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Proibida a reprodução total ou parcial deste livro, por qualquer meio e sistema

bem como o compartilhamento do mesmo com outras pessoas por tratar-se


de obra particular, com direitos autorais reservado à Editora e aos autores.
Violações acarretará em medidas legais, de acordo com a lei que protege os
direitos autorais: lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.

Organização

José Henrique Volpi


Sandra Mara Volpi

1
Psicologia Corporal
Copyright  2002 by Centro Reichiano

Capa: José Henrique Volpi

Proibida a reprodução total ou parcial


deste livro, por qualquer meio e sistema,
sem o prévio consentimento da editora.

Os artigos aqui publicados são de inteira


responsabilidade dos autores.

Catalogação na fonte do
Departamento Nacional do Livro

P974

Psicologia corporal / Organização José Henrique Volpi e


Sandra Mara Volpi . - Curitiba: Centro Reichiano, 2002.
- (Coleção Psicologia Corporal, vol. 2)

Vários colaboradores

ISBN. 85-87691-06-6

1. Orgonomia. 2. Bioenergética. 3. Psicoterapia. I.


Centro Reichiano de Psicoterapia Corporal. II. Título

CDD-170

Todos os direitos desta edição estão reservados ao


Centro Reichiano de Psicoterapia Corporal Ltda.
Av. Pref. Omar Sabbag, 628 - 80210-000
Curitiba/PR - Telefax: (41) 263-4895
Homepage: www.centroreichiano.com.br
E.mail: centroreichiano@centroreichiano.com.br
2
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ........................................................................05

Psicologia Corporal /
José Henrique Volpi e Sandra Mara Volpi....................................08

Pingue-Pongue com Wilhelm Reich /


Sara Quenzer Matthiesen............................................................15

Agora não quero mais! /


Natalina De Bastiani ....................................................................18

Enquanto a auto-regulação não é possível... /


Simone Sabino ............................................................................22

O tigre e o dragão... e o super-homem /


Alberto Pucci Junior ....................................................................27

Oficina de trabalhos corporais: contribuição ao


desenvolvimento de crianças /
Cassiano Ricardo Rumin .............................................................30

Potência orgástica e encouraçamento:


dois conceitos fundamentais para análise e vivências
em Bioenergética / Leonardo José Jeber.....................................35

Uma visita ao consultório do Dr. Reich, com


Morton Herskowitz / José Henrique Volpi ....................................39

Vegetoterapia: aprendendo a amar(se) /


Plínio Bezerra de Almeida Junior ................................................45

3
O incosciente esculpido no corpo /
Natalina De Bastiani ....................................................................48

Reich e Bioenergética na educação /


Leonardo José Jeber ...................................................................51

Os quatro elementos e a Biossíntese /


Maria Rosenberg Mizrahi ............................................................57

A importância dos primeiros anos de vida na construção


do sistema orgonótico de funcionamento da criança /
José Henrique Volpi ....................................................................65

A construção do self saudável como função


do grounding / Odila Weigand .....................................................73

O real conhecimento: som, corpo e movimento, na escuta


e leitura terapêutica / Fabiane Alonso Sakai ...............................80

Personagens encouraçados /
Laurinda Rocha ...........................................................................84

Depressão: química ou emoção? /


José Henrique Volpi ....................................................................89

Hipertensão arterial e tratamento não medicamentoso /


Ana Maria Gomes Soares ...........................................................99

A visão reichiana de homem: algumas considerações /


Ivomar Pelizzaro ........................................................................105

Corpo: criando intimidade consigo mesmo /


Ana Lúcia Rocha .......................................................................108

Caracterialidade fálico-narcisista /
Cristian Guilherme Valeski de Alencar ......................................119

Pensando sobre a inteligência / Sandra Mara Volpi ..................122

Normas para publicação de artigos ...................................... 128

4
APRESENTAÇÃO

É com imenso prazer que colocamos em suas mãos o


segundo volume da coleção Psicologia Corporal. A cada nova
edição nos damos conta do quanto é importante que, além de
desenvolver nossas práticas pessoais no campo das
Psicoterapias e da Psicologia Corporal como um todo, também
compartilhemos as idéias que são base e produto de tais práticas.
O compartilhar dessas idéias é a essência do movimento que
torna a abordagem corporal cada vez mais dinâmica, mais
presente, mais científica e sobretudo, mais humana. É sobre esse
compartilhar que gostaríamos de conversar um pouco com você,
leitor.
No final de maio e início de junho passados, tivemos, aqui
em Curitiba, cerca de 500 pessoas reunidas no III Congresso
Brasileiro e VII Encontro Paranaense de Psicoterapias Corporais.
Esta foi mais uma oportunidade para se trocar idéias, aprender e
ensinar mutuamente, para crescer pessoal e profissionalmente.
Na ocasião, diversas escolas da abordagem corporal estiveram
presentes e novamente mostraram que, por maiores que sejam
as divergências entre elas, é possível haver um clima de troca e
respeito, através do qual os conhecimentos são compartilhados.
O evento deste ano, 2002, como já ocorreu anteriormente,
foi a mola propulsora para o início da organização do VIII Encontro
Paranaense de Psicoterapias Corporais, que terá lugar em
Curitiba, nos dias 19, 20 e 21 de junho de 2003.
Compartilhar também é possível quando damos a nós
mesmos a oportunidade de passar para o papel nossas idéias
teóricas e práticas. Mas isso não acontece com freqüência.
Poucos são aqueles que se aventuram a escrever, por exemplo,

5
artigos para revistas ou jornais. Dizem os especialistas que
“escrever é uma arte”. Só que essa arte não é tão simples assim.
A grande maioria de nós, desde muito cedo, não é estimulada a
expressar e tornar públicas suas opiniões, pensamentos e idéias.
A educação formalizada tolhe a espontaneidade e, por
conseqüência, a criatividade. Estimula-nos a somente digerir e
reproduzir conhecimentos já cristalizados, puramente teóricos,
racionais, colocando cada vez mais a mente sobreposta aos
sentimentos e a razão muito acima da emoção.
Ao término de uma graduação, é muito comum
encontrarmos os recém-formados sonhando com bom emprego,
mínimo esforço e ótimo salário. Não leva muito tempo para que
esse sonho se desnude na mais dura realidade: o desemprego,
a exigência de experiência na área, salários desrespeitosos,
concorrência desleal, os quais somados, geram não menos que
um descrédito no país e na profissão.
Não são poucos os que abandonam a profissão antes
mesmo de tê-la exercido. Porém, existem aqueles que, desde o
início da graduação, mesmo sem a certeza de como será o
caminho que virá pela frente, lançam-se em busca de novos
conhecimentos, novos desafios, dedicando grande parte de seu
tempo livre para a realização de estágios, leituras, cursos, etc.
No mercado de trabalho, esta dedicação será o diferencial que
proporciona a esse profissional usar toda a sua criatividade na
construção de novas possibilidades de atuação. Esse será o
profissional que estará sempre disponível a aprender, a ensinar,
enfim, a compartilhar.
Reich comparou o trabalho ao amor e ao conhecimento
enquanto fonte da vida. Julgou que a vida deveria ser governada
por todos os três. Isso faz pensar que o ser humano é
naturalmente produtivo, mas que infelizmente, por força de uma
sociedade repressora, essa produtividade é inibida.
Isso fica muito evidente, por exemplo, quando solicitamos
a algum colega que escreva um artigo para que possamos
publicar. A primeira resposta é quase sempre negativa, com
explicações do tipo: “preciso de muito tempo para escrever, pois
não tenho facilidade para isso”; “não sei escrever tão bem assim”;
“não tenho muito a contribuir”, etc.

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No entanto, sabemos que muitos de nós realizam
belíssimos trabalhos tanto teóricos quanto práticos, os quais
deveriam ser tornados públicos.
Acreditamos que só assim, sendo capazes de
compartilhar, poderemos crescer como pessoas e ajudar nossas
profissões a crescer como ciência.
Essa reflexão é um convite a você, leitor, que também se
identifica com essas idéias e dificuldades, para que compartilhe
seus conhecimentos, escrevendo!

“Amor, trabalho e conhecimento são as fontes de


nossa vida. Deveriam também governá-la”.
(Wilhelm Reich)

Com carinho,

José Henrique Volpi e


Sandra Mara Volpi

7
PSICOLOGIA CORPORAL
José Henrique Volpi
Sandra Mara Volpi

De um modo geral, uma área da Psicologia se desenvolve


em torno de um conjunto de questões referentes aos seres
humanos. Portanto, faz-se necessária a criação de modelos
conceituais, teorias e métodos de pesquisa capazes de
instrumentar a coleta e a análise dos respectivos dados.
Dessa forma, quando os interesses e o instrumental estão
claros, temos o início de uma nova área. E é assim que vem
acontecendo com a “Psicologia Corporal”, que vem crescendo
em suas pesquisas, crescendo em seu campo de atuação e
crescendo como ciência.
Nesta instância, a da ciência, a Psicologia Corporal dedica-
se a estudar as manifestações comportamentais e energéticas
da mente sobre o corpo e do corpo sobre a mente. É uma
abordagem humana que busca compreender todo ser vivo como
uma unidade de energia que contém em si dois processos
paralelos: o psiquismo (mente) e o soma (corpo). Tem por objetivo
reencontrar a capacidade do ser humano de regular a sua própria
energia e, por conseqüência, seus pensamentos e emoções,
oferecendo a ele a oportunidade de alcançar uma vida mais
saudável.
A Psicologia Corporal tem suas raízes em Wilhelm Reich
(1897-1957), médico vienense e colaborador de Freud que, ao
romper com a Psicanálise, criou sua própria escola, segundo a
qual pensamento e emoção são indissolúveis e influenciam-se
mutuamente. A partir de Reich, diversos outros pesquisadores
criaram seus próprios modelos de trabalho e, alguns, sua própria
escola, teoria e metodologia, mas todas elas objetivam estudar
as manifestações comportamentais e energéticas da mente e do
corpo.
8
Desde a sua criação, em 1928, a escola reichiana,
atravessou inúmeras tempestades. Foi criticada, ameaçada,
proibida e quase desapareceu. O que Reich enfrentou não foi
muito diferente do que outros grandes cientistas também
enfrentaram em suas vidas pessoais e profissionais. A muito custo,
a abordagem reichiana sobreviveu para se tornar hoje o pilar das
“abordagens corporais” e a base de sustentação de diversas
escolas que hoje fazem parte da Psicologia Corporal (Volpi, 2000).
Para não faltar com a justiça merecida por todas as
escolas, a ênfase deste artigo recairá exclusivamente sobre três
delas: a de Reich, a de Navarro e a de Lowen.

1. A escola de Wilhelm Reich


Considerado pai das Psicoterapias Corporais, Wilhelm
Reich entende o ser humano como uma das expressões da
energia que chamou orgônio, uma energia que preenche todo o
espaço cósmico e se expressa em diferentes concentrações,
movimentos e formas.
A busca de Reich para compreender a sexualidade e a
psicogênese das neuroses fez com que se deparasse com as
dificuldades que muitos pacientes encontravam para obter a “cura”
através dos métodos tradicionais de análise. Concluiu Reich
(1995) que se tratavam de resistências provindas do próprio
caráter de cada paciente, expressas não somente em termos de
conteúdo, mas também de forma, através do comportamento
típico de cada um, o modo de falar, andar, gesticular, etc. Desse
modo, o trabalho analítico tornava-se mais completo quando o
caráter do paciente era analisado como um todo e não se fazia
apenas a análise do sintoma isolado. Isso levou Reich a se
distanciar do papel passivo do analista e a intervir de forma mais
ativa e direta sobre os processos patológicos do paciente.
Reich não foi o primeiro cientista a reconhecer a
fundamental importância dos meios não-verbais de comunicação,
mas foi o primeiro a buscar entender e a nos fornecer “um mapa
detalhado dos elaborados sistemas de defesa construídos por
pacientes neuróticos para se defenderem do mundo externo e o
impacto de suas emoções” (Boadella, 1992, p. 14). A provocação
dos colegas para que ele abandonasse a psicanálise por não
estar tratando dos pacientes de acordo com as exigências daquela
9
escola determinou que Reich, a partir de 1928, designasse
oficialmente a sua nova teoria de Economia Sexual, “ uma
disciplina independente, com seus próprios métodos de pesquisa
e a sua própria substância de conhecimento” (Reich, 1986, p.
13). Dela faz parte a técnica da análise do caráter, um trabalho
sistemático orientado para o corpo, que põe em evidência os
processos emocionais do indivíduo, permitindo-lhe expressar-se
através de gestos, posturas, tom de voz, etc. Ao iniciar a análise
do caráter, uma operação psíquica que procede de acordo com
um plano definido e desenvolvido a partir da estrutura peculiar do
paciente, chega-se às profundezas do inconsciente, o que
possibilita ir além da compreensão da linguagem falada.
Mais tarde, a análise do caráter levou Reich à descoberta
da couraça muscular, que se traduz em tensões crônicas formadas
ao longo da vida, cuja função é proteger o indivíduo de
experiências dolorosas e ameaçadoras. Resultou, então, que a
técnica da análise do caráter deixou de ser uma terapia somente
psicológica, passando a ser diretamente ligada ao corpo, ao
sistema neurovegetativo, o que deu origem à técnica da
vegetoterapia caracteroanalítica, incluindo num só conceito o
trabalho nos aparelhos psíquico e físico.
Para uma melhor compreensão pedagógica, Reich então
mapeou o corpo em sete segmentos de couraças, a saber: ocular,
oral, cervical, torácico, diafragmático, abdominal e pélvico. A
couraça no segmento corporal impede o livre fluxo energético.
Para compensar, o corpo adota novas posturas (olhos
arregalados, tensão no maxilar, desvios na coluna, etc).
O corpo contém a história do indivíduo e é através dele
que a vegetoterapia busca resgatar as emoções mais profundas.
Seu princípio básico é o “restabelecimento da motilidade
biopsíquica através da anulação da rigidez (encouraçamento) do
caráter e da musculatura” (Reich, 1986, pg. 17), mediante
movimentos específicos, seguidos sempre da análise dos
conteúdos verbalizados pelo paciente. O trabalho de desbloqueio
das couraças tem inicio pelo primeiro segmento (ocular) e segue
em direção ao último (pélvico), permitindo assim o livre fluxo
energético e uma mudança física e caracterológica. Na prática
da vegetoterapia somente se fala de cura “quando conseguimos
eliminar a base geral caracterológica e biofísica dos sintomas
10
individuais, ou seja, a neurose de caráter” (Reich, 1985, p. 274) e
se conseguimos, dessa forma, restabelecer a total capacidade
de pulsação do organismo como um todo.
Ao perceber que os movimentos reflexos do corpo humano
surgidos quando do desbloqueio das couraças tinham uma imensa
semelhança ou até mesmo eram idênticos ao movimento dos
protozoários observados em microscópios, Reich iniciou uma série
de pesquisas que, posteriormente, revelaram a existência de uma
energia não só dentro mas também fora do organismo, a qual
denominou orgone. A partir daí, surgiu a necessidade de uma
maior amplitude do termo vegetoterapia para orgonoterapia, que
tem por objetivo reencontrar a capacidade de auto-regulação do
organismo e, por conseqüência, seus pensamentos e emoções.
Assim, a Economia Sexual, que era apenas uma disciplina
consolidou-se como uma ciência natural, cujo objetivo é estudar
a energia e suas funções dentro e fora do organismo. Seu nome
passou a ser, então, Orgonomia.

2. A escola de Federico Navarro


Também conhecida como Somatopsicodinâmica, tem tido
singular destaque entre as escolas consideradas pós-reichianas.
Surgida em Nápoles, Itália, em 1967, é atualmente uma das mais
tradicionais e conhecidas escolas pós-reichianas tanto no Brasil
quanto no exterior. Essa expansão soma o pensamento reichiano
ao pós-reichiano de Navarro, que escreve inúmeras pequenas
grandes obrar, todas fundamentais para quem anseia
compreender a íntima relação mente-corpo, corpo-mente.
Quando aluno de Ola Raknes, Navarro recebeu convite
do mestre para, conforme o pedido de Reich, sistematizar uma
metodologia prática para a clínica da vegetoterapia. Ao cumprir a
missão, Navarro pôde oferecer seus amplos conhecimentos de
neuropsiquiatria e psicanálise, introduzindo na Psicologia os
chamados “actings”, que são movimentos expressivos utilizados
na prática clínica da vegetoterapia, com o objetivo de fazer o
desbloqueio das couraças.
Mas o trabalho de Navarro não parou aí. De forma simples
e clara, fez uma releitura dos tipos de caráter definidos por Reich
(1995), enfatizando as diferenças entre caráter e caracterialidade.
Descreveu assim, os diversos tipos de caracterialidade e sua
11
vinculação com os bloqueios corporais e acrescentou as
chamadas coberturas caracteriais, que também funcionam como
defesas (Navarro, 1995).
Com a denominada Somatopsicodinâmica, descrevendo
a filosofia e as patologias da psique de maneira sistêmica e
evolucionista, Navarro (1996) ampliou ainda mais o pensamento
de Reich, mostrando como o corpo pode influenciar a mente e a
mente, por sua vez, interferir nos processos energéticos/corporais,
formando assim, uma unidade funcional. Ao tomar a célula como
ponto de partida de suas observações, também mostrou como é
possível a emoção influenciar a atividade celular e permitir o
aparecimento de doenças, inclusive aquelas sem possibilidade
de cura, como é o caso de alguns tipos de câncer.
Embora entusiástico e carismático, Navarro sempre
manteve em suas atividades profissionais muita cautela,
perseverança e distância dos mal-intencionados. Da mesma forma
que Reich, também sofreu ataques, traições, amarguras e
desilusões, mas mesmo assim, nunca abandonou a difícil
empreitada de abrir espaço ao pensamento reichiano.

3. A escola de Alexander Lowen


A Análise Bioenergética, criada por Alexander Lowen nos
anos 50, é uma abordagem neo-reichiana que teve seu berço
nos Estados Unidos. Surgiu da identificação de Lowen com as
idéias reichianas a respeito do corpo e das emoções, tais como a
influência que o corpo exerce sobre a vida emocional e vice-versa
e a contenção da respiração como uma forma de controle sobre
o metabolismo orgânico e, conseqüentemente, sobre a sensação
e a expressão das emoções.
A Análise Bioenergética parte da compreensão da
personalidade em termos de corpo, o que lhe permite deduzir
que os processos energéticos determinam o que acontece em
ambos, personalidade (mente) e soma (corpo). A identidade
funcional do caráter psíquico com a estrutura corporal ou atitude
muscular é a chave da compreensão da personalidade, já que
nos permite ler o caráter a partir do corpo e explicar uma atitude
corporal por meio de seus representantes psíquicos e vice-versa.
Quando se fala em energia no âmbito da abordagem
bioenergética, a referência é exatamente à energia biológica, que
12
é dinâmica, fluindo e pulsando. Esta energia é sentida pelo corpo
como um movimento interno que, em estado de equilíbrio, é tido
como agradável, expressando-se em bem-estar.
A Bioenergética acredita que a energia está envolvida em
todos os processos da vida - movimentos, sentimentos e
pensamentos - e que se manifesta numa unidade, representada
pela carga e pela descarga, ou, em outros termos, pelo ritmo
natural de se abrir, ir ao encontro de algo/alguém e afastar-se,
fechar-se. Esse movimento estabelece ciclos: parte de uma
necessidade, de um desejo que busca satisfação no ambiente e
que, ao ser satisfeito, permite um relaxamento. Por exemplo, se
você sente fome, esteja em que situação estiver, seu corpo
começará a manifestar o desconforto causado pela carência; sua
atenção em outras atividades poderá ficar prejudicada, uma vez
que seu corpo necessita do alimento. A atitude então é a de buscar
satisfação. O corpo todo se prepara para essa ação em nível
muscular, que desencadeará o contato com o ambiente e, uma
vez concretizada, restabelecerá o equilíbrio no organismo e
conseqüente relaxamento. Outro exemplo pode ser a busca de
expressão do amor. Mais uma vez, o corpo demonstrará sua
necessidade e a atitude será a de buscar satisfação. O corpo se
prepara, entra em contato com o ambiente e somente relaxará
depois de ter alcançado seu objetivo. Neste sentido, entre a carga
e a descarga, deve haver equilíbrio.
O ser humano deve - ou deveria - ser capaz de “ouvir” a si
mesmo, respeitando suas necessidades e agir em busca da
satisfação. Entretanto, muitas vezes esse ciclo de necessidade -
ação - satisfação - relaxamento, ou seja, o ciclo de carga e
descarga, está inibido em sua totalidade ou em fases isoladas.
A Bioenergética se propõe, então, a identificar os
bloqueios, liberá-los e superá-los, atuando simultaneamente sobre
carga e descarga, nos exercícios corporais e em situações do
dia a dia.
O aumento do nível de energia através da respiração e
dos movimentos proporciona a auto-expressão e restaura o fluxo
de sentimentos corporais. A atuação, na Análise Bioenergética,
se dá sobre o funcionamento energético atual do indivíduo e sobre
sua história de vida, uma vez que ambos estão correlacionados.
Um dos principais pressupostos da Análise Bioenergética
13
é que a meta essencial da vida é o prazer e nunca a dor. O
sentimento de prazer é a percepção de um movimento expansivo,
como um fluxo de sentimento e energia que se dirige para a
periferia do corpo. Parte do coração em direção aos pontos de
contato com o mundo: olhos, boca, pele, mãos, pés e genitais.
A contração, por sua vez, é experiência de dor, de
fechamento e de retraimento. O organismo direciona toda sua
busca à satisfação prazerosa, no contato com o mundo. Caso se
encontre ameaçado, o resultado é a contração e, por
conseqüência, a dor. A musculatura se encarrega de conter a
excitação. Quando a musculatura falha, surge a ansiedade.
Na visão da Bioenergética, a promessa de prazer
associada à possibilidade de dor gera a angústia latente em todos
os distúrbios neuróticos e psicóticos. Desta forma, diante do
mundo e desde a mais tenra infância, as pessoas armam-se com
suas defesas formando assim as chamadas couraças - psíquicas
e físicas - deixando de sentir ansiedade ou dor, mas não sem
pagar o preço de se tornarem incapazes de sentir prazer.

Referências bibliográficas
Boadella, D. Nos caminhos da vida. São Paulo, Summus, 1992
Reich, W. La biopatía del cancer. Buenos Aires: N. Visión, 1985
Reich, W. A função do orgasmo. São Paulo: Brasiliense, 1986
Reich, W. Análise do Caráter. São Paulo: Martins Fontes, 1995
Volpi, J. H. Psicoterapia corporal - um trajeto histórico de Wilhelm
Reich. Curitiba: Centro Reichiano, 2000.

José Henrique Volpi é Psicólogo, Especialista em Psicodrama


e Psicologia Corporal (Orgonomia). Mestre e Doutorando em
Psicologia da Saúde (Neuropsicofisiologia). Diretor do Centro
Reichiano de Psicoterapia Corporal, em Curitiba/PR.
E-mail: centroreichiano@centroreichiano.com.br

Sandra Mara Volpi é Psicóloga, Psicoterapeuta Corporal,


Especialista em Análise Bioenergética, Psicoterapia Infantil,
Ludoterapia e Psicopedagogia. Diretora do Centro Reichiano de
Psicoterapia Corporal, em Curitiba/PR.
E-mail: centroreichiano@centroreichiano.com.br

14
PINGUE-PONGUE
COM WILHELM REICH
Sara Quenzer Matthiesen

Quem nunca brincou de pingue-pongue ou bate-bola? Não


me refiro às atividades esportivas, mas, sim, aquela conversa a
dois em que um faz a pergunta e o outro, mais do que depressa,
responde a primeira coisa que lhe vem à cabeça. Obviamente
que isso não é originalidade minha, mas lendo um jornal de minha
cidade numa sala de espera de um consultório médico, retomei
a lembrança de uma entrevista fictícia com Reich e que me
chamou muito a atenção. Inspirada por estas duas fontes resolvi,
com base na obra desse autor, arriscar algumas respostas, sem
que houvesse outro objetivo que não fosse divulgar um pouco
mais suas idéias.

Nome? Wilhelm Reich


Apelido? Willy.
Profissão? medico, psicanalista, vegetoterapeuta,
orgonoterapeuta...
Mania? escrever muito.
Desejo? por um mundo melhor.
Prazer? em viver.
Paixão? pelo trabalho, pela vida.
Vício? fumar cigarro.
Primeiro amor? mamãe.
Um mestre? Sigmund Freud.
Um amigo? são poucos... Alexander S. Neill, o educador da
“liberdade sem medo”.
Momentos felizes? observar os movimentos de um recém-nascido.
Momentos infelizes? ... Foram tantos! Minha expulsão da
Associação Psicanalítica Internacional.
Saudade? de alguns momentos de minha infância.
15
Alegria? a de uma criança.
Tristeza? a perseguição aos judeus.
Receita de sucesso? não sou o melhor para dá-la.
Um presente querido? a bengala africana entalhada que me foi
dada por Malinowski.
Uma descoberta? a da energia orgone.
Uma frustração? ser proibido de brincar com as crianças na
fazenda.
Uma dificuldade? relacionar-me com meu pai.
Uma história para esquecer? a escrita por Hitler e Stalin..
Um desaforo? dizer que enlouqueci.
Um ideal? a profilaxia das neuroses.
Um ponto de vista? “Quem não for suficientemente forte para me
acompanhar deve ficar onde está!”
Uma música? Ave Maria, de Schubert, cantada por Marian
Anderson.
Um carro? meu Chrysler 300, 1955.
Uma cor? a da energia orgone... azul.
Uma paisagem? finais de tarde em Orgonon.
Um medo imenso? de perder a liberdade.
Um projeto? o OIRC – Orgonomic Infant Research Center.
Um estilo? o meu próprio.
Uma lição que a vida lhe deu? ser sempre intenso.
Um prazer escondido? a pintura.
Um pesadelo? que as coisas ruins se repitam.
Um jeito de ser? dizer sempre o que penso.
Um sorriso para? um recém-nascido.
Um trauma? o suicídio de mamãe.
O que você transformaria em patrimônio da humanidade? toda a
natureza.
O pior lugar do mundo? aquele em que não me sinta bem.
Uma promessa? as crianças do futuro.
Uma coisa de que não gosta? ocasiões cerimoniosas.
Sua primeira relação sexual? ...foi aproximadamente com onze
anos e meio... com a cozinheira da casa.
Algo que não poderia perder? a liberdade de pensamento.
Algo de que nunca gostou? tocar piano para estranhos e de
pessoas com rostos gordos e oleosos.
O maior acerto? ter persistido na investigação de indicações
16
iniciais da Psicanálise.
O pior sentimento? o ódio contra o natural... a peste emocional.
O melhor sentimento? todos que sejam naturais.
O que o dinheiro não compra? paz de espírito.
A expressão mais eficiente? a emocional.
A coisa mais feia? difamar alguém, como fizeram comigo
chamando-me de paranóico, esquizofrênico, psicopata e tantas
coisas mais!
O que é um bom dia? aquele em que meu trabalho rende.
Ninguém o faz parar de? pensar.
Uma bobagem sem tamanho? perder tempo com asneiras.
Uma cena estranha? o Congresso de Lucerna em 1934.
Coisas que você guarda? o retrato de Sigmund Freud.
Coisas que você joga? as ruins.
O que não pode faltar? sexo.
O que vai ficar? a minha obra.
Um ensinamento? “O indivíduo só encolhe se vive contra a
natureza.”
As coisas mais importantes na vida? amor, trabalho,
conhecimento...

Referências bibliográficas
Higgins, M. & Raphael, C. (Org.). Reich fala de Freud. Lisboa:
Moraes, 1979
Lamas, B., Moraes, M. & Jacques, M. Bate-rebate com Reich:
uma entrevista ficcional com Wilhelm Reich. In: Revista da
Sociedade Wilhelm Reich. Vol. 2, 1998
Reich, W. Paixão de juventude: uma autobiografia (1897-
1922).São Paulo: Brasiliense, 1996
Reich, W. Last will and testament of Wilhelm Reich. Rangeley,
1957
Udy Magalhães especial. Rio Claro, ano II, n. 96, 13/01/2001

Sara Quenzer Matthiesen é docente do Departamento de


Educação Física da UNESP-Rio Claro.
E-mail: saraqm@rc.unesp.br

17
AGORA NÃO QUERO MAIS!
Natalina De Bastiani

Criança alguma parece conseguir preservar sua


integridade em nossa cultura.
Todos nós vivemos refletidos em espelhos esfacelados e,
por isso, cada ser humano encontra-se um pouco na história do
outro.
Somos afetados pelos valores e contra-valores culturais
que nos levam a abrir mão do melhor de nós mesmos, de nosso
“self primário” para não corrermos o risco do abandono. A perda
do amor é o grande dragão que nos ameaça. E para evitá-lo
somos compelidos a abandonar nosso ser mais genuíno.
Quem já não ficou extasiado diante da ternura e do prazer
da mãe amamentando o filho?
Nos seus braços bem torneados, com a fartura dos seus
seios generosos, com sua voz doce, com seu sorriso aberto, com
seu toque reconfortante, parece nada faltar à pequena criança
que, em seus olhos, se vê refletida. Quem os observa entretidos
em tamanha intimidade suspeita nada lhes faltar. Completam-se!
Bastam-se!
O pai parece orgulhoso do que vê, mas no seu íntimo
experimenta uma pontada de insatisfação... “Já não sou o único
na vida desta mulher!” A magia se desfaz. E quanto mais o filho
cresce, mais a mãe se encanta por ele. A paixão é recíproca. A
criança quer a mãe só para si. O pai torna-se seu rival. De ambos
os lados a tensão aumenta. O desejo pela mãe torna-se mais
forte. Mas é o pai que tem o privilégio de dormir com ela.
Sorrateiramente, o pequeno Alberto aproxima-se da mãe,
deitando-se aos seus pés. Não controlando sua curiosidade e
impulso e sem entender o que consigo se passa, enche-se de
coragem e com a mãozinha trêmula, temendo que o pai o flagre,
18
toca carinhosamente a intimidade materna, o que lhe desperta
muito prazer e muita culpa.
Nossa cultura tem o poder de fazer a criança sentir-se
culpada por suas sensações e práticas sexuais. Não obstante,
aumenta sua confusão e fortalece seu conflito quando o pai lhe
recomenda: “Você é o homenzinho da casa. Cuide bem da
mamãe!” E ela, disfarçadamente, parece corresponder às suas
fantasias e às suas investidas.
Noites maravilhosas são aquelas em que o garoto pode
dormir com sua amada, sem ser ameaçado pelo pai. Ao seu
retorno, porém, sente-se traído, trocado, excluído.
Freud escreve: “Pode ser que estejamos todos fadados a
dirigir nossos primeiros impulsos sexuais para nossas mães e
nossos primeiros impulsos de ódio e violência contra nossos pais.”
Sabemos, hoje, entretanto, que a questão edípica é
apenas cultural e não determinada biologicamente.
Na nossa sociedade patriarcal, no período dos três aos
sete anos, a criança experimenta sentimentos e sensações de
atração sexual pelo genitor do sexo oposto que vêm carregados
de intenso prazer, mas, em contrapartida, repletos de ciúmes,
medo e hostilidade para com o genitor do mesmo sexo, o que
enche a criança de forte sentimento de culpa.
A medicina nos confirma um aumento na produção de
hormônios sexuais nesta fase, o que deixa a criança mais
vulnerável a estas sensações e sentimentos.
Um dos genitores passa a ser alvo de disputa como objeto
sexual: ora é o pai disputando a esposa com o filho, ora a mãe
disputando o marido com a filha.
Esta luta silenciosa vem eivada de ciúme, medo e
hostilidade.
“Minha mãe me protegia muito do meu pai até meu irmão
nascer (6 anos). O pai tinha ciúme de mim com minha mãe,”
afirma Alberto.
Quando estes sentimentos partem do adulto, a criança
passa a se sentir profundamente culpada e ameaçada. É verdade
que a atração é de ambos: do pai para a filha e desta para o pai.
Da mãe para o filho e deste para ela.
Entretanto, os genitores precisam preservar para si
mesmos a idéia de que são bons pais e, portanto, passam a
19
responsabilizar o filho pelos seus sentimentos, sensações e
comportamentos sexuais, fazendo-o sentir-se mau, perverso, sujo
e pecaminoso. Inconscientemente, atribuem a ele seus conflitos
edipianos não resolvidos.
Sobrecarregada com estas tensões e sentindo-se
perdedora, a criança passa a experimentar uma raiva imensa e
desejos assassinos para com o genitor rival.
Sendo impossível defrontar-se com forças tão desiguais,
suprime o ódio, que vai reaparecer transmutado em forma de
desejos de morte ou medo que o genitor venha mesmo a morrer.
Entretanto, as leis da natureza são muito simples e se
não há interferência humana, os fenômenos acabam por se
resolver. Frutas maduras caem naturalmente e surgem novas
árvores com novos frutos. Folhas secas são levadas pelo vento e
outras tomam seu lugar. Era de se esperar, pois, que assim
também ocorresse com as sensações sexuais infantis, se os
adultos não as sobrecarregassem com seus tabus e conflitos não
resolvidos. Ao chegar a juventude, seriam natural e
espontaneamente direcionadas para parceiros da mesma idade
e, assim, os pais poderiam continuar a alimentar a ilusão de que,
de fato, são os melhores do mundo.
Numa cultura repressora como a nossa, torna-se inviável
uma resolução tão simples do Complexo de Édipo, que acaba
por ser reprimido sob ameaça de castração. De quebra, a criança
desenvolve medo de pessoas que para ela detêm algum poder,
alguma autoridade, medo este que perdura pela vida afora.
“Até hoje tenho muito medo de ser humilhado por chefes
ou colegas de trabalho, igual fui por meu pai.” afirma Alberto,
hoje profissional liberal com 32 anos de idade.
O temor da castração estrutura-se no corpo, uma vez que,
por medo da perda do órgão, a criança se defende tensionando o
soalho pélvico e os músculos adutores, suprimindo seus
sentimentos e sensações de prazer.
Uma vez adulta, não mais tem consciência deste medo e
desta tensão e não pode entender porque suas respostas sexuais
são tão restritas.
O desejo pelo genitor proibido nunca morre, apesar da
ilusão de que tudo ficou resolvido. Ele reaparece de forma discreta,
mas vigorosa, no despertar do interesse afetivo.
20
Pai e mãe sempre serão referência, mesmo na busca de
um parceiro que na aparência se mostra completamente diferente
deles.
No íntimo, não aceitamos jamais perder para o rival nosso
primeiro amor. Ao longo da vida alimentamos a esperança de
reencontrá-lo.
Desesperadamente buscamos completar as experiências
maravilhosas que ficaram truncadas, e que foram recalcadas e,
então, facilmente nos apaixonamos por pessoas que despertam
em nós as emoções adormecidas, pessoas que fazem o encaixe
perfeito com nossas necessidades infantis que foram frustradas,
sepultadas e aparentemente resolvidas.
Não raro, nos deparamos no consultório com adultos que
foram extremamente apaixonados e de repente descobrem-se
vivendo as mesmas tensões, os mesmos conflitos vivenciados
por seus pais, dos quais sempre quiseram se afastar.
Na sôfrega busca de reencontrar a completude do já vivido
nos braços da mãe, na primeira paixão por ela ou pelo pai,
acabamos por eleger parceiros que reativam esses sentimentos
e emoções adormecidos.
E, para nossa surpresa, chegamos à extraordinária
constatação de que escolhemos a dedo aquele ou aquela que foi
nosso primeiro e único grande amor e, se não o encontramos,
nós o recriamos! E ao recriá-lo, nós o rejeitamos, tal qual nós
mesmos fomos rejeitados por ele.

Referências bibliográficas
Freud, S. A Interpretação dos Sonhos. Obras Completas. Rio de
Janeiro: Imago, 1987, vol. IV e V.
Lowen, A. Medo da vida - caminhos da realização pessoal pela
vitória sobre o medo. São Paulo: Summus, 1986

Natalina De Bastiani é Psicóloga e Especialista em Psicologia


Corporal (Orgonomia), pelo Centro Reichiano.
E-mail: de_bastiani@zipmail.com.br

21
ENQUANTO A AUTO-REGULAÇÃO
NÃO É POSSÍVEL...
Simone Sabino

Torna-se inevitável para quem lê, estuda, reflete e aplica


o que Reich deixou como legado de seu trabalho, acreditar que
a saída para a formação de uma nova geração de crianças e
adolescentes está na possibilidade de se introduzir nos sistemas
educacionais os princípios da Auto-Regulação.
Sabemos, no entanto, o quanto isso é difícil...Esbarra-se
na neurose massificada...
Mas como Reich, que acreditava incondicionalmente no
potencial da saúde, não podemos desistir!
Sendo assim, o que se pode fazer pelas nossas crianças
e adolescentes enquanto a Auto-Regulação ainda não se instala
como principal princípio norteador da Educação ?
Nós, terapeutas reichianos, temos algumas contribuições
a dar, mesmo sabendo que elas não se farão soberanas sobre a
neurose. Seguem algumas reflexões que fazem parte de um
projeto de prevenção e auxílio à saúde de nossas crianças e
adolescentes:
É inegável que a virada de um século seja marcada como
um período de grandes confrontos reflexivos. Vive-se uma época
de extremas mudanças: rápidas no campo tecnológico e
profundas do ponto de vista humano.
Uma análise cuidadosa desse processo vai demonstrar
que um grande impasse foi se instalando.
Vemos toda uma geração de adultos - pais, educadores e
demais profissionais da área da saúde humana - carregando o
que Reich (2000) chama “o peso da educação equivocada da
primeira metade do século XX”, que foi transmitida
automaticamente de geração em geração pelo processo social
da educação.
22
A obediência incondicional; os assuntos que não podiam
ser falados na frente das crianças; os movimentos vitais
impedidos; o que ficava no não-dito, no vazio; a falta quase que
total do toque e da expressão de afeto dessas gerações acabaram
por desenvolver uma grande população de pessoas com
estruturas de caráter rigidamente defendidas e encouraçadas que
não desabrocharam para a vida por terem que atender às leis,
normas, hábitos e exigências impostas. Todas essas defesas
contra as exigências externas distanciadas das reais necessidades
humanas acabaram por criar nessas pessoas situações de fortes
conflitos internos como resultados da luta para sobreviver
emocionalmente dentro dessa realidade, instalando um excessivo
controle e bloqueando-as afetivamente a uma relação genuína,
energética, espontânea e natural.
Distanciados de si mesmos, esses pais e profissionais
cuidadores e educadores, deixaram de perceber suas próprias
sensações e emoções e tornaram-se impossibilitados de perceber
suas crianças e jovens.
Têm-se gerações e gerações de crianças subjugadas e
reprimidas que se tornam adultos opressores e repressores,
formando um imenso círculo vicioso de desencontros.
Cabe agora um olhar para as crianças e adolescentes de
hoje:
O universo virtual invadiu lares e escolas; as mudanças,
antes quase inexistentes, agora são rápidas; a globalização coloca
em segundos toda e qualquer pessoa a par do que acontece no
mundo.
Talvez Reich previsse isso... daí sua preocupação com as
Crianças do Futuro já nos anos 50...
Todo esse acelerado processo de tecnologia e as ousadas
investidas da mídia mundial colocam crianças e adolescentes
diante de um mundo sem limites que se contrapõe a toda e
qualquer regra milenar.
Teorias, linhas de conduta, regimes totalitários e
autoritários a nível familiar, institucional ou social estão se tornando
fragilizados e sem consistência, uma vez que eram mantidos única
e exclusivamente em nome da ordem.
Em contrapartida, o momento atual revela uma nova
geração que não suporta o inquestionável, o controle abusivo, o
23
não-dito. E esta geração clama com uma ávida urgência uma
nova forma de ser atendida pelos adultos em suas necessidades
e anseios.
As instituições (família, escola, estado...), diante desses
desconhecidos, têm se defendido num jogo de culpa e
transferências de responsabilidades, talvez hoje mais se omitindo
do que reprimindo.
O princípio da vida é mais amplo do que qualquer princípio
educativo mecanicista...
Uma grande população de pais e educadores pede por
socorro. A tão conhecida distância, antes criada como escudo de
proteção e instrumento de manipulação e controle, agora se repete
e se faz hoje presente mais como resultado único e exclusivo do
não saber o que fazer do que como método imperativo e eficiente
de educar.
O discurso adulto propaga a nova geração como
problemática e difícil, como se o comportamento dessas crianças
e jovens tivesse surgido do nada, quando na verdade o processo
parece se caracterizar como uma onda de expansão e
descontrole, resultante do desencontro de movimentos
energéticos entre as gerações – de um lado crianças e jovens
cheios de energia, mas soltos e sem limites e de outro, adultos
desenergizados e contraídos que se perderam em seus papéis
de modelos. Atem-se ao uso da velha fórmula de repressão que,
embora saibam ser insalubre e ineficaz, é a única que conhecem
e que acaba por produzir seus efeitos: seguidores do pensamento
reichiano já detectam em trabalhos de grupos dentro de
instituições que crianças entre 7 e 12 anos já trazem sinais de
bloqueios energéticos em franco encouraçamento. Seus corpos,
ainda em formação, não apresentam rigidez em suas defesas
musculares, mas pode-se perceber intensos sentimentos de
desconfiança e perda da espontaneidade. Demonstram vergonha
de cantar, de abraçar, de gargalhar, de brincar, de gritar, enfim,
de se permitir viver intensamente como seria de se esperar.
Cabe agora uma pergunta: qual fórmula mágica que
poderá transformar essa situação?
Sabemos que elas não existem e sabemos também que
o movimento necessário para reversão desse quadro é trabalhoso,
mas temos em mãos um precioso instrumento: o princípio da
24
Auto- Regulação.
Reich nos ensina que o recém-nascido é dotado de uma
plasticidade e de uma capacidade para o desenvolvimento
naturais, se nenhum dano mais forte atingiu-o durante a gravidez.
Possui um sistema energético enormemente produtivo e que pôr
seus próprios recursos estabelecerá contatos com seu meio, de
acordo com suas necessidades.
A prática reichiana nos dá provas de que se cuidarmos
para que esse princípio siga seu curso, os resultados em termos
de bem estar e saúde são visíveis!
Faz-se necessário portanto que nos tornemos legionários
da transmissão desse conhecimento. Precisamos, em todas as
oportunidades que tivermos, expor, ensinar, mostrar, fazer
experimentar, essa nova forma de “estar no mundo“. Toda a
geração de adultos que hoje cuida e educa essa nova geração
precisa parar para repensar suas formas de relação e na verdade,
só cabe a essa geração fazer isso. Precisamos cada vez mais
sair do lugar de “adultos que não erram” e nos empenhar em
contribuir para a formação de uma “gente nova”.

Aliás, com dizia o próprio Reich (2000):

“...somos nada mais do que transmissores de um


passado miserável para um futuro eventualmente
melhor. Não deveremos ser aqueles que construirão
este futuro. Nós não temos direito de dizer às nossas
crianças como construir o seu futuro, desde que nos
mostramos incapazes de construir o nosso próprio
presente.
O que podemos fazer como transmissores,
no entanto, é dizer às nossas crianças exatamente
onde e como falhamos. Podemos, além disso, fazer
tudo o que for possível para remover os obstáculos
que estão no caminho das nossas crianças na
construção de um mundo novo e melhor para elas
mesmas.”

Na verdade a saída pode estar bem próxima: o re-


aprendizado da vida a partir das próprias crianças e adolescentes,
25
posto que ainda conservam em si a chama da vida viva acesa.
Se nós, adultos de hoje, realmente acreditarmos nisso,
poderemos lançar mão de reflexões e ações para atenuar e
preservar nossas crianças e adolescentes do padecimento que
nos foi imposto pela neurose e contribuirmos na tentativa de se
construir um mundo melhor, um planeta melhor, que era um dos
grandes ideais de Reich.
Podemos pensar em construirmos uma rede: nos
consultórios, nas instituições de toda natureza, nos berçários
hospitalares, junto a pais e educadores, com gestantes, nas
prateleiras das livrarias... Resultados surpreendentes podem ser
conseguidos antes que a Auto – Regulação se faça presente
naturalmente...
E Reich, de onde estiver, há de bater palmas...

Referências bibliográficas
Baker, E. F. O Labirinto Humano. São Paulo: Summus,1980
Konia, C. Orgonoterapia – Parte II: Considerações Energéticas.
In: Jornal de Orgonoterapia, v. 20, n.1,1985
Lowen, A. A Espiritualidade do Corpo. São Paulo: Cultrix,1990
Reich, W. Crianças do Futuro. Curitiba: Apostila traduzida pelo
Centro Reichiano de Psicoterapia Corporal, s/d.
Corradini, G. Grupos de Movimentos com Crianças. In: Revista
Psicoterapia Corporal, n. 6, p. 4. Curitiba: Centro Reichiano de
Psicoterapia Corporal, 2000
Sabino, S. A Literatura Infanto-Juvenil Aplicada à Psicologia. In:
Revista Psicoterapia Corporal, n. 6, p. 6. Curitiba: Centro
Reichiano de Psicoterapia Corporal, 2000

Simone Sabino é Psicóloga de abordagem reichiana, Especialista


em Psicologia Clínica, Organizacional e do Trabalho e Didática
do Ensino Superior. Autora de artigos diversos e livros na área
infanto-juvenil, entre eles: “Quando alguém se vai...”; “Esse bicho
papão do medo”; “Tô Pê da Vida“; “Inveja de cá, ciúme da lá...”;
“Adolescer é Aborrecer?” e “Adolescer...ai que medo de crescer!”.
E-mail: simonesabino@alemparaiba.com.br

26
O TIGRE E O DRAGÃO...
E O SUPER-HOMEM
Alberto Pucci Junior

Algum tempo atrás assisti ao filme de Ang Lee, “O Tigre e


o Dragão”, e fiquei muito impressionado com as belíssimas
imagens da seqüência na floresta de bambu, quando Li Mu Bai e
Jen (ou Jiaolong) se enfrentam. Essas cenas lembram o gênero
de filmes chamado de “Wuxia” sobre guerreiros e cavaleiros
errantes, que está para a China assim como o western está para
os Estados Unidos. A ação do wuxia desenrola-se em um passado
místico, no qual os praticantes de artes marciais podem atingir
capacidades sobre-humanas. A canalização da energia interna
(Ki ou Chi), em consonância com os elementos naturais (água,
vegetação, etc.) permitem-lhes executar “saltos sem peso”. Foi
inevitável, para mim, associar esses guerreiros imaginários da
cultura oriental com o Super-Homem, uma produção da cultura
ocidental. E, a partir daí, comecei a fazer uma reflexão sobre as
semelhanças e diferenças entre esses personagens e entre as
civilizações que os criaram, partindo do pressuposto que
representam cada um as crenças e as tradições de suas
respectivas sociedades.
Os ocidentais sempre acreditaram ser portadores de
explicações racionais, científicas, para os fenômenos naturais,
enquanto que os orientais exibiam crenças místicas ou metafísicas
para o funcionamento da realidade e de suas manifestações.
Entretanto, se observarmos o domínio da Igreja Católica na
Europa, e posteriormente no resto do mundo, desde o Império
Romano, notamos que sistematicamente as festas ditas pagãs
eram substituídas por festas cristãs e, quando isso não era
possível, as tradições religiosas dos outros povos eram
satanizadas, sendo chamadas de cultos demoníacos e destruídas,
como aconteceu, por exemplo, com os druidas, que tinham uma
27
forte relação com a natureza.
A ciência ocidental seguiu a mesma linha chamando o
nosso conhecimento sobre o funcionamento do universo de
ciência e a tradição oriental de misticismo. Por outro lado, a
aplicação direta de conceitos orientais pelos ocidentais também
demonstra o misticismo com que lidamos com recomendações e
técnicas muito práticas. O Feng Shui é um ótimo exemplo disso.
Ao estudar a relação do homem com seu meio ambiente, busca
uma integração que propicia um fluxo energético harmônico. O
objetivo portanto é uma vida em harmonia com os elementos
naturais que nos rodeiam e não a cura para o mau-olhado e outras
formas de “energia negativa”.
Ao acreditarmos que possuímos explicações racionais
para os fenômenos naturais e, dessa forma, condições mais
adequadas para compreender e dominar essas forças, pensamos
que temos um contato verdadeiro com o mundo material. Porém,
ao compararmos as criações imaginárias das culturas ocidentais
e orientais, Li Mu Bai e Super-Homem, a conclusão que se pode
obter demonstra exatamente o contrário. Não existe possibilidade
para a ciência ocidental explicar os poderes sobre-humanos do
nosso herói, sua força capaz de dobrar vigas de aço, parar um
trem em movimento, sua pele impenetrável, a possibilidade de
sair da órbita do planeta e não sentir falta de oxigênio, mas
principalmente, sua capacidade de anular a gravidade, de voar.
Por outro lado, o herói oriental, uma pessoa de carne e osso, por
meio da sua energia interna, torna seu corpo sutil o suficiente
para fazer saltos sem peso. Li Mu Bai não voa, interage com os
elementos naturais, a água, o ar e a vegetação, e flutua como se
fosse um balão. A gravidade continua a atuar sobre ele, porém
da mesma forma que atua sobre um objeto extremamente leve.
Portanto, Mu Bai não perde o contato com a realidade e com o
ambiente que o cerca, ao contrário, aumenta ainda mais a
capacidade de seus sentidos, sua percepção e sensibilidade ao
movimento do todo a sua volta. Infelizmente, o Super-Homem
para cumprir seu papel tem que anular a realidade, ignorar os
elementos materiais, viver em um mundo no qual um ser humano
pode sair de “órbita” apenas com o impulso de suas pernas.
A conclusão é que estamos mais distantes da realidade
do que supomos e, apesar de nossa ciência, somos capazes de
28
acreditar verdadeiramente em situações que não podem ser
explicadas por ela. Enquanto que os orientais compartilham
crenças e filosofias que os permitem conhecer e interagir com a
realidade, buscamos o conhecimento para dominar o mundo. A
dominação pressupõe uma separação, tentamos nos afastar e
acabamos, nessa tentativa, sofrendo de uma esquizofrenia que
nos priva de uma convivência saudável com o meio ambiente e
com o universo. Podemos observar a conseqüência disso todos
os dias, nos impactos que a sociedade causa a si mesma e ao
planeta. Sendo possível ou não a cura, o tratamento passa
definitivamente pelo reencontro com a realidade, quando
pudermos percebê-la, senti-la e aceitá-la integralmente.

Alberto Pucci Jr. é Analista de Sistemas, Especialista em


Psicologia Corporal (Terapia Corporal Reichiana), pelo Centro
Reichiano, Mestre em Sistemas de Informação e Doutor em Meio
Ambiente e Desenvolvimento, pela UFPR.
E-mail: alberto.pucci@utp.pr

29
OFICINA DE TRABALHOS CORPORAIS:
CONTRIBUIÇÃO AO DESENVOLVIMENTO
DE CRIANÇAS
Cassiano Ricardo Rumin

Este trabalho relata atividades desenvolvidas junto a um


grupo de crianças que apresentavam algum aspecto de deficiência
motora. Desenvolveu-se em parceria com a Secretaria Municipal
de Educação da cidade de Assis/SP. Junto a outras atividades e
oficinas, compunha o quadro de atividades educacionais do
Projeto CRER. Realizamos trabalhos com procedimentos
corporais de relaxamento e técnicas de toque, auxiliados pelo
método Shantala. A massagem era utilizada para reduzir a tensão
crônica que se estabelecia em regiões do corpo. Estabeleceu-se
através do toque um vínculo terapêutico que possibilitou a escuta
dos conflitos individuais. A massagem aplicada nos corpos atuou
como um meio na estruturação de um campo de intervenção
psicoterápica. A oficina de trabalhos corporais tinha como objetivo
melhorar a coordenação do esquema corporal através da
consolidação de uma imagem corporal e propiciar o acolhimento
de demandas psicoterápicas em atividades grupais e
atendimentos individuais.
Com os trabalhos de René Spitz foi possível a produção
de um entendimento sobre o desenvolvimento das funções
psicológicas. Ao realizar estudos sobre os organizadores da
psique, o autor aponta evoluções das funções do ego que se
estendem do estágio de relacionamento passivo com os objetos
até o estabelecimento das relações objetais.
Os trabalhos de David Boadella indicaram como estimular
processos intrapsíquicos de organização e especialização do ego
através dos trabalhos de fundamentação (grounding).

O contato entre os corpos


Num primeiro momento, a massagem era utilizada para
30
dissolver a tensão crônica de algumas regiões do corpo. As
tensões crônicas pareciam advir do uso diário das cadeiras e
aparelhos ortopédicos. Imaginamos que as regiões atingidas por
estas dores, pudessem ser estimuladas pela ação do contato
físico, propiciando bem estar. Porém, apertar e revolver a
musculatura não teria função terapêutica se não conseguíssemos
que as crianças obtivessem um relaxamento do tônus muscular
de modo amplo.
Utilizamos a música e a fala para induzi-los a fechar os
olhos e permanecer em silêncio, respirando profundamente com
a utilização do abdome. A utilização da respiração mostra-se
recomendável pelo seu efeito físico de aumento das capacidades
pulmonares e da oxigenação dos tecidos. Tanto a respiração,
quanto a massagem possibilitavam a percepção de sensações
provenientes de órgãos internos e camadas profundas da
musculatura. O contato com sensações provenientes de outras
partes do soma permite a especialização do esquema de imagem
corporal (Grünspun, s.d.) e o contato com sensações ligadas à
atividade simbólica do inconsciente.
De acordo com Groddeck (1992) a utilização da massagem
e de técnicas respiratórias estariam associadas aos recursos da
interpretação psicanalítica, pois, no momento da proximidade
física com o terapeuta e no reconhecimento de percepções
provenientes das camadas mais profundas do esquema somático
estaria atuando o que se conhece sob a denominação de
transferência e resistência. Justamente no momento da
massagem surgiam gracinhas, piadas e outras formas de
resistência ao trabalho. Víamos nas brincadeiras principalmente
este aspecto da ação defensiva. Entendíamos que não era tarefa
fácil entregar o corpo aos cuidados de pessoas pouco conhecidas.
Questionávamos as crianças onde era mais agradável receber a
massagem. Passaram a indicar os locais onde sentiam maiores
benefícios pelo estímulo de nosso toque. Respondiam “mais prá
cá”, “mais prá lá”, “prá cima”. Contentávamo-nos quando diziam
que naquele lugar era “mais gostoso”. Esta delimitação erógena
permitiria a integração da imagem corporal. Possibilitaria um
contato mais efetivo entre esta imagem e as partes cindidas do
corpo, ocorrendo uma maior especialização do aparelho psíquico.

31
A técnica da massagem
No desenvolvimento das atividades, nos deparamos com
o questionamento da técnica de massagem que seria mais bem
indicada. Havíamos começado nosso trabalho com a Shantala
(Leboyer, 1999). A Shantala é utilizada na Índia, seu país de
origem, para o cuidado de bebês e também de crianças. Neste
trabalho estas manobras de massagem foram utilizadas como
uma técnica de terapia corporal.
Gerda Boyesen (1986) indicou que a massagem deve ser
aplicada semanalmente. Este período é indicado para que o
organismo possa usufruir alterações no tônus muscular e elaborar
as emoções referentes à dimensão simbólica da região
massageada, é necessário um lapso de tempo para que uma
dinâmica corporal se desenvolva. A utilização de técnicas de
fisioterapia viria agir diretamente no sintoma. Esta orientação de
tratamento contemplaria apenas o aspecto motor da deficiência.
Ficaria negligenciado o sofrimento psíquico e a história que
modelou os corpos. Justamente não era esse o entendimento
que tínhamos da deficiência. Entendíamos apenas que eram
corpos que se delimitavam de forma diferenciada.
Com o auxílio da Psicossomática vimos nos sintomas
físicos uma proteção contra um sofrimento psíquico de intensidade
maior. Groddeck (1997) aponta que os sintomas produzidos pelo
corpo do homem, muitas vezes têm sua predisposição psicológica.
Assim, o toque poderia mobilizar sentimentos que estariam
relacionados simbolicamente, às regiões do corpo que se
encontravam afetadas pelo fenômeno psicossomático.

A escuta terapêutica
A possibilidade da escuta terapêutica se instaurou depois
de várias sessões em que permaneciam calados. As crianças
demandavam apenas o acolhimento de seus corpos neste
momento. As verbalizações sobre seus sentimentos surgiram
posteriormente, em conjunto com mudanças no esquema
corporal. As mudanças na expressão da tensão muscular surgiram
quando seus esquemas corporais já se encontravam mais bem
coordenados. As dores crônicas, de modo geral, haviam reduzido.
Neste momento estabeleceram-se dores agudas; tentávamos
resgatar junto às crianças o sentido, o significado simbólico
32
daquelas sensações dolorosas. Tentávamos levá-las ao
questionamento de como aquelas dores poderiam se expressar,
para que elas se estabeleciam, se havia acontecido alguma coisa
desagradável, se estavam aflitos com algum sentimento, se seus
familiares estavam bem. Buscávamos resgatar as atividades do
cotidiano da criança, convidando-as a produzir associações,
tentando apreender de uma forma ampliada, a dor de seu dia-a-
dia.
O esforço terapêutico visava que o paciente tivesse contato
com a realidade. O primeiro nível de realidade que o paciente
deveria ter contato era a imagem corporal. Os contatos com as
regras sociais e as orientações culturais só ocorreriam
posteriormente, a partir do substrato - organização do ego –
oferecido pela integração do corpo cindido.
Na concepção de Lowen (1983) “há uma realidade
indiscutível na vida de toda pessoa, e ela é sua existência física
corporal. Seu ser, sua individualidade, sua personalidade são
determinados por seu corpo” (pág 15). Deste modo o
estabelecimento de dores agudas permitiu o trabalho psicanalítico
da interpretação.
Talvez o campo de interpretação tivesse se estabelecido
por mero acaso em relação ao aparecimento das dores agudas.
Porém, a Psicossomática indicou-nos que a possibilidade de
verbalização apareceu, pois, as crianças estavam tendo contato
com camadas mais profundas de seu Soma. Não foram apenas
as dores musculares que se modificaram, houve uma mudança
relacionada ao contato com sentimentos e fantasias antes
encobertos pelas expressões de dores crônicas.
Passou a existir para as crianças, um espaço onde
poderiam contemplar sentimentos conflitantes. A presença do
trabalho de interpretação possibilitava um sentimento de “estar
seguro” em relação ao contato com os afetos cindidos
(esquizóides), assim, as crianças poderiam elaborar conflitos e
propiciar às funções do ego maior grau de especialização e
organização. A capacidade de elaboração subjetiva e a
possibilidade da expressão dos conflitos no grupo de trabalho
possibilitariam a integração de afetos esquizóides. Entendíamos
que poderia ocorrer uma integração do ego infantil, podendo ter
uma melhor capacidade de discriminação e síntese.
33
Por vezes, foram solicitados atendimentos
individualizados. Acolhemos esta demanda e garantimos a todos
os participantes do grupo que encontros particularizados seriam
mantidos em sigilo. Em decorrência das férias escolares surgiu a
demanda do grupo pelo acompanhamento terapêutico. Ouvimos
queixas das crianças e de alguns pais sobre o tempo em que
permaneceríamos afastados. Optamos pela manutenção do
vínculo terapêutico em encontros realizados nas residências das
crianças.
Pensávamos em envolver os pais nas atividades de
aplicação da Shantala, pois, a distância afetiva em relação aos
familiares era uma queixa que ouvíamos de modo generalizado
no grupo. Alguns pais prontificaram-se ao envolvimento neste
trabalho. Outros nem aceitaram nossa presença em suas
residências. Parecia haver o estabelecimento de uma linha
divisória entre os pais que se preocupavam com o
desenvolvimento de seus filhos e os que possibilitavam o acesso
de suas crianças as atividades do Projeto CRER apenas para
ocupá-los.

Referências bibliográficas
Boadella, D. Correntes da vida: São Paulo: Summus, 1992
Boyesen, G. Entre psique e soma. São Paulo: Summus, 1986
Groddeck, G. Estudos psicanalíticos sobre psicossomática. São
Paulo: Perspectiva, 1992
Groddeck, G. O livro DISSO. São Paulo: Perspectiva, 1997
Grünspun, H. Distúrbios psicossomáticos da criança: o corpo que
chora. São Paulo: Atheneu, s.d.
Leboyer, F. Shantala: uma arte tradicional - massagem para bebês.
São Paulo: Ground, 1999
Lowen, A. O corpo em depressão. São Paulo: Summus, 1983
Spitz, R. A. O primeiro ano de vida: um estudo psicanalítico do
desenvolvimento normal e anômalo das relações objetais. São Paulo:
Martins Fontes, 1996

Cassiano Ricardo Rumin é Psicólogo, formado em Psicossomática,


com experiência em Ludoterapia de orientação reichiana.
Atualmente, cursa Especialização em Saúde Pública e Mestrado.
E-mail: cacarumin@uol.com.br

34
POTÊNCIA ORGÁSTICA
E ENCOURAÇAMENTO:
DOIS CONCEITOS FUNDAMENTAIS PARA
ANÁLISE E VIVÊNCIAS EM BIOENERGÉTICA
Leonardo José Jeber

Função do orgasmo, potência orgástica, reflexo do


orgasmo e encouraçamento são conceitos baseados nos estudos,
pesquisas e trabalho do médico e psicanalista Wilhelm Reich.
Para Reich, biologicamente falando, o orgasmo é uma função
auto-reguladora do organismo vivo. Ao estudar a função do
orgasmo, Reich descobriu a fórmula da vida que se expressa em
Tensão-Carga-Descarga-Relaxamento. É uma fórmula que se
manifesta no organismo vivo e que mostra a capacidade do
organismo de se auto-regular.
Orson Bean, baseando-se nos estudos de Reich sobre
“A Função do Orgasmo” explica sinteticamente essa função: os
seres humanos, da mesma forma que todas as coisas vivas, a
partir da ameba, possuem uma energia interna até hoje não
revelada. Wilhelm Reich a descobriu e deu-lhe o nome de energia
orgônica – do radical da palavra organismo. Essa energia é, de
fato, a força vital, fisicamente falando. Energia produzida pela
ingestão de alimentos, fluidos e ar e diretamente absorvida pela
epiderme.
Reich descobriu em suas pesquisas que a energia
orgônica flui em ritmo constante através de todo o corpo, do alto
da cabeça à planta dos pés, num movimento de ida e volta. Essa
energia é transportada pelo plasma, que é a parte liquida
coagulável do sangue, na qual se acham em suspensão os
glóbulos sanguíneos. Para Reich, isso ocorre nas pessoas
naturais1 e de perfeita saúde. Essa energia pode ser sentida como
________
1 Em outra oportunidade discutirei o conceito de Wilhelm Reich sobre o que é
a natureza e o que é a cultura. No pensamento reichiano essas duas dimensões
da vida se integram e se inter-relacionam de forma que a verdadeira cultura

35
uma agradável e quente sensação de saúde e bem estar. Essa
energia flui através das correntes plasmáticas em nosso
organismo.
Segundo Orson Bean, a eliminação dessa energia se
processa pela atividade, excreção, expressão emocional, pelo
processo do pensamento e ao ser transformada em calor corporal
que é irradiado para o meio ambiente. Além disso, atua sobre o
crescimento. Em casos normais, essa energia é produzida em
proporção superior à que é eliminada. Esse excesso de energia
é armazenado para atender a situações de emergência como,
por exemplo, a luta ou o trabalho excessivo. Mas, quando não se
registra qualquer emergência, a energia continua aumentando
para que o organismo se desenvolva continuamente ou venha a
perecer eventualmente, a menos que exista um mecanismo
qualquer que se encarregue de libertar o excesso da energia
acumulada que tenha atingido determinado nível. Nos indivíduos
saudáveis, esse nível se manifesta pela excitação sexual. A
produção de energia cria um estado de tensão, e o método criado
pela natureza para aliviá-la e regular a sua produção é o orgasmo
sexual. A profunda sensação de calma que se segue ao clímax
sexual realmente satisfatório é a prova da eliminação dessa
tensão. Entretanto, a tensão é liberada e a energia regulada
somente quando o indivíduo é capaz de conseguir uma satisfação
sexual completa, saudável e amorosa, ao que Wilhelm Reich
conceituou de Potência Orgástica. Nas palavras de Wilhelm
Reich, potência orgástica é a capacidade de abandonar-se, livre
de quaisquer inibições, ao fluxo de energia biológica; a capacidade
de descarregar completamente a excitação sexual reprimida, por
meio de involuntárias e agradáveis convulsões do corpo.
As convulsões involuntárias e agradáveis do corpo são o
que Wilhelm Reich denominou de reflexo do orgasmo. Essas
convulsões naturais ocorrem na segunda fase do ato sexual, que
é a fase de contrações musculares involuntárias, diferente da
fase de contrações musculares voluntárias do ato sexual. A
excitação que ocorre causa contrações involuntárias de toda a
________
sempre está a favor da natureza. Aqui basta esclarecer que natural quer dizer
não neurótico, aquilo que funciona espontaneamente, que não perdeu a sua
funcionalidade original.

36
musculatura das regiões genital e pélvica. Essas contrações se
experimentam sob a forma de ondas.2
Para Reich, é inútil a experiência sexual compulsória,
obrigatória ou incompleta. O orgasmo deve ser absolutamente
agradável e espontaneamente acompanhado pelo relaxamento
total, na ausência de energia orgônica não eliminada. Essa falta
de eliminação faz-se sentir sob a forma de tensão ou
desassossego. Num indivíduo saudável, a necessidade de
satisfação sexual e eliminação está inteiramente baseada nesse
fluxo da energia orgônica.
Foi estudando e pesquisando sobre os conceitos acima
que Wilhelm Reich chegou a compreender como o organismo
não satisfeito produzia as estases de energia ou as couraças
musculares crônicas.
Couraça ou encouraçamento, portanto, é um outro
conceito criado por Wilhelm Reich.
Couraças ou bloqueios musculares: o movimento
ondulatório do fluxo energético, que se movimenta pelo eixo
longitudinal do corpo, de cima para baixo e de baixo para cima é
interrompido por grupos de músculos que se ordenam ao longo
desse eixo longitudinal, como os anéis de uma armadura; daí a
denominação couraças musculares. Os anéis de músculos são
unidades de função vegetativa, que servem para bloquear
emoções específicas.
Segundo Orson Bean, há muitos séculos, o Homem é o
único entre todos os animais a assim proceder, e vem interferindo
no processamento de suas funções naturais ao evitar o fluxo, a
produção e a liberação de sua energia orgônica. E o faz ao se
tornar incapaz de conseguir satisfação sexual completa, natural
e saudável, através de um processo que Wilhelm Reich chama
de couraça, conforme explicitado acima.
Alexander Lowen, médico e psicoterapeuta, criador da
Análise Bioenergética3 , a partir dos estudos de Wilhelm Reich,
resgatou o termo bioenergia para denominar a energia chamada
________
2 Para maior clareza no entendimento do ato sexual e suas fases, recomendo
a leitura do livro “A Função do Orgasmo”, de Wilhelm Reich.
3 Aqui definimos Análise Bioenergética como a forma de psicoterapia individual
que integra corpo e mente num trabalho que considera os conteúdos verbais
e corporais do cliente.
37
por Reich de orgone. Alexander Lowen alargou a abrangência
do trabalho corporal em psicoterapia e introduziu o “Para Casa”
da Bioenergética, que pode ser feito individualmente ou em Grupo
de Movimento e Vivências Bioenergéticas.
Alexander Lowen, no lugar de simplesmente pressionar
músculos cronicamente tensos, fez uso de posições de stress
que forçam os músculos a cederem. E a evidência desse
relaxamento pode ser vista numa vibração fina e tênue dos
músculos. Essa vibração é o elemento chave da vitalidade
orgânica e é similar ao fenômeno das contrações musculares
involuntárias do ato sexual, o qual Wilhelm Reich identificou como
reflexo do orgasmo, que se manifesta através de ondas ou
correntes plasmáticas que circulam livremente pelo corpo quando
este está livre de tensões crônicas.
A descoberta importante feita por Lowen foi a de que uma
pessoa, cujo fluxo de energia é bloqueado, perde parte de sua
vivacidade e de sua personalidade. E essa perda causa
transtornos físicos-emocionais como depressão, ansiedade,
compulsão, angústia. Segundo Alexander Lowen, desta forma,
a vida perde suas cores, se torna sem graça.
A Análise Bioenergética e o Grupo de Movimento em
Vivências Bioenergéticas são trabalhos cujos objetivos estão
embasados nos conceitos acima descritos e em última instância
desejam contribuir para que as pessoas restituam o seu prazer
de viver, pois como nos diz o mestre Lowen, “Com prazer a vida
é uma aventura criativa; sem ele, é uma luta pela sobrevivência”.

Referências bibliográficas
Bean, O. O milagre da orgonoterapia. Art Nova Editora, 1973
Lowen, A. Exercícios de bioenergética. São Paulo: Ágora, 1986
Rablen, E. Introdução à Bioenergética. In: Jornal do I.I.B.A.
Reich, W. A Função do Orgasmo. Martins Fontes, 1995

Leonardo José Jeber é professor de Educação Física da Escola


Fundamental do Centro Pedagógico UFMG; Mestre em
Educação/UFMG e faz o curso de Formação de Terapeutas em
Análise Bioenergética, pela ABAB, de Belo Horizonte.
E.mail: bhz17333@terra.com.br

38
UMA VISITA AO CONSULTÓRIO
DO DR. REICH,
COM MORTON HERSKOWITZ
José Henrique Volpi

Certa vez tive a oportunidade de assistir a uma conferência


ministrada pelo Dr. Morton Herskowitz, que foi aluno e paciente
de Reich. Achei tão interessante alguns de seus comentários,
que resolvi dividir com você, leitor, um pouco dessa história.
Como qualquer outro adolescente de sua idade, aos 16
anos, residindo em Atlantic City, Morton e seus amigos discutiam
tudo o que achavam importante a respeito da vida e sobre a
existência de Deus. Certo dia, o líder intelectual desses encontros
disse a ele: “Cara, você deveria saber quem foi Freud”. Esse era
até então um nome que lhe era desconhecido, mas a curiosidade
levou Morton a adquirir um livro que trazia resumos das principais
obras de Freud e foi a partir dessa leitura que surgiu a decisão
pelo estudo da psiquiatria.
Após ter concluído sua graduação em Medicina, Morton
formou-se em Psicanálise pela escola da Filadélfia, na qual se
encontravam os melhores psicanalistas da época. Praticou
psicanálise durante alguns anos até ler “A Revolução Sexual”,
escrita por Reich e resolveu enveredar por esse caminho que, já
de início, respondera inúmeras de suas antigas questões. Também
caíram em suas mãos alguns prospectos que tratavam da energia
orgone, o que a princípio lhe pareceu muito primitivo e não lhe
despertou interesse algum. Não obstante, resolveu agendar sua
primeira consulta com o Dr. Reich. À época, Morton vivia na
Filadélfia e Reich em Forest Hills, subúrbio de Nova Iorque.
Chegando lá, foi atendido por Ilse Ollendorf, que nesse tempo
era secretária de Reich. Em seguida, apareceu um senhor alto,
forte e usando um avental branco. Pensou Morton: “Oh, oh, aí
vem aquele cientista da energia orgônica... uau, que cabeça
grande”. E, realmente, era Reich.

39
A primeira entrevista foi de coleta de informações a
respeito da vida pessoal e profissional de Morton. Ao final, Reich
disse que iria aceitá-lo como paciente apenas provisoriamente e
que a terapia poderia ser interrompida por qualquer um dos dois
ou por ambos quando julgassem pertinente. Além disso, Reich
exigiria a assinatura de Morton num documento que o autorizava
a hospitalizá-lo, caso necessário. A partir daí, o tratamento foi
iniciado, mas o documento para a assinatura de Morton jamais
lhe foi dado. Muitas vezes era essa a forma que Reich tinha para
testar o empenho, o desejo e o investimento de uma pessoa no
processo terapêutico. Segundo Morton, essa consistia numa
prática freqüente por parte do mestre.
A percepção de Reich era algo incomum. Não adiantava
esconder nada dele porque, no final, tudo era explicitado, quando
ele olhava a fisionomia da pessoa e perguntava: “O que é que
você decidiu não me contar?” Para Morton, as sessões com Reich
pareciam ser de uma profunda limpeza. Durante as sessões Reich
era muito terno, mas às vezes assinalava as defesas de forma
muito clara e perturbadora, sempre testando seus pacientes. Certa
vez, após um ano de terapia com Reich, cujos honorários eram
de 50 dólares por sessão, um valor considerável para a época,
Morton foi surpreendido ao final da sessão com o comentário:
“de agora em diante o valor de sua terapia será de 100 dólares”.
Morton não questionou. Desceu as escadas do consultório e
efetuou o pagamento para Ilse Ollendorf. Retornou para a próxima
sessão, ao final da qual foi pagar os 100 dólares. Ilse então lhe
disse: “Não, o Dr. Reich disse que seus honorários são 50 dólares”.
Isso era mais que um teste, ia além de querer verificar se valeria
a pena pagar os 100 dólares por sessão, mas diz Morton que de
fato, se preciso, pagaria 200 dólares ou mais.
Em um ponto de sua terapia, passavam-se as semanas e
nada de especial acontecia. Foi quando Reich lhe perguntou:
“Você realmente quer ser um terapeuta? Você está tão morto
que nunca poderá ser um terapeuta”. Isso bastou para que na
sessão seguinte muita coisa nova acontecesse. Finalmente, certo
dia Reich questionou: “Por que você não toma um paciente para
terapia e depois me diz como está indo?” Foi quando Morton deu
início ao seu próprio trabalho clínico.

40
Era muito comum Reich utilizar-se de metáforas tanto no
processo de terapia, quanto nas aulas que ministrava. Costumava
dizer que o caráter de uma pessoa é como uma árvore que
cresceu em um lugar de muito vento e ficou torta, inclinada, e
que a terapia tinha por objetivo endireitar essa árvore retorcida.
Dizia também que a terapia era como uma locomotiva sobre trilhos
e que o terapeuta nunca a dirige, mas simplesmente retira os
obstáculos existentes nos trilhos e que o terapeuta nunca vai ao
que está por debaixo das couraças, mas o que está abaixo vem
até o terapeuta.
Quando Morton estava na metade do processo de terapia,
Reich mudou-se para Rangeley, Maine. Reich avisou-o
antecipadamente e disse que poderia indicá-lo a outros
vegetoterapeutas, mas Morton não aceitou e continuou seu
processo com Reich. Saía do trabalho e dirigia a noite toda até
chegar a Rangeley, na manhã do dia seguinte. Dormia por uma
hora, fazia uma sessão no sábado pela manhã e permanecia em
Rangeley para outra sessão no domingo pela manhã. Em seguida,
dirigia a tarde toda para poder trabalhar na segunda-feira.
Segundo Morton, esse parecia ser mais um teste que Reich estava
fazendo com ele, porque não era fácil dirigir distância tão longa,
semanalmente, tentando a cada semana superar o recorde
anterior de velocidade. Um dia Reich perguntou quanto tempo
Morton levava da Filadélfia, onde residia, até Rangeley. Morton
respondeu que levava em média umas doze horas. Reich,
surpreso, disse que esse era o tempo necessário para ir de Nova
Iorque até Rangeley e que, possivelmente, da Filadélfia seria muito
mais. Morton respondeu a Reich que da Filadélfia até Nova Iorque
eram mais três horas, mas que ele fazia o percurso todo em doze
horas. Reich então lhe disse: “Olhe, a menos que você leve doze
horas, mais três horas da Filadélfia a Nova Iorque, eu não vou
atendê-lo mais, porque você tem o direito de tirar sua vida, mas
não tem o direito de tirar a vida de ninguém que esteja na estrada”.
Não era fácil conviver com Reich. Ele ministrava cursos
em Orgonon, Rangeley, Maine, e às vezes varava a noite toda
discutindo a energia orgone. Quando cansava, parava
repentinamente; quando instigado, se irritava; quando
decepcionado, não media as palavras. Conta Morton que, em

41
uma dessas conferências, um biólogo apresentou um belíssimo
trabalho e, ao final, Reich disse que ele não sabia nada sobre o
que estava falando e que existia um grande espaço entre fazer
um trabalho científico e entender o que realmente é um trabalho
científico. Tratava cada um de seus alunos de uma maneira. Às
vezes era amável, dedicado, compreensivo, às vezes era irônico,
agressivo e impaciente. No intuito de chamar a atenção do mestre,
Morton fazia certas brincadeiras, mas não era muito feliz. Certa
vez, querendo mostrar que Reich não era um homem perfeito,
Morton perguntou-lhe: “Por que você tem barriga?” Reich
simplesmente respondeu: “Eu não tenho barriga”, e deu-lhe as
costas. Em outra ocasião, Morton havia lido um livro sobre
psiquiatria esotérica e teceu vários comentários, para atrair a
atenção de Reich, que reagiu dizendo: “Não me diga nenhuma
estupidez!” Assim era Reich. Quando perguntou a Morton se
pertencia a alguma religião, rapidamente o aluno respondeu: sou
judeu. Reich, então, lhe perguntou se ele, enquanto judeu,
freqüentava a sinagoga. A resposta foi “Não”, seguida por uma
contra-resposta: “Então você não é judeu”.
Morton relata que Reich sempre colocou um limite muito
claro e distante entre ele e seus alunos e/ou pacientes e que
raramente saia desse limite. Certo dia, Morton estava jogando
tênis com seu colega de turma Myron Sharaff, que também foi
aluno e paciente de Reich, e resolveram convidar o mestre para
jogar. Reich respondeu: “Quem sabe, um dia, possamos jogar
juntos”, o que jamais aconteceu. Em outra ocasião, convidaram
Reich para ir a um baile em uma taberna da região e a resposta
foi: “Vocês pensam que eu não gostaria de ir? Mas eu não posso
ir”. Era sempre assim, apesar da paixão que Reich tinha pela
dança.
Não era mesmo nada fácil conviver com o Dr Reich. É o
que muitos dizem. Reich era distante, exigente, impulsivo,
cobrador e não “dava moleza”. Mas também era amigo,
companheiro, atencioso, carinhoso, honesto e trabalhador. É o
que diziam Myron Sharaff, Eva Reich, Ilse Ollendorf, Peter Reich,
A. S. Neill e vários outros.
Talvez possamos dizer que Reich era o protótipo da
“encrenca”. Em todos os cantos pelos quais passava, Reich

42
deixava marcas, arrumava briga e era considerado um
“intrigueiro”. Muitas vezes, no calor da fúria e embebido pela
impulsividade que o caracterizava, dizia coisas que davam
margem a interpretações fantásticas. Um exemplo disso pode
ser encontrado na biografia de Reich escrita por Ilse Ollendorf.
Ela conta que, ao perguntar algo a Reich sobre um paciente
homossexual, ele respondeu “Não gosto dessa porcaria!” Ilse
sugere em seus escritos que Reich tinha problemas com os
homossexuais e, de alguma maneira, um problema com a sua
própria homossexualidade latente. Por outro lado, em conversa
particular com Reich, Morton lhe perguntou como funcionava o
tratamento da orgonoterapia com homossexuais ao que Reich
respondeu que funcionava muito bem.
Sua forma peculiar de ser, de agir e de falar com certeza
dificultou a vida de Reich quando surgiram os problemas com a
lei. Várias publicações a respeito de Reich foram feitas em
diversas revistas e jornais e todos afirmavam que Reich era louco.
Isso dificultava ainda mais a credibilidade em Reich e nos trabalhos
de pesquisa que ele estava tentando desenvolver. Reich sempre
dizia: “ninguém tem o direito de interferir no meu trabalho” e, assim,
recusou-se a acatar as ordens do juiz federal e continuou
pesquisando, escrevendo e trabalhando com a investigação da
energia orgônica, acabando nos tribunais por desacato à
autoridade. De acordo com Morton, os alunos de Reich tentaram
convencê-lo de que aplicar a antiga sabedoria que era “dar a
César o que é de César” não iria funcionar nesse caso, porque
esse era um problema de ordem legal. Segundo os advogados,
Reich tinha todas as chances de ganhar, mas ele sempre se
recusava a seguir os caminhos legais. E assim, a única pergunta
que fizeram a Reich na Corte foi: “Desobedeceu ou não à
suspensão legal?” Reich disse que sim, mas que nunca foi lhe
permitido dar explicação, uma vez que o juiz não queria saber de
explicações, alegando que o que estava em julgamento era se
Reich havia ou não desobedecido à Corte. Reich também parecia
ter muita esperança nesse caso, mas quis o destino que ele fosse
condenado a dois anos de prisão, ficando encarcerado em uma
prisão de segurança máxima.
Afinal: Reich estava mesmo louco? Durante uma de suas

43
sessões com Reich, Morton teve a oportunidade de avistar um
avião que sobrevoou Orgonon várias vezes. Reich insistia em
dizer que era enviado pelo presidente dos Estados Unidos para
protegê-lo. É sabido que a fama de louco havia perseguido Reich
durante toda a sua vida. Qualquer rompimento entre Reich e algum
grupo, como quando saiu do comunismo, depois da psicanálise
e de vários outros grupos, fazia com que dissessem que ele havia
enlouquecido, fama essa que Reich carregou até o final da vida.
Às vezes, Reich dizia coisas realmente desconcertantes e assim
era possível vislumbrar sua forma de pensar; às vezes, os
pensamentos dele iam além do que se poderia alcançar. Ele tinha
uma mente realmente brilhante, mas aos olhos de quem não
conseguia acompanhá-lo, era a mente de um louco. Por último,
Morton afirmou que “Se tivéssemos um mundo cheio de gente
louca, como dizem que foi Reich, teríamos um mundo que não
se pareceria em nada com o mundo em que vivemos.”

José Henrique Volpi é Psicólogo, Especialista em Psicodrama


e Psicologia Corporal (Orgonomia). Mestre e Doutorando em
Psicologia da Saúde (Neuropsicofisiologia). Diretor do Centro
Reichiano de Psicoterapia Corporal, em Curitiba/PR.
E-mail: centroreichiano@centroreichiano.com.br

44
VEGETOTERAPIA:
APRENDENDO A AMAR (SE)
Plínio Bezerra de Almeida Jr.

Quando Wilhelm Reich ainda era aluno de Sigmund Freud,


os psicanalistas esbarravam em casos sem solução. Isso
despertou a curiosidade de Reich, que passou a observar os
pacientes pela sua maneira de ser, expressar-se, o tom da voz,
a postura corporal, entre outros, deixando de apenas ouvir o que
era verbalizado e analisar o sintoma isolado. Ele desenvolveu
uma nova técnica na psicanálise, denominada análise do caráter.
Notou que alguns pacientes ainda apresentavam uma grande
resistência, obstáculo ao progresso da psicoterapia, e que essa
resistência estava ancorada no corpo – a couraça muscular do
caráter – impedindo o indivíduo de descarregar o excesso de
energia denominada por Freud de libido, e isso tornava o indivíduo
neurótico. Descobriu a fórmula do orgasmo. Desenvolveu o
conceito de economia sexual, como sendo a capacidade do
indivíduo se entregar de forma máxima ao prazer, livre de
inibições. Passou a trabalhar no corpo dos pacientes,
desenvolvendo uma nova técnica da economia sexual – a
vegetoterapia caractero-analítica – visando flexibilizar as
couraças, reorganizar a energia, recuperar a pulsação
(movimento de contração e expansão) inconsciente no corpo.
Reich identificou sete níveis (ou segmentos) de couraça:
ocular, oral, cervical, torácico, diafragmático, abdominal e pélvico.
No homem civilizado, os bloqueios do fluxo energético estão
presentes em vários níveis. A prática da vegetoterapia, de início,
não seguia qualquer ordem pré determinada na abordagem dos
diferentes níveis de couraça. Estando envolvido com pesquisas
sobre a energia e tendo percebido a necessidade de uma
sistematização do trabalho, Reich solicitou ao norueguês Ola
Raknes, aluno e colaborador de longa data, que realizasse esse
trabalho. Este, não se sentindo com conhecimento suficiente na
45
área médica, passou a incumbência ao neuropsiquiatra italiano
Federico Navarro. Após dois anos, Navarro foi à Noruega
apresentar a sistematização da vegetoterapia a seu professor,
Ola Raknes.
Qual o significado da sistematização da vegetoterapia?
O trabalho tornou-se seguro, seguindo a metodologia
desenvolvida por Federico Navarro, que segue uma ordem do
primeiro ao sétimo segmento. Isso significa que não se deve
avançar para um próximo segmento antes de ter amadurecido o
suficiente o segmento anterior. Segundo o autor da metodologia,
este é o tratamento da criança que existe em cada um de nós; é
voltar a um relativo equilíbrio do sistema neuro-vegetativo e psico-
emocional.
O trabalho com os dois primeiros segmentos corrige erros
de refração da visão e a falta de fusão presente no estrabismo
ou ambliopia. Harmoniza aspectos relacionados ao nascimento,
à amamentação, ao desmame e à sociabilização. Após a
conclusão da terapêutica destes níveis, o indivíduo começa a
ver o mundo mais próximo da realidade, antes distorcida pelos
bloqueios. Segundo Navarro, pode-se curar a epilepsia essencial
(não a focal) e equilibrar os potenciais psicóticos latentes em
alguns pacientes; No terceiro nível, afrouxar a couraça desbanca
a soberba, o orgulho, a arrogância características do narcisismo
secundário que excluem três condições fundamentais: a
humildade, a humanidade e o humor; No quarto nível – tórax –
está presente a glândula diretora da imunidade: o timo. Quando
o “eu” é fraco, a identidade biológica é fraca e vice-versa.
Trabalhar neste segmento é abordar a identidade e também a
ambivalência; No quinto nível, encontra-se a sede da ansiedade,
que pode se transformar em angústia, uma característica
masoquista. Na ansiedade, a respiração está bloqueada no
momento da inspiração. Desbloqueando este segmento, aprende-
se a respirar plenamente e se passa a ter via livre para a aquisição
da genitalidade, após o desbloqueio dos segmentos seguintes;
O sexto nível é um segmento visceral. A criança, sob ameaça,
bloqueia o abdomen, guarda as fezes e a urina. Algumas se
tornam predispostas à constipação – parcimoniosas, avarentas
– e outras à diarréia – excessivamente generosas –, ou ainda às
manias – limpeza; O sétimo nível é o segmento genital, bloqueado
46
quando a relação com a sexualidade foi repressiva. Neste
segmento registra-se o medo da castração. O reflexo orgástico
(movimento involuntário, unitário, iniciado no diafragma, no plexo
solar, que progride de cima e para baixo do corpo, dando uma
sensação de prazeroso abandono) aparece como expressão do
desbloqueio dos três últimos segmentos, condição que permite
uma livre circulação de energia para a região genital.
A vegetoterapia é um processo de crescimento e
transformação do indivíduo, no qual se trabalha a estrutura do
ser, fazendo-o amadurecer de um núcleo psicótico à
caracterialidade borderline, depois à psiconeurose, em seguida
à neurose e, finalmente, à condição caracterial genital, que
corresponde à potência orgástica plena, isto é, à capacidade de
auto-administrar-se e se tornar produtivo na vida. Nesta condição,
a pessoa tem a capacidade de auto-regular-se energeticamente
e pode passar a usar as couraças – que antes eram bloqueios à
circulação da energia – de maneira mais adaptada e, em alguns
momentos, como defesa, em situações críticas reais. Em alguns
casos, é interessante associar à vegetoterapia uma outra terapia
energética convergente, como a homeopatia, a acupuntura, os
florais, a oligoterapia, a ortomolecular, o acumulador ou a manta
orgonótica, o reiki. A tomada de consciência corporal que
naturalmente acontece durante e após a vegetoterapia, através
de seus actings, é fundamental para a transformação da visão e
da sensação do mundo interior e do ambiente no qual vive o
indivíduo. Uma vez atingida a potência orgástica, ele terá uma
relação mais saudável consigo mesmo, com os outros e com o
cosmos, atingindo a emoção oposta ao medo: o amor.

Referências bibliográficas
Navarro, F. A metodologia da vegetoterapia caractero-analítica. São
Paulo: Summus, 1996
Navarro, F. Caracterologia pós-reichiana. São Paulo: Summus, 1995
Volpi, J. H. Psicoterapia Corporal – um trajeto histórico de Wilhelm Reich.
Curitiba: Centro Reichiano, 2000

Plínio Bezerra de Almeida Jr. é Médico, Especialista em Homeopatia e


em Saúde Coletiva (Saúde da Família) e em Psicologia Corporal
(Orgonomia), pelo Centro Reichiano.
E-mail: plineivone@bol.com.br
47
O INCONSCIENTE
ESCULPIDO NO CORPO
Natalina De Bastiani

Freud elaborou a teoria psicanalítica tendo como pilar


fundamental o conceito do inconsciente, que se manifesta nos
sonhos, atos falhos, lapsos e nos chistes. Desenvolveu também
sua técnica de trabalho passando da hipnose à associação livre
e à análise dos sonhos. A linguagem falada é seu território.
Cursando medicina, casualmente Reich inscreveu-se para
participar dos seminários de sexologia para os quais Freud fora
convidado. Foi seu primeiro encontro com o grande mestre e a
partir daí, interessou-se e se decidiu pela psicanálise (Volpi, 2000).
Para Freud, a sexualidade é o ponto central das neuroses
e segundo ele e os psicanalistas da época, alguns pacientes eram
tidos como incuráveis. Não satisfeito com a forma artificial como
era tratado o assunto, Reich foi aceito como presidente dos
seminários e logo começou a divergir de algumas posições
importantes de Freud.
Contrariando a técnica psicanalítica de então, Reich deu
um passo além, integrando a ela a abordagem corporal, que
possibilita o reviver de situações emocionais que foram reprimidas,
eliminando assim os afetos retidos, fonte de energia que mantém
o sintoma, impedindo o verdadeiro self de se manifestar.
Com a inclusão do corpo e não mais da mente apenas,
Reich elaborou seu conceito de couraças caracterológicas e
musculares que vão se formando ao longo das diferentes etapas
da vida, com prejuízos específicos para cada uma delas.
Segmentou o corpo humano em sete anéis, com disposição
circular e perpendicular ao eixo corporal, que vão da cabeça aos
pés, na seqüência: ocular, oral, cervical, toráxico, diafragmático,
abdominal e pélvico.
Nem sempre a psicanálise deu conta da cura apenas
trazendo para a consciência os conteúdos inconscientes. Para
48
Reich, havia um bloqueio a ser removido. Exímio observador da
linguagem corporal, passou a se ocupar da forma de expressão
do corpo e trabalhando nele, conseguiu despertar as reações
biológicas responsáveis pelas manifestações psíquicas. Priorizou
a franca liberação dos afetos deixando as recordações em
segundo plano. Diz Reich que: “Sem a liberação da excitação, o
paciente recorda, mas não sente as excitações, que geralmente
estão muito bem escondidas. Passam despercebidas,
escondendo-se em modos de comportamento que parecem
constituir o jeito natural da pessoa.”
Nosso organismo é o depositário, o registro fiel e atualizado
de todas as nossas vivências, de nossos afetos, de nossas
memórias e olhando para nosso corpo, pode-se ler nele toda a
nossa história de vida, da fecundação ao momento atual. O corpo
não mente e não engana e se não há a descarga adequada dos
afetos retidos, as couraças vão se fortalecendo, tolhendo a
espontaneidade e a naturalidade da pessoa.
Reich intuiu que a expressão do corpo é muito mais
poderosa, real e fidedigna que a das palavras. Diz ele: “O
sentimento profundo é idêntico a ter contato com o organismo
vivo para além das limitações da linguagem.”
Desde o início da vida o ser humano vai perdendo sua
naturalidade, sua originalidade, sua forma genuína e única de
ser, para poder adaptar-se a seu ambiente social, marcado pelo
stress, pressões e repressões que vão se impondo, fazendo com
que “...as funções auto-reguladoras centrais do bebê sejam
diminuídas pelos anéis segmentares da couraça que se
desenvolvem ao longo do corpo.” Numa visão preventiva, Reich
afirmou: “...com uma educação adequada, podemos equipar as
crianças com o tipo de estrutura de caráter e vigor biológico que
as tornaria capacitadas a tomar suas próprias decisões, encontrar
seus próprios caminhos e construir seu próprio futuro”
Numa linha curativa, Reich fez a proposta da Vegetoterapia
para o desbloqueio das couraças caracterológicas e musculares
já instaladas, devolvendo ao paciente sua leveza, descontração,
espontaneidade, graça e vibração pela vida que havia perdido,
em síntese, restituindo-lhe a vida vegetativa, ou seja, a mobilização
das emoções e correntes plasmáticas no organismo, o que lhe
possibilita sentir-se vitalmente vivo. Freud já havia sugerido uma
49
base fisiológica para a psicologia do inconsciente, mas não deu
continuidade a esta idéia. Com seu trabalho experimental no
campo da economia sexual, Reich conseguiu demonstrar que:
“... o inconsciente de Freud está presente e é concretamente
perceptível sob a forma de sensações e impulsos do meio
vegetativo.” Enquanto em Freud o inconsciente é captado
através da linguagem e seus lapsos, Reich o descobriu
esculpido no corpo, nas tensões musculares, nas
expressões faciais e corporais, na quantidade e qualidade
respiratória, nas curvas do corpo, que caracterizam as
experiências vividas e que modelam e personalizam a
compleição física de cada um.
Quando se pensava ser o inconsciente uma entidade na
penumbra, Reich o desnudou e colocou-o sob um forte holofote
que o fez saltar aos olhos daqueles que desejam vê-lo. Para ele,
não é o sujeito que fala, o corpo fala e grita por ele. Na
transparência de sua verdade, fala de seus medos, de suas
angústias, de sua raiva, de sua ternura, de sua paixão, de sua
ansiedade, de sua libido ou falta dela, enfim, o corpo é um grande
livro aberto para quantos desejam lê-lo. E foi sobre este
inconsciente materializado no corpo que Reich se pôs a trabalhar,
liberando-o de suas tensões, emergindo assim o verdadeiro self,
razão de ser e de viver de cada ser humano. Enquanto a couraça
do caráter não for removida, a pessoa não pode ter um sentimento
vital de si mesma. Uma vez recuperada a vida vegetativa que é
inerentemente produtiva, o sujeito sente-se novamente capaz
de uma auto-regulação natural e se apropria do prazer no trabalho
independente, que já não é mais um dever, mas pura fonte de
prazer.
Referências bibliográficas
Volpi, J. H. & Volpi, S. M. Teoria reichiana e pós reichiana. Apostila do
curso de especialização em P. Corp. Curitiba: Centro Reichiano, 2001.
Reich, W. Análise do Caráter. São Paulo: Martins Fontes, 1995
Reich, W. Crianças do Futuro. Apostila traduzida pelo Centro Reichiano.
Reich, W. A Função do Orgasmo. São Paulo: Summus, 1975
Natalina De Bastiani é Psicóloga e Especialista em Psicologia Corporal
(Orgonomia), pelo Centro Reichiano.
E-mail: de_bastiani@zipmail.com.br
50
REICH E BIOENERGÉTICA
NA EDUCAÇÃO
Leonardo José Jeber

“A prevenção do encouraçamento é
o aspecto principal da higiene mental
(e da educação preventiva1 ).”
Wilhelm Reich

Este texto aborda a importância da contribuição das idéias


e princípios reichianos e da Análise Bioenergética na educação
escolar de Ensino Fundamental. Apresenta os princípios para
uma prática e vivências corporais de movimento em
Bioenergética, para crianças e educadores aí envolvidos.
Apresenta, a partir de experiências vividas no interior de duas
escolas (uma escola pública e uma escola particular da cidade
de Belo Horizonte) a contribuição para a saúde energética de
crianças e educadores.
No meu dia-a-dia como educador e terapeuta em Análise
Bioenergética tenho tido a oportunidade de realizar sessões de
vivências em bioenergética, direcionadas para crianças e para
educadores. Isso tem seu sentido porque, nos dias de hoje, a
escola também precisa ser repensada através de novas práticas
que contribuam com a formação humana dos educandos e
educadores que a compõem, numa perspectiva de prevenção.
A questão da prevenção em educação nos remete ao
pensamento de Wilhelm Reich. Segundo Paulo Albertini, Reich
não foi um autor com atuação restrita aos limites de uma única
área do conhecimento. Sempre com a mesma atitude otimista e
acreditando na possibilidade de maior felicidade humana, lutou
em todas as frentes que, de alguma forma, pudessem contribuir
para a realização desse objetivo. Uma dessas frentes foi a
Educação.
Historicamente, sabemos das preocupações de Reich com
o trabalho preventivo das neuroses para com as crianças. Várias
foram as suas ações junto à sociedade, através de iniciativas
junto das famílias e junto dos educadores em geral. Sua intenção
________
1 Acrescido pelo autor do presente artigo.

51
era a de sensibilizar e capacitar pais e educadores para se evitar
os processos de encouraçamento e de neurose nas crianças. O
seu trabalho “Crianças do Futuro”, feito entre 1926 e 1952,
expressa de forma inequívoca suas preocupações e ações para
com a educação das crianças. Outra contribuição de Reich foi a
introdução do princípio da auto-regulação como tentativa de
combater as propostas educacionais consideradas autoritárias
ou o grau exacerbado de intervenção por parte dos educadores.
Mais tarde tentou demonstrar a importância de se introduzir
medidas educacionais terapêuticas que visavam combater o
encouraçamento infantil, a cronificação de defesas com o
conseqüente distanciamento de um funcionamento auto-regulado.
A educadora Maria Veranilda Soares Mota nos lembra que
Reich tomou o princípio da auto-regulação da biologia. Ele verificou
que todos os seres vivos têm essa capacidade. Segundo essa
educadora, Reich percebeu que essa tendência é mais acentuada
nas crianças e chamou a atenção para o fato de que precisamos
pensar nos mecanismos dificultadores de aprendizagem
vivenciados na escola, tendo em mente os “prejuízos” que o
sistema-escola tem causado a inúmeras crianças.
Segundo Paulo Albertini, Reich está mergulhado na ampla
questão da sexualidade humana e sua visão de educação em
nenhum momento separa-se desse âmbito. A visão de educação
de Reich faz parte de um conjunto maior, de um combate cultural
mais amplo, e não se restringe, portanto, ao âmbito da educação
feita na escola.
Segundo a educadora Mota, para Wilhelm Reich, a
educação deveria se preocupar em destruir as couraças
caracteriais, e ainda, aprender a como evitá-las. Essa educadora
diz que: Quanto ao processo de prevenção das couraças, surge
a esperança de um processo educacional que trabalhe as
características básicas do conflito entre as expressões emocionais
inatas da criança e as características próprias à estrutura
mecanizada do homem. O educador precisa aprender a
interpretar a linguagem das expressões emocionais naturais da
criança e aprender a lidar com o meio social, restrito e amplo, na
medida em que este se opõe a essas expressões. É necessário,
portanto, quebrar os bloqueios, deixar a bioenergia voltar a fluir
livremente e assim aumentar a motilidade do homem, que
52
conseqüentemente resolverá muitos problemas decorrentes da
inércia no pensamento e na ação.
Essa mesma educadora acrescenta que, para Reich, uma
boa educação vai depender da saúde do educador, ou seja, do
seu bom estado emocional, pois são as patologias do educador
produtoras de frustrações desnecessárias no educando. Se o
educador não interferir de forma inadequada, não produzirá
patologias nas crianças. Em outras palavras, Mota diz que, para
Reich, a tarefa básica e soberana de toda a educação dirigida ao
interesse da criança (...) é remover todo o obstáculo do caminho
desta produtividade e plasticidade da energia biológica
naturalmente dada. Estas crianças escolherão seu próprio modo
de ser (...) devemos aprender com elas ao invés de impor-lhes
nossas idéias (...) e nossa tarefa é proteger sua força natural
para que elas possam fazer isso...
Alexander Lowen, criador da Análise Bioenergética, é um
psicoterapeuta notável que fez sua formação inicial com Reich, e
que traz contribuições significativas para pensarmos e agirmos
com as crianças em termos de educação e formação humana.
Especialmente em seu livro “O corpo em depressão” discute o
conflito e a relação entre amor e disciplina, dando contribuições
para pensarmos uma perspectiva educacional, na família e na
escola, com base na compreensão e no amor.
Para Alexander Lowen, os educadores que melhor educam
as crianças são aqueles que desenvolvem seu potencial criativo
e sua capacidade de compreensão. Em suas palavras temos:
A pessoa criativa tem bons sentimentos em relação às
crianças, pois reconhece a afinidade de seu espírito com o delas.
Alegra-se com as crianças, tanto suas como as dos outros, porque
toda criança é um novo ser cujos entusiasmos colocam excitação
nas vidas. Compartilha com as crianças os seus prazeres, pois
assim aumenta seu próprio prazer. Quer que toda criança conheça
a alegria de viver que flui espontaneamente quando há liberdade
para a manifestação dos impulsos naturais. Conheceu essa
alegria. Não pode ver uma criança magoada sem sentir dor, pois
também, em seu coração, é uma criança.
Portanto, tomando como referência os autores acima
mencionados nesse texto, realizo encontros de Vivências de
Bioenergética com crianças e educadores, contribuindo para que
53
na escola se criem espaços para um trabalho educacional
integrado, onde todas as dimensões do ser humano em formação
estejam sendo atendidas. Um trabalho em que alunos e
educadores tenham um espaço de expressão e manifestação
catártica de seus sentimentos e emoções, contribuindo assim com
a prevenção de seus encouraçamentos e neuroses.
A partir do trabalho que venho experimentando com
crianças e educadores, sugiro enfaticamente, que não só as
crianças, mas também os educadores possam participar de
vivências corporais através da bioenergética, porque é preciso
resgatar a escola como um espaço privilegiado para a realização
de todas as possibilidades humanas; porque é preciso fazer do
processo educacional um exercício da inteireza em que
educadores e alunos possam lidar com uma sabedoria prática
conjuntamente com os conhecimentos sistematizados que a
escola tenta socializar; porque para lidar com a atual crise mundial
em educação é preciso que cada educador se trabalhe na
instância de sua subjetividade, de seu mundo interior, de modo
que perceba que os conteúdos que compartilha com o aluno tem
a ver também com a maneira como ele está diante do mundo.
Acredito que, só assim, os educadores poderão estar capacitados
para formar, verdadeiramente, as personalidades integradas dos
alunos.
Quando educadores e crianças estão se encontrando em
sala de aula eles têm que se colocar como pessoas inteiras, com
múltiplas dimensões. Isso não tem sido muito considerado na
formação dos professores. Nossa cultura de formação valoriza
por demais a dimensão livresca, letrada e racionalista 2 ,
menosprezando e não considerando que o educador, para ser
inteiro, tem que se formar, também, na sua dimensão física,
emocional e espiritual. Assim, é preciso resgatar a pessoa dos
educadores que estão envolvidos nesse processo, e quebrar a
artificialidade que existe na prática docente.
É preciso tornar o educador sensível a si mesmo para
estar sensível ao outro. “Como os educadores vão conseguir
energia para lutar por uma cultura de solidariedade se eles
mesmos não estiverem inteiros?
O modelo tradicional de escola parou na transmissão de
conteúdos. Na perspectiva transpessoal, o papel da escola é
54
trabalhar com os seres humanos em sua inteireza. É preciso que,
além de serem capazes de elaborar com competência os
conteúdos, os educadores mergulhem corajosamente num
processo de auto-exploração, autoconhecimento e
transcendência. É preciso, também, que os educadores lutem
pela transformação político-social a partir da dimensão subjetiva
de seu próprio ser, de sua autotransformação.
Também para lidar com as dificuldades de seus alunos é
necessário que o professor compreenda as dinâmicas da psique
dentro de si mesmo e isso remete, novamente ao trabalho de
autoconhecimento. Somente trabalhando seu ser no mundo das
dimensões corpo-mente-espírito, o professor poderá ajudar seus
alunos a entenderem e resolverem seus problemas pessoais no
processo ensino-aprendizagem, que deve estar em contato com
a vida como um todo. Enfim, é preciso despertar no educador a
sua consciência inteira que parte da sua consciência corporal e
só assim ele poderá atender e respeitar a natureza corpórea da
criança, que é extremamente cinestésica e motora.
Nesse contexto, a prática e atendimento às crianças e
aos educadores, através das vivências em Bioenergética, feitas
individualmente ou em grupo, surgem como uma tentativa e
perspectiva de construir novos valores sociais que enfatizem a
qualidade de vida e as relações dos seres humanos consigo
mesmos, com seus semelhantes e com a natureza.
Reiterando o exposto acima, percebo que, na escola,
parece que o corpo tem sido indevidamente considerado pelos
professores como condição básica para a aprendizagem escolar.
Assim sendo, a escola de modo geral, não atende a uma série
de necessidades orgânicas e interesses funcionais/naturais dos
alunos por uma prática escolar que considere a dinâmica do corpo
em todo o processo ensino-aprendizagem, em toda e qualquer
disciplina escolar.
Dessa forma, as vivências corporais em bioenergética –
apresentadas numa perspectiva lúdica – fazem parte de um
conjunto
________ de práticas que visam contribuir com a qualidade de
2 É preciso deixar bem claro que a palavra letrada é um conceito
importantíssimo na área da Linguagem e para a formação de qualquer ser
humano, é um patrimônio da humanidade. O que estamos apontando é apenas
uma excessiva valorização desta perspectiva em detrimento de outras.
55
vida das crianças e dos educadores, apresentando-se e
constituindo-se como uma prática corporal terapêutica que tem,
nos princípios de carga-descarga/tensão-relaxamento e restituição
do fluxo energético, as suas bases de organização e execução.
Enfim, minha intenção foi a de mostrar a contribuição da
Bioenergética para a construção de uma formação humana
baseada em princípios educacionais centrados na auto-regulação,
no desencouraçamento, na restituição e manutenção do fluxo
energético, na construção de uma cultura escolar que esteja
integrada à dimensão da natureza humana, permitindo uma
educação preventiva, para educandos e educadores constituírem-
se cada vez mais como sujeitos harmonizados, saudáveis e
felizes.

Referências bibliográficas
Albertini, P. Reich: história das idéias e formulações para a educação.
São Paulo: Ágora, 1994
Gaiarsa, J. A. Sobre uma escola para o novo homem. São Paulo: Ed.
Gente, 1995
Jeber, L. J. A escola e autodisciplina. Mimeografado, 1999
Jeber, L. J. Educação para a auto-regulação. Mimeografado, 2000
Lowen, A. & Lowen, L. Exercícios de bioenergética. São Paulo: Ágora,
1985
Matthiesen, S. Q.. Criança, corpo e educação: fragmentos da obra de
Wilhelm Reich. In: Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v.22, n.2,
p.7, jan. 2001
Mota, M. V. S. Introdução ao pensamento de Wilhelm Reich e seus
reflexos na educação. In: Revista Reichiana do Instituto Sedes Sapientiae,
n.7, 1998
Nunes, O. F. & Paiva, M. J. A. A. A função educativa natural. In: Busseti,
G.R. Saúde e qualidade de vida. Editora Fundação Peirópolis, 1998
Pereira, I. L. L. Nova prática pedagógica. São Paulo: Ed. Gente, 2000
Reich, E. Energia vital pela bioenergética suave. São Paulo: Summus,
1998
Reich, W. Crianças do futuro. (Cópia mimeografada)

Leonardo José Jeber é professor de Educação Física da Escola


Fundamental do Centro Pedagógico UFMG; Mestre em Educação/UFMG
e faz o curso de Formação de Terapeutas em Análise Bioenergética,
pela Associação Brasileira de Análise Bioenergética de Belo Horizonte.
E-mail: bhz17333@terra.com.br

56
OS QUATRO ELEMENTOS
E A BIOSSÍNTESE
Maria Rosenberg Mizrahi

Tomando como base o livro Correntes da Vida, de David


Boadella, procurei buscar nos conceitos de Biossíntese uma
ligação e um embasamento para minha proposta de trabalho sobre
os quatro elementos e o caráter.
O conceito central da Biossíntese é que existem três
correntes energéticas fundamentais ou fluxos vitais, fluindo no
corpo e ligadas às camadas germinativas celulares (ectoderma,
endoderma, mesoderma) do óvulo fecundado, a partir do qual se
formam os diversos sistemas orgânicos.
Estas correntes se expressam energeticamente:
num fluxo de movimento por todos os caminhos musculares
(mesoderma);
num fluxo de percepção, pensamentos e imagens que percorre
o sistema neurosensorial (ectoderma);
num fluxo de vida emocional que está localizado no centro do
corpo e flui através dos órgãos do tronco (endoderma).
Um stress antes do nascimento, durante a infância ou no
decorrer da vida, rompe a integração e a cooperação existentes
entre as três correntes ou camadas celulares.
O trabalho de integração entre ação (meso), sentimento
(endo) e pensamento (ecto) constitui o fundamento externo da
Biossíntese.
Existe ainda um fundamento interno, que sustenta o
externo e expressa a essência ou o equilíbrio psíquico.
A camada interna do corpo do feto (endoderma) produz
os tecidos que metabolizam a energia: o revestimento do tubo
intestinal, todos os órgãos digestivos e os tecidos dos pulmões.
O nível energético de uma pessoa depende da mobilização
eficiente da energia e esse metabolismo é principalmente
57
influenciado pela emoção. Isso fica óbvio se tomarmos como
exemplo uma pessoa emocionalmente deprimida. Todo o
metabolismo do corpo fica mais lento, perde-se o apetite, e a
respiração é drasticamente reduzida.
Tendo então esses conceitos como base, comecei
buscando entender cada vez mais sobre o que é energia. Para
tanto fui buscar na Filosofia, Astrologia, Cabala e na Visão Oriental
algum amparo. Neste artigo me refiro à Astrologia e Filosofia.
Pensando nos elementos como manifestação da energia
sutil (as substâncias da criação ou energia primitiva), decidi voltar
no tempo onde tudo isto começou e saber quem primeiro citou os
elementos da natureza e a sua relação com o que Reich depois
chamou de Caráter.
Energia provém do grego energes (ativo). Por sua vez,
energes provém de ergon (obra). A etimologia indica que a palavra
energia implica atividade. Conhecem-se algumas manifestações
da energia ou energias (a mesma manifestada em diferentes
modalidades). De forma tangencial, é dizer, de início, que energia
é “todo agente capaz de produzir trabalho”.
No campo psicológico, também é importante assinalar que
toda idéia comporta, por sua vez, energia. Reich deu o nome de
Orgone a essa energia. Energia vital ou biológica - Chi chinesa,
Prana em Yoga, Libido em Freud, Orgone em Reich - é a força
que nos move, que vivifica nossa substância física.
Éter ou O Quinto Elemento é a energia vital, o combustível
que tem sido relacionado com algo que vem junto com a
respiração, com aquilo que os iogues chamam de “prana”, “nous”,
que Reich chamou de “orgone”, e que coloca em movimento os
quatro elementos.
Estou propondo que esta energia que nos move tem
quatro qualidades ou temperamentos: fogo, terra, ar, água.
Resumindo... Fluxos vitais energéticos:
 camada endodérmica (corresponde energeticamente aos
elementos água/fogo) ligada ao emocional;
 camada ectodérmica (corresponde energeticamente aos
elementos ar/fogo) ligada ao mental;
 camada mesodérmica (corresponde energeticamente aos
elementos terra/fogo) ligada ao físico.
permitem que os outros fluxos circulem: energia = fogo, sendo
58
o fogo tratado aqui como o elemento que não só fornece a energia,
como também entrelaça todas as camadas e elementos. Em outro
nível o fogo é também o elemento da espiritualidade.

Os quatro elementos na Filosofia


Aristóteles, freqüentemente citado nos textos alquímicos,
indicava que os Quatro Elementos se relacionam em virtude de
suas propriedades, tais como o calor e o frio, a secura e a umidade:
Calor + Secura = Fogo Calor + Umidade = Ar
Frio + Secura = Terra Frio + Umidade = Água
Embora os filósofos gregos ensinassem que o princípio
de todas as coisas era a água – conforme Tales – ou o Ar – como
dizia Anaximandro – ou o Ar e a Água – como afirmava Xenófanes
– ou os Quatro Elementos (Terra, Água, Ar e Fogo) – como
propugnava a escola de Hipócrates – o pensamento grego tendeu
a marcar as profundas distinções que desembocaram na teoria
dos quatro elementos, dos quatro humores do corpo humano,
etc., que mantiveram os discípulos de Aristóteles.

Os quatro elementos elementos na Astrologia


De acordo com Stephen Arroyo, os quatro elementos da
Astrologia (ar, terra, fogo e água) são os elementos básicos para
a construção de todas as estruturas materiais e orgânicas. Cada
elemento representa um tipo básico de Energia e Consciência,
operando em cada um de nós. Assim como a física moderna
demonstrou que energia é matéria, os quatro elementos se
entrelaçam e combinam para formar toda a matéria.
Quando a centelha de vida deixa um corpo humano na
ocasião da morte, os quatro elementos se dissociam e voltam ao
seu estado primitivo. Somente a vida, manifestando-se num todo
organizado e vivo, é que mantém unidos os quatro elementos.
Vejamos então os conceitos de Temperamento e dos
Elementos:

Pela psicoterapia
O conceito de temperamento está ligado ao de
constituição, isto é, às bases congênitas do indivíduo. Trata-se
das particularidades fisiológicas e morfológicas que diferenciam
os indivíduos e, precisamente, como diz Mac Dougall, da soma
59
de seus efeitos sobre a vida mental (e afetiva) do metabolismo,
das trocas químicas que se efetuam no organismo. Tudo isso –
não esquecendo que durante a vida embrionária há uma
predominância biológica endócrina e, durante a vida fetal, uma
predominância neurovegetativa – confirma que cada indivíduo
nasce com um temperamento particular.

Elemento Ar (Ligado energeticamente ao ectoderma)


As pessoas do elemento Ar têm Temperamento
Sangüíneo.
Elemento Úmido e Quente. Ativo (mais rápido), positivo,
masculino, auto-expressivo, Yang; leveza. (Neurotonal alternante).
A característica principal do elemento Ar é o
relacionamento, isto é, a atuação (Quente) com uma co-
participação (Úmido). Inclui-se nele, ainda, a função mental, a
atuação através da comparação. Pessoas de inteligência, reflexão,
estudo, ciência e invenção; sutileza, sinceridade, reforma,
educação, que não aceitam as limitações do corpo físico e
carecem de emoções profundas.
Corresponde à função do Pensamento: perguntar o que
é realmente o objeto percebido e como ele pode ser incorporado
ao esquema de referência existente. (“Reconheço este objeto
como um copo cheio de vinho tinto”).
O elemento Ar estabelece relação entre os fatos. Neste
elemento a ênfase reside no pensamento abstrato, teorias e idéias.
A consciência aqui está direcionada para uma abordagem e
assimilação mais lógica e objetiva dos acontecimentos observados
e vivenciados.
A vida emocional desse tipo é a sua área mais vulnerável.
Tendências positivas e naturais das pessoas com
temperamento ar (ectoderma) equilibrado: pessoas cooperativas
e gregárias; inteligentes, rápidas, atletas, objetivas, humanas;
cheias de idéias balanceadas.
Tendências negativas de desequilíbrio (caráter) de ar
(ectoderma): pessoas superficiais, hiperativas e nervosas;
dispersivas; vivem “no ar”.

Elemento Terra (Ligado energeticamente ao Mesoderma)


Pessoas Terra têm Temperamento Nervoso/Melancólico
60
Refere-se à matéria do corpo, à força física, à realidade
do aqui e agora do mundo material. Relação com chakra base/
raiz. (Neurotonal Intrincado). Elemento Frio e Seco. Passivo (mais
lento), feminino, negativo, receptivo, Yin, e auto-repressivo;
gravidade. Manifestação estática da energia. Força construtiva,
de paralisação e contração. Ação centrípeta e angular.
Terra corresponde à função da Sensação; perceber um
objeto como tal e ver como se apresenta.
A característica principal do elemento Terra é o
envolvimento com o mundo sensível e concreto, isto é, a reação
ativa e resistente (Seco) às condições que se apresentam (Frio).
A idéia central é perceber só o que está visível. Realidade
e ação são conceitos que lhe pertencem. O que não pode ser
captado pelos sentidos não existe para o tipo de terra.
Pessoas com esse elemento são pessoas firmes, de
espírito prático e interesse material, de trabalho.
Tendências naturais e positivas de pessoas com o
temperamento terra (mesoderma) em equilíbrio: provêem as
necessidades; aproveitam as oportunidades; têm profundo
entendimento emocional; são potentes, delicadas e refinadas.
Tendências negativas de desequilíbrio (caráter) de terra
(mesoderma): acumulam recursos; buscam controlar os outros,
falta-lhes verdadeira empatia; ultraconservadores; avarentos.
Pessimismo, visão estreita. Falta senso da realidade, não sabem
prover suas necessidades básicas ou sobreviver; sentem-se sem
raízes ou lugar onde pertencer, não se sentem bem em estruturas
e organizações; não aceitam limitações. Ignoram as necessidades
físicas do corpo: comer, dormir, vestir, descansar.

Elemento Fogo (Ligado ao endoderma, faz conexão entre


os fluxos)
Pessoas de Fogo têm Temperamento Bilioso ou Colérico.
A principal característica do elemento Fogo é a vontade e
o idealismo, isto é, o movimento externalizante (Quente) e dirigido
(Seco). (Simpático Tonal). Pessoas de vitalidade, atividade,
demonstração, entusiasmo.
Tem a ver com o sangue. Energia excitável e entusiástica
que, através de sua luz, dá colorido ao mundo. Experiência
centralizada na identidade pessoal, fé em si mesmo, decisão,
61
vontade, criatividade, iniciativa, liberdade, idealismo, coragem e
egocentrismo.
Sua função é intuitiva: saber ou deduzir inconscientemente
de onde vem o objeto percebido ou como ele evoluirá mais adiante.
Com freqüência o objeto não é percebido conscientemente,
ocorrendo uma espécie de “captação” do fundo.
O temperamento fogo produz impaciência, altruísmo,
decisão, valor, iniciativa, entusiasmo, atropelo, extrema confiança,
veemência, cólera, agressividade, desconsideração,
combatividade, orgulho.
Tendências positivas e naturais das pessoas com o
temperamento fogo (endoderma) equilibrado: coragem e auto-
reconhecimento; são idealistas e visionárias, prestativas e suaves;
estimulam as expressões criativas; vitalidade; forte e ardente.
Tendências negativas das pessoas com desequilíbrio
(caráter) do elemento fogo (endoderma): praticam a auto-
imposição, fanatismo, impõem sua autoridade a qualquer custo,
destroem os esforços dos outros, dissipam a vitalidade através
de excessos sexuais, auto-indulgência e vaidade.

Elemento Água (ligado energeticamente ao endoderma)


Pessoas de Água têm Temperamento Linfático.
O elemento água tem como característica principal as
emoções, isto é, as percepções (Úmido) interiorizadas (Frio) a
ponto de se tornarem uma realidade interior. (Vagotonal -
Parassimpático). A água é o princípio calmante, curativo e nutritivo,
que se expressa através de todas as glândulas de secreção e de
todas as membranas mucosas. Tem relação com o chakra
umbilical.
Elemento Passivo (mais lento), negativo, feminino,
receptivo, Yin, auto-regressivo; gravidade. Ação centrípeta e
senoidal, força construtiva, paralisação, concentração.
Pessoas mais psíquicas, ênfase na vida emocional,
sentimento, inspiração, imaginação, desejos, regeneração,
espiritualidade.
Indica como a pessoa lida com seus sentimentos e
emoções e como lida com suas habilidades intuitivas e psíquicas.
Tem a ver com todos os fluidos de fabricação e eliminação.
Tendências naturais e positivas nas pessoas com equilíbrio
62
do temperamento água (endoderma): pessoas com compaixão e
entendimento; psíquicas; sensíveis e impressionáveis; artistas;
românticos; procuram ajudar os outros; reservadas.
Tendências negativas de pessoas com desequilíbrio
(caráter) do elemento água (endoderma): facilmente
influenciáveis; cheias de alucinações; paranóia e histeria; sensuais
e auto-indulgentes; vivem no mundo da fantasia; procuram
controlar os outros; exageram os sentimentos. Pessoas
extremamente sensíveis, carentes, absorventes, emoções à flor
da pele, mágoas e indolências, vivem no mundo da fantasia; não
vêem a realidade. Cheias de medo e apreensões, mas vida interior
rica. Inseguras e sensacionalistas; exageram proporções e
cultivam tempestades emocionais.
É preciso levar em conta que não é possível encontrar
numa pessoa características puras. São sempre combinações
com a possível preponderância de algum, exatamente como no
caráter.
Pude perceber então, que ligado aos quatro elementos
(fogo, terra, ar e água), os quais estou associando
energeticamente às três camadas embrionárias (Ectoderma,
Mesoderma e Endoderma), está envolvido o temperamento e que
ele tem relação com o tipo de caráter que se forma.

Como trabalhar com esses conceitos em Biossíntese


Se como vimos, o temperamento é constitucional, as
camadas embrionárias são constitucionais e por isso anteriores
ao caráter, poderíamos dizer que o caráter se apóia ou se forma
sobre os mesmos, e poderíamos também dizer que o caráter
tem como um dos seus fundamentos os quatro humores ou quatro
elementos e atua em cada indivíduo a partir desta base mostrando
a pré-disposição ao tipo de caráter que provavelmente irá se
formar.
Primeiramente, deve-se fazer a leitura do Caráter através
dos conceitos já conhecidos segundo Reich na Análise do Caráter:
Acrescentando, então, temos uma leitura energética da
pré-disposição do caráter em termos de elementos.
Fazendo a leitura no corporal/emocional/mental podemos
dizer que cada ser humano tem um “quantum” de energia (fogo)
e dos atributos de todos os elementos terra, ar e água.
63
QUANTUM DE ENERGIA (Q.E) COMPORTAMENTO RÍTMO SIGLA
Muito Fogo Vazamento/ansiedade/ ++
Acelerado (excesso)
(Quantidade / qualidade) hiperatividade
Fogo Bom Fluidez/expansão/ +
atividade/calor Equilibrado (normal)
(Quantidade / qualidade)
Pouco Fogo Rigidez/contração/ -
frio/passividade Lento (menos)
(Quantidade / qualidade)

Dentro do Caráter estou sugerindo:

CARÁTER ECTO (ar) MESO (terra) ENDO (água)

Esquizóide ++ - -

Oral ++ - ++

Psicopata ++ ++ -

Masoquista - ++ ++

Rígidos ++ ++ -

Genital + + +

Isso vai nos permitir agregar ao trabalho com o cliente


uma leitura do tipo de qualidade energética que ele manifesta,
propiciando um melhor entendimento do mesmo e a escolha de
um toque, palavra, exercício mais condizente e abrangente para
recuperar a fluidez como um todo. É mais uma possibilidade
de entendimento do cliente, nessa busca tão profunda que
nós terapeutas estamos sempre envolvidos.

Referências bibliográficas
Arroyo, S. Astrologia, Psicologia e os Quatro Elementos. Editora
Pensamento, 1975
Boadella, D. Energy and Character (alguns textos)
Boadella, D. Correntes da Vida. São Paulo: Summus, 1985
Boadella, D. Apostila de Stress e Caráter.
Queiroz, G. J. P. As Qualidades Primitivas na Astrologia. São Paulo:
Editora Pensamento, 1989
Reich, W. Análise do Caráter. São Paulo: Martins Fontes, 1995
Zondag-Hamaker, K. Os quatro elementos e os caminhos da Energia.
Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1989

Maria Rosenberg Mizrahi é Pedagoga, com especialização em


Massagem Biodinâmica, Psicologia Biodinâmica, Biossíntese e
Bioenergética. Atua na área Corporal, na Astrologia e na Aromaterapia
no Magma Núcleo Terapêutico em São Paulo/SP. Autora do livro “No
Carrossel do Zodíaco”.
E-mail: magmant@uol.com.br
64
A IMPORTÂNCIA DOS PRIMEIROS
ANOS DE VIDA NA CONSTRUÇÃO
DO SISTEMA ORGONÓTICO DE
FUNCIONAMENTO DA CRIANÇA
José Henrique Volpi

Entende-se por sistema um conjunto de elementos entre


os quais existe uma relação e que formam uma estrutura
organizada. Na informática, encontramos sistemas representados
pelos softwares que são programas mestres de computador que
controlam a execução dos demais programas. Na anátomo-
fisiologia verificamos os sistemas cardíaco, respiratório, hormonal,
reprodutor, etc. Na astrologia deparamo-nos com os sistemas
solar, estelar... e assim, numa seqüência infinita encontramos
muitos outros sistemas que interagem uns com os outros
formando “redes de comunicação”.
Orgonótico é um termo que deriva da palavra orgônio,
nome dado por Reich (1986) à energia vital que está presente
dentro e fora do organismo. Representa um sistema de energia
que vai sendo construído de acordo com as experiências físicas,
energéticas e emocionais que a envolvem a criança desde a sua
concepção. Faz parte da construção desse sistema orgonótico
de funcionamento o campo energético, o terreno energético, o
temperamento, o caráter, a própria energia da criança e vários
outros sistemas que são formados durante as etapas do
desenvolvimento que veremos na seqüência.
No início dos anos 30, Reich (1979) realizou uma série de
experimentos para medir as variações do potencial elétrico da
pele e percebeu que esse potencial aumentava quando a pele
era estimulada por algo que propiciava uma sensação agradável
e diminuía quando da presença de um estímulo que trouxesse
uma sensação desagradável. Em seguida, descobriu que essa
expansão e contração também estavam ligadas a um campo
energético que se expandia e se retraía em conformidade ao
campo energético do ambiente. “Estamos ligados à Terra
(aterrados) como nossa energia vital. Da mesma forma, estamos
65
plantados na energia cósmica” (Reich, 1998, p. 29 e 30).
No ser humano, o processo de contração se dá na
presença do medo. Apesar do encolhimento ser uma reação
necessária, a persistência trará uma imobilidade do organismo,
provocando um encolhimento do campo energético, uma
estagnação da energia vital e dos sentimentos, o que implica
num encouraçamento no nível corporal estimulado, aumentando
a probabilidade da instauração e manifestação das doenças. Já
o processo de expansão se dá em todas as situações de prazer,
permitindo que a energia orgone flua pelo organismo todo,
propiciando um campo energético amplo, forte e vigoroso.
A conclusão de Reich (1973) foi que todo organismo vivo
é uma estrutura membranosa que contém uma quantidade de
energia orgônio dentro de si, em seus fluidos corporais. Portanto,
o organismo vivo é um sistema orgonótico.

Etapas do desenvolvimento emocional e energético


De acordo com o pensamento reichiano, a história
energética e emocional de uma pessoa começa a partir da
concepção, quando num movimento de afastamentos e
aproximações, óvulo e espermatozóides se encontram. Desde o
período da gestação, o bebê vai formando seu campo energético
em conformidade com o campo energético da mãe e, ao nascer,
em hipótese alguma deveria ser afastado dessa mãe para que
não tivesse um “rompimento” desse campo energético. Quando
isso acontece, os bebês ficam frágeis e até mesmo adoecem
(Reich, 1998). É claro que na ausência da mãe, uma outra pessoa,
que também possui um campo energético próprio, poderá entrar
na relação como “mãe substituta”. Porém, é importante que essa
mãe esteja disponível para que o campo energético de “aceitação”
entre em sintonia e fusão. “Se a mãe apresentar um campo
energético fraco, o bebê também não estará bem corporalmente”
(Reich, 1998, p. 16).
Conforme vai se desenvolvendo, o bebê atravessa uma
série de etapas nas quais uma série de alterações físicas,
energéticas e emocionais. A criança possui um maleável sistema
bioenergético pronto para adquirir qualquer coisa que o meio
imprima em seu organismo com algum grau de persistência.
Denominamos a primeira etapa do desenvolvimento de
66
etapa de sustentação, que é composta por três fases. A primeira
delas chama-se fase de segmentação ou clivagem e corresponde
ao período que vai desde o momento da fecundação até a
implantação do zigoto nas paredes uterinas, o que se dá por volta
do quinto ao sétimo dia após a fecundação. A segunda fase recebe
o nome de fase embrionária e tem início com a implantação do
zigoto, estendendo-se até o final do segundo mês de gestação.
A terceira e última fase é denominada de fase fetal, cujo período
se estende do terceiro mês de gestação até o final do desmame.
A segunda etapa do desenvolvimento infantil recebe o
nome de etapa de incorporação. Ela começa no momento do
nascimento e se estende até o desmame. Já a terceira etapa,
que é chamada de etapa de produção, tem início no desmame e
término por volta do terceiro ano de vida. A quarta etapa é
denominada de etapa de identificação e vai do quarto ao quinto
ano de vida. A quinta e última é a etapa da formação do caráter,
que vai do sexto ano de vida até a adolescência quando se
estrutura, ainda que de forma imatura, o caráter (Volpi & Volpi,
2002).
Em se tratando do sistema orgonótico (energético) da
criança, podemos encontrar, durante as etapas do
desenvolvimento, uma condição de anorgonia, quando na
ausência de energia, que nesse caso, significa morte; uma
condição de homeorgonia quando temos uma quantidade normal
de energia; uma condição de hipoorgonia quando há carência de
energia; uma condição de hiperorgonia quando há um excesso
de energia e uma condição de desorgonia quando a energia é
mal distribuída pelo corpo.
Essas são condições energéticas que vão sendo formadas
desde o momento da concepção e se somando a outras energias
durante as etapas do desenvolvimento. É uma energia que a
princípio vem do útero da mãe (trofo-umbilical), mas que se soma
posteriormente à energia do próprio bebê (autógena), à energia
dos alimentos, do leite materno, do ambiente, etc.
A energia do pai também é importante para que os
espermatozóides sejam fortes e vigorosos, mas por mais que
essa energia venha a se somar à energia do óvulo para formar o
zigoto, é o nível de energia do útero materno que, a princípio,
determina o nível de energia do embrião (Reich, 1987).
67
Atualmente, cientistas da Universidade de Ciências
Médicas de Oregon, Estados Unidos, descobriram que logo após
a fertilização do óvulo, as mitocôndrias que se encontram nos
espermatozóides são destruídas, explicando definitivamente o
porquê dos mamíferos só herdarem as mitocôndrias do lado
materno, um fato pesquisado há muito tempo pelos geneticistas
para estudar a evolução humana.
As mitocôndrias são organelas relacionadas ao processo
de respiração celular. Seu número varia de pessoa a pessoa, o
que vem a explicar também a tese de Reich (1973) sobre a
condição energética de uma pessoa (normal, em excesso ou em
falta). As mitocôndrias são responsáveis por toda a produção de
energia e qualquer estresse que o organismo venha a sofrer faz
uma exigência considerável às mitocôndrias. Estas, quando têm
esgotadas as suas reservas de energia, levam a célula a um
estado de contração, respondendo assim, pela manifestação de
algumas biopatias. Segundo Reich (1987), a criança não é
encouraçada como o adulto. Suas couraças são bem flexíveis e
o fluxo energético flui livremente. Mas há muitas crianças nas
quais o fluxo emocional foi detido bem no começo, ainda na
gestação e que já estão “emocionalmente mortas”, logo após o
nascimento. Veremos agora como se relacionam as etapas do
desenvolvimento emocional com o desenvolvimento energético
da criança.

Etapa de Sustentação X Hipoorgonia


De acordo com Navarro (1995) o estresse irá comprometer
a energia do bebê. Poderá provocar alterações de DNA e a
manifestação de doenças, ou então, registrar nas células esse
estresse, na memória celular, onde permanece latente até um
segundo estresse que possa desencadear o primeiro e trazer à
tona a manifestações de diversas doenças. Pesquisas realizadas
com ultra-sonografia comprovam que o feto sente tudo o que é
sentido pela mãe (Piontelli, 1995). Portanto, se o estresse ocorrer
durante a primeira etapa do desenvolvimento (sustentação), irá
prejudicar a energia do bebê deixando-a numa situação de
carência energética, denominada de hipoorgonia. Esse é uma
situação delicada porque muitas vezes, na presença de doenças
graves, a criança não tem energia para combatê-la, sucumbindo
68
até mesmo à morte. Quando isso não acontece, a criança irá ter
um traço de caráter chamado de Núcleo Psicótico (Navarro, 1995).
Segundo Reich (1987), “o organismo da mãe cumpre a
função do meio, desde o momento que se forma o embrião até o
momento em que se produz o nascimento” e uma couraça no
segmento pélvico “impede a descarga orgástica de forma
adequada, reduz a vitalidade dos órgãos genitais e deste modo,
impede o verdadeiro funcionamento bioenergético do feto”. Num
útero orgonóticamente vigoroso, a circulação de sangue e de
líquidos no corpo será mais completa e, por conseqüência, o
metabolismo energético do bebê será mais eficiente. Ainda
segundo Reich, filhos de mulheres orgasticamente potentes e
desencouraçadas são mais saudáveis que os filhos de mulheres
frígidas e encouraçadas, os quais são mais apáticos, mais
anêmicos por possuírem uma condição energética de hipoorgonia.
Portanto, a impotência orgástica dos pais, a anorgonia do útero,
transtornos da respiração tissular interna são alguns dos fatores
que provocam transtornos de funcionamento energético nessa
etapa do desenvolvimento e determinam a futura condição
orgonótica de hipoorgonia na criança.

Etapa de Incorporação X Desorgonia


Uma criança recém-nascida é parte da natureza viva, de
um sistema orgonótico que é governado por certas leis
bioenergéticas. O bebê apresenta um sistema bioenergético
altamente maleável que será influenciado por uma multidão de
impactos do meio ambiente. Portanto, sofre constantemente a
interferência dos pais e educadores encouraçados (Reich, 1987).
Sendo assim, são as distorções estruturais no caráter dos pais,
médicos e educadores transmitidas automaticamente para cada
geração recém-nascida que prejudicam o sistema orgonótico de
funcionamento da criança, dando a ela, nesse caso, uma condição
de desorgonia. Ela tem um bom quantum energético, porém, mal
distribuído pelo corpo. Aqui, encontraremos pessoas com traços
orais, característicos da obesidade, depressão, bulimia, anorexia
e diversos outros distúrbios relacionados à essa etapa, cujo traço
caracterológico é denominado de Borderline (Navarro, 1995). Já
dizia Reich (1987): “Um mamilo erogenicamente vivo e um cálido
contato com a mãe são muito mais eficazes que qualquer receita
69
química para estimular a digestão e o funcionamento integral do
recém-nascido”.
Se o organismo da mãe for livre energeticamente e
emocionalmente expressivo, ela será capaz de compreender o
bebê em todas as suas necessidades. Mas se ela for
caracterologicamente encouraçada e rígida, tímida ou inibida, será
incapaz de compreender a linguagem corporal do bebê e por
essa razão, o desenvolvimento emocional da criança estará
exposto a várias influências prejudiciais. Um resfriado pode ser
entendido como resultado de uma contração (reação simpática)
do organismo devido à falta de contato com a mãe. Os pais
encouraçados não sentirão o problema e, se o sentirem, se
sentirão desamparados, pois lhes falta o contato orgonótico
imediato. Deixemos que as mães simplesmente desfrutem seus
bebês para que o contato se desenvolva espontaneamente.

Etapa de Produção X Hiperorgonia Desorgonótica


O organismo da criança deve ser deixado livre para que
possa se manifestar de acordo com as próprias necessidades.
Uma educação moralista e rígida que coloca a criança numa
situação de submissão e tensão, com impossibilidade de
descarregar a sua energia irá provocar o bloqueio nessa etapa
do desenvolvimento. Uma criança auto-regulada que é colocada
repentinamente em um meio ambiente rigidamente disciplinado,
fica desorientada e provavelmente adoece. Por outro lado, uma
criança educada de maneira rígida e disciplinada, colocada em
um ambiente auto-regulado, perde o equilíbrio e poderá sentir
dificuldade em se adaptar a esse ambiente.
A criança nessa etapa do desenvolvimento tem uma
energia alta e por medo de ser punida, vive num constante estado
de tensão sem possibilidade e permissibilidade de descarregá-
la. Isso lhe dá uma condição de hiperorgonia desorgonótica.

Etapa de Identificação X Hiperorgonia


Em bebês, a masturbação ocorre como uma mera
estimulação, sem fantasias. Antes que o jovem seja maduro para
relacionar-se sexualmente, o desejo sexual se manifesta desde
a primeira infância, assumindo formas diversas. Uma destas
formas que pouco a pouco se torna preponderante e que
70
representa a fase de transição para a vida sexual madura é a
masturbação.
Pode-se dizer que o único perigo da masturbação está
em sua proibição. A dificuldade não está nas crianças, mas sim
nos pais, professores, pessoas que as rodeiam. Se uma pessoa
é emocionalmente bloqueada, ela será propensa a desenvolver
idéias errôneas sobre como a criança deveria ser ou sobre o que
fazer na ocorrência de bloqueios emocionais. Ela, inevitavelmente,
tenderá a fugir do problema. Quanto maior for a sua ansiedade
pessoal, mais distante da realidade estarão seu julgamento e sua
prática. Quanto maior a repressão, menor a possibilidade da
criança descarregar a sua energia, que quando chega nessa etapa
do desenvolvimento, encontra-se num estado de “agitação”
percebido muito pela agitação motora da criança, hiperatividade,
etc, um estado de hiperorgonia.

Etapa da Formação do Caráter


Segundo Reich (1995), o caráter começa a ser estruturado
por volta dos cinco anos de idade e se estende até a adolescência,
quando se completa, mas ainda de forma imatura. Se não ocorrer
nenhum tipo de dano severo nas etapas do desenvolvimento, a
criança trará consigo toda uma riqueza da plasticidade e do
desenvolvimento natural. Ela terá um sistema energético
enormemente produtivo e adaptável que, por seus próprios
recursos fará contato com seu meio ambiente e começará a dar
forma a este meio ambiente de acordo com as suas necessidades.

Considerações Finais
Devemos assumir que criar crianças saudáveis não será
simples, nem fácil, até que as funções básicas de saúde sejam
totalmente conhecidas. A tarefa básica e soberana de toda a
educação deveria ser dirigida ao interesse da criança, e não ao
interesse de programas partidários, religiosos, etc... Essas
crianças escolherão seus próprios modos de ser e determinarão
seu próprio destino. Devemos aprender com elas ao invés de
impor-lhes nossas idéias arrogantes e nossas práticas maliciosas,
que tem se mostrado tão prejudiciais e ridículas a cada nova
geração (Reich, 1987). É importante considerar que muitas
pesquisas feitas com crianças utilizando-se do método de
71
observação, foram feitas com crianças já encouraçadas e assim
é que os parâmetros de um normal desenvolvimento foram
estabelecidos. Uma vez que as crianças não são totalmente
encouraçadas não podemos empregar a mesma técnica
orgonômica de análise do caráter aplicada em biopatias de
adultos. Não podemos remover camada por camada com o
objetivo de alcançar a área e mobilizar a bioenergia genital na
criança antes de quatro ou cinco anos porque a genitalidade dela
ainda não está totalmente desenvolvida. Nossa tarefa está em
remover obstáculos no caminho natural do desenvolvimento em
direção à genitalidade plena.
Queremos também ressaltar a importância de entregarmos
nossos filhos a babás e educadores que não sejam
emocionalmente “tão” comprometidos, para que com isso nossos
filhos não corram o risco de... Você sabe!!! Um indivíduo rígido e
encouraçado não é capaz de perceber a pulsação da vida em si
mesmo; muito menos no outro. Saúde não consiste em nunca
ficar infeliz, ou estar feliz e saudável, mas basicamente na
capacidade de livrar-se da infelicidade e da doença.

Referências bibliográficas
Navarro, F. Caracterologia pós-reichiana. SP: Summus, 1995
Piontelli, A. De feto a criança. RJ: Imago, 1995
Reich, E. Energia Vital pela Bioenergética Suave. SP: Summus,
1998
Reich, W. The câncer biopathy. NY: F, Straus and Giroux, 1973
Reich, W. Esperimenti Bionici. Milano: SugarCo, 1979
Reich, W. A função do orgasmo. São Paulo: Brasiliense, 1986
Reich, W. Bambini del Futuro. Milano: SugarCo, 1987
Reich, W. Orgonomic Functionalism. Orgonon, 1990
Reich, W. Análise do Caráter. São Paulo: Martins Fontes, 1995
Volpi, J. H. & Volpi, S. M. Crescer é uma aventura!
Desenvolvimento emocional segundo a Psicologia Corporal.
Curitiba: Centro Reichiano, 2002

José Henrique Volpi é Psicólogo, Especialista em Psicodrama e


Psicologia Corporal (Orgonomia). Mestre e Doutorando em Psicologia
da Saúde (Neuropsicofisiologia). Diretor do Centro Reichiano de
Psicoterapia Corporal, em Curitiba/PR.
E-mail: centroreichiano@centroreichiano.com.br

72
A CONSTRUÇÃO DO SELF SAUDÁVEL
COMO UMA FUNÇÃO DO GROUNDING
Odila Weigand

Self costuma ser identificado com essência, mas falta um


acordo consensual sobre o que é essência. Ainda hoje as palavras
ego e self são utilizadas de forma indiscriminada. Freud também
utilizava de forma indiscriminada os conceitos de ego e self.
Quando utilizava Ich em oposição ao superego e ao id, referia-se
ao ego; quando utilizava Ich em oposição ao objeto, referia-se ao
self.
Foi a partir de Hartmann (1939) apud Zimerman (2001),
que se tornou possível estabelecer uma distinção. Com Hartmann,
criador da Escola da Psicologia do Ego, o vocábulo ego passa a
designar uma das instâncias psíquicas, sendo portanto, uma
importante subestrutura da personalidade, tal como foi descrita
por Freud. O termo self foi conceituado como a “imagem de si-
mesmo” sendo composto de estruturas, entre as quais consta o
ego, o id, o superego e, inclusive, a imagem do corpo, ou seja, a
personalidade total.

Teoria do Apego e Regulação do Afeto: O modelo de Allan


Schore
A teoria do apego também é chamada de teoria da
regulação do afeto (Feeney e Noller, 1996). Os padrões afetivos
são manifestados a partir dos MOI (Modelos Operativos Internos).
Os modelos definem as regras, comportamentos, sentimentos e
pensamentos. Definem também outros canais de comunicação
como as crenças, os mitos e as seqüências repetitivas. Possuindo
uma auto-regulação efetiva, além de alterar a si próprio, é possível
alterar o modelo operativo interno do outro e, por conseqüência,
alterar a qualidade da relação. Schore (2001) mostra, que na
comunicação cérebro a cérebro a mãe “empresta” a função de
73
regulador de emoções à criança. Desta maneira. a capacidade
de regular emoções vai sendo integrada ao MOI da criança, desde
a mais tenra idade.
Schore (2001) situa os reguladores emocionais na região
límbica do hemisfério direito (córtex pré-frontal) e sugere que os
reguladores intrínsecos do crescimento do cérebro infantil são
especificamente adaptados para se acoplarem, por comunicação
emocional espontânea, aos reguladores dos cérebros adultos,
numa conversação entre sistemas límbicos. É uma comunicação
biologicamente sustentada que envolve os organismos
diretamente um com o outro constituindo uma unidade biológica.
O envolvimento direto com o outro, intrínseco à comunicação
espontânea, representa um apego que pode satisfazer profundas
motivações emocionais socializantes.

Modelos Operativos Internos (MOI) e o senso de self


MOI, segundo Fonagy et al (2000) é uma noção derivada
da teoria psicanalítica das relações objetais, especialmente como
ela foi formulada pelos teóricos britânicos. MOI ajudam a manter
uma visão consistente de si e dos outros, bem como interpretar o
mundo interno e externo. Tendem a se manter ao longo da vida,
mas podem ser alterados. São a base da percepção do que é
comunicado e do tipo de comunicação emitida.
Os pesquisadores do Apego supõem que, a partir de
repetidas experiências de padrões característicos de interação,
as crianças desenvolvem expectativas a respeito da natureza das
interações entre ela e a figura de apego. Essas expectativas são
incorporadas em representações mentais (MOI) que têm a
capacidade de agregar experiências passadas. Integradas a essas
expectativas, e talvez tendo a função de integrá-las, estão as
emoções associadas a essas interações. O desenvolvimento de
um sistema de apego seguro (e, portanto, segundo minha
hipótese, de um senso de self saudável) está intimamente
associado a tais experiências positivas repetidas.
A partir dessas constatações, entendo que o senso de
self é uma função do MOI de cada um. Acho interessante
especular como se articularia um MOI diferente para diferentes
papéis. Uma pessoa pode ser insegura nas relações de apego,
portanto nas relações íntimas, mas pode ter construído um MOI
74
seguro para relações profissionais, por exemplo.
Fonagy (2000) informa que estão em andamento estudos
para verificar se a relação de apego seguro provê realmente um
contexto congruente, ou “base segura” para a criança explorar a
mente do cuidador e supõe que, apenas através desse
conhecimento da mente do outro, a criança pode desenvolver
uma plena apreciação da natureza dos estados mentais. Esta
proposta vem ao encontro da pesquisa de Schore (2001) na
medida em que sugere que há um contato direto cérebro a cérebro
entre criança e cuidador, que é a característica do apego seguro.
Ao aceitarmos a perspectiva do desenvolvimento dialético
do self, a ênfase tradicional da psicanálise se desloca: da
internalização do objeto contenedor para a internalização do self
pensante que provém de dentro do objeto contenedor.
Tradicionalmente, as teorias psicanalíticas assumem que a criança
internaliza a imagem do cuidador, o qual é capaz de prover
continente emocional. Através dessa internalização, se o cuidador
possuir as qualidades adequadas, a criança adquirirá uma
estrutura de self capaz de conter conflito e sofrimento. A visão da
teoria do apego é diferente. A criança não só percebe no MOI do
cuidador a postura mentalizadora, mas internaliza a imagem que
o cuidador faz dela, como um ser desejante e confiante. Se o
cuidador possui uma capacidade reflexiva que lhe permite
imaginar a postura de intencionalidades da criança, esta tem
oportunidade de “encontrar a si própria no outro” como um
indivíduo mentalizador. Se, falta ao cuidador essa capacidade, o
que a criança encontra é uma versão de si própria como um
indivíduo que pensa em termos de realidade física em vez de
estados mentais. Se a criança não encontrar contextos
interpessoais alternativos, onde ela é concebida como
mentalizadora, este seu potencial não será desenvolvido. Uma
das causas da desordem Borderline de Personalidade seria essa
incapacidade de refletir adequadamente a respeito de estados
mentais (próprios e do outro).

O self na Análise Bioenergética Clássica


Lowen (1993) acredita que o bebê nasce com um self
que é um fenômeno biológico, não psicológico. O ego, em
contrapartida, é uma organização mental que se desenvolve à
75
medida que a criança cresce. O senso de self ou a consciência
do self nasce quando o ego (o “eu” mental) passa a estar definido
através da autoconsciência, da auto-expressão e do autocontrole.
Como esses termos referem-se à sensibilidade – à consciência,
expressão e domínio das sensações, o self pode ser definido
como um aspecto sensível do corpo.
Segundo Lowen (1993) o ego não é o mesmo que self,
embora seja parte da personalidade que percebe o self. Na
realidade, o ego representa a autoconsciência ou consciência do
self: Por exemplo, eu (ego) sinto (percebo) que o meu self está
colérico. De fato, o ser humano é uma identidade dual – derivando
uma parte da identificação com o ego e sua capacidade de
representar, e a outra da identificação com o corpo e suas
sensações.
A nossa identidade dual assenta em nossa capacidade
para formar uma imagem do self, em nossa percepção consciente
do self corporal. Numa pessoa saudável, as duas identidades
são congruentes. Quando existe falta de congruência entre a
imagem do self e o self, ocorre então um distúrbio de
personalidade. Como essa imagem conflita nitidamente com a
realidade corporal, o resultado é confusão. O esquizofrênico tenta
desfazer essa confusão, dissociando a realidade de seu corpo, o
que leva a uma retirada da realidade em geral.
Assim como Damásio (2000) que fala de um proto-self1
original e biológico, a análise bioenergética considera que não
vivemos por nossa vontade (Lowen, 1997). Esse pode ser um
conceito tranqüilizador, segundo ele, pois se o inverso fosse
verdade, a vida sofreria um colapso ao primeiro fracasso da
vontade. Esta função paradoxal de manter uma certa estabilidade,
independente da vontade consciente do indivíduo, e que garante
a possibilidade de mudanças, foi chamada por Damásio (2000)
de “invariância do organismo e impermanência da permanência”.
O proto-self de Damásio, no entanto, não é o mesmo que
o senso de self completo e integrador da pessoa como um todo.
O proto-self é o “provável precursor biológico daquilo que
________
1 Proto-self é um conjunto interligado e temporariamente coerente de padrões
neurais que mapeiam e representam, a cada momento, o estado da estrutura
física do organismo, em vários níveis do cérebro. Não somos conscientes do
proto-.self (Damásio, 2000, p. 225).
76
finalmente se torna o elusivo sentido do self”.
Lowen (1997) descreve a pessoa que carece de um senso
seguro de self como alguém que se agarra à própria imagem
idealizada, grandiosa. Essa grandiosidade pode ser negativa, isto
é, grandiosamente ruim ou denegrida. Como perde o senso do
próprio corpo, perde o senso de quem realmente é. O que se
passa no corpo influencia o pensamento, o comportamento e as
emoções, não bastando apenas falar de imagens e
representações, como algo que se passa na mente e que
determinaria a personalidade. A consciência se interessa pelas
imagens que regulam as ações. Mas cumpre lembrar que uma
imagem subentende a existência de um objeto que ela representa.
A auto-imagem – seja ela grandiosa, idealizada ou real – deve ter
alguma relação com o self, que é mais do que uma imagem.
Esta visão de Lowen pode ser explicada pela afirmação
de Damásio (2000, p.40), o qual acredita que, do lado do
organismo, temos uma curiosa situação: “...algumas partes do
cérebro são livres para perambular pelo mundo e ao fazê-lo,
mapear qualquer objeto que a estrutura do organismo lhes permita
mapear. Em contrapartida, outras partes do cérebro, as que
representam o próprio estado do organismo, não são livres para
perambular. Elas estão presas. Não podem mapear nada além
do corpo, e fazem isso com mapas em grande medida pré-
estabelecidos. São a audiência cativa do corpo, e estão à mercê
da mesmice dinâmica deste. “
Se o corpo é o self, conforme propõe a bioenergética, a
auto-imagem real (a imagem real do self) deve ser
necessariamente uma imagem corporal. Os narcisistas não
negam que têm corpo, porque guardam uma razoável apreensão
da realidade. Mas vêem o corpo como um instrumento da mente,
submetido à vontade, que funciona unicamente de acordo com
suas imagens, sem sentimento. Embora o corpo possa funcionar
eficientemente como instrumento, ter um desempenho igual ao
de uma máquina, ou dar a impressão de uma estátua, falta-lhe,
no entanto, “vida”. E é esse sentimento de vida – vida emocional
– que dá origem à experiência do self.
Ao referir-se ao sentimento de ser especial, que faz parte
do indivíduo cujo self não pode se desenvolver satisfatoriamente,
Lowen está dizendo o mesmo que Fonagy (2000) o qual sugere
77
que são a capacidade reflexiva e a habilidade mentalizadora do
cuidador sensível, qualidades essenciais que permitem à criança
“encontrar a si própria no outro” e desenvolver um MOI capaz de
regular as emoções. O cuidador a quem falta essa capacidade,
oferece à criança uma imagem especial de si mesma, em geral
em detrimento do desenvolvimento da sexualidade associada aos
sentimentos do coração. A criança passa a basear sua identidade
em sua capacidade de ser especial, e quando não se sente
especial, sente-se sem valor.

Figura 1 – Interações cérebro-cérebro durante


comunicação face-a-face mediada por orientações olho no
olho, vocalizações, gestos das mãos e movimentos dos
braços e cabeça, todos atuando coordenadamente para
expressar percepção interpessoal e emoções.
SCHORE, N A (2001) The Effects of a Secure Attachment
Relationship on Right Brain Development, Affect
Regulation and Infant Mental Health. Infant Mental Health
Journal. 22, 7-66. Também em www.trauma-pages.com p.
24.

Conclusão
A Teoria do Apego é apoiada pelas neurociências,
confirmando que a regulação do afeto ocorre a partir de uma
sintonia cérebro-cérebro, a qual influencia também as funções
cognitivas.
Modelos Operativos Internos surgem a partir do senso de
self. Numa inter-relação contínua, os MOI passam a se modificar
ao longo da vida, numa recriação constante do senso do self,
que por sua vez tem a capacidade de alterar os MOI. Esta
recriação acontece baseada nas expectativas que se repetem.
Por outro lado, a capacidade reflexiva, ou seja, habilidade de
perceber estados emocionais do outro, parece ser segundo
Fonagy (2000) um elemento protetor favorável ao
desenvolvimento de resiliência e apego seguro, mesmo em
78
circunstâncias de privação e stress.
À sua própria maneira, Lowen tem uma abordagem
existencial da vida, embora seu enfoque se apóie numa visão de
self que passa pela vivência corporal, e não apenas pelas
representações criadas na mente, sem, no entanto excluir estas
últimas. Para Lowen o self saudável tem a capacidade de auto-
conhecimento, auto-expressão e auto-controle, funções que
dependem do funcionamento harmonioso corpomente.

Referências bibliográficas
Damásio, A. O Mistério da Consciência. São Paulo: Companhia
das Letras, 2000
Feeney, J. & Noller, P. Adult Attachment. Thousand Oaks, Ca:
Sage Publications, 1996
Fonagy, P. et al. Attachment, the Reflective Self and Borderline
States. In: Goldberg, S. Muir, R. & Kerr, J. Attachment Theory,
Social Development and Clinical Perspectives. Londres: The
Analytical Press, 2000
Hartmann, H. (1939) Psicologia do Ego e o Problema da
Adaptação. Rio de Janeiro: Zahar, 1989
Lowen, A. (1983) Narcisismo. A Negação do Verdadeiro Self. São
Paulo: Vozes, 1993
Lowen, A. (1995) Alegria: a entrega ao corpo e à vida. São Paulo:
Summus, 1997
Schore, N. A. The Effects of a Secure Attachment Relationship
on Right Brain Development, Affect Regulation and Infant Mental
Health. Infant Mental Health Journal. 22, 7-66, 2001. Disponível
em www.trauma-pages.com (Acesso: Março, 2002)
Zimerman, D. E. Vocabulário Contemporâneo de Psicanálise.
Porto Alegre: Artes Médicas, 2001

Odila Weigand é Psicóloga e Psicoterapeuta Corporal. CBT pelo


International Institute for Bioenergetic Analysis/NY, trainer
internacional, trainer e supervisora do Instituto de Análise
Bioenergética de São Paulo, com formação em Core Energetics,
Terapia Familiar Sistêmica, PNL, Hipnose Ericksoniana e Terapia
da Linha do Tempo.
E-mail: odilawei@matrix.com.br

79
O REAL CONHECIMENTO:
SOM, CORPO E MOVIMENTO NA ESCUTA
E LEITURA TERAPÊUTICA
Fabiane Alonso Sakai

Corpo em terapia.
Que corpo é este em terapia?
Este corpo é... o nosso eu (Nietzche/Freud) que faz o
intermédio entre a realidade interna e a realidade externa.
Uma linguagem universal, não verbal, de caráter
conotativo, com significado da ordem do vivido.
O Inconsciente (Gaiarsa,1986) e o Consciente.
Um centro de informações (Weil e Tompakow,1990).
Um instrumento de prazer, de defesa e de conquista.
Antes de ser instrumento de prazer é um instrumento de
sobrevivência (preservação do eu), daí ser um instrumento de
defesa para conquista, chegando ao prazer.
É um processo – vivo, subjetivo – uma cadeia viva de
eventos que se manifesta ao longo do tempo.
É um corpo que se expressa, ou seja, emite sinais e
mensagens conscientes ou inconscientes. É um corpo que fala
com palavras, sons, gestos, posturas, sensações, sentimentos e
atitudes (ações), estabelecendo um diálogo tônico (linguagem
afetiva) de função determinante na aquisição de nossa noção de
vivência do corpo; um corpo que tem razões, que chora, que ri,
que canta, toca e dança.
Toda expressão deste corpo carrega informações
verdadeiras ou não, conscientes ou inconscientes e é um corpo
que será também receptor de mensagens e informações.
Como escutar e ler este corpo e suas informações? E o
que escutar/ler?
A escuta / o escutar é estar atento para perceber, seguindo
somente as suas próprias sensações (sentimento, o sentir) sendo
indiferente a conselhos não apenas dos outros, mas aos próprios,
pois estes fazem parte do aprendido, ou seja, distorcido e defletido,
80
para poder registrar o que foi emitido. É um estado, uma postura
ou uma atitude de atenção.
Escutar de forma integral, tendo real conhecimento, é
escutar com o corpo todo, como Cunha (2001) escreveu, com
todos os sentidos (audição, tato, [paladar], olfato, visão), escutar
pelas imagens mentais, pelas reações neurovegetativas, pelos
sentimentos, pela sensibilidade.
A escuta antecede ou é simultânea à leitura, essa que
vem a ser o observar os sinais, as características emitidas
(escutadas, vistas, sentidas), estudando, percebendo, intuindo
ou deduzindo a significação, decifrando ou interpretando o sentido.
É um conhecer e reconhecer e um sentir dentro de um critério,
como um instrumento de medida das informações consideradas
em conjunto (voz, intensidade, modulação, postura, movimento,
sentimento).
O som e o movimento emitidos, produzidos ou recebidos
pelo corpo (emissor/produtor/receptor) são a informação, o código
que produz no próprio emissor “corpo” uma ação/reação. Toda
ação/reação neurovegetativa é uma emoção e vice-versa, essa
que também faz parte da própria informação.
É necessário saber escutar e ler tanto este som/movimento
expressos, técnica e terapeuticamente, sabendo que são
codificações que representam a informação primária que se
originou de uma intenção psíquica, como também o “como” este
som e este movimento são expressos pelo corpo (indivíduo). Esta
informação é individual e caractereológica de determinada pessoa.
Por isso, há que se conhecer os códigos (som/movimento/corpo).
Mas tanto a escuta como a leitura vão depender da nossa
percepção, ou seja, do que somos capazes de escutar, entender
e ler. O modo como percebemos determina, na realidade, o modo
que escutamos, entendemos e lemos, determina o modo como
observamos o mundo.
Precisa-se conhecer as lentes (monitor de deflexão) que
são usadas para observar e o que estas lentes influenciam na
interpretação do que escutamos, vemos e sentimos.
Precisamos conhecer tudo a que nos relacionamos de
modo verdadeiro. E, enquanto terapeutas/pessoas, só
conseguimos agir assim, se primeiramente atingirmos a nossa
própria autenticação, o nosso próprio autoconhecimento, agindo
81
com as coordenadas da nossa natureza de base. Este
conhecimento é organísmico e é aí que deve acontecer a escuta
e a leitura terapêutica – dentro –, ou seja, no íntimo. Só assim o
escutar e o ler terapêuticos serão precisos, exatos com a natureza
vital e musical deste Corpo – Ser Humano. Longe da adivinhação,
mas muito próximo da intuição.

Reflitamos sobre esta história intitulada Sons do Silêncio:

“Um rei mandou seu filho estudar no templo de um grande


Mestre com o objetivo de prepará-lo para ser uma grande pessoa.
Quando o príncipe chegou ao templo, o Mestre o mandou sozinho
para uma floresta. Ele deveria voltar um ano depois, com a tarefa
de descrever todos os sons da floresta. Quando o príncipe retornou
ao templo, após um ano, o Mestre lhe pediu para descrever todos
os sons que conseguira ouvir. Então disse o príncipe: ‘Mestre,
pude ouvir o canto dos pássaros, o barulho das folhas, o alvoroço
dos beija-flores, a brisa batendo na grama, o zumbido das abelhas,
o barulho do vento cortando os céus...’ E ao terminar o seu relato,
o Mestre pediu que o príncipe retornasse a floresta, para ouvir
tudo o mais que fosse possível. Apesar de intrigado, o príncipe
obedeceu à ordem do Mestre, pensando: “Não entendo, eu já
distingui todos os sons da floresta...” Por dias e noites ficou sozinho
ouvindo, ouvindo, ouvindo... mas não conseguiu distinguir nada
de novo além daquilo que havia dito ao mestre. Porém, certa
manhã, começou a distinguir sons vagos, diferentes de tudo o
que ouvira antes. E quanto mais prestava atenção, mais claros
os sons se tornavam. Uma sensação de encantamento tomou
conta do rapaz. Pensou: “Esses devem ser os sons que o mestre
queria que eu ouvisse...” E sem pressa, ficou ali ouvindo e ouvindo,
pacientemente. Queria ter certeza de que estava no caminho
certo.
Quando retornou ao templo, o Mestre lhe perguntou o que
mais conseguira ouvir. Paciente e respeitosamente, o príncipe
disse: “Mestre, quando prestei atenção, pude ouvir o inaudível
som das flores se abrindo, o som do sol nascendo e aquecendo
a terra e da grama bebendo o orvalho da noite...
O Mestre, sorrindo, acenou com a cabeça em sinal de
aprovação, e disse: `Ouvir o inaudível é ter a calma necessária
82
para se tornar uma grande pessoa´.
Apenas quando se aprende a ouvir o coração das pessoas,
seus sentimentos mudos, seus medos não confessados e suas
queixas silenciosas, uma pessoa pode inspirar confiança ao seu
redor, entender o que está errado e atender as reais necessidades
de cada um.
A morte de uma relação começa quando as pessoas
ouvem apenas as palavras pronunciadas pela boca, sem
atentarem ao que vai no interior das pessoas para ouvir os seus
sentimentos, desejos e opiniões reais.
É preciso, portanto, ouvir o lado inaudível das coisas, o
lado não mensurado, mas que tem o seu valor, pois é o lado mais
importante do ser humano...”

Só assim escutaremos a verdadeira música (som/


movimento) de um corpo.
“Em todas as manifestações da atividade humana, da
ciência à arte, nunca são os fatos externos que determinam a
realidade das proporções, mas são os eventos intrapsíquicos que
administram a realidade externa. Por isso, é necessário poder
compreender todos os fantasmas, todas as lembranças, as
nostalgias, as afetividades que a circundam a cada instante e
controlá-la.” (Meneghetti, 1996, p.11)

Referências bibliográficas
COVEY, S. R. Os 7 hábitos da pessoa muito eficaz. Best Seller,
1989
Cunha, R. Seminário Escuta terapêutica: Sons, Silêncios e Palavras.
In: ANAIS – III Fórum Paranaense de Musicoterapia. Curitiba, 2001
Meneghetti, A. Manual de Ontopsicologia. Porto Alegre: Psicologia
Editrice do Brasil. 1996, Vol. 1
Menin, M. Seminário Escuta terapêutica: Sons, Silêncios e Palavras.
In: ANAIS - III Fórum Paranaense de Musicoterapia. Curitiba, 2001

Fabiane Alonso Sakai é Musicoterapeuta, Especialista em


Psicologia Corporal (Terapia Corporal Reichiana) pelo Centro
Reichiano e em Consciência Corporal/Dança. Atualmente, cursa
formação em Ontopsicologia.
E-mail: musicane@uol.com.br

83
PERSONAGENS ENCOURAÇADOS
Laurinda Rocha

Pela vivência em consultório, comecei a analisar alguns


fatos que acontecem na vida de muita gente e que bloqueiam
sua existência, tornando as pessoas personagens da história da
vida dos outros.
Todos nós, pais e mães, tios e avós, filhos, temos uma
história e um ideal de ego. Também já fomos crianças e passamos
pela adolescência e puberdade, para nos tornarmos os adultos
de hoje, cada qual com sua personalidade e caráter. A partir do
momento em que determinadas pessoas congelam seus ideais,
passam a viver acontecimentos da história dos outros e viram
personagens encouraçados dessas histórias. O que me chamou
a atenção foi a luta interna dessas pessoas, para se manterem
encouraçados e protagonizando um papel que não faz parte de
sua essência. Congelam seus ideais passando a viver
personagens encouraçados da história do outro. Se forem
analisados com profundidade, são casos muito tristes e difíceis
de serem vividos.
Se refletirmos um pouco sobre esse assunto, como seria
sentir pelo outro, gargalhar de felicidade com o sucesso que o
outro conquistou, viver intensamente os momentos do outro, a
cada dia, como se fossem os seus?
Negar-se a viver seu próprio papel... sabemos que a
história de alguém que passa por isso existe mas, que sua
negação o impede de conhecer a extensão de seu sofrimento,
mais precisamente porque não está preparado para lidar com
toda a emoção de uma só vez. Então, essa pessoa negaria o
real e passaria a viver fantasias, obviamente porque a realidade
seria mais difícil de ser percebida e aceita. A partir de então,
criaria obstáculos à realidade, e passaria a viver situações não
84
autênticas no presente, como viver mais plenamente na história
do outro, de alguém próximo, como um filho, marido, namorado
ou mesmo um amigo.
O que levaria uma pessoa a agir dessa maneira,
considerando que poderia ser vista com estranheza pelos
familiares, ou mesmo pela própria sociedade?
Vou narrar um pouco da história do “Personagem Encouraçado”
que vou chamar de Ana. Esta pessoa desde muito cedo foi privada
de hábitos básicos para a saúde mental e espiritual de um ser
humano, que são o carinho e o respeito das pessoas mais
próximas, da família. Sua infância foi muito dura, ao lado dos
pais e de dois irmãos. Quando criança quase não via os pais,
pois ambos trabalhavam na roça e ficavam ausentes a maior parte
do tempo. Quem cuidava dos menores era a irmã mais velha.
Quando os pais chegavam da roça cansados e com fome,
começavam a brigar. O pai batia na mãe e todos tinham muito
medo dele. Ninguém na casa podia expressar o que sentia ou
queria, e se tentasse apanhava de vara ou cinto. As crianças
nunca choravam de medo de apanhar, não falavam alto, não
pediam nada.
Na medida em que o tempo passava, as couraças
tomavam seus lugares no corpo de Ana, que não apresentava
nenhuma atitude para mudar a situação. O importante era deixar
o pai sossegado, e só quem vivia naquele teto sabia da
importância dessa regra familiar.
Analisando essa narração, deduz-se que Ana, desde muito
pequena bloqueava, reprimia suas emoções, e criava couraças
para se defender. Continha-se num choro bem baixinho. Deixava
sua essência guardada para si. Seus instintos mascaravam-se
da maneira que lhe era exigida dentro de casa, pois tudo que o
pai ouvia era visto como reclamação e era surra na certa. Até
mesmo o pai estando ausente, já se tornara um hábito fazer tudo
em silêncio. Segundo a paciente, para poder sobreviver no
ambiente familiar, tentava fazer tudo conforme as normas exigidas
para não aborrecer os adultos, que estavam sempre cansados e
mal humorados.
Certa noite presenciou o pai fazendo sexo com a mãe;
achava que era castigo e tinha medo que ele fizesse com ela
também, mas não falou sobre o assunto com ninguém e tentou
85
esquecer.
Ana sempre sentia muitas dores de cabeça e seu corpo
sempre doeu muito. Até os dezessete anos de idade, viveu neste
ritmo de vida, sem direito a nada. Trabalhava em casa e se não
fizesse o trabalho direito era castigada. Quando falava da mãe
chorava muito, porque a mãe era uma pessoa muito submissa.
Sempre sentiu que ela era contra o comportamento do pai, mas
nada podia fazer, por medo. Quando a mãe agradava os filhos, o
fazia escondido do marido, tamanho era o medo de ser pega,
fazendo “frescuras” com os filhos.
Ana conheceu o futuro marido em um rodeio na sua
cidade, e achou que poderia mudar seu destino. Hoje lamenta
ter trocado uma infelicidade por outra. Casou-se com Martin, cinco
anos mais velho, que a amava muito, e a família fazia muito gosto
pela união dos dois. Ana por sua vez, não estava pronta para se
casar. Na verdade, Martin era seu segundo namorado e ela não
tinha estrutura para entrar em um casamento, pois estava
passando pela situação de autodescoberta, não sabia dar conta
nem de si própria. A situação toda era apenas de fuga, queria
libertar-se do pai e o fato real era que estava grávida. Seu filho
nasceu seis meses depois. A partir de então ela foi anulando-se
cada vez mais, sendo personagem de uma história que não sabia
se teria fim.
No discurso da paciente percebe-se que todos os anos
em que esteve representando o papel de mãe e esposa, seu
corpo e sua alma foram se desgastando, levando-a a se sentir
seca por dentro, porque vive em função do personagem,
esquecendo de si própria, com a impressão de ser um boneco de
corda, que só funciona para os outros. Quando tentava relaxar o
corpo gritava de dor, pois a rigidez era muito grande. Percorria
vários médicos que não encontravam um diagnóstico preciso para
tantas dores localizadas pelo corpo. Doía a cabeça, a nuca, o
tórax, o abdome, a pélvis, as pernas e os braços, sempre com
muita intensidade.
Segundo Alexander Lowen (1982), no diagrama dinâmico,
o caráter rígido é representado por uma estrela proporcional em
suas partes, e essa estrutura contém uma grande carga energética
em todos os pontos periféricos, no que diz respeito ao contato
com o meio ambiente, o que lhe proporciona testar, para depois
86
agir. Porém essa contenção periférica acaba por limitar suas
manifestações de sentimento. As áreas de tensão são os
músculos ao longo do corpo, que fisiologicamente são
representados pela rigidez, pela postura de se manter ereto. A
falta de flexibilidade estaria ligada a um conflito, ao medo de ceder.
Na defesa do caráter rígido, segundo Lowen, a criança
entra num processo de encouraçamento a partir de uma
percepção de rejeição por parte dos pais; a criança sente-se traída.
Esse processo de encouraçamento pode ir muito além, chegando
à fase adulta contendo os impulsos, com medo de ceder.
O perfil de Ana é de uma mulher muito sofrida, com trinta
anos de idade que representam cinqüenta. Luta ao lado do marido
em um pequeno comércio de verduras e frutas e sempre procura
mostrar-se satisfeita, nunca expondo seus sentimentos. O que o
filho e o marido acharem certo, para ela está muito bom.
Percebe-se que a paciente, em toda sua existência,
adquiriu uma maneira muito própria de bloquear seus instintos,
vivendo uma outra realidade que vai sendo adquirida no desenrolar
da história do outro. Ela vive intensamente esse papel, como se
realmente fizesse parte do que sente e acredita, pois seu corpo e
sua mente estão bloqueados para se expressar.
Fica muito evidente que não expõe seus desejos, mesmo
nas pequenas coisas como assistir a um filme que não aprecia,
só para agradar ao filho e ao marido, passar fins de semana em
casa vendo televisão porque o marido está cansado, passar
feriados na beira de um rio pescando, sem nunca reclamar,
sempre com um sorriso nos lábios, aprofundando cada vez mais
as marcas do tempo que contornam sua boca. Segundo ela, o
marido se habituou ao seu comportamento de nunca demonstrar
vontade. Diz que ele a chama de “bola”, pois “vai sempre para o
lado que a jogam”. Acaba virando piada.
Essa pessoa precisa adquirir um maior autoconhecimento,
relaxar as couraças e liberar o bloqueio que vai contra suas
excitações emocionais, para se sentir melhor com seu próprio
corpo. Aprender a deixar sua energia navegar por todo o corpo e
com um acompanhamento terapêutico, ir liberando, delicada e
cuidadosamente os anéis encouraçados, começando a se apoiar
nos próprios pés para viver sua própria realidade.

87
No livro Psicoterapia Corporal: Um trajeto histórico de
Wilhelm Reich, José Henrique Volpi aborda que, segundo Reich,
“toda frustração gera um desprazer e conseqüentemente uma
hipertonia muscular, chamada então de couraça muscular”. Essas
couraças são tensões crônicas que servem como defesas,
protegendo o indivíduo das experiências emocionais que o
ameaçam e que doem. O autor cita Reich, quando este introduz
o conceito de “identidade funcional” para afirmar que “as atitudes
musculares e as atitudes de caráter têm a mesma função no
mecanismo psíquico: podem substituir-se e podem influenciar-
se mutuamente. Basicamente não podem separar-se. São
equivalentes na sua função”.
Reich, quando teve a clareza da conexão entre estrutura
de caráter e rigidez muscular, passou a trabalhar diretamente a
couraça muscular do paciente, pois a partir daí, com o relato da
história do paciente, também fluia a energia que estava
aprisionada, e no momento em que as couraças iam se diluindo,
o paciente passava a sentir melhor a respiração e a descarga
elétrica que Reich denomina de “corrente vegetativa”.
Para Wilhelm Reich, quando uma couraça se dissolve,
ela libera a energia vegetativa, e traz também à memória
recordações que ficaram lá atrás, na fase infantil, que são as
principais causadoras do encouraçamento.
E assim Reich elaborou a técnica da “Vegetoterapia
Caracteroanalítica”, que inclui num só conceito o trabalho com o
aparelho psíquico e físico. Reich revisou e ampliou a Análise do
caráter, e dessa forma a terapia passou a ser não só psicológica,
como também biofísica, tendo como base as reações
neurovegetativas.

Referências bibliográficas
Lowen, A., Bioenergética. São Paulo: Summus, 1982
Volpi, J. H. Psicologia Corporal - Um Trajeto Histórico de Wilhelm
Reich. Curitiba: Centro Reichiano, 2000
Reich, W. Análise do Caráter. São Paulo: Martins Fontes, 1972

Laurinda Rocha é Psicóloga, Psicoterapeuta Corporal Reichiana,


pelo Centro Reichiano, especialista em Psicologia Hospitalar.
E-mail: lauraro@terra.com.br
88
DEPRESSÃO:
QUÍMICA OU EMOÇÃO?
José Henrique Volpi

Depressão é uma desordem psiquiátrica classificada como


transtorno afetivo ou do humor, que afeta todas as idades, raças
e classes sociais (CID-10). É um distúrbio caracterizado por uma
alteração psíquica e orgânica global, de causa e sintomas
variados, o que muitas vezes dificulta até mesmo um diagnóstico
correto, (Paykel & Herbst, 1989) e ainda não permite uma
classificação que possa receber aprovação universal (CID-10).
A depressão é muito mais que uma tristeza. Tristeza pode
ser considerada até mesmo como sendo algo “normal”, que
geralmente aparece como reação a uma situação de perda,
desilusão ou estresse. Mas pode, e é, muitas vezes confundida
com depressão, da mesma forma que depressão é confundida
com preguiça (Teles, 1992).
Freud, em seus escritos sobre Luto e Melancolia (1915)
já dizia que embora a tristeza envolva graves afastamentos do
que constitui uma atitude normal para com a vida, não pode ser
considerada como algo patológico. É importante também saber
que a tristeza pode ser o início ou dar margem a um processo
depressivo.
Podemos classificar até 300 tipos de depressão, mas esse
é um número considerado extremamente exagerado. O mais
comum mesmo é dividi-la em dois tipos (Ballone, 2002):
a) Depressão Típica: apresenta-se através de sintomas afetivos
típicos como tristeza, desânimo, desinteresse, apatia, etc.
b) Depressão Atípica: é uma forma disfarçada da depressão se
apresentar, que normalmente acontece naquelas pessoas que
não dão vazão a seus sentimentos acreditando que pelo fato de
não terem motivo aparente, não podem deprimir. Mas nem sempre
os sintomas são claros e a pessoa não sabe que está deprimida.
89
Em cada tipo, também podemos encontrar 3 graus de
depressão (CID-10): a) Depressão leve; b) Depressão moderada;
c) Depressão grave ou severa.
O quadro da depressão é o mais variável possível, e cada
paciente tem sua maneira pessoal de manifestar a sua depressão.
Há pessoas que ficam caladas diante das suas preocupações,
outras choram, outras contam suas dificuldades para todo mundo,
outras sentem dor de estômago, alguns têm aumento da pressão
arterial, enfim, cada um reagirá diferentemente diante de suas
emoções (Ballone, 2002).
Os sintomas mais comuns são: cansaço, apatia, fadiga,
dificuldade de concentração, isolamento, irritabilidade, insônia,
auto-imagem rebaixada e pensamentos suicidas (Teles, 1992).
No que diz respeito às causas da depressão, inúmeras
são as explicações encontradas.

A relação mente-corpo

Desde a época de Hipócrates já se tinha a crença de que


os fatores psicológicos influenciavam a expressão dos sintomas
físicos e afetavam o curso das doenças. Apesar dessa relação
mente-corpo ter sido rejeitada pela medicina e negligenciada pela
própria psicologia, acabou sendo uma das mais fascinantes áreas
de pesquisa que hoje, caminha em busca de mais respostas
fazendo uso de técnicas sofisticadas, que vão desde a utilização
de imagens por ressonância magnética e tomografia por emissão
de pósitrons até os estudos genéticos dos neurotrasmissores.
Desde o momento da fecundação, a criança atravessa
diversas etapas do desenvolvimento, nas quais a energia também
vai se organizando ou se fixando, gerando assim, os chamados
bloqueios (couraças). Portanto, o bloqueio da energia será
responsável pela formação de um traço de caráter correspondente
à etapa em que a criança se encontra e onde a energia ficou
estagnada, retida (Navarro, 1995). Se o bloqueio ocorreu na
primeira etapa do desenvolvimento, o traço predominante do
caráter será de um Núcleo Psicótico. Se ocorreu na segunda
etapa, ligada à amamentação e desmame, o traço predominante
será de um Borderline. Caso o bloqueio tenha sido estabelecido

90
na terceira etapa, teremos um traço de caráter chamado de
Psiconeurótico (masoquista e obsessivo-compulsivo), e se tiver
sido fixado na quarta etapa do desenvolvimento, encontraremos
a predominância de um traço de caráter Neurótico (fálico-
narcisista e histérico). Por outro lado, se não houvesse nenhum
tipo de bloqueio em qualquer dessas etapas do desenvolvimento,
encontraríamos o que Reich (1995) denominou de caráter genital.
Mesmo tendo sofrido um bloqueio em uma etapa, é
possível que a energia se fixe em outra etapa, gerando com isso
novos bloqueios, denominados por Navarro (1995) de coberturas.
Isso explica o porque das diversas reações de uma pessoa que
tem determinado traço de caráter, mas age como se tivesse um
outro.
Em se tratando da depressão, inúmeras são as escolas
que buscam dar uma explicação plausível para esse transtorno.
Do ponto de vista da Psicologia Corporal, a gênese está
ligada a um bloqueio na segunda etapa do desenvolvimento,
etapa oral (Navarro, 1995) ou de incorporação (Volpi & Volpi,
2002), ou seja, no período que corresponde à amamentação e
desmame. Nessa etapa, iremos encontrar dois aspectos
relacionados à perda do seio: a repressão e a insatisfação. A
repressão, a falta – oralidade reprimida – é produzida pela
privação, pela ausência ou insuficiência do seio e afeto da mãe
durante a amamentação. A insatisfação - oralidade insatisfeita -
é provocada por uma satisfação inicial limitada, seguida por uma
súbita privação que geralmente ocorre quando a mãe decide
repentinamente interromper a amamentação sem levar em conta
as necessidades da criança (Baker, 1980). Ambas as condições
são responsáveis pela formação do traço caracterial denominado
por Navarro (1995) de borderline, que determina uma tendência
à depressão. “O oral insatisfeito é quem sempre esconde a
situação depressiva, mas como é plenamente consciente dela,
procura compensá-la com o alimento, álcool, fumo ou qualquer
substituto que possa dar-lhe pelo menos um mínimo de satisfação
no nível oral”, apresentando sintomas como desânimo,
sonolência, bulimia, etc (Navarro, 1995, p. 59). O oral reprimido,
por sua vez, não tem consciência desse aspecto depressivo e
defende-se com um comportamento reativo raivoso e hiperativo,

91
anorexia, ansiedade, cansaço, etc. “A raiva serve para evitar a
depressão” (Navarro, 1995, p. 58). Em alguns casos, a oralidade
reprimida retira energia do pescoço que permanece enrijecido e
passa a mostrar um forte traço narcísico.
Enfim, a oralidade pode ocultar uma depressão e essa
ser mascarada por diversos outros sintomas de acordo com os
demais bloqueios corporais e a direção do fluxo energético que
pode se dar para os olhos (primeiro nível) ou então, para o
pescoço e alto tórax (terceiro nível). Portanto, o refluxo da energia
em direção ao primeiro nível traz manifestações psicóticas
(alucinações, delírios, paranóia, pensamentos suicidas, etc) e
em direção ao terceiro nível, traz um moralismo com tendências
obsessivas e/ou um narcisismo exagerado acompanhado de
sadismo oral, o que explica os diferentes sintomas da depressão.
A explicação da depressão, do ponto de vista médico,
neurofisiológico, vem por parte da deficiência na recaptação de
neurotransmissores como dopamina, serotonina ou
noradrenalina. A depressão não é induzida quimicamente, mas
sem o fator químico não há depressão (Paykel & Herbst, 1989).
Há também quem defenda a opinião dos componentes
genéticos estarem envolvidos na depressão (Teles, 1992). Fatores
genéticos aumentam as chances, mas não resta dúvidas que
fatores ambientais estimulam o desencadeamento de um quadro
depressivo.
Felizmente, são inúmeros os recursos disponíveis para o
tratamento da depressão, tanto do ponto de vista médico quanto
psicológico. O que não podemos esquecer é que ambas as
condições estão presentes e se influenciam mutuamente e que
quando associamos o tratamento médico, seja ele alopático ou
homeopático, ao tratamento psicológico, os resultados são muito
mais eficazes e o tempo de tratamento consideravelmente
abreviado.
Para uma melhor ilustração do assunto, relatarei alguns
trechos de um caso clínico de um paciente depressivo, que irei
chamar de Pedro, que foi tratado por mim durante pouco mais de
dois anos na abordagem corporal da Orgonoterapia.
Quando me procurou pela primeira vez, Pedro estava com
35 anos. Tinha concluído o segundo grau e nunca mais teve

92
interesse em voltar a estudar. Trabalhava como funcionário
público e tinha uma situação financeira estável. Estava casado
há 9 anos e sem filhos por opção. Essas foram as poucas
informações colhidas em nosso primeiro contato porque quando
perguntei a ele sobre os motivos que o levavam a buscar
psicoterapia, Pedro respondeu: “essa é a última chance que
dou a mim mesmo. Não tenho mais forças para lutar e nem sei
contra o que estou lutando. Só sei que não quero mais viver”.
Naquele momento, tentei investigar mais a respeito de sua queixa,
de que luta era essa, mas não tive sucesso. Tudo girava em
torno de apenas uma frase: “eu já disse: não quero mais viver”.
E realmente essa frase era expressa até mesmo no corpo de
Pedro, que nesse momento encontrava-se murcho, sem vida e
sem energia. Os olhos estavam parados e sem brilho, os cantos
da boca caídos tal qual os ombros que se arqueavam para frente
numa posição de defesa do peito, e a respiração, nem dava para
perceber.
Nessa mesma sessão questionei-o sobre o uso de
medicamentos, na tentativa de encaminhá-lo para um tratamento
paralelo, mas imediatamente ele responde: “não acredito em
remédio e não quero fazer uso disso”.
Senti que de nada adiantava ficar querendo saber da
origem daqueles sentimentos porque além de tudo, Pedro dizia
que já não tinha mais forças nem para falar. Lowen (1972) nos
chama a atenção para o fato de muitas vezes o paciente deprimido
não querer ou não poder verbalizar porque a depressão imobiliza
a pessoa e “terapeuticamente, é mais fácil e efetivo trabalhar
com um paciente através do lado físico ou energético da
personalidade do que pelo lado psíquico ou dos interesses”. E
complementa dizendo que “qualquer pessoa que tenha vivido ou
tratado de alguém deprimido sabe quanto é difícil ativá-lo
aumentando seu interesse. Sua resistência contra ter um
interesse ativo no mundo é enorme” (p. 68). E era isso o que
podíamos perceber em Pedro, um estado de apatia geral, uma
postura defensiva e um tom de voz extremamente agressivo,
característico de quem tenta se defender da depressão (Navarro,
1995).
As primeiras sessões com Pedro foram praticamente sem

93
o uso da palavra, já que ele não tinha forças para verbalizar. No
início de cada sessão, a ênfase se dava em trabalhos respiratórios
e na massagem reichiana, mas de forma enérgica e energética
(sem dor), principalmente na região das costas e pernas a fim de
estimular os músculos e a energia daquelas regiões que são
muito importantes principalmente quando nos sentimos cansados,
deprimidos ou enfraquecidos. O trabalho com a concha, um dos
actings (movimentos) da vegetoterapia sistematizada por Navarro
(1996a), gradativamente foi acalmando o paciente de forma a se
sentir cada vez mais protegido e seguro. Naquele momento, eu
estava representando o útero bom e acolhedor que ele não teve,
história essa que acabou sendo revelada por um de seus
comentários quando disse que era filho de mãe solteira, que não
queria ter o bebê, mas não tinha nem ao menos condições
financeiras para fazer um aborto. “Então, resolveu deixar assim
e eu nasci”.
O acting da concha era seguido dos actigns dos olhos e
da boca, mas o tempo todo, mesmo durante a massagem, eu
chamava a atenção de Pedro para a sua respiração, que deveria
ser mais profunda e pausada, na tentativa de aumentar a sua
absorção de oxigênio e conseqüentemente, o nível da sua
energia. Esse era uma meta naquele momento. “Ajudar a pessoa
a recuperar sua energia é o primeiropasso no tratamento da
depressão” (Lowen, 1972, p. 70).
Um outro recurso de fundamental importância no
tratamento do paciente depressivo, e que utilizei com Pedro, foi
a manta orgonótica. Feita de material orgânico e inorgânico, a
manta tem como função captar energia orgone da atmosfera e
transmiti-la ao corpo, aumentando com isso a captação das
moléculas de oxigênio feita pelos eritrócitos e com isso, aumentar
a energia das células. Eu havia emprestado a Pedro uma de
minhas mantas para que ele fizesse uso em sua própria
residência, 30 minutos pela manhã e 30 minutos no final da tarde.
Como Pedro estava de férias nessa época, passei a
atendê-lo três vezes na primeira semana. Na semana seguinte,
na quarta sessão, os resultados já eram visíveis. A pele de Pedro
estava mais corada, sua postura mais ereta, já conseguia se
alimentar melhor, falar mais e começava a demonstrar, nas

94
poucas palavras, um certo interesse pela vida. “A energia se move
para dentro de um organismo na forma de comida, ar ou estímulo
excitante... Quando está faltando prazer, a motivação para a
movimentação diminui concomitantemente” (Lowen, 1972, p. 71)
A continuidade do tratamento foi revelando um traço de
caráter borderline muito forte, somado a um leve bloqueio dos
olhos, o que explicava o refluxo energético para esse segmento
e os pensamentos suicidas. Um outro traço de caráter muito
marcante era o seu masoquismo.
Ao mesmo tempo em que Pedro apresentava uma certa
melhora já nas primeiras sessões, afloravam suas resistências
ao tratamento, que eram algumas vezes demonstradas pelos
atrasos às consultas, pedindo que terminássemos mais cedo a
sessão porque ele tinha um compromisso agendado, etc. Além
disso, Pedro passou a zombar de cada acting (movimento) que
fazia, ou ria muito sem motivo aparente, tecia comentários sobre
uma situação qualquer ou algo que havia se lembrado e queria
me contar naquele momento, movia-se constantemente no divã,
demonstrando claramente um incômodo. Estas resistências eram
explicitadas e analisadas conforme iam surgindo, o que dava
margem à novas transferências que apareciam, dessa vez, nos
momentos em que Pedro era questionado ao final de cada acting
(conforme a proposta da orgonoterapia), sobre suas sensações
e pensamentos. Suas respostas eram do tipo: que saco, ta chato,
to perdendo tempo, etc, num tom de voz era agressivo como que
querendo se afastar do terapeuta. Essa situação, da dificuldade
da entrega ao movimento, aos poucos foi revelando o desejo de
Pedro de um dia poder ter conhecido o pai para lhe dizer “umas
boas verdades e mostrar o quanto ele foi cachorro em abandonar
a família”. Essa era a raiva que Pedro sentia do pai e a dificuldade
de se permitir ser cuidado por alguém, devido ao medo de ser
rejeitado. A rejeição era parte da sua história e logo precisaria
ser enfrentada.
Nas sessões seguintes, uma grande quantidade de
material verbal foi surgindo. Suspendemos temporariamente o
trabalho com os actings, mas não com a manta orgonótica, e
passamos a trabalhar verbalmente nas questões de Pedro,
aproveitando esse momento já que não era característico dele

95
falar tanto assim. Segundo Lowen (1972), “quando o problema
da depressão é trabalhado terapeuticamente, cada um dos seus
aspectos – perda de fé no self, busca de objetivos irreais, fracasso
por não estar devidamente fundamentado, diminuição do grau
de energia devem receber atenção. Não é suficiente, por exemplo,
sugerir um novo interesse à pessoa deprimida a menos que ela
possa extrair algum prazer dele, e isso não será possível se ela
tiver culpas inconscientes e ansiedades a respeito do prazer.
Estes precisam ser resolvidos primeiro” (p. 72).
Cada vez mais se tornavam claros os motivos que
detonaram a depressão de Pedro. Num período de
aproximadamente seis meses antes da depressão se manifestar,
Pedro passou por uma série de situações frustrantes. A primeira
delas foi a reprovação em uma seleção interna em seu trabalho
para um cargo que ele sempre quis conquistar. Em seguida a
mão adoeceu e teve que ser operada. Como ele não tinha nenhum
outro membro da família por perto, passou praticamente um mês
dormindo com a mãe no hospital. Enquanto a mãe estava no
hospital, a esposa cobrava a atenção do marido, demonstrando
muito ciúmes e querendo que ele ficasse por perto o tempo todo.
E assim, uma série de situações frustrantes aconteceram nesse
período, o que, para uma estrutura de caráter oral como a dele,
fez com que suprimisse seus sentimentos e criasse “uma
predisposição para a depressão, uma vez que ela impede o
indivíduo de confiar em seus sentimentos como um guia para
seu comportamento” (Lowen, 1972, p. 64). E em decorrência do
bloqueio no segmento ocular e o refluxo para essa região, o
resultado era de uma depressão com tendências suicidas
(Navarro, 1996b).
Aos poucos fomos voltando ao trabalho com os actings e
progredindo em direção aos segmentos inferiores. Na
orgonoterapia começamos o trabalho sempre no primeiro
segmento de couraça (ocular) e dirigimo-nos para o sétimo e
último (pélvico). Com aproximadamente seis meses de
orgonoterapia, chegamos ao segmento do pescoço e peito e foi
quando Pedro trouxe à tona os conflitos de seu casamento
passando agora a questionar os sentimentos que tinha pela
esposa e a sentir atração por outras mulheres.

96
Foi somente quando demos início ao trabalho sobre o
diafragma e abdômen que Pedro teve vontade de voltar a estudar.
Ciente do tempo que estava afastado da escola, ingressou num
cursinho preparatório e em seguida prestou vestibular, tendo sido
aprovado numa das melhores colocações. Esse fato fez com que
ele comentasse em uma sessão o quanto estava feliz por saber
que era capaz e que estava começando a acreditar que sempre
foi capaz, mas nunca se empenhou para conquistar seus
objetivos. Essa é mais uma das características da oralidade:
esperar que as coisas cheguem prontas, sem precisar fazer muito
esforço.
Praticamente um ano e meio já havia se passado e Pedro
continuava em terapia, sendo atendido uma vez por semana em
sessão de uma hora e meia, tempo tradicional da sessão de
Orgonoterapia. Desde então, muita coisa havia acontecido e
mudado na vida de Pedro. Pode discutir abertamente com a mãe
a respeito de suas frustrações com ela, foi aprovado numa nova
seleção interna para o cargo que sempre havia almejado, estava
decidindo os últimos detalhes da separação, havia conhecido e
saído com várias outras mulheres, mas dizia que ainda não estava
pronto para assumir um novo relacionamento. Estava muito claro
para ele que seu casamento não foi por amor e sim, como ele
mesmo dizia: por “comodismo de ambos”.
Após pouco mais de dois anos de tratamento,
caminhávamos em direção ao término da Orgonoterapia, com o
trabalho sobre o segmento pélvico. Não demorou muito para que
Pedro trouxesse novamente suas queixas do casamento, dizendo
que estava muito triste pelo tempo que deixou de viver durante
todos esses anos, escondendo-se atrás de um emprego
monótono e de um casamento sem amor e sem prazer algum.
Disse também que pela primeira vez estava conseguindo fazer a
distinção entre gozar e ter orgasmo numa relação sexual e que a
cada dia estava mais convicto de que viver vale a pena.
Conseguimos também nessa etapa que ele buscasse tratamento
homeopático, que, depois de iniciado, parecia estar surtindo muito
efeito e coincidiu com o término do nosso trabalho.
A última notícia que tive de Pedro, uns três anos depois
que ele terminou a Orgonoterapia, foi por meio de um e.mail que

97
ele me enviou dizendo que estava se organizando
financeiramente para passar novamente pelo processo da
orgonoterapia (terapia de manutenção), mas que no momento
ainda não estava em condições porque havia se casado e já
tinha uma filhinha de dois meses. Dizia estar na reta final de sua
graduação e me agradecia, do fundo do coração, por ter lhe
ajudado a ver que a vida podia ser diferente. Em suas últimas
palavras Pedro escreveu: “obrigado por me ajudar a dar cor à
minha vida... por acreditar que eu podia sair dessa... por me ajudar
a encontrar coragem pra viver e hoje poder dizer: amo viver!”

Referências bibliográficas
Ballone, G. O que é depressão. Internet: http://sites.uol.com.br/
gballone/voce/dep.html#1
Baker, E. F. O labirinto humano: causas do bloqueio da energia
sexual. São Paulo: Summus, 1980
CID-10. Classificação de transtornos mentais e de
comportamento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993
Freud, S. Luto e Melancolia. Obras Completas de Sigmund Freud.
Vol. XIV, 1972
LOWEN, A. O corpo em depressão: as bases biológicas da fé e
da realidade. São Paulo: Summus, 1983
Navarro, F. Caracterologia pós-reichiana. São Paulo: Summus,
1995
Navarro, F. Metodologia da Vegetoterapia caractero-analítica. São
Paulo: Summus, 1996a
Navarro, F. Somatopsicopatologia. São Paulo: Summus, 1996b
Paykel, E & Herbst, K. Depression. Oxford: HMB, 1989
Teles, M. L. S. O que é depressão. São Paulo: Brasiliense, 1992
Volpi, J. H. & Volpi, S. M. Crescer é uma aventura!
Desenvolvimento emocional segundo a Psicologia Corporal.
Curitiba: Centro Reichiano, 2002

José Henrique Volpi é Psicólogo, Especialista em Psicodrama


e Psicologia Corporal (Orgonomia). Mestre e Doutorando em
Psicologia da Saúde (Neuropsicofisiologia). Diretor do Centro
Reichiano de Psicoterapia Corporal, em Curitiba/PR.
E-mail: centroreichiano@centroreichiano.com.br

98
HIPERTENSÃO ARTERIAL E
TRATAMENTO NÃO MEDICAMENTOSO
Ana Maria Gomes Soares

A hipertensão arterial é a doença mais prevalecente do


aparelho circulatório. Estima-se que 17% dos indivíduos que
compõem a força de trabalho da Grande São Paulo sejam
hipertensos (Ribeiro e colaboradores, 1978). A hipertensão pode
ser maligna ou benigna. Quando a Medicina oficial não conhece
a causa da hipertensão, define-a como hipertensão essencial ou
maligna: uma doença psicossomática, isto é, uma biopatia primária
que já pode estar presente na infância ou adolescência. A
hipertensão benigna é uma doença somato-psicológica, uma
biopatia secundária (Navarro, 1991).
Em 1939, Franz Alexander publicou um trabalho pioneiro
no qual professava que impulsos hostis não resolvidos eram a
principal causa da hipertensão arterial essencial. Sua hipótese
baseava-se, além dos estudos psicanalíticos de Freud, também
nos trabalhos de Cannon (1929), que entendia ser o sistema
cardiovascular diretamente afetado pela função do sistema
nervoso simpático e por distúrbios endócrinos. O medo e a cólera
ativam o sistema simpático provocando aumento de adrenalina.
Como sempre, a doença é um mecanismo de defesa do indivíduo
para estar em condições de contra-ataque ou de fuga.
Outros autores confirmaram as observações iniciais de
que o paciente hipertenso vive em conflito quanto à hostilidade,
reprimindo-a muitas vezes, dando a impressão de ser uma pessoa
submissa e inassertiva pela aparente falta de demonstração de
emoções. Everly (1989) enfatiza o mecanismo fisiológico do
estresse demonstrando o desenvolvimento desse processo. Um
estímulo necessita primeiro ser percebido por um dos receptores
do sistema nervoso periférico. Mensagens são, então, levadas
pelo sistema sensorial ao cérebro.
Gevarter (1978) acrescenta que o resultado dessa
99
integração neocortical-límbica é retroalimentado para o sistema
límbico com a interpretação emocional. Dessa maneira, a
avaliação de um determinado evento como bom, mau,
amedrontador, etc., depende do valor e da interpretação que o
sistema límbico lhe afere. O evento em si, percebido pelos órgãos
sensoriais, é interpretado de acordo com a história de vida do
indivíduo, de seus valores e de suas crenças. A reação do
estresse será assim desenvolvida quando a interpretação sinalizar
para o organismo a presença de um evento que exija alguma
ação imediata. Assim, o organismo reage através de três eixos:
o neural, o neuro-endócrino e o endócrino, que interagem para
lidar com o estresse do momento.
Lipp (1990) relata no trabalho “Aspectos Psicológicos do
Paciente Hipertenso” que uma comissão de avaliação de doenças
cardiovasculares e comportamentos ligados a elas estabeleceu
uma distinção entre as características comportamentais de
indivíduos hipertensos, da seguinte forma: Tipo A – aqueles que
se mostram apressados ou têm sensação de urgência de tempo,
hostilidade latente ou manifestação de dinamismo, intensidade
em tudo o que fazem, polifasia e busca constante de realizações;
Tipo B – os que demonstram uma atitude mais calma, sem a
busca frenética de realização. A comissão concluiu que o Tipo A
era um fator de maior risco para cardiopatias do que o nível de
colesterol ou o fumo.
Rosenman e colaboradores (1975) acompanharam
centenas de indivíduos por um período superior a 8 anos,
verificando que cerca de 75% dos que vieram a sofrer cardiopatias
sérias eram do Tipo A.
Ainda, MacFadden (1993) e Lipp e Rocha (1994)
revelaram que o hipertenso tende a possuir características de
personalidade distintas, tais como inassertividade, alexitimia, ou
seja, dificuldade de identificar os próprios sentimentos, de sentir
e expressar afeto, tendência a ser explosivo, desejo de controlar
todos os aspectos do seu ambiente e necessidade de agradar a
todos, além de competitividade, premência de tempo, hostilidade
latente e dificuldade de relaxar.
Dethlefsen e Dahlke (1990) observaram que os
hipertensos têm conflitos, mas não os confrontam. Ao contrário,
refugiam-se na atuação externa com o desperdício de atividade
100
no mundo externo, distraindo a si mesmos e aos outros como
forma de evitar o confronto com seus conflitos. Portadores de
agressividade reprimida, a hostilidade permanece encalhada no
mental e esta energia não é descarregada para a ação. Então,
os indivíduos têm uma atitude de auto-domínio. O impulso
agressivo provoca um aumento da pressão, e o auto-domínio a
contração dos vasos. Já nas pessoas de idade mais avançada é
comum ocorrer a calcificação, perda da elasticidade e flexibilidade
dos vasos. Como o sistema vascular tem por objetivo a condução
e comunicação, esta fica prejudicada e a pressão aumenta.

Justificativa
Os vasos sanguíneos são formados por tecido muscular
liso e comandados pelo sistema nervoso autônomo: simpático
(contração) e parassimpático (expansão). Embora o músculo
cardíaco seja constituído de músculo estriado, ele recebe o mesmo
comando nervoso dos músculos lisos. O estudo bioelétrico das
fibras musculares efetuado por Setekleiv, citado por Boadella,
nos mostra que, quando as fibras estriadas se apresentam no
estado ativo, as lisas tendem a se manter relaxadas. Temos
poucos meios para interferir nos músculos lisos, mas se
trabalharmos nos estriados vamos interferir nos lisos.
Na hipertensão, a contração das artérias é a expressão
do aumento do tônus muscular da parede dos vasos, isto é, há
um predomínio do simpático (contração). Assim, considerando-
se os fatores psiconeurofisiológicos da hipertensão:
simpaticotonia, alexitimia, hostilidade latente, intensidade em tudo
que faz, etc, achamos que estes tipos de pacientes podem ser
beneficiados com um trabalho corporal de abordagem reichiana
e neo-reichiana, com o objetivo de atuar na musculatura estriada
para promover um aumento da parassimpaticotonia, como
também facilitar a liberação da hostilidade. Por isso optamos em
aplicar as técnicas de trabalho corporal da Core Energetics, que
se apóia nas seguintes premissas básicas:
- A pessoa humana é uma entidade psicossomática;
- A fonte de cura está dentro de nós, e não em um agente externo;
- Toda existência forma uma unidade que se move em direção a
uma evolução criativa;
- Somos inteiramente responsáveis pelo nosso próprio processo
101
evolutivo.

O grupo
Desde abril de 1997, no Centro de Saúde da Unidade de
Saúde Integral de Planaltina, temos utilizado técnicas da Core
Energetics com o objetivo de verificar seus efeitos nos níveis de
pressão sanguínea dos hipertensos. Os pacientes são
encaminhados pelos médicos cardiologistas e clínicos da unidade,
sem que modifiquemos sua orientação terapêutica. A pressão
arterial destes pacientes foi tomada antes e ao final de cada
sessão.
No período de 2 de abril de 1997 a 12 de fevereiro de 98
foram atendidos 185 participantes, durante 61 encontros
semanais. Estabeleceu-se como critério de inclusão neste estudo
a participação em mais de 14 sessões. Vinte pacientes
preencheram este critério e foram incluídos no estudo. Destes, o
mais jovem tinha 36 anos e o mais velho 73 anos. A média de
idade do grupo foi de 53,6 anos. O paciente com maior tempo de
evolução de doença havia sido diagnosticado há 21 anos e o de
menor tempo há 4 anos.
Resolvemos não adotar nenhuma das classificações para
hipertensão uma vez que o método mais preciso para tal é o
mapa (monotorização ambulatórial de pressão arterial), que é
inviável nas nossas condições de trabalho. Por outro lado, os
pacientes já faziam tratamento medicamentoso e haviam sido
orientados e conscientizados quanto à dieta apropriada, o que
impossibilitava obter uma precisão quanto ao estágio da doença.

O Método
As sessões foram sempre estruturadas em cinco etapas:
1)Movimentação - aquecimento; 2)Percepções corporais;
3)Trabalhando a negatividade; 4)Trabalhando a positividade e 5)
Canalização de energia.

Resultados
Calcularam-se as médias das pressões (sístolica e
diastólica) dos 20 pacientes em cada uma das quinze primeiras
sessões das quais participaram. As médias obtidas para as
pressões sistólica e diastólica na primeira sessão foram
102
comparadas com as médias obtidas em cada uma das 14 sessões
posteriores, por intermédio do teste estatístico T de Student. Ao
nível de significância de 10%, houve diferenças significativas
apenas na pressão sistólica, na quinta e na décima segunda
sessões em relação à primeira. Quanto à pressão diastólica, não
se registrou qualquer diferença significativa entre a primeira
sessão e as demais. Segundo os pacientes em seus depoimentos,
os benefícios experienciados no grupo foram: melhora da
qualidade do sono, diminuição da ansiedade e de respostas
negativas a preocupações, ao estresse, ao medo, à depressão,
diminuição da cefaléia, do nervosismo, diminuição da dosagem
dos medicamentos e das crises hipertensivas. Dois pacientes
relataram que não precisaram mais procurar as unidades de
emergência. Sentiam-se mais felizes, mais seguros, mais
contatados com os companheiros do grupo e familiares,
demonstrando mais ânimo para viver.

Conclusões
No período em que trabalhamos, não observamos
nenhuma complicação secundária que pudesse ser atribuída à
prática dos exercícios realizados. Atribuímos a não redução
significativa dos níveis tencionais à idade dos pacientes (média
de 53,6 anos), na qual já existem calcificações e diminuição da
elasticidade e flexibilidade dos vasos.
A Sociedade Brasileira de Hipertensão recomenda, entre
outras medidas não medicamentosas para o controle da
hipertensão e dos fatores de risco cardiovasculares, a redução
do peso corporal e exercícios físicos regulares, e inclui nas
medidas sem avaliação definitiva as medidas antiestresse.
Nas técnicas do Core Energetics, usamos exercícios
físicos regulares com o objetivo de liberar as emoções e reduzir o
estresse. O trabalho já realizado com esses 20 pacientes nos
permite concluir que estudos devem ser realizados com a
aplicação da Core em pacientes com hipertensão limítrofe em
que a pressão sistólica esteja igual ou superior a 140mmHg e
abaixo ou igual a 160mmHg e a pressão diastólica esteja igual ou
acima de 90mmHg e abaixo ou igual a 95mmHg.
Um dos aspectos mais atraentes desta recomendação é
o baixo custo do tratamento e a ausência de riscos. Acreditamos
103
também que hipertensos já definidos, principalmente nos estados
iniciais da moléstia, poderão beneficiar-se grandemente do
trabalho regular com a Core. Isto poderia evitar que tais pacientes
evoluam de hipertensão limítrofe para definitiva e desta para os
níveis mais avançados.

Referências bibliográficas
Alexander, F. Emotional factors in essencial hypertension. Psychosomatic
Medicine, n 20. 1939, pp. 173-180
Calegari, D. Pulsar. São Paulo: Apostilas de curso, 1998
Dethlefsen & Dahlke. La Enfermedad como Camino. Barcelona: Plaza &
Janés editores, 1989
Everly, R. Stress and major cardiovascular diseases. NY: Futura, 1979.
Gama, M. E. R. & Rego, R. A . Cadernos Reichianos. São Paulo: Instituto
Sedes Sapientiae, 1994.
Gevarter, W. Psychotherapy and the brain. Manuscrito não publicado.
Washington: Nasa, 1978.
Lipp, M. N. Aspectos psicológicos do paciente hipertenso. In: B. W. R.
Lamosa (ed.) Psicologia aplicada à cardiologia. SP: BYK,1990
Lipp, M. N.; e col. Como enfrentar o stress. São Paulo: Ícone, 1986.
Lipp, M. N. e col. Hipertensão arterial e stress. In: M. Knobel (ed.)
Psicossomática. Campinas: Unicamp, 1991
Lipp, M. N.; Hathornwate, J. e Anderson, D. Cardiovascular response
patterns during simultated social challenge. Califórnia: 14ª Reunião
Científica da Society of Behavioral Medicine, 1993.
Lipp, M. N. & Rocha, J. C. Stress, hipertensão arterial e qualidade de
vida. Campinas: Papirus, 1994.
Navarro, F. Somatopsicodinâmica das biopatias. RJ: Relume
Dumará,1991.
Oliveira, M. F. P. Rumos da Psicologia Hospitalar em Cardiologia. São
Paulo: Papirus, 1995.
Pierrakos, E. & Thesenga, D. Não temas o mal - O Método Pathwork
para transformação do Eu Inferior. Curtis, 1993.
Pierrakos, J. Core Energetics. São Paulo: Pensamento, 1987.
Reich, W. O Assassinato de Cristo. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

Ana Maria Gomes Soares é médica na cidade de Brasília/DF,


especialista em Hematologia e Core Energétics, com vários cursos no
Brasil e no exterior.
E-mail: veetana@hotmail.com

104
A VISÃO REICHIANA DE HOMEM:
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Ivomar Pelizzaro

Para se ter uma compreensão ampla e profunda sobre a


visão reichiana de homem, é preciso que conheçamos claramente
alguns aspectos básicos dessa visão e a partir da compreensão
destes conceitos, pode-se ampliar esse conhecimento com maior
profundidade.
Precursor de um novo paradigma de pensamento sobre o
ser humano, Reich se opõe ao pensamento cartesiano e considera
as relações entre corpo e mente como sendo indivisíveis,
formando assim uma unidade à qual ele dá o nome de identidade
funcional. Reich também afirma que “as atitudes musculares e
as atitudes de caráter têm a mesma função no aparelho psíquico:
podem substituir-se e podem influenciar-se mutuamente.
Basicamente não podem separar-se. São equivalentes na sua
função” (Reich apud Volpi, 2000a). Isso explica que no trabalho
da vegetoterapia, a alteração energética-funcional de um nível
de couraça está ligada à modificação de outro.
Um outro princípio básico do pensamento reichiano diz
respeito ao conceito de auto-regulação, que define o ser humano
como “um sistema energético enormemente produtivo e adaptável
que, por seus próprios recursos fará contato com seu meio
ambiente e começará a dar forma a este meio ambiente de acordo
com as suas necessidades” (Reich, 1995)
Reich, em suas pesquisas, descobriu uma nova forma de
energia, à qual ele deu o nome de energia orgone, uma energia
presente tanto no organismo quanto na atmosfera, responsável
pelo movimento da vida. Essa energia apresenta variação em
sua concentração, qualidade e quantidade, sendo responsável
pela forma, de acordo com a velocidade de sua massa. No corpo
humano, em pessoas saudáveis, essa energia flui livremente da
105
cabeça aos pés ao passo que em pessoas com bloqueios,
couraças, essa energia fica estagnada e é a responsável pela
formação das doenças.
Segundo Reich (1948), expandimos essa energia quando
nos sentimos bem e afetivamente seguros e a retraímos para
dentro do próprio corpo quando estamos com medo. A partir desta
afirmação de Reich, pode-se ter uma maior compreensão da
conseqüência dos movimentos de expansão e contração em nós
mesmos, pois “para Reich, a vida sempre foi sinal de expansão e
a morte de contração” (Volpi, 2000b).
Quando estamos em expansão, estamos a caminho da
vida, do bem-estar, da criatividade. Quando estamos em
contração, estamos de maneira consciente ou inconsciente nos
privando deste caminho saudável. Ficamos com medo e
caminhamos em direção à morte.
Durante nossa vida, assumimos posturas psico-corporais
de defesa, dando margem à esse movimento de contração. Estas
interferências no desenvolvimento saudável de uma pessoa irão
formando anéis de tensão pelo corpo, que foram mapeados por
Reich (1995) na seguinte seqüência céfalo-caudal: segmento
ocular, oral, cervical, torácico diafragmático, abdominal e pélvico.
A essa contração, Reich deu o nome de couraça muscular, que
são “tensões crônicas que servem como defesas, protegendo o
indivíduo de experiências emocionais ameaçadoras e dolorosas”
(Volpi, 2000a). As couraças estão diretamente ligadas à estrutura
de caráter de uma pessoa, ou seja, à forma da pessoa ser e se
mostrar ao mundo.
Pode-se deduzir então que quanto mais encouraçada for
uma pessoa, mais ela terá traços de caráter cristalizados, ou seja,
ela terá incorporado formas típicas de agir e reagir a certas
situações; formas de agir que trazem danos à saúde física e
emocional.
Porém, a visão reichiana de homem é uma visão otimista.
Reich acreditava que todo ser humano poderia ser saudável e,
como conseqüência, poderia nos oferecer uma sociedade mais
saudável, onde os valores humanos pudessem ser respeitados.
Reich nos mostra como o próprio ser humano se
autodestrói, e como o meio social influi neste processo. Mas sua

106
visão de homem é uma visão saudável. Para isso, ele nos aponta
novos caminhos e direções.

Referências bibliográficas
Reich, W. Escuta, Zé Ninguém! Lisboa: Dom Quixote, 1982
Reich, W. Análise do Caráter. São Paulo: Martins Fontes, 1995
Volpi, J. H. Psicoterapia corporal: um trajeto histórico de Wilhelm
Reich. Curitiba: Centro Reichiano, 2000a
Volpi, J. H. A dança da vida e da morte, numa visão reichiana. In:
Volpi, J. H & Volpi, S. M. (Org.) Revista Psicologia Corporal.
Curitiba: Centro Reichiano, 2000b, no. 9

Ivomar Pelizzaro é estudante de Musicoterapia e atualmente


cursa a Especialização em Psicologia Corporal (Terapia Corporal
Reichiana) no Centro Reichiano, em Curitiba/PR.
E-mail: ivopeli@yahoo.com.br

107
CORPO:
CRIANDO INTIMIDADE
CONSIGO MESMO*
Ana Lucia Rocha

Somos um processo vivo


Sou um corpo. Sou um corpo vivo, pulsante.
Sou um corpo-sensores que capta o mundo e a mim
mesma. Sou um corpo que pensa e que pensa a si mesmo – sou
um corpo informático; Sou um corpo que age e se locomove,
busca e expressa, se expande e se recolhe – sou um corpo
espacial que usa e cria espaço, cria mundos; Sou um corpo que
vibra e ressoa, corpo-vísceras, sou ondas internas nos mais
variados pulsos, ritmos e temperaturas – sou um corpo emocional;
Sou um corpo que busca ligação, que compartilha, sou um corpo
que se aproxima e se distancia, sou um corpo que faz relações –
sou um corpo conectante. Sou um corpo que vai do celular ao
social e me experiencio como um continuum de experiências.
Sou um corpo-processo. Sou um corpo existencial.
Sou um processo contínuo de acontecimentos-em-mim.
Me experimento como um processo vivo que é, o tempo
todo, atravessado por acontecimentos internos (por exemplo: a
passagem do corpo biológico nas diferentes idades em mim) e
acontecimentos externos.Sou um processo, uma série de eventos
simultâneos com fases e durações diferentes.
Sou um corpo que se forma com a própria experiência;
vou me produzindo, usinando e me metamorfoseando com os
efeitos dos acontecimentos-em-mim. Assim produzo outras
derivações de “mim” e outros mundos (mundos de produção,
mundos de ligação, mundos artísticos, mundos de conhecimentos,
mundo de poderes...)
Todos nós temos essa experiência de sermos um processo
________
(*) Este artigo foi elaborado originalmente para o SESC – Consolação

108
vivo onde os novos acontecimentos que nos atravessam
imprimem em nós mudanças, e vemos assim, modos da gente
ser – da gente se relacionar, modos da gente se dizer, modos da
gente se perceber – se alterarem.
Podemos então experimentar a potência, as possibilidades
e a plasticidade de nossas vidas, dos nossos corpos. Podemos
perceber que não somos seres fechados, mas sim seres
processuais. Somos auto-construção. Formamos novos eus,
novas formas. Essa é a jornada e o destino de todos nós: nos
formar sempre novamente.
E aí, olhando para trás, podemos admirar quantos eus já
formamos, quantos jeitos, quantas formas diferentes e múltiplas
– para dar conta dos acontecimentos-em-nós.
E olhando hoje, podemos ver eus, formas de si ser,
algumas inéditas, outras conhecidas que estamos sendo agora,
para dar conta dos efeitos dos acontecimentos em nossas carnes.
E se olharmos para frente, podemos imaginar que corpos
de hoje também se transformarão pois não vivemos num mundo
estático. O mundo, nós, e tudo no mundo somos de natureza
processual, construindo-nos na borda presente-futuro, sempre
inédita.
Quantas vezes vivemos ou ouvimos de amigos: estava
levando a vida de um jeito, mas... aí então...
Podemos também lembrar como são os enredos dos
filmes: os personagens, a cidade ou o planeta estão levando suas
vidas, aí então... São situações onde os personagens lidam com
acontecimentos internos ou externos: o como são afetados por
eles, e, como usando suas carnes, vísceras, sentimentos e
sistema nervoso (e, às vezes, usando efeitos especiais!) criam
novas formas, novos comportamentos, gerando, com o que tem
em si e ao seu redor, saídas para as situações.
Podemos dizer (utilizando o título de um grande filme):
e... o vento levou uma forma de ser, gerando outras. E isso, nos
filmes, nos encanta, e isso faz crescer em nós um sentimento de
que somos todos da mesma humanidade: seres que, afetados
em si pelos acontecimentos, geram, com a matéria prima de seus
corpos, respostas, criam formas novas de prosseguir.
Podemos dizer que nosso destino é estarmos sempre
grávidos de nós mesmos, gerando outras formas de si ser.
109
Sou um corpo vivo, pulsante, sou um processo contínuo
que cria formas. Formas de si mesmo. Experimento que me auto-
construo o tempo todo fazendo formas, comigo mesma, para dar
conta dos acontecimentos que vão ocorrendo em mim mesma.
Vou fazer um convite para você: acesse a você mesmo
neste momento, faça uma pausa na maneira como você estava
me lendo... Dê um tempo... Quem aparece aí?... O que altera em
você ao ler este parágrafo com este tipo de convite?... Perceba,
caso este meu convite o tenha afetado, como está reverberando
em você?... Você pode ter a experiência que a engenharia de
você mesmo, a sua forma, se alterou. E...
É assim que vivemos a vida toda: metamorfoses em
nossos estados modificando formas para dar conta do que se
passa em nós mesmos.

A matéria prima para a criação de formas


Sou um corpo que contém em si mesmo dois grandes
legados, eles são o arcabouço e a matéria prima de todas as
minhas formas. Experimentamos esses dois legados como
camadas que nos constitui (esses conceitos são apresentados
por Stanley Keleman no livro: “Corporificando a Experiência):
1) O corpo pré-pessoal: é o corpo herdado. Esta camada da
experiência é o nosso corpo biológico. Acesse este corpo... e
você experimenta músculos, vísceras, circulação, pulsação, ondas
cerebrais, instintos, apetites, comportamentos inatos, o fluxo do
metabolismo... Esta camada é comum a todos nós, é pré-dada, é
um dom da natureza. É o patrimônio da evolução-em-nós, é o
presente da vida-em-nós.
2) O corpo pós-pessoal: somos seres datados. Recebemos o
legado da cultura. É o nosso corpo social. Acesse este corpo... e
você experimenta linguagens, tecnologias, posturas, valores,
crenças, formas de contato, sistemas de troca, sistemas de
escolha, engenharias informacionais, fluxos de conhecimento,
fluxos de dinheiro, fluxos de poder, fluxos de expressão... É o
corpo das sociedades, das famílias, das políticas. Nesta camada
vivenciamos a socialização da biologia. A produção coletiva a
partir da biologia. É o patrimônio da fabricação do mundo-em-
nós.

110
O corpo pessoal – como uso a mim mesma
Estes dois corpos, estas duas camadas da nossa
experiência somos nós como matéria prima, a plataforma de onde
criamos subjetivação.
Onde crio formas que respondem aos meus estados
afetados pelos acontecimentos.
Há muitos anos atrás me encantei com uma frase do
Caetano Veloso: “como é bom poder tocar um instrumento”. Essa
frase repercutiu em mim. Pensava comigo mesma, deve ser muito
bom estar em certos estados de alma e poder transformar isso
em expressão. Ter a experiência interna alongando-se pelos meus
dedos, roçando um instrumento e que virasse som; virasse forma,
expressão no mundo.
Passados os anos, conheci o pensamento e as práticas
corporalistas, entre elas, a que me responde hoje, o pensamento
de Stanley Keleman.
Hoje a frase do Caetano se transformou e se encarnou:
como é bom poder usar a mim mesma – criando forma, criando
corpo ao que se passa em mim e pôr no mundo –criando existência
– solidificando a experiência processual via formas no mundo.
Essa é a nossa terceira camada de experiência, é o corpo
pessoal. Nas outras duas camadas (pré-pessoal e pós pessoal)
o processo nos possui, são respostas ou do corpo herdado ou do
corpo social.
Aqui eu possuo o processo – eu dialogo com a experiência-
em-mim moldando formas.
O corpo pessoal é a maneira como lido, como trabalho os
meus legados, é o como subjetivo o que me afeta.
Acesse seu corpo pessoal... e você acessa as suas formas
próprias de afeto, suas formas pessoais de pôr limites ou propor
aproximação. Acesse esse corpo e você traz as suas formas
singulares de pensar, de se comunicar, de se ligar, de se aquecer,
de se divertir, de se sustentar na dor, e de ter prazer.
O uso do corpo pessoal, ativar essa camada, é a grande
sacada de como viver como processo onde tudo nos afeta, entra,
excita e remelexe nossas carnes. É tomar o processo da vida
nas mãos, é ser artesão de si na vida. É criar compromisso com
o próprio destino.

111
Como podemos viver a experiência de criar a própria vida
Podemos viver nossas vidas como vítimas ou
desbravadores – como disse Stanley Keleman no livro “Realidade
Somática”. Nós nascemos como corpo biológico da espécie e
somos inseridos numa sociedade com o seu repertório próprio
de comportamentos, valores, sistemas de troca, sistemas de
conhecimentos e de poderes. Nestes dois corpos nós não
exercemos escolha pessoal.
Os acontecimentos internos e externos nos afetam, nos
atravessam e nos modificam, e, também nesta esfera, não tem
escolha pessoal. Não tem como evitar ser afetado.
Quantas vezes dizemos ou ouvimos: eu nasci assim, ou,
eu sou assim. Ouvimos esta afirmação em diferentes tons:
melancólicos, autoritários, apegados...
Aqui aparece a questão: viver a vida vitimados pelas
circunstâncias ou como fundadores de novos jeitos de si ser?
Reconhecer que podemos pegar nossa vida nas mãos,
pegar nossos jeitos de viver e modificá-los se constitui como o
grande desafio para nossas vidas.
Vamos ver como essa tarefa é possível:
“O corpo fala por sensações, sentimentos, motilidades,
portanto ele precisa falar de volta consigo mesmo, de tal modo
que possa influir em seu comportamento. Então o corpo influencia
a si mesmo moldando-se a si mesmo em ações, inibindo-se a si
mesmo ou agindo em relação a si mesmo. Isso ele faz através de
um elegante sistema de feedback que chamamos cérebro. O
corpo organiza a si mesmo para conversar consigo mesmo
construindo para si um órgão capaz de receber de volta seus
padrões de ação e conversar consigo mesmo sobre eles.”
(Processos de corporificação do sujeito – cotejo com a
neurociência).
A possibilidade que temos é influenciar o como nos
encontramos. “Alterar sua situação de vida é ser capaz de mudar
seu funcionamento. Isso não significa apenas mudar a sua mente,
mas o modo como você usa a si mesmo.” (Realidade somática)
Pegar nosso processo de vida nas mãos é a tarefa de
auto-gerenciar-se, é pilotar-se:
- usar a nós mesmos como fonte de informação, de pesquisa e de
consulta;
112
- usar a nós mesmos para influirmos nos nossos estados atuais;
- usar a nós mesmos como desbravadores para outros jeitos de si ser;
- usar a nós mesmos para a criação de futuros.

Os tempos e os ritmos da experiência


O árduo e a maravilha da trajetória das pessoas e grupos
é viver as mudanças que ocorrem no interjogo com os
acontecimentos. Nossos estilos de vida, organizações de grupo,
fluxos informacionais e tecnológicos são construções
metaestáveis, que procuram dar conta dos acontecimentos
externos e internos.
Às vezes temos a experiência de abrir mão de certos jeitos
de viver (individualmente, em grupo e nas organizações) porque
estes jeitos perderam a sua validade – pois as coisas já não são
como antes e não podemos mais nos comportar como fazíamos.
E, às vezes, temos a experiência de jeitos de viver que
aumentam a sua força, ganham potência, ganham em criatividade
– pois mudanças foram vividas e sua conseqüência foi o
surgimento de novas formas de se viver que emergiram
exatamente da relação com o novo trazido pela própria mudança.
Assim, podemos contemplar em nossas vidas estilos/
formas:
- grudadas, ao como eram antes dos novos acontecimentos;
- viçosas, ganhando vida e aumentado potência;
- ágeis, podendo responder ativamente ao novo;
- desmanchando-se, pois não tem como se sustentar frente aos novos
acontecimentos;
- complexificando-se, ampliando-se, em função do que o novo favoreceu;
- esboçando-se, rascunhando-se, topando incubar novos jeitos em função
de responder aos efeitos dos acontecimentos.
Temos a experiência também de, em diferentes dimensões
da nossa vida, estarmos com formas diferentes. Por exemplo: na
esfera do trabalho estar grudado a uma forma, e, na esfera da
vida afetiva estar viçoso; num casamento uma mulher, estar ágil,
na relação com o marido, na forma de mãe dos filhos e,
simultaneamente, estar ensaiando uma nova forma de relação
íntima de casal.
Stanley Keleman, no livro “Realidade Somática”, distingue
três etapas do como vivemos esses prosseguimentos do nosso
processo de se formar na vida (processo formativo).
113
Cada uma dessas etapas das transições de vida, das
mudanças em nossas vidas, tem características, ritmos, formas,
sentimentos e desafios que lhe são próprios.
“É inteiramente possível aprendermos a reconhecer o
padrão das sensações mentais, musculares e orgânicas que
acompanham as transições de vida, ganhar intimidade com
expressões bioquímicas, emocionais, físicas e experienciais do
processo vivo. Experimentar a nós mesmos dessa maneira nos
ajuda a desmanchar velhas atitudes de que já não precisamos e
participar da autoformação.” (Realidade somática). As três etapas
são:

1) Endings (Términos)
Interrompem o que estava estabelecido como seqüencial
e ordenado. Endings são uma desconfiguração, algo está
fenecendo, relações estão se modificando. “Endings geram
conflito entre ficar e partir. Cria-se um espaço, um vazio, um vácuo,
tanto no mundo objetivo quanto em nosso self emocional e
neurológico.” (Realidade Somática)
Experimentamos uma tristeza que ultrapassa nossa
compreensão, experimentamos desconforto, um estranhamento-
em-nós. Experimentamos lascas soltas de excitação que não se
encaixam nas nossas formas e corpos. Algo nos escapa. Nossas
edificações identitárias se desfocam e se corroem. Sustos,
apreensões, arrepios, desamparo, pausas e velocidades
alteradas de ansiedade.
Uma das tentativas desesperadas na experiência do
ending é manter todos os espaços e tempos preenchidos,
reconhecíveis. Quando terminamos alguma coisa um espaço
vazio realmente surge. A experiência da ausência de contornos,
da ausência da precisão dada pelo conhecido, a experiência de
frio ou confusão, a dissipação do contato pela ausência do atrito
com o(s) corpo(s) agora ausente(s) descrevem a despovoação
em nós mesmos. É um momento de encarar a nós mesmos como
desconhecidos.
O passado que fomos nos pede para dar um jeito para
inverter o quadro, para voltarmos a ser o como nos reconhecemos.
E, paradoxalmente, o presente, nos mostra que a vida e nós
estamos seguindo. Imperiosamente prosseguimos para frente –
114
a vida não pára! Pois a vida quer viver, e esse impulso básico
também nos remete a encarar o inominável.
Endings nos ensinam que os sentimentos, as formas de
ligação não se exterminam, e sim, se transformam, se desdobram.
Não rompemos conexões, não passamos borracha ou deletamos,
e sim mudamos direções, maneiras de conexão e destinos.

2) Middle-ground (Etapa intermediária)


Pausas com consistência. Experiência de recepção e
concepção. O tempo muda seu curso linear. Sensações de
tumultos criativos e silêncio. Incubação. Sentimentos sem vetores
definidos ou com multivetores, muitas imagens, hipóteses
imaginárias, restos e brotos de cotidiano, espaços em aberto.
Vivência do mundo dos sonhos nos momentos mais
inesperados. E sonhos-percursores esboçando possibilidades.
Há muitos anos atrás, não sei precisar quando, houve no
MASP uma grande exposição de desenhos e rascunhos de
Picasso. O MASP foi povoado por centenas de desenhos
colocados ao longo dos corredores, numa sequência que seguia
as datas de criação. Ao ver esta exposição, me encantei. A
profusão de desenhos feitos numa mesma semana. E uma figura
que se esboçava num desenho, se multiplicava. Ocupava lugares
centrais em alguns, periféricos em outros. Outro rumo era seguido
ou deixado. Aquela figura, inicialmente mulher, virava mais
andrógino, depois quase um bicho. Um detalhe deste quase bicho
era explorado até a exaustão. Multiplicava-se o quase bicho, e
transmutava-se, um desenho mais nítido, rico e singular de uma
mulher – não era mais uma mulher qualquer; era aquela mulher.
E aí, você reconhecia que era um dos esboços de quadros
conhecidos. Nesta exposição pude ter a experiência do onírico,
da profusão criativa, da recepção, da exploração, da escolha do
gesto criativo.
Middle-ground é esta experiência inicial da exploração de
Picasso. É seguir as trilhas das imagens, sensações, sentimentos.
É captar o mundo de outras formas, com outros tatos, com outros
ouvidos, com outros olhos. São profusões oceânicas e pausas.
Caldos consistentes com substâncias e químicas novas. Novas
combinações. É o convívio com o estranho-em-nós. Vamos nos
imaginar comendo uma fruta – o mandaçá (pode procurar no
115
Aurélio, esta palavra não está lá, pois não existe!). Descascamos
a fruta e nos perguntamos: será que a casca é de comer? Deixa
eu testar... A cor parece de... mas não é igual. É diferente, é
estranha. O caldo da fruta começa a escorrer pelas nossas mãos,
uns vão cheirar, outros testar a consistência deste caldo. Alguns
vão pegar o mandaçá com todos os dedos, outras com garfo e
faca... Ora nos parece agradável, ora nos parece muito esquisito.
Aí, chegou o momento de morder! Fazemos caras e bocas,
contraímos e expandimos os sensores da língua e da boca... Ora
desce redondo, ora queremos comparar com frutos conhecidos,
ora queremos expulsar esse gosto novo e, em algum momento
podemos deixar que a experiência nova do mandaçá nos possua!
“O middle-ground é como um oceano transbordante de
imagens, sensações, sentimentos e necessidades entrando em
cena, ensaiando no campo da consciência, antes de passar para
o mundo social.”(Realidade Somática)
No middle-ground “o indivíduo desfruta a espera ou a teme.
Pode sentir prazer na vivência do recarregar-se, ou tentar evitá-
la com uma atividade compulsiva ou ruminações sobre o
passado”.(Realidade Somática)
Neste estágio intermediário entre formas de si ser e de se
reconhecer no mundo nos remete à experiência de sensações
amplificadas como quando brincamos com os efeitos na boca
quando uma anestesia do dentista está quase terminando, ou
quando uma pele nova se forma após um corte no dedo, e que
tudo o que tocamos e todas as temperaturas aparecem como
universos enormes e inomináveis de experimentação; o que não
existe são seqüências lógicas, proporcionalidades e ordens.
Somos lançados a experiências imediatas, instantâneas, que nos
causam múltiplos tipos de ressonância.
O middle-ground nos ensina a nos sustentar neste caldo
criativo e profícuo de nós mesmos. Grávidos de nós. É a
experiência do caos como presságio de novas configurações.
Dentro desta experiência de sensações, balbucios, ensaios e de
ir se configurando aos pouquinhos, vai se revelando o novo, vai
se revelando uma outra forma de nós mesmos com uma nova
direção.

116
3) Forming (Etapa formativa)
“Do oceano do middle-ground, uma corrente somática de
organização nos impulsiona em direção ao
crescimento.”(Realidade Somática, p. 69) A partir do middle-
ground experimentamos intensidades, estados emocionais que
vão, aos poucos, se solidificando em formas. Descobrimos
aspectos diferentes de nós mesmos, configuramos novas
necessidades e imaginamos novas formas de estar no mundo.
No forming usamos os recursos dos nossos tecidos e
trechos/fragmentos dos nossos comportamentos sociais e
usinamos, conosco mesmo, formas novas de ser. Nos
reconhecemos num novo jeito. Se no middle ground colhemos a
abertura para novas experiências, sensações, necessidades,
aspirações, podemos, no forming, nos comprometer com o que
queremos formar. Como diz Stanley Keleman (Realidade
Somática, p. 69): “É transformar o insight e a visão em ação
muscular, forma corporal e forma social.”
O forming é uma fase de excitação que gera movimento e
aprendizagem. É um momento de rascunhos de comportamento,
hesitações, tentativas. É a fase do explorar e se familiarizar. É
um momento de mudar a ligação com pessoas, idéias e valores.
É lidar com os afetos e os ecos que estas novas formas geram
em nós mesmos e nos mundos que nos cercam. Experiência de
viço, de frescor e de recepção dos efeitos das novas formas.
Convivência com êxitos e fracassos. Momentos de
coragem de retomar o novo que estamos “corpando” frente à
ação automática dos hábitos.
Stanley Keleman extrai do cotidiano uma experiência, e
nos relata como o forming é como a aprendizagem de andar de
bicicleta. Há, no início, desajeitamentos, dificuldades, pequenas
seqüências de coordenação, desafios para seqüências de ação
mais longas, novos tropeços e inadequações, até que a nova
habilidade se instaura.
Forming é a experiência de sermos fundadores de nós
mesmos. É a experiência de dar conta das novas circunstâncias
de vida. Exercitando e acompanhando as nossas novas formas,
se torna possível ultrapassar o medo de se arriscar diferente ao
como nos conhecíamos. As novas formas não se opõem às formas
anteriores. Deleuze fala como “estados sucessivos de mim”. O
117
novo não é melhor que o velho. Também não estamos falando de
substituições. Estamos aqui experimentando a multiplicação de
nós mesmos. São outras formas de mim que estou incorporando.
Somos uma assembléia de corpos. Se estamos criando outros
graus na forma do enternecer-se com o outro, não significa jogar
fora a forma do enfrentamento ou da maternidade. Quanto maior
o nosso número de formas e graus de formas, maior possibilidade
teremos de dar conta do que surge em nosso processo de vida.

O convite que a vida nos faz


Possuímos os legados do corpo pré-pessoal e pós-
pessoal. Os acontecimentos internos e externos provocam em
nós momentos de ending, middle ground e forming. E temos, o
incrível recurso de nos acompanhar, de nos acessar e transformar
destinos em novas possibilidades à medida que produzimos
respostas pessoais e singulares.
Quanto mais entramos em contato com o processo de
nos formar, mais responsivos ficamos para acompanhar a direção
de nossa própria existência.
O convite é uma atitude ativa e cotidiana conosco mesmo.
O convite é nos fazer uma boa e produtiva companhia!

Referêcias bibliográficas
Keleman, S. Realidade somática. São Paulo: Summus, 1994
Keleman, S. Corporificando a experiência: construindo uma vida
pessoal. São Paulo: Summus, 1995
Keleman, S. O Corpo diz sua mente. São Paulo: Summus, 1996
Favre, R. & Sawaya, R. Processos de corporificação do sujeito –
cotejo com a neurociência. (acervo do Centro de Educação
Somática Existencial, São Paulo), 1997
Rolnik, S. Cartografia sentimental: transformações
contemporâneas do desejo. São Paulo: Estação Liberdade, 1989

Ana Lucia Rocha é Pedagoga. Trabalha com Educação Somática


Existencial em consultório, grupos e empresas. Co-fundadora e
professora do Centro de Educação Somática Existencial.
Consultora de empresas da PADI - Consultoria e Treinamento.
E-mai: al.rocha@globo.com

118
CARACTERIALIDADE
FÁLICO-NARCISISTA
Cristian Guilherme Valeski de Alencar

Quando se fala em cobertura ou caracterealidade fálico-


narcisista, temos dois aspectos. Primeiro, trata-se de um indivíduo
que teve um maior comprometimento na fase fálica do
desenvolvimento emocional. Esta é a etapa da descoberta da
diferença sexual anatômica, em que a criança é capaz de fazer
identificações com as outras crianças e também com os adultos.
Nesse momento, surgem as primeiras perguntas sobre os órgãos
genitais e as primeiras masturbações, o que deve ser encarado
com naturalidade e sem punições. Segundo, por ser um indivíduo
narcisista; o narcisismo vem do mito grego de narciso,
personagem dotado de imensa beleza, que se apaixonou por
seu reflexo na água e não podendo deixar de olha-lo, acabou se
afogando. Esse componente narcísico atua sobre o eu e
principalmente sobre o ideal de eu, que na verdade e a expressão
de um eu fraco que acredita ser forte.
De acordo com Navarro (1995), o fálico-narcisista é
hiperorgonótico-desorgonótico, com uma caracterealidade bem
desenvolvida, mas inadequada para controlar manifestações
temperamentais. A psicologia reichiana indica que a sede corporal
do narcisismo se situa no pescoço (terceiro nível) e tórax (quarto
nível). Segundo Navarro (1995), no pescoço está localizado o
aspecto psicológico do self-control, que quando se torna crônico
provoca a impossibilidade de se abandonar; abandonar-se não
só nas relações sexuais e amorosas, mas também em situações
do cotidiano pelas quais tem que passar. O narcisista tem
dificuldade de amar outra pessoa pois só ama a si mesmo. Este
indivíduo tem uma maior identificação com sua própria imagem,
em oposição ao self.
O bloqueio gerado pelo narcisismo é responsável pela
119
soberba, pelo orgulho, pela vaidade e pela obstinação. A pessoa
que apresenta esta caracterealidade é arrogante, inflexível,
enérgica. Ostenta um ar de superioridade e pode apresentar uma
atitude agressiva, até mesmo ferina, depreciativa e sarcástica.
Tem uma constituição atlética, com feições duras, agudas e
masculinas. Freqüentemente, tem características perfeccionistas,
o que gera um severo julgamento sobre si mesmo, julgamento
este que causa muito sofrimento à pessoa, principalmente pelo
fato de se preocupar muito com sua aparência e com seu corpo,
não como forma de prazer, mas sim de reconhecimento.
Preocupa-se muito com o seu desempenho, em todos os sentidos.
Teme o fracasso e a humilhação. Sua produtividade e o seu
sucesso estão interligados, igualmente, ao reconhecimento e não
ao prazer. O narcisista não tolera a subordinação, o que provoca
a tendência a conquistar posições de comando.
Nas relações amorosas, o fálico-narcisista expressa uma
atitude sádica e às vezes mascarada. Pelo medo de ser
abandonado, abandona primeiro. “Sua sexualidade genital é
caracterizada por uma capacidade de ereção muito acentuada,
mas com ausência de capacidade orgástica” (Navarro, 1995, p.
82). O fálico-narcisista não só tem uma identificação com o falo;
mais que isso, ele se sente o próprio falo.
Despreza as mulheres, usando o sexo para degrada-las,
provando sua própria potência. Usa os genitais como uma arma
contra o outro sexo. O narcisista demonstra seu poder para
compensar uma carência de potência, devido à sua angústia, a
qual se relaciona à castração e o impede de se relacionar com
um parceiro. “O sexo è usado como meio de vingança” (Baker,
1980. p. 135).
O fálico-narcisista é uma pessoa extremamente sedutora,
principalmente com relação ao sexo oposto, o que faz com que
seja desejado e procurado pelas mulheres. Tem uma tendência
a conquistar uma parceira após a outra para se defender de
elementos homossexuais inconscientes e reprimidos. Para
Navarro (1995), é nessa categoria que encontramos o maior
número de homossexuais, paranóicos e sádicos manifestos.
É comum, na história do fálico-narcisista, a presença de
uma mãe severa e repressora quanto ao sexo, o que se soma à
ausência da figura paterna, física e psicologicamente. Tem
120
tendência à depressão, mas passa por momentos de euforia.
Pode ter tendência ao uso de drogas e álcool. Segundo Navarro
(1995), o narcisista é acessível ao êxito terapêutico, pois nunca
poderá permitir que sua terapia fracasse.
Concluindo, para prevenir tal caracterialidade deve-se, na
etapa fálica do desenvolvimento emocional, encarar com
naturalidade as questões sexuais que a criança traz à tona,
deixando-a viver o momento e respondendo quando tiver dúvidas.
O maior problema na fase fálica é que os pais não sabem lidar
com o comportamento dos filhos, principalmente com relação à
masturbação. A repressão da sexualidade pode soar à criança
como uma traição e levar à formação da caracterealidade.

Referências bibliográficas
Baker, E. F. O Labirinto Humano: causas do bloqueio da energia
sexual. São Paulo: Summus, 1980
Navarro, F. Caracterologia Pós-reichiana. São Paulo: Summus,
1995
Reich, W. Análise do Caráter. São Paulo: Martins Fontes, 1995
Volpi, J. H. & Volpi, S. M. Crescer é uma aventura!
Desenvolvimento emocional segundo a Psicologia Corporal.
Curitiba: Centro Reichiano, 2002

Cristian Guilherme Valeski de Alencar é Psicólogo e atualmente


cursa a Especialização em Psicologia Corporal (Psicoterapia
Corporal Reichiana), no Centro Reichiano, em Curitiba/PR.

121
PENSANDO SOBRE
A INTELIGÊNCIA
Sandra Mara Volpi

A sociedade humana, em toda a sua história, vem definindo


padrões para si mesma. Tais padrões classificam pessoas,
recortando características específicas que lhes descrevem. Assim,
é comum que as pessoas que compõem uma sociedade sejam
avaliadas em seu padrão de beleza, de bom comportamento, de
inteligência, entre outros. Todos os que transitam às margens do
que se aproxima do que é definido como normal pelos padrões
estabelecidos, serão incluídos. Já os que se afastam de tais
margens, por excesso ou por falta, e especialmente estes
últimos... para eles nem sempre há lugar numa sociedade
encouraçada que só sabe conviver com o que é absolutamente
previsível e controlável.
Focando este assunto sobre o padrão definido socialmente
como inteligência, podemos nos reportar à história e perceber o
quanto esse conceito, a princípio estava totalmente atrelado à
idéia de produtividade. Era preciso saber o quanto as pessoas
eram inteligentes para que pudessem trabalhar numa recém
ascendente cultura industrial, lá pelo final do século XVIII.
Acreditar que a inteligência poderia ser fundamental para
a produtividade de uma pessoa, não foi, em si, um erro. Cada
vez mais, hoje, é preciso que encaremos o fato de que inteligência
desconectada da possibilidade de se produzir algo – uma resposta
ou um produto – socialmente útil, é como um tesouro perdido no
fundo do oceano.
Entretanto, a forma pela qual se passou a avaliar a
inteligência de uma pessoa e a crueldade que se assumiu em
classificar como inteligentes aqueles que a esta avaliação
respondiam bem, em oposição àqueles que não alcançavam tal
feito e então, eram julgados como “limítrofes”, como “incapazes”,
122
isso sim, foi um erro histórico. Essas avaliações, feitas através
de testes psicométricos, crivavam a pessoa com perguntas
baseadas muito mais em memória e informação.
Mas infelizmente, ainda nos debatemos muito com estes
conceitos errôneos e, o que é pior, continuamos insistindo em
utilizar os mesmos instrumentos para “medir” a inteligência. Mais
que isso, continuamos ensinando aos futuros psicólogos que os
usem mecanicamente, separando em “gavetinhas” os ditos
inteligentes e os com desempenho inferior.
Assim, até pouco tempo atrás, e mesmo hoje, teóricos
das mais diferentes áreas acreditavam – e acreditam – tratar-se
a inteligência de uma capacidade ou potencial geral que cada
ser humano possui em maior ou menor extensão.
Bem-aventurados aqueles que a possuem em grande
extensão, mas, de preferência, não tão grande que pais,
educadores, professores, mestres e doutores não possam ter
resposta para todas as perguntas que se lhe vier à mente, e assim,
ficarem embaraçados diante de pequeninos seres de 6 ou 7 anos
de idade, quando não menos. Esses pequeninos nem sempre se
encaixam no modelo escolar previsto pela sociedade e, uma vez
que suas asinhas são maiores do que a gaiola pode suportar,
das duas, uma: ou as asas são podadas ou o levam para um
lugar maldito, de solidão e incompreensão.
E desventurados aqueles cuja inteligência não alcança a
magnitude dos testes. Destes, pobres criaturas, não se pode
esperar muito. Desde cedo, prevê-se para eles um futuro nem
muito brilhante, nem muito promissor, nem muito feliz. Os limites
de sua inteligência o encarceram numa realidade menos que
medíocre. Estarão sempre engordando as estatísticas de
reprovação nas escolas e, numa sociedade programada para o
desempenho, não são interessantes, uma vez que não dão status
nem mesmo à escola em que estudam, pois não figurarão como
primeiros colocados nos vestibulares.
As definições mais comumente aceitas de inteligência
falam em compreensão e em captação de relações. Mas, o que
se entende por tais termos?
Talvez se entenda que uma criança que vai a um programa
de televisão no qual lhe apresentam bandeiras de diversos países

123
do mundo – inclusive daqueles que muitos adultos nunca nem
tinham ouvido falar – e que é capaz de uma após a outra,
relacioná-las aos respectivos países a que pertencem... ah, essa
criança sim, é inteligente! Nem por um minuto se pensa do que
vale uma criança saber o nome dos países de incontáveis
bandeiras. Para que servirá, no futuro? O que ela poderá produzir
de útil para si mesma e para as pessoas que a cercam a partir
dessa “inteligência”? Infelizmente, a insistência dos adultos que
cercam uma criança como essa, algumas vezes a levam a uma
compulsividade pela chamada “decoreba” e a um isolamento
tamanhos que a afastam de si mesma e de suas potencialidades.
É comum também que crianças que são criativas desde
muito cedo, sendo capazes de dar respostas eficientes em sua
interação com o mundo, ao entrar na escola, não tenham o
desempenho que até então parecia se pronunciar. Quando isso
acontece, ou seja, quando a criança não se adapta às
formalidades do ensino, passa-se a desconfiar do julgamento
anterior, segundo o qual a criança era esperta e inteligente, em
função de uma nova imagem, de fracasso escolar, ou, em outras
palavras, de “falta de inteligência”, para não dizer de “burrice”.
Jamais se desconfia do sistema de ensino, no qual um elefante
será sempre cinza e nunca amarelo ou cor-de-rosa...
Nestes casos, ou a criança passa a ser preterida e
abandona em um canto qualquer da sala de aula, ou sua agenda
é preenchida dia e noite com reforços escolares (e assim vai sendo
dizimada toda a sua criatividade) ou é levada quase que de
ambulância a uma avaliação psicopedagógica. Esta última pode
aplicar, de forma mecânica, seguindo o manual, os diversos tipos
de medição da inteligência por meios verbais, os quais fornecem
um número onde se encerra a inteligência da criança como um
todo, número este que será determinante em tudo o que se pensa
ou se fala sobre a criança a partir dali. Por outro lado, pode utilizar
estes mesmos testes de forma dinâmica, sem se ater ao número
em si, mas priorizando o desempenho da criança em habilidades
específicas, além de considerar outros meios de expressão da
inteligência, e com isso, desenvolver uma visão muito mais ampla
das competências daquela criança.
Hoje, questiona-se profundamente as antigas concepções

124
sobre a inteligência. Uma das teorias pioneiras em contestar tudo
que até então se falava sobre a inteligência é a Teoria das Múltiplas
Inteligências. Criada a partir do chamado “Project Zero”, na
Universidade de Harvard, em Boston, Massachussets, há mais
de vinte anos, por Howard Gardner, esta teoria parte da idéia de
que inteligência...

· é cognição, ou seja, é apreensão e compreensão;


· é um conjunto amplo e universal de competências;
· é a capacidade de resolver problemas ou de criar
produtos que sejam valorizados dentro de um ou mais
cenários culturais;

... e mais do que isso, ser inteligente é também apresentar o


potencial para encontrar ou criar problemas – por meio disso
propiciando o lastro para a aquisição de conhecimento novo.
A partir desse ponto de vista, a teoria das inteligências
múltiplas pressupõe que:

· As inteligências se realizam através de mais de um


sistema sensorial, ou seja, todos os sentidos são
postos em ação quando nos é dada a oportunidade
para conhecer o mundo ao nosso redor, e é
conhecendo o mundo que podemos desenvolver
nossas diferentes inteligências;
· As inteligências não são comparáveis entre si, pois
cada uma delas tem sua própria especificidade;
· As inteligências não podem ser vistas como um valor
ou desvalor social;
· As inteligências são potenciais (podem ou não ser
usadas), e por isso não podem regular o valor social
de um indivíduo;
· As inteligências podem se traduzir em know-how e
know-that (saber e fazer) e não necessariamente
ambos devem estar juntos. Algumas pessoas podem,
por exemplo, possuir o know-how para o
desenvolvimento de determinada atividade, mas não
fazê-lo.

125
Segundo a teoria das Múltiplas Inteligências, são sinais
da inteligência:

· Uma habilidade é destruída ou poupada em função


de danos cerebrais, independentemente de outras
habilidades;
· As habilidades aparecem de forma destacada nos
prodígios e nos deficientes ou doentes mentais;
· Uma habilidade possui um centro de operações
identificáveis;
· Uma habilidade possui uma história de
desenvolvimento e pode ser modificada pelo
treinamento;
· Uma habilidade possui uma história na evolução da
espécie;
· Cada habilidade tem um sistema simbólico próprio.

A teoria das Múltiplas Inteligências identificou, a princípio,


7 diferentes tipos de inteligência. São elas:

· Inteligência lingüística
· Inteligência musical
· Inteligência lógico-matemática
· Inteligência espacial
· Inteligência corporal-cinestésica
· Inteligência intrapessoal
· Inteligência interpessoal

A partir de 1986, incluiu-se também como competência a


Inteligência Naturalista e atualmente, pesquisa-se as Inteligências
Existencial e Espiritualista.
Há que se considerar que o que é mais importante não é
o número de Inteligências definidas pela teoria, mas sim o aspecto
múltiplo da inteligência em si. A inteligência não é única em não
pode ser medida; esta é a grande novidade proposta por essa
teoria. As competências interagem em cada ser humano de forma
específica, única, formando uma espécie de impressão digital. A
teoria das Inteligências Múltiplas considera a constituição de um

126
Eu inteligente, um Eu que dirige seu comportamento, conhece a
realidade, inventa possibilidades novas, cria significados livres.
É a partir dessas idéias que a Teoria das Inteligências
Múltiplas aproxima-se da Psicologia Corporal; entendendo que o
ser humano é sujeito e não objeto de suas próprias
potencialidades.

Referências bibliográficas
Gardner, H. Estruturas da Mente. Porto Alegre: Artes Médicas
Sul, 1994.

Sandra Mara Volpi é Psicóloga, Psicoterapeuta Corporal,


Especialista em Análise Bioenergética, Psicoterapia Infantil,
Ludoterapia e Psicopedagogia. Diretora do Centro Reichiano de
Psicoterapia Corporal, em Curitiba/PR.
E-mail: centroreichiano@centroreichiano.com.br

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