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DIRETOR: MARIA ADELANE NASCIMENTO

PROFESSORA: JARDANE ROCHA


DISCIPLINA: LÍNGUA PORTUGUESA E SUAS LITERATURAS
SÉRIE: 2ª TURNO: TURMA:

Gonçalves Dias: inovações na poesia poema que trata do reencontro inesperado de


namorados após anos de separação.
O canto indígena
Mas que tens? Não me conheces?
Gonçalves Dias construiu personagens
De mim afastas teu rosto?
indígenas conforme as convenções românticas. Em
Pois tanto pôde o desgosto
seus poemas, porém, a ênfase não recai sobre a
Transformar o rosto meu?
personalidade do herói e seus feitos, mas sobre seus
Sei a aflição quanto pode,
valores e sentimentos. E, apesar do exagero de
Sei quanto ela desfigura,
certos traços de bravura, a representação do indígena
E eu não vivi na ventura…
e de sua cultura é verossímil. Isso contribuiu para a
Olha-me bem, que sou eu!
aceitação, pelo leitor da época, do nativo como modelo
para o orgulho pátrio.
Nenhuma voz me diriges!…
Ao permitir que o indígena se expresse nos Julgas-te acaso ofendida?
poemas ou que assuma o papel de eu lírico, o poeta Deste-me amor, e a vida
explicita a sensibilidade desse indivíduo. Assim, neste Que ma darias – bem sei;
trecho de “Marabá”, que quer dizer “mestiça”, é a Mas lembrem-te aqueles feros
indígena que se lamenta por ser desprezada pelos Corações que se meteram
homens da tribo. Entre nós; e se venceram,
Mal sabes quanto lutei!
Eu vivo sozinha; ninguém me procura!
Dias, Gonçalves. Poesia. 8. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1977. p. 67.
Acaso feitura
Não sou de Tupá? O poeta produz uma poesia mais equilibrada e,
Se algum dentre os homens de mim não se nesse sentido, mais clássica. Assim, mesmo quando
esconde seu tema é a desilusão amorosa, o êxtase religioso ou
— “Tu és”, me responde, a morte, seus poemas raramente expressam um
“Tu és Marabá!” sentimentalismo espontâneo e exagerado. Em seu
lugar, buscam a palavra precisa e a imaginação
Meus olhos são garços, são cor das safiras, contida, características que revelam a influência de
Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar; autores portugueses como Almeida Garrett e Alexandre
Imitam as nuvens de um céu anilado, Herculano, ambos com formação neoclássica.
As cores imitam das vagas do mar!
O domínio da língua portuguesa e a
Se algum dos guerreiros não foge a meus capacidade técnica destacam Gonçalves Dias entre
passos: os poetas nacionais. Observe os seguintes fragmentos.
— “Teus olhos são garços”,
O primeiro, abaixo, extraído de “O canto do
Responde anojado, “mas és Marabá:
Piaga”, traz o alerta de um sacerdote indígena que
“Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes,
prevê a chegada dos brancos.
“Uns olhos fulgentes,
“Bem pretos, retintos, não cor d’anajá!” Ó Guerreiros da Taba sagrada,
Dias, Gonçalves. Poesia. 8. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1977. p. 54.
Ó Guerreiros da Tribo Tupi,
No poema, Gonçalves Dias usou o eu lírico Falam Deuses nos cantos do Piaga,
feminino e uniu dois dos principais temas de sua Ó Guerreiros, meus cantos ouvi.
poética: a frustração amorosa e o indianismo. Dois
ideais de beleza se contrapõem: de um lado, o ideal Esta noite – era a lua já morta –
europeu – a moça tem olhos esverdeados; de outro, o Anhangá me vedava sonhar;
ideal indígena – o rapaz prefere olhos bem negros, Eis na horrível caverna, que habito,
como é típico de seu povo. Rouca voz começou-me a chamar.
Dias, Gonçalves. Poesia. 8. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1977. p. 45.
Lírica contida
Nessas duas estrofes, todos os versos têm
Gonçalves Dias é reconhecido como um
nove sílabas poéticas. Além disso, os acentos tônicos
grande poeta lírico. Suas composições são marcadas
recaem sempre na terceira, na sexta e na nona sílabas,
pela melancolia e pela saudade, como se nota no
criando um ritmo bem cadenciado. Como o poema trata
fragmento abaixo, extraído de “Ainda uma vez, adeus!”,
de uma premonição do sacerdote da tribo, o ritmo

Rua Fernando Ferrari, 321 Centro Santa Luzia do Pará-Pa


repetitivo diferencia a fala deste do discurso comum, Não encontres um tronco, uma pedra,
atribuindo a suas palavras um valor mágico, religioso. Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos,
Padecendo os maiores tormentos,
Este segundo trecho, extraído da obra Onde possas a fronte pousar.
Sextilhas de Frei Antão, retoma um conteúdo medieval:

Bom tempo foy o d’outr’ora Que a teus passos a relva se torre;


Quando o reyno era christão, Murchem prados, a flor desfaleça,
Quando nas guerras de mouros E o regato que límpido corre,
Era o rey nosso pendão, Mais te acenda o vesano furor;
Quando as donas consumião Suas águas depressa se tornem,
Seos teres em devação. Ao contacto dos lábios sedentos,
Lago impuro de vermes nojentos,
Dias, Gonçalves. Sextilhas de Frei Antão. In: Poesia. 8. ed. Rio de
Donde fujas com asco e terror!
Janeiro: Agir, 1977. p. 195.

A impressão de que se trata de uma obra Sempre o céu, como um teto incendido,
medieval surge da forma arcaica como as palavras Creste e punja teus membros malditos
estão grafadas e das referências históricas: luta de E oceano de pó denegrido
cristãos e mouros; presença do rei. O poema trata da Seja a terra ao ignavo tupi!
saudade dos tempos antigos, aos quais retrocede pela Miserável, faminto, sedento,
própria forma de escrita. Manitôs lhe não falem nos sonhos,
E do horror os espectros medonhos
Note-se que, tanto em um trecho quanto em Traga sempre o cobarde após si.
outro, a linguagem ajusta- -se ao conteúdo. O ritmo
cadenciado do primeiro expressa o solene alerta feito Um amigo não tenhas piedoso
pelo eu lírico. Já a linguagem do segundo remete ao Que o teu corpo na terra embalsame,
quadro histórico tratado. Gonçalves Dias testou Pondo em vaso d’argila cuidoso
estruturas e ritmos diversos, sempre pro curando Arco e frecha e tacape a teus pés!
associá-los aos fatos narrados ou aos estados Sê maldito, e sozinho na terra;
psicológicos que pretendia expressar. Pois que a tanta vileza chegaste,
Que em presença da morte choraste,
Tu, cobarde, meu filho não és.
SUA LEITURA
Dias, Gonçalves. Poesia. 8. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1977. p. 40-42.

Leia a seguir um fragmento do poema dramático “I-Juca


Pirama”, representante da lírica indianista de
Gonçalves Dias.

I-Juca Pirama – Parte VIII

Tu choraste em presença da morte?


Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de vis Aimorés.

Possas tu, isolado na terra,


Sem arrimo e sem pátria vagando,
Rejeitado da morte na guerra, O maranhense Antônio Gonçalves Dias nasceu em
Rejeitado dos homens na paz, 1823, filho de uma mestiça de negro e indígena com um
Ser das gentes o espectro execrado; comerciante português. Formou-se em Latim e Letras
Não encontres amor nas mulheres, Clássicas na Universidade de Coimbra, retornou ao
Teus amigos, se amigos tiveres, Brasil em 1845 e, no ano seguinte, foi morar no Rio de
Tenham alma inconstante e falaz! Janeiro, onde publicou seu primeiro livro de poemas:
Primeiros cantos. Nos anos se guintes, publicou
Não encontres doçura no dia, Segundos cantos e sextilhas de Frei Antão (1848),
Nem as cores da aurora te ameiguem, Últimos cantos (1851) e Os timbiras (1857). Gonçalves
E entre as larvas da noite sombria Dias morreu aos 41 anos, vítima do naufrágio do navio
Nunca possas descanso gozar: Ville de Boulogne, a 3 de novembro de 1864.

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