miniuniverso escolar, esquecendo toda a relação com a realidade social permanente de emancipação humana;
mais ampla que, em última instância, influencia a escola e é por ela compromisso com a democratização da escola pública e,
influenciada" (Veiga 2002, p. 72). conseqüentemente, com o ensino de melhor qualidade voltado
No tocante à avaliação dentro das escolas, ela é, ainda, de cunho para os interesses das classes populares;
classificat6rio, autoritário, punitivo e excludente. Dessa óticá, a avaliação o professor, corno agente social, que procura colocar em questão a
exerce a função de controle social por reforçar as divisões sociais inerentes lógical modernizadora, "( ... ) desvelar seus pressupostos
à sociedade capitalista. A avaliação é vista com.o responsável pela antropologícos, político-sociais e ideológicos e o caráter 'sedutor'
marginalização dos indivíduos, ao excluí-los do sistema escolar, seja que envolve os processos de modernização" (Candau 1997, p. 77);
~.- .
impedindo sua entrada, seja impedindo seu avanço. Nesse sentido, ela não
a metodologia de pesquisa como modo de apropriação ativa de
permeia o projeto político-pedagógico da escola, pois está vinctÍlade,quase
conhecimento bem como o desenvolvimento de habilidades
exclusivamente ao desempenho do aluno.
básicas de investigação (André 1997).
A relação teoria e prática se reduz à mera justaposição, sem superar
o estreito pragmatismo que supervaloriza o como fazer em detrimento da Esse conjunto de pressupostos completa-se pela concepção de ensino
teoria. O processo de ensino é, ainda, visto como um passo linear e j ustapostq como prática social concreta, constituindo-se como objeto de estudo da
da teoria à prática. . didáti~a. Oliveira é bastante explícita em sua afirmação:
A áreadadidáticanoBrasil,emsuastendênciasmaisrecentes,expressa
No balanço da polêmica, o fiel da balança: Ampliando os horizontes umamudançade perspectivade umjazer tecnolâgico sobreo processo
de ensino, com base nos processos de aprendizagem de um fazer
da didática crítica
cientifico-tecnolôgico sobre o fenômenode ensino.com base na visão
didático-materialistadesse fenômeno,enquanto uma prática social-
Identificando o pensamento dos pesquisadores e professores, observo .pedagógica.(1997. p. 153)
que a preocupação com a natureza epistemológica e política da didática
.•. o que se quer ressaltaré que, se houve por parte dos pesquisadores
1
l Com base na perspectiva anunciada, a produção do conhecimento
e estudiosos a intenção de construir novas configurações que sugerem a na. ár ea da didática não se define apenas em torno dos temas clássicos que
reconfiguração da didática crítica, isso é realizado na perspectiva de uma não podem ser negados, mas que necessitam ser reconfigurados e
visão "contextualizada e multidimensional do processo pedagógico" contexrualizados.
(Candau 2000, p. 154). É importante destacar que o processo de ensino é Cabe aqui retomar o caminho trilhado por Veiga'ao enfatizar a didática
também considerado como um fenômeno complexo e multirreferencial. A como campo de estudo e disciplina pedagógica obrigatória dos cursos de
noção de multirreferencialidade aponta para a idéia de trabalho conjunto formação de professores, de natureza teórico-prática "( ...) voltada para a
entre professores e pesquisadores. compreensão do processo de ensino e suas relações, quais sej~: educaç~o-
A multirreferencialidade envolve. o domínio de numerosos dados, sociedade, finalidade-objetivos,teoria-prática,conteúdo-forma, ensino-pesquisa,
em que a complexidade do objeto a ser testado, no caso o ensino, é ensino-aprendizagem, ensino-recursos didáticos, ensino-avaliação (1996, p. 7).
considerada. Propõe-se uma leitura plural do objeto (prática e teoria), É importante salientar também que a didática "(...) engloba um conjunto
mediante diferentes pontos de vista, que implicam tanto visões especiais de conhecimentos que entrelaçam contribuições de diferentes esferas científicas
. quanto linguagens apropriadas às descrições exigidas, considerando sistemas (teoria da educação, teoria do conhecimento, psicologia, sociologia etc.), junto
de referências distintos (Ardoino 1998, p. 24). com requisitos de operacionalização" (Libãneo 1997, p. 117). Novos temas
Para ampliar o enfoque crítico do papel da didática, é importante consid~rados rnobilizadores, emergentes e abertos da reflexão didática devem
caminhar numa direção multirreferencial que estabeleça intercâmbios cada ser acrescentados, tais como: a multirreferencialidade do processo de ensino, a
vez mais sofisticados para apreender a complexidade do processo de ensino, interdisciplinaridade, o profissionalismo docente, as questões do cotidiano da
num contexto também complexo como o da sociedade brasileira atual. sala de aula, o multiculturalismo e sua incidência na escola, as novas linguagens,
Complexidade referente ao objeto, quanto à ruptura epistemológica o saber docente, as relações entre escola e cultura, entre outros.
necessária para considerar "a relação entre sujeito-observador e objeto Está claro que a didática está assumindo novas configurações que
observado, não na perspectiva de negação do observador, mas na perspectiva apontam para: oavanço teórico na problematização, na co~preensão : .na
de reconhecimento da implicação deste com o objeto desvendado" (Barbosa sistematização de conhecimentos de seu objeto de estudo: o ensmo como pratica
1998, p. 12). social concreta. As novas configurações da didática a partir da investigação
Pimenta, ao analisar os trabalhos apresentados no GT Didática/99, qualitativa modificam significativamente a tríplice ação pedagógica: pr~fessor
considera a importância dessa visão: (ensinar),aluno (aprender),conhecimento (produzir/investigar).Esse movimento
de reconfiguração da didática tem sido possibilitado pelas sistematizações e
(... ) O entendimento do ensino, objeto de estudo da didática, corno explicações da prática pedagógica como práxis.
fenômeno social, concreto, complexo e multirreferencial e,
conseqüentemente, a realização de pesquisas sobre professores e sobre
os contextos escolares considerados em suas múltiplas (e novas)
determinações, como a profissiona!idade docente (ser e estar na Balanço final
profissão), o cotidiano atravessado por múltiplas culturas e problemas
sociais e dacontemporaneidade (violência, afctividade), as questões sobre A título de encerramento, posso afirmar que, no decorrer do período
o imaginário, estão assumindo novas configurações, ou seja, para avanços
analisado. encontrei tanto persistência de algumas questões fundamentais
te6ricos no tratamento do (sempre) objeto de estudo da didática o ensino
como prática social concreta. (1999, grifes nossos)
quanto indícios de mudanças. Com relação à persistência de algumas
questões, destaco:
supostamente neutra e buscar uma didática mais condizente com o momento JAPIASSU, Hilton (1997). Um desafio àfilosofia: Pensar-se 110S dias de hoje. São
Paulo: Letras & Letras.