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Curso de Fisiologia 2013 NeuroBiologia 22

Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida

ESTRUTURA E FUNÇÕES GERAIS DAS MEMBRANAS BIOLÓGICAS

Os metazoários possuem um tegumento de revestimento que separa o meio ambiente


externo do interno. O meio interno, por sua vez, é constituído de dois compartimentos: o
extracelular e intracelular. Nos animais que possuem um sistema circulatório fechado, o fluido
extracelular está distribuído em dois sub-compartimentos: o intersticial e o intravascular
(plasma). O espaço intracelular está separado do extracelular através da membrana
citoplasmática e ambos os espaços são preenchidos por fluidos cujas composições são bastante
distintas.
A membrana citoplasmática é uma barreira física, porém permite troca de solvente (água) e
de partículas entre os compartimentos extra e intracelular garantindo que ass respectivas
composições e osmolaridade sejam precisamente reguladas.

Membrana citoplasmática

A membrana citoplasmática é constituída de um mosaico de moléculas protéicas


incrustadas em uma bicamada de fosfolipídios de consistência fluídica. Esse modelo da membrana
citoplasmática é conhecido como mosaico fluido. Os fosfolipídios são moléculas que possuem
uma cabeça polar (hidrofílica) e outra apolar (hidrofóbica). Na presença de água as moléculas de
fosfolipídios se organizam espontaneamente de modo que os componentes hidrofóbicos voltam-se
para dentro da bicamada (cauda) e os hidrofílicos para a água (cabeça). Na bicamada estão
espalhados vários tipos de proteínas com as mais variadas propriedades funcionais. Todas as
membranas citoplasmáticas compartilham entre si, propriedades fundamentais, mas de acordo
com o tipo de célula, possuirá atividades biológicas. Entre essas propriedades podemos destacar:

 Regulação da composição dos fluidos intracelular e extracelular;


 Regulação do volume celular;
 Regulação do metabolismo intracelular determinando a concentração de co-fatores enzimáticos
e de substratos;
 Regulação da atividade metabólica processada por enzimas presentes na membrana;
 decodificação de sinais químicos e físicos por meio de moléculas receptoras e reguladoras
presentes na membrana;
 Geração e propagação de sinais elétricos;
 Endocitose e de exocitose.
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PROCESSOS DE TRANSPORTE ATRAVÉS DA MEMBRANA

Transporte Passivo ou por Difusão

Difusão é o processo de movimento aleatório e espontâneo de partículas suspensas


ou dissolvidas em solução cuja dispersão ocorre de uma região de maior concentração para
outra de menor concentração, ou seja, a favor do gradiente de concentração (=energia
potencial química). Quando o processo ocorre através de uma membrana, a taxa difusional (Js)
depende do coeficiente de permeabilidade da membrana à partícula em questão e da área total
pela qual ela atravessa. Este fenômeno obedece a lei de Fick sendo matematicamente descrito
pela equação :
dQs = Ds A dCs onde: dQs/ dt = taxa de difusão ( Js )
dt dx Ds = coeficiente de difusão da subst. s
dCs/dx = gradiente de concentração de s entre dois pontos
separados por uma distância x
A= área total por onde ocorre o transporte

Sob o ponto de vista da escala que estamos acostumados a dimensionar as distâncias e o


tamanho dos objetos, isto é, em milímetros, centímetros, metros ou quilômetros, o processo de
difusão seria um processo muito lento, mas tratando-se das dimensões ao nível celular e
intracelular (micrômetros) o processo é bastante eficiente. As partículas podem ser classificadas
em função da sua solubilidade e essa propriedade afeta o transporte das partículas através da
membrana.
Partículas lipossolúveis: atravessam diretamente a
bicamada lipídica.
Partículas não-lipossolúveis: necessitam de um corredor
aquoso como os canais iônicos ou trasportadores especiais.
Alguns solutos como as macromoléculas protéicas são
completamente impermeáveis.

Difusão simples

As substâncias lipossolúveis (como o O2, CO2, o álcool, ácido graxo, hormônios


esteróides, etc) difundem-se através da bicamada como se o fizessem no fluido circundante a favor
do seu gradiente de concentração. O grau de solubilidade lipídica é determinado pelo quociente
de partição óleo/água (K). Considerando-se uma membrana permeável a uma partícula s
lipossolúvel, rearranjando a lei de Fick, temos:
Js = Ds . K . A . dCs Ds = coeficiente de difusão
dx K = coeficiente de partição óleo/água
A = área da membrana por onde ocorre a difusão
dCs = gradiente de concentração de s entre os dois lados
dx = espessura da membrana
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O gráfico mostra que a taxa de difusão para as partículas altamente lipossolúveis depende
do gradiente de concentração existente através da membrana.

Transporte de íons.
Os íons só atravessam a membrana através de corredores aquosos formados por canais
protéicos denominados canais iônicos. Há basicamente dois tipos de canais:
Canais sem comporta: estão sempre
abertos, mas são seletivos conforme o raio de
hidratação do íon. Reconhecemos assim, canais de
sódio, canais de potássio, canais de cálcio, etc.
Canais com comporta: assumem dois
estados: abertos ou fechados. Suas comportas
(gates) se abrem ou se fecham mediante agentes
Canais sem comporta: permanentemente abertos externos (neurotransmissores, mudança de potencial
da membrana, fosforilação, etc.)

Difusão facilitada
Algumas moléculas hidrossolúveis como a glicose e aminoácidos não podem atravessar os
canais iônicos e usam carreadores protéicos. A partícula a ser transportada se liga a uma
proteína da membrana e muda a sua conformação espacial. Essa mudança causa a translocação
da partícula de um lado para o outro da membrana. Se o processo for realizado a favor do seu
gradiente eletroquímico denominamos essa forma de transporte como difusão facilitada. Como o
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número total de carreadores é limitado, existe uma capacidade máxima de transferência de


partículas.

Transporte Ativo

Até agora descrevemos os mecanismos em que as partículas são transportadas


passivamente utilizando apenas a energia livre do próprio sistema. Muitas partículas precisam ser
transportadas contra o seu potencial de difusão e, para isso, será necessário consumir energia
externa ao sistema como a aquela originada do metabolismo celular. Por isso, esse tipo de
transporte é chamado transporte ativo. Há dois tipos de transporte ativo.
Transporte ativo primário. O transporte da
partícula se realiza com a hidrólise de ATP. Um
bom exemplo é enzima ATPase Na/K que
hidroliza o ATP e transporta 3Na+ para fora da
célula e 2K+ para dentro, ambos contra os
respectivos gradientes eletroquímicos. A enzima é
conhecida como bomba dependente de Na/K
(ou, simplesmente bomba de Na).

Transporte ativo secundário (ou acoplado). A


partícula é transportada contra o seu gradiente.
Nesse caso, ao nível da superfície epitelial do
intestino, a glicose é transportada contra o seu
gradiente para dentro da célula utilizando a
energia livre do gradiente de concentração de
outro soluto. O íon Na apresenta um gradiente de
concentração de fora para dentro da célula,
portanto, dispõe de energia potencial. Muitos
solutos são co-transportados contra o seu
gradiente usando um carreador. Se o movimento
da partícula que pega “carona” e ocorre no mesmo
sentido daquele que forneceu a energia é
denominado de sinporte e se no sentido contrário,
antiporte. Observe que tanto no transporte
primário e secundário há consumo de energia; a
diferença é está na fonte de energia.
Note que na membrana basolateral a glicose é
transportada por difusão facilitada, de dentro da
célula par o sangue. A figura ilustra ainda o
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transporte ativo primário de Na e K contra os respectivos gradientes de concentração, requerendo


ATP.

Endocitose e Exocitose

O transporte de macromoléculas é realizado através de endocitose (entrada de material


para dentro da célula) e exocitose (o contrário). Se houver absorção de liquido apenas, a
endocitose é chamada de pinocitose e de sólidos, fagocitose.

Potencial Eletroquímico de uma Partícula e Potencial de Difusão


A figura abaixo ilustra o processo de difusão quando KCl é acrescentado à água pura no
lado 1. Após um certo tempo, os lados 1 e 2 entram em equilíbrio, e passam a apresentar a
mesma concentração de K e Cl, não havendo mais fluxo resultante de íons através da membrana.

O potencial de difusão de uma partícula s (s) é uma grandeza que expressa o conteúdo
de energia livre ou útil que potencialmente poderá ser utilizado para realizar trabalho, isto é, nesse
caso, o movimento de partículas. Sob o ponto de vista termodinâmico, quando uma partícula se
move de uma região de alto potencial eletroquímico para outra de baixo potencial, a difusão é
espontânea e ocorre sem custo adicional de energia. Daí, o processo ser denominado de
transporte passivo.
Em nosso modelo, no estado de equilíbrio, os dois compartimentos ficaram com as
concentrações de soluto e não havia mais movimento resultante de íons. Acontece que as células
eucarióticas, ao contrário, apresentam imensas diferenças de concentração de solutos em relação
ao meio extracelular e são ativamente mantidas neste estado. Essa diferença é, em parte, devido à
impermeabilidade de algumas partículas como proteínas que ficam retidas no interior das células,
mas e as várias outras partículas altamente permeáveis, como impedir que a diferença de
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concentração seja dissipada ao longo do tempo? E como explicar a presença de potencial elétrico
através da membrana?
Existindo uma diferença de potencial eletroquímico entre dois pontos A e B, através da
membrana, a partícula s se moverá espontaneamente, a favor desse gradiente. Como o próprio
nome diz, o potencial eletroquímico de s leva em conta dois componentes: uma grandeza de
natureza química (diferença de concentração) e outra, elétrica (diferença de potencial elétrico):
A diferença de potencial elotroquímico de s entre dois pontos A e B ( sA -  sB)
separados por uma membrana pode ser descrito como :
 S 1 - S 2 = RT ln [ s 1 ] + Zs . F. (  2 -  1 ) ou :
[ s 2]

s = RT ln [ s A ] + Zs . F. (  2 -  1 )
[ sB]

Desta equação podemos deduzir que:


Se s > 0 : haverá movimento resultante de s no sentido de 1  2 (não está em equilíbrio);
s = 0 : não haverá movimento resultante de s através dos dois compartimentos e o sistema
se encontra em estado de equilíbrio dinâmico.
s < 0 : haverá movimento resultante de s de 2 1(não está em equilíbrio)

Se a partículas s não for um íon, isto é, não está carregada eletricamente, Zs=0 então,
  s = RT ln [ s 1 ] o potencial de difusão só depende do gradiente químico
[ s2]

Efeito Donnan

No início do século passado, Donnan, um físico-químico observou que quando em dois


volumes iguais de água pura são acrescentados KCl em um dos compartimentos, ambos os íons
se dissociam e tendem a se difundir passivamente para compartimento adjacente, atingindo em
seguida um, estado de equilíbrio ou de eletroneutralidade entre os dois pontos.

Continuando com o nosso experimento, se proteínas impermeáveis forem acrescentadas


em um dos compartimentos, um novo estado de equilíbrio será atingido, porém, a dinâmica do
movimento de íons será diferente.
Suponha que sejam adicionadas
simultaneamente proteinato de K no
lado 1 e de KCl no lado2 de modo
que [K]1=[K]2. Ambos os compostos
iônicos se dissociarão produzindo
íons livres. Apesar do gradiente de
-
concentração do P favorecer o seu
transporte, como a membrana lhe é
impermeável ela fica retida no lado
1. Em relação ao K não se espera que haja fluxo resultante já que sua concentração é a mesma
em ambos os lados. Com relação ao Cl, há uma diferença de concentração e este tenderá a fluir
passivamente do lado 2 para o 1, a favor do gradiente eletroquímico.
Repare que o movimento de Cl do lado 2 para o 1, tornará o lado 2 positivamente
carregado em relação o outro lado, porém sem atingir igualdade de concentração, ou seja
[Cl]2[Cl]1, pois o acúmulo de cargas negativas no lado 1 repele a passagem deste ânion. Ao
mesmo tempo, este desbalanço de cargas elétricas através da membrana favorecerá um fluxo
-
resultante de K, um cátion, para o lado 1. A distribuição de P continua não afetada: lembre-se ele é
impermeável.
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-
Assim, mesmo que haja diferença de concentração de K, Cl e P através da membrana, o
sistema se manterá em equilíbrio, sem fluxos resultantes de K e de Cl. Isto mostra que uma
condição de equilíbrio não é necessariamente uma condição de igualdade de concentração em
ambos os lados da membrana, mas o fato do fluxo resultante das partículas permeáveis ser igual a
zero (s = 0). Como resultado desta distribuição, haverá uma diferença de potencial elétrico
através da membrana: no lado1 acumulará um excesso de cargas negativas e no lado 2, cargas
positivas. A esta distribuição de solutos permeáveis e não permeáveis eletricamente carregadas
através de uma membrana semipermeável damos o nome de Equilíbrio de Donnan.

Como podemos calcular o valor do potencial de membrana estabelecido nestas condições?


Já tínhamos visto que:

  s = RT ln [ s 1 ] + Zs . F. (  2 -  1 )
[ s2]

Se o sistema está em equilíbrio, então   s = 0. Agora podemos calcular a diferença de potencial


que existe através da membrana, mesmo havendo diferença de concentração:

 2 -  1 = RT ln [ s 2]
Zs.F [ s 1]

Como ambos os íons estão em equilíbrio, sob esta diferença de potencial elétrico:

 2 -  1 = RT ln [K]2 = RT ln [Cl]2 Equação 1


(+1)F [K]1 (-1)F [Cl]1

Ou seja, no estado de equilíbrio de Donnan, obtemos a distribuição recíproca de cátions e de


ânions.

RT ln [K]2 = RT ln [Cl]2 ou
(+1)F [K]1 (-1)F [Cl]1

[K]2 = [Cl]2
[K]1 [Cl]1

Se levarmos em conta a presença de P-


- - +
[P ] + [Cl ]1 = [K ]1

Conhecendo agora algumas propriedades das membranas, vamos analisar o problema,


levando-se em consideração uma célula de verdade.

Potencial de repouso de uma célula


Através da membrana citoplasmática de todas as células
do organismo metazoário, existe uma diferença de potencial
elétrico (Em). Tal fato pode ser demonstrado, implantando-se
um eletrodo de registro no interior da célula e o de referência, do
lado de fora. O voltímetro acusará uma diferença de potencial
elétrico de -65mV. Isso significa que através da membrana existe
uma distribuição desigual de cargas elétricas sendo que a face
interna se encontra negativa em relação à externa. Dizemos
então que a membrana apresenta uma polaridade e comporta-se
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como uma bateria (capacitor) que acumula cargas elétricas nas duas faces.
Essa diferença de potencial é chamada Potencial de Repouso nos neurônios (e em
outras células excitáveis) que não estão em atividade. As membranas dos neurônios e das fibras
musculares são capazes de causar fluxos de íons (cargas positivas ou cargas negativas) através
da membrana, o que resulta na alteração do Em.
A propriedade de uma célula mudar transitoriamente o Em de repouso é chamada
excitabilidade e indica a capacidade de gerar bioeletricidade. Além de gerar eletricidade, as
células excitáveis são capazes de propagar o impulso elétrico de um ponto a outro da célula, isto é,
são dotadas de condutibilidade.
Antes de compreendermos como os impulsos elétricos são gerados, precisamos conhecer
como o potencial de repouso é gerado e mantido.

Potencial de equilíbrio

Veja a figura da página seguinte e considere um sistema (A) onde a membrana é


permeável apenas ao K+ e impermeável ao Cl-. Além disso, tanto o lado I como II possuem a
mesma concentração de KCl. Como não há diferença de concentração, não haverá fluxo resultante
de K (  K=0). Se não há fluxo de íons, não haverá nenhuma diferença de potencial elétrico
através da membrana (é o que o voltímetro está indicando).

Em B, o lado I recebeu uma concentração 10


vezes maior de KCl, ou seja, agora, os K+ poderão se
difundir passivamente para o lado II, a favor do seu
gradiente de concentração. O movimento de cátions
para o lado II tornará esse lado mais positivo em relação
ao lado I.
Passado algum tempo (C) ainda que o gradiente
químico de K continue a impelir os íons K para o lado II,
o sistema entra em equilíbrio, isto é,  K=0. Por que?
A medida que os K se difundem para o lado II, a
diferença de potencial elétrico através da membrana vai
progressivamente aumentado, até que o gradiente
elétrico começa a se opor ao gradiente químico e o
sistema entra em equilíbrio. O valor do potencial elétrico
através da membrana que se opõe ao gradiente químico
do K é chamado então de potencial de equilíbrio do K
e pode ser determinado pela equação de Nernst.

Em = RT ln [K]in = - 58mV a 20oC


[K]ext

Por analogia, podemos calcular o potencial de equilíbrio para todos os íons permeáveis de
uma célula de verdade, já que as concentrações químicas são conhecidas.

Ion Extracelular Intracelular Razão Extra/Intra Eion (37o C)


K+ 5 mM 100 mM 1:20 - 80mV
Na+ 150 mM 15 mM 10:1 + 62mV
Ca++ 2 mM 0,0002 mM .000:1 + 246mV
-
Cl 150 mM 13 mM 11,5:1 - 65mV
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Pelo que vimos até agora, é fácil imaginar que nem o Na e nem o Ca devem ser os íons
responsáveis pelo Em do estado de repouso, já que o potencial de repouso observado é de –
65mV. Então, o Em deve ser causado pelo potencial de equilíbrio do K + já que é o íon mais
permeável e não apresenta fluxo resultante. De fato, alterações de concentração externa de K+
causam mudanças significativas no Em.
O gráfico ao lado mostra que o aumento
de [K]ext reduz progressivamente o Em a
zero, ou seja, a membrana vai sofrendo
despolarização. No sistema nervoso,
qualquer excesso de K é rapidamente
seqüestrado pelos astrócitos que
garantem uma [K]ext baixa.
A equação do potencial de equilíbrio de
um íon (equação de Nernst) não leva em
consideração a permeabilidade relativa
dos íons através da membrana. Então, Goldmann e seus colegas propuseram que apesar da pNa
ser muito baixa, haveria uma diferença de permeabilidade entre os íons onde pK > pNa na ordem
de 40x. Isso significa que o EM real não poderia ser exatamente o potencial de equilíbrio do K (E K
= - 80mV), mas um pouco menor, devido ao escoamento de correntes de Na.

Em = RT ln pK[K]ext + pNa[Na]ext = - 65mV


pK[K]int + pNa[Na]int

E o gradiente de concentração dos íons? Quem origina e o mantém durante o potencial de


repouso?

Como vimos, o potencial de difusão do K depende da sua elevada permeabilidade à


membrana e a existência de um gradiente de concentração (potencial químico). Para manter esse
gradiente através de uma membrana permanentemente é necessário consumo de energia externa
ao sistema. A ATPase dependente de Na/K resolve o problema transportando 3Na e 2K contra os
respectivos gradientes e, assim, garantindo a sua manutenção. Quando a ATPase é bloqueada
pela oubaina, os gradientes químicos e elétricos existentes através da membrana celular se
dissipam. Apesar de eletrogênica, a contribuição da bomba é insignificante para modificar o Em.

Excitabilidade celular: bioleletrogênese e propagação do impulso nervoso


Nas células excitáveis, determinados estímulos causam
mudanças transitórias no Em a ponto de inverter
completamente a polaridade elétrica. Tal evento elétrico é
chamado de potencial de ação (PA). O PA começa com uma
rápida despolarização seguida de repolarizaçâo. A
despolarização rápida é devida à entrada de cargas positivas no
interior do neurônio o que vai reduzindo a diferença de
potencial, até que ocorra uma completa inversão de polaridade.
Neste ponto, a face interna da membrana fica carregada
positivamente e a face interna, negativamente. Na
repolarizaçâo, o Em volta aos valores do repouso graças à
saída de cátions. A saída de cátions é tanta que a membrana
chega ficar momentaneamente hiperpolarizada, isto é, torna-se
mais negativamente carregada do que no estado de repouso.
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Um neurônio pode ser


estimulado com
correntes elétricas
aplicadas por um
eletrodo de estimulação.
A figura ao lado mostra
o neurônio exibindo
vários eventos de PA
enquanto está sendo
estimulado
eletricamente. As
alterações do Em
durante o PA são
causadas pelo fluxo de
íons (cargas elétricas)
através da membrana.

Comportamento dos potenciais de membrana das células excitáveis

A estimulação elétrica das células excitáveis causam outros dois tipos de respostas, alem
do PA:

1. distúrbios elétricos de baixa voltagem, conhecidos


como potenciais eletrotônicos que são reações
puramente passivas da membrana à aplicação do
estímulo, sem ocorrer alterações de condutância
iônica. Propaga-se rápida e passivamente a
distâncias curtas.
2. distúrbios conhecidos como resposta ou
excitação local que vai além do potencial
eletrotônico puro e são causadas por um aumento na
condutância da membrana ao Na+ mas a
despolarização se mantêm localizada, com distância
perde energia potencial. Estes fenômenos ficam
restritos, por exemplo, nos dendritos e no soma.

O PA é um tipo de distúrbio elétrico de alta


voltagem, muito especial e ocorre somente quando a
membrana do neurônio for despolarizada até um valor
critico. A figura ao lado ilustra um neurônio multipolar
recebendo conexões nervosas aferentes. As regiões
do corpo celular e dos dendritos são os sítios de
recepção dos estímulos nervosos e respondem aos
estímulos com potencias elétricos de baixa voltagem
(a, b) denominados potenciais pós-sinápticos.
Essas respostas elétricas são algebricamente
computadas e propagadas eletrotonicamente até a
zona de gatilho do PA no cone de implantação do
axônio. Somente a partir do cone de implantação, o
PA pode ser gerado e propagado ao longo do axônio.
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MECANISMOS GERADORES E CONDUTORES DO POTENCIAL DE AÇÃO

No cone e ao longo de todo o


axônio há canais com comporta para o
Na e K. Durante o repouso esses canais
estão fechados e a membrana está
polarizada (cargas negativas na face
interna e cargas positivas na face
externa). Se o segmento inicial do axônio
for despolarizado até o potencial limiar,
+
os canais de Na com comporta, sensíveis
a voltagem, se abrem e o íon difunde-se
passivamente para dentro do axônio. A
entrada de cargas positivas despolariza a
membrana ainda mais, abrindo mais
canais de Na+ voltagem dependentes
num ciclo de retro-alimentação positiva a
ponto de inverter completamente a
polaridade da membrana (mais cargas
positivas na face interna). A
despolarização continua até que o Em
alcance valores próximos ao potencial de
equilíbrio do Na+ (ENa). O novo Em se
opõe ao fluxo passivo de Na e a entrada
do cátion diminui. Ao mesmo tempo, os
canais de Na voltagem dependentes
fecham-se tão rapidamente quanto se
abriram, tornando-se temporariamente
inativos. Até aqui ficou claro como se dá a
fase de despolarização do PA.
E como ocorre a repolarizaçâo? Para que o Em
volte ao estado de repouso, a solução seria a saída de
cargas positivas de dentro da célula, por exemplo, a
saída de K. De fato, é isso que acontece. Diferente dos
canais de Na voltagem-dependentes que se abrem e se
fecham rapidamente os canais de K voltagem
dependentes se abrem e se fecham lentamente. Com os
canais de K abertos, o cáion difunde-se passivamente
para fora da célula, a favor do seu gradiente elétrico e
químico causando a repolarização sem custo adicional
de energia. Como os canais de K+ fecham-se lentamente,
a saída de K é excessiva de forma que a face interna da
membrana fica ligeiramente mais negativa do que no
estado de repouso. Quando a diferença de pontecial
eletrico é mais negativa do que estado de repouso,
dizemos que a membrana está hiperpolarizada.
Os estudos com os canais unitários de Na e de K
deixam claro que durante a despolarização ocorre
entrada de corrente (íons) e durante a repolarização,
saída ou seja, movimentos de íons através da
membrana. É importante salientar que a quantidade de
Na e de K que atravessa a membrana durante o PA não
causa alteração significativa na concentração dos
respectivos íons nos dois lados da membrana. A prova
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de que a entrada de íon Na é o responsável pelo desencadeamento do PA é reforçado pelos


seguintes dados: se houver um grande aumento na concentração de Na extracelular, o neurônio se
tornará facilmente excitável e se houver redução, muito inexcitável. O modo de ação dos
anestésicos locais é um bom exemplo: a lidocaina inibe especificamente os canais de Na
voltagem dependentes, impedindo a geração de PA nas células sensoriais causando a analgesia.
A TTX (tetrodotoxina) é um potente veneno que age do mesmo modo.

Na figura da página anterior, o segmento do axônio possui um eletrodo de estimulação (s)


e dois eletrodos de registros R1 (mais próximo) e R2 (mais distante). Logo abaixo são mostrados
os diferentes pulsos de correntes e os respectivos registros do Em. Repare que o PA só foi gerado
apenas quando o estimulo indicado pela seta foi aplicado. Além disso, o PA foi registrado no ponto
R1 e R2, ou seja, o evento elétrico se propagou de um lugar para outro e sem alterar a sua
amplitude.
A intensidade de estimulo capaz de gerar um PA é denominada estímulo limiar e o valor
do potencial de membrana é denominado de potencial limiar. Os estímulos que só provocaram
alterações de baixa voltagem (potenciais subliminares) são denominados estímulos
subliminares. As intensidades acima do estímulo limiar são conhecidas como supralimiares e tem
como resposta, aumento na freqüência dos PA.

Propriedades do PA
Se o axônio fosse bem curto, a condução da informação poderia ser feita por condução
eletrotônica, mas como as mensagens neuronais percorrem distâncias longas, é essencial um
mecanismo que garanta a total fidelidade da informação, sendo propagada a longas distâncias. Por
exemplo, a condução de eletricidade através de cabos elétricos é bem rápida, mas a intensidade
do sinal sofre um decaimento exponencial com a distância. Como então contornar a perda de sinal
com a distância? A solução foi produzir um evento elétrico auto-regenerativo e auto-propagável
como o PA cuja duração e amplitude se propagam imutavelmente ao longo do axônio.
Lei do Tudo-ou-Nada: Se um estímulo limiar for aplicado a uma célula excitável, a célula
responderá com um PA e nada impedirá que o fenômeno seja impedido. É por isso que o PA é
conhecido como um fenômeno tudo-ou-nada. Isso ocorre por causa das propriedades intrínsecas
dos canais voltagem-dependente que se abrem e se fecham sempre de maneira constante. O seu
fechamento é “automático”, isto é, não depende de um segundo estimulo para mudar a sua
conformação. Assim, quando ocorre uma despolarização da membrana até o limiar, todos os
canais se abrem e depois de um tempo, fecham-se automaticamente.

Decodificação de intensidade do estímulo. Se o PA é um


fenômeno cuja amplitude não varia, como os neurônios decodificam
variações de intensidade dos estímulos? A intensidade é codificada
em função da freqüência dos PA gerados no axônio (numero de
PA / unidade de tempo). A decodificação da variação de intensidade
é realizada do estímulo limiar até um máximo.

Período refratário: Se um segundo estímulo limiar for aplicado,


enquanto o primeiro PA já está em curso, não será possível
desencadear outro PA, pois os canais de Na não estarão
completamente inativados, isto é, fechados. Este período
corresponde ao período refratário absoluto (PRA). A aplicação de
um estímulo limiar em uma fase posterior, no curso final da
repolarização será possível desencadear um PA, ainda que de
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menor amplitude. A este período denominamos período refratário relativo (PRR). Esta
propriedade é também decorrente das propriedades dos canais voltagem dependente e indica que
um novo PA só pode ser gerado quando a membrana estiver completamente repolarizada aos
níveis de repouso.

Curva Intensidade-Duração. Um estímulo forte despolariza


rapidamente a membrana até o limiar e precisa de pouco
tempo para causar um PA. Já um estímulo mais fraco requer
mais tempo para que a mesma quantidade crítica de corrente
flua através da membrana para despolarizar o limiar. O gráfico
da curva intensidade-duração descreve esta relação. Isto quer
dizer que além da intensidade, a duração do estímulo aplicado
também é igualmente importante para a manifestação do PA.
A intensidade mínima de estímulo capaz de causar um PA é
denominada reobase e o tempo necessário para sua
aplicação, tempo de utilização. A duração que equivale ao
dobro da reobase é denominada de cronaxia.

Acomodação: se uma célula excitável for despolarizada muito lentamente até o limiar, não
manifestará PA. Isto acontece porque os canais de Na abertos pela despolarização se tornam
inativos (se fecham) antes de atingir o potencial limiar, limitando o número de canais críticos
necessários para deflagrar o PA. Além disso, como os canais de K voltagem dependentes também
se abrem, a membrana se torna refratária.

Mecanismo de condução do impulso nervoso ( visite site recomendado nos links )

A figura ilustra a condução do PA em um axônio sem mielina. Repare que o PA está se propagando da esquerda
pela direita: assim, primeiro vemos o influxo de Na (despolarização) seguido do efluxo tardio de K (repolarização)

Assim que o PA é gerado no cone de implantação (de um neurônio multipolar) ele se


propaga ao longo do axônio até o terminal axônico, como se fosse um rastilho de pólvora em
combustão. Como o PA se propaga da zona de gatilho até o seu terminal sem depender de um
novo estimulo e mantendo a sua amplitude e duração?
A membrana citoplasmática é um mal condutor de
cargas elétricas, ao contrário dos fluidos extra e intracelulares.
Quando uma região da membrana sofre uma despolarização
(zona ativa), as correntes iônicas se propagam longitudinal e
transversalmente fechando o circuito. Estas correntes
eletrotônicas despolarizam a membrana adjacente que se
encontra em repouso. Assim, quando ocorre entrada de Na
durante o PA, a região adjacente, “empurra” passivamente
corrente negativa para a superfície da membrana,
despolarizando-a passivamente. Esta resposta local
Curso de Fisiologia 2013 NeuroBiologia 35
Departamento de Fisiologia, IB Unesp-Botucatu Profa. Silvia M. Nishida

despolariza a membrana até o seu limiar, ou seja, ativam os canais iônicos vizinhos de Na e de K
voltagem dependentes, gerando novo PA e assim sucessivamente. Desta maneira o próprio PA
serve de estímulo do PA sucessivo, garantindo a sua propagação autoregenerativa, sem qualquer
custo adicional de energia metabólica.
O PA é conduzido sempre do segmento inicial para o terminal axônico (anterogradamente) e
isto não é devido a uma propriedade inerente à membrana ou ao mecanismo de propagação. O
sentido da condução não é revertido porque a membrana do axônio onde o PA acabou de ocorrer
se torna refratária, i e, os canais de Na se encontram ainda inativos e os de K ainda estão abertos.
Portanto, existe um efluxo (saída) de K que hiperpolariza a membrana (tornando-a distante do
potencial limiar), barrando qualquer despolarização eletrotônica anterógrada. Ou seja, a existência
do período refratário seve como mecanismo de segurança para que o impulso nervoso seja gerado
sempre num único sentido (do corpo celular em direção ao terminal sináptico).

Velocidade de Condução do PA

Tipos de fibras nervosas de um nervo de mamífero


Diâmetro Velocidade Duração do PRA
Tipo de Fibra Função
(m) (m/s) PA (ms) (ms)
A Propriocepção; Motor somático 10-20 70-120
 Tato, pressão 5-12 30-70
0,4 –0,5 0,4-1,0
 Motor 3-6 15-30
 Dor, temperatura, tato 2-5 12-30
B Neurônio pré-ganglionar autonômico <3 3-15 1,2 1,2
C
Raízes dorsais Dor, respostas reflexas 0,4 – 1,2 0,5 –2,0 2 2
Simpático Neurônios pós-ganglionares 0,3 – 1,3 0,7 – 2,3 2 2

A tabela acima mostra que a velocidade


de propagação dos impulsos depende de dois
fatores: do calibre e se o axônio é mielinizado ou
não.
O gráfico ao lado resume estas
informações.
1) Diâmetro do axônio. Quanto maior o
diâmetro, menor será a resistência ao fluxo de
corrente no axoplasma e como consequência,
maior a velocidade.
2) Mielinização da fibra. Uma outra maneira
de aumentar a velocidade da condução é o de
isolar o axônio eletricamente a intervalos fixos. Os
gliócitos encapam os axônios com mielina com
exceção dos nodos de Ranvier. O PA iniciado no
cone é conduzido de nodo a nodo, onde os canais
de Na e de K voltagem dependentes estão
presentes. O PA no nodo seguinte é causado pela
propagação eletrotônica de corrente gerado pelo
PA anterior. Assim, ao invés do PA se propagar
continuamente como acontece na fibra sem
mielina, ocorre aos saltos, gastando menos tempo
até os terminais nervosos. O aumento na
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velocidade de condução nervosa propicia rapidez na transmissão de informações sensoriais, na


emissão de comandos motores para os órgãos efetuadores, bem como no processamento de
sinais neurais pelo SNC.

Potencial de ação de um nervo composto


Um nervo periférico é constituído de várias fibras nervosas, tanto motoras como sensitivas
(com a exceção de alguns nervos cranianos que possuem ou nervos sensitivos ou motores) e pode
conter fibras mielinizadas como não mielinizadas. Tomando-se um nervo composto, é possível
registrar o PA composto do nervo, estimulando-o experimentalmente. Na figura abaixo, os registros
dos PA do nervo a partir de 3 eletrodos colocados a várias distâncias do eletrodo de estimulação.
Note que o PA composto parece ser constituído de vários picos. O que se vê na verdade é a
resultante de vários PA unitários das fibras nervosas que compõe o nervo; daí ser denominado de
potencial de ação composto. O gráfico ilustra a reconstrução do PA composto mostrando o
tamanho relativo dos PA unitários conforme o calibre das fibras e a duração do impulso. Repare
que a amplitude e a duração dos PA unitários são diferentes para cada tipo de fibra.

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