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“130 anos pós-abolição: vivências negras no espaço urbano”

LOGO IBDU + FOTO CAPA

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Diretoria Executiva | Gestão 2016-2017
Presidente: Daniela Campos Libório
Vice-Presidente: Betânia de Moraes Alfonsin
Tesoureira: Vanessa Koetz
Diretora Administrativa: Ligia Maria Silva Melo de Casimiro
Diretor Administrativo: Alex Ferreira Magalhães
Secretário Executivo: Henrique Botelho Frota

Organização e edição:
Jéssica Tavares Cerqueira

Projeto Gráfico e diagramação:


Mariana Boaventura

Fotos:
Mariana Prudêncio

130 ANOS
PÓS-ABOLIÇÃO:
IN59 Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico - IBDU
130 anos pós-abolição: vivências negras no espaço urbano
São Paulo: IBDU, 2017.

VIVÊNCIAS NEGRAS 98 p.
ISBN 978-85-68957-08-0
NO ESPAÇO URBANO 1. Direito à Cidade 2. Gênero 3. Diversidade 4. Sociedade 5. Brasil I. Título
II. Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico III. Fundação Ford Brasil

CDD 349 + 305


CDU 305-055.2

Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0 International (CC BY-NC-SA 4.0)

www.ibdu.org.br

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Apresentação

O projeto editorial “Direito à Cidade: Novos Olhares”, nasceu em meados de


março de 2017, motivado por uma necessidade de conectar lutas e trajetórias a SUMÁRIO
partir das vozes de pessoas engajadas contra as opressões. Seus primeiros frutos
Apresentação | 6
foram voltados à discussão de gênero e cidade, tendo apresentado grande recep-
tividade. Quase dez meses depois, percebemos que o projeto ganhou propor- 1. Mulheres Negras e a Cidade: Um debate a partir do pensamento de
Patrícia Hill Collins | 10
ções, parceiros e colaboradores da mesma grandeza da necessidade de discutir
Winnie de Campos Bueno
a pauta de opressões relacionada ao debate da vida na urbe. Ou seja, gigante.
Foram aproximadamente 50 autoras e autores que se mobilizaram entre os 2. Mão Preta | 17
Thata Alves – ou Thayaneddy Alves
quatro volumes publicados, expressando uma enorme diversidade de temas e
lutas. O olhar desses grandes ativistas por cidades mais justas nos guiou adiante 3. Dois Rios: A circulação dos negros na Cidade do Rio de Janeiro | 24
Daniella Monteiro
no compromisso ético com a construção de políticas públicas interseccionais,
que devem ter como responsabilidade e razão de existir a construção de condi- 4. A resistência negra em São Paulo | 29
Joselicio Junior
ções reais para que a população negra, as mulheres, as LGBT+, os povos indíge-
nas, quilombolas e toda a população oprimida possam exercer a sua humanida- 5. Batalhas de MC’s e direito à cidade: a efervescência do Hip Hop no
grande ABC Paulista | 40
de livremente.
Elber Pergentino Almeida
Para compreender melhor as consequências da radicalização do mal, utili-
zada pela branquitude1 contra os povos negros no ambiente urbano brasileiro, 6. O direito à cidade não existe para mulheres e negros | 48
ousamos reunir neste quarto livro vozes que ecoam duras verdades com muita Luciana Araújo

sabedoria. São reais porta-vozes da resistência de um Brasil que, 130 anos após 7. Pela População Negra do Entorno do DF: Quem se sente responsável?
a abolição, não nos permitiu que o título deste volume fosse outro. Lembrar as Reflexões sobre problemática ausência de Políticas de Públicas para o
DF e Entorno | 56
vergonhosas estruturas que pavimentaram a produção do espaço urbano ainda
Wendy Silva de Andrade
não nos permite pensar nas formas de efetivação do direito à cidade, mas no
impacto da sua violação em nossas vidas. 8. Corpo negro e gordo bóia no mar | 68
Lucas Vinícius Ferrazza Silva
O caminho da luta pela vida e pelo bem viver não é só um caminho sem volta,
como também é o caminho possível. 9. Pelo Direito de sobreviver a cidade | 78
Pelos nossos ancestrais e pelos que estão por vir. Letícia Carvalho
10. A autonomia seletiva da cidade de São Paulo | 81
Boa Leitura! Brunatta ou Bruna Tamires

A organização. 11. O Centro e a Territorialidade Negra na Capital Paulista | 88


Elky Araújo

12. Fotografia | 94
1 Naná Prudêncio
Mal radical - Conceito utlizado por Achille Mbembe em “A Crítica da Razão” (2013) para
tratar de marcadores negativos como instrumento de desumanização dos sujeitos.

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1 MULHERES NEGRAS E A CIDADE: UM DEBATE A PAR-
TIR DO PENSAMENTO DE PATRÍCIA HILL COLLINS
O espaço urbano apresenta uma relação intrínseca com a questão racial. O
acesso à cidade, as ocupações urbanas, os territórios são vivenciados de ma-
neira distinta por pessoas negras. A análise que faço neste artigo, portanto,
implica na utilização da interseccionalidade como uma ferramenta reflexi-
va para problematizar a questão do Direito à cidade para mulheres negras.
Compreendo a interseccionalidade na perspectiva apontada pela Dra.Patrícia
Hill Collins, socióloga afro-estadunidense, reconhecida internacionalmente
pelo trabalho desenvolvido frente às questões pertinentes ao pensamento de
Winnie de Campos Bueno - Iyalorixa do Ile Aye Orisha Yemanja, mulheres negras2. No último período Hill Collins têm se dedicado a pensar a
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pelotas/RS. Mes- interseccionalidade como um campo potente de formulação teórica crítica e,
tranda em Direito Público pela Universidade do Vale Rio dos Sinos/ nesse sentido, também tem apontado a interseccionalidade como um campo
RS de conhecimento capaz de articular transformações sociais que promovam
mudanças significativas nas instituições, o que consubstancia o arco desse
ensaio que é refletir sobre a marginalização das mulheres negras no contexto
urbano a partir das inequidades ocasionadas pelo racismo patriarcal3.
2
As formulações teóricas de Patrícia Hill Collins tem por foco investigativo o exame social
crítico das questões de raça, gênero, sexualidade, classe social e nacionalidade. Sua obra mais
reconhecida é o aclamado Black Feminist ThoughtConsciousness, and the Politics of Empowerment
(Routledge), publicado pela primeira vez em 1990. A pesquisadora tem publicado diversos
trabalhos em revistas acadêmicas internacionalmente reconhecidas. Foi a primeira mulher
negra estadunidense a ocupar a presidência da American Sociological Association. Seus at-
uais interesses de pesquisa incluem: epistemologias da interseccionalidade; epistemologias
do conhecimento emancipatório, como a teoria crítica racial e pesquisas sobre os efeitos das
inequidades sociais na juventude negra norte-americana.
3
Utilizo o conceito de racismo patriarcal a partir da articulação de Cleusa Aparecida da Silva,
coordenadora da Associação de Mulheres Negras Brasileira (AMNB), para ela, em entrevista
para o CFEMEA: “: A formulação do conceito racismo patriarcal busca traduzir a vivência e a
experiência histórica da exclusão centrada no sexismo e no racismo vigentes desde o sistema
colonial escravista. O conceito busca qualificar e ampliar conhecimento sobre a singularidade
de ser mulher, ser negra, ser trabalhadora e pobre no Brasil, isto é, de vivenciar no cotidia-
no vários eixos de subordinação, que vulnerabilizam sua existência, cujos resultados são as
desvantagens com impacto estrutural para as mulheres negras, na vida e no mundo do tra-
10 11
é um marco teórico relevante para compreender como a construção de este-
O histórico de ocupação do espaço urbano por mulheres no Brasil se dá a reótipos a respeito das mulheres negras se constitui como uma forte ferra-
partir das mulheres negras escravizadas. Os estudos sobre escravidão apon- menta de controle social e marginalização dessas mulheres tanto no contexto
tam que essas mulheres eram colocadas para trabalhar nas ruas, visando urbano quanto no contexto rural. Considerando o escopo desta publicação
o lucro de seus proprietários, em pequenos comércios como quitandeiras e irei me debruçar nas imagens que tem mais pertinência com as experiências
lavadeiras, designadas como escravas de ganho. As mulheres negras livres urbanas.
ou forras, também ocupavam as ruas das cidades executando serviços, desta Para Hill Collins imagens controladoras são estereótipos socialmente
forma organizavam seus orçamentos domésticos e garantiam o sustento de construídos sobre mulheres negras, os quais operam como parte de uma
suas famílias.4 Ou seja, o trabalho no âmbito externo sempre esteve presente ideologia de dominação racial. Esses estereótipos adquirem um significado
na vida das mulheres negras. A vivência e a experiência com as lógicas do específico para a comunidade de mulheres negras, uma vez que o estabeleci-
urbano compõe a trajetória das mulheres negras no contexto das cidades. mento de valores sociais é uma ferramenta de poder manipulada pelos gru-
Esse brevíssimo apanhado histórico, permite evidenciar que a maneira pos sociais hegemônicos essas imagens acabam fixando as mulheres negras
com que os espaços públicos e privados vão ser contextualizados na vida em locais subalternizados na estrutura sócio econômica. Desafiar constan-
das mulheres negras é distinto da maneira com que essa vivência se dará temente essas imagens de controle tem sido central na agenda de lutas dos
para outros grupos. Nessa perspectiva interseccional, portanto, observamos movimentos de mulheres negras. Esses estereótipos também operam nos
que raça, classe e gênero vão configurar como os espaços urbanos são per- significados de apropriação do espaço urbano para as mulheres negras e,
cebidos. No que diz respeito às mulheres negras, entretanto, esse históri- ao estabelecerem significados, pautados em seus próprios pontos de vistas,
co de presença constante no espaço urbano não significa necessariamente a comunidade de mulheres negras rompe com a lógica de objetificação da
uma apropriação plena de humanização e cidadania para essas mulheres negritude como o “outro”. Essa lógica, faz com que se tenha um campo onde
por consequência da hierarquização racial que segue vigente nas estrutu- é possível desarticular as imagens que justificam as ideologias de classe, raça
ras políticas e sociais do território brasileiro que desumanizam e mitigam o e gênero.6
acesso à direitos. A permanência dessas lógicas mantém as mulheres negras O controle social estabelecido a partir dessas imagens consubstancia o
nos estratos mais vulneráveis da sociedade, ocupando os piores índices de que Sueli Carneiro7 denomina enquanto “subalternização do gênero segun-
escolaridade, assistência social, saúde e empregabilidade. O deslocamento do a raça”, onde:
dessas mulheres no espaço urbano está imbricado com uma percepção natu- As imagens de gênero que se estabelecem a partir do
ralizada das mesmas enquanto multas, empregas domésticas, amas de leite trabalho enrudecedor, da degradação da sexualidade e da
e mães pretas5. marginalização social, irão reproduzir até os dias de hoje a
O conceito de imagens controladoras, cunhado por Patrícia Hill Collins desvalorização social, estética e cultural das mulheres ne-
balho. No mundo do trabalho, o conceito racismo patriarcal dialoga com a divisão sexual e ra-
gras e a supervalorização no imaginário social das mulhe-
cial, pois é neste mundo que as mulheres negras vivenciam as maiores desvantagens e sofrem res brancas, bem como a desvalorização dos homens negros
múltiplas formas de violações de direitos e violências oriundas das doutrinas ideológicas do
sexismo, do racismo e do capitalismo, pois ocupam as funções mais desvalorizadas e menos em relação aos homens brancos. Isso resulta na concepção
remuneradas”
6
4
SOARES, Cecília Moreira. As ganhadeiras: mulher e resistência negra em Salvador no século COLLINS, Patricia Hill. Mammies, matriarchs, and other controlling images. na, 1999.
XIX. Afro-Ásia, n. 17, 2017. 7
CARNEIRO, Sueli. A mulher negra na sociedade brasileira “o papel do movimento femi-
5
GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Luiz Antonio Silva, Movimen- nista na luta anti-racista”. História do negro no Brasil. Brasília: Fundação Cultural Palmares,
tos sociais, urbanos, memórias étnicas e outros estudos, Brasília, ANPOCS, 1983. p. 1-21, 2004.
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de mulheres e homens negros enquanto gêneros subalter- Outra aspecto fundamental no que diz respeito ao desenho das cidades
nizados, onde nem a marca biológica feminina é capaz de é a forma com que as inequidades sociais também se apresentam dentro
promover a mulher negra à condição plena de mulher e de uma lógica onde mulheres negras apresentarão maiores dificuldades de
tampouco a condição biológica masculina se mostra sufi- apropriação das cidades. De acordo com a arquiteta e urbanista Joice Berth,
ciente para alçar os homens negros à plena condição mas- em entrevista para a Revista Trip, a lógica de urbanização propositalmente
culina, tal como instituída pela cultura hegemônica empurra para as margens os corpos que a sociedade e que as lógicas racistas
No que pese o apontamento para as consequências dessa subalternização e sexistas consideram indesejáveis, a forma com que a periferização das mu-
para os homens negros, o pouco espaço para desenvolver essas linhas e o lheres negras vai se estabelecendo ao decorrer dos anos muda, mas as con-
escopo deste ensaio limita a análise a maneira com que essa subalterniza- sequências são as mesmas. Outrossim, há um higienismo que justifica um
ção vai influenciar na mudança de paradigma da ocupação da cidade pe- desenho urbano onde mulheres negras não só são excluídas como também
las mulheres negras no pós-abolição. O professor Alecsandro Ratts discorre sentem-se constantemente indesejadas. Joice alerta também para o fato que
sobre essa questão com profundidade, apontando a maneira com que raça a própria arquitetura pode transmitir linguagens que favorecem a violência
e gênero foram determinantes na ocupação do espacial do território urba- e o assédio. Há também um apagamento das contribuições das mulheres
no brasileiro. A partir dos estudos de Gilberto Freyre e Roberto da Matta , negras nas estruturas da cidade, o qual dificulta as interações sociais e ejeta
Ratts demonstra como a transformação de senzalas em favelas vão obedecer essas mulheres do espaço urbano. Dessa forma, a cidade deixa de ser vivida
uma lógica instituída a partir dos corpos de mulheres negras, que através do por mulheres negras, constituindo-se enquanto um espaço hostil, onde as
olhar do outro (o branco), orienta inclusive o espaçamento urbanístico das ruas, avenidas e vielas se configuram apenas como locais de passagem para
residências brasileiras das classes abastadas. O quarto de empregada, por o cumprimento das extenuantes múltiplas jornadas exigidas para a sobrevi-
exemplo, e a situação de abjeção em relação aos corpos das trabalhadoras vência da comunidade de mulheres negras.
domésticas negras possibilita observar como essas marcas estão relacionadas Dado esse diagnóstico é fundamental repensar a organização do espaço
com a constituição do espaço urbano brasileiro. urbano de uma forma em que as imagens controladoras do racismo patriar-
Em momento posterior, as lógicas do racismo e dos estereótipos sobre cal, bem como outros instrumentos de perpetuação das lógicas de expulsão
mulheres negras vai influenciar sobremaneira as formas com que estas vão das mulheres negras do tecido social urbano, deem espaço para a configu-
transitar nas cidades. É preciso dizer que no caso dessas mulheres, a chefia ração de um espaço urbano democrático. O fortalecimento de iniciativas en-
das famílias é um contínuo. As imagens controladoras sobre elas, portanto, gendradas dentro das comunidades negras, como os espaços de socialização
constituía-se enquanto um obstáculo para o acesso pleno à cidade. Dessa colaborativos, os projetos de reorganização das favelas, as estratégias de
forma, essas mulheres vão, através dos tempos, articulando estratégias de compartilhamento da cidade, como jardins coletivos, hortos comunitários
ressignificação de espaços urbanos precários para o lazer, a moradia e o mí- e a propagação de diálogos sobre urbanismo que se deem a partir de uma
nimo de assistência social. Contudo, conforme esses espaços vão adquirindo perspectiva interseccional podem fazer a diferença na forma com que mu-
potências criativas e econômicas, operam novas formas de exclusão e elimi- lheres negras experienciam as cidades na atualidade. O reconhecimento do
nação dessas mulheres das conformações socioespaciais das quais elas mes- protagonismo das mulheres negras na história de ocupação do espaço urba-
mas foram formuladoras. Os processos de gentrificação nas grandes cidades, no também é uma práxis que auxilia na alteração do complexo estabelecido
especialmente aquelas de cunho turístico, é um indício dessa afirmação. Ca- pelas imagens controladoras a cerca dessas mulheres, uma vez que ao par-
sos como a Pedra do Sal, no Rio de Janeiro. tilhar as experiências e vivências da comunidade de mulheres negras com
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o espaço urbano a partir dos pontos de vistas formulados por elas mesmas
se possibilita a construção de um novo paradigma sobre a cidade, um em
que essas mulheres possam se reconhecer e se ver para além de estereótipos
desumanizantes, que limitam a posse da cidadania e, consequentemente, de
vivências positivas e capazes de potencializar a emancipação da negritude a
partir de uma convivência menos violenta e segregada com o espaço público.

Foto 02
2
Thata Alves – ou Thayaneddy Alves é escritora, precursora do Sarau
da Ponte Pra Cá publicou em 2016, de maneira independente, pelo
selo Academia Periférica de Letras o primeiro livro autoral de poesia
marginal intitulado “Em Reticências”.
É mãe dos gêmeos Bryan e Brenno. Thata Alves também é mem-
bro do coletivo Sarau das Pretas, onde atua com poesia, música e
resgate da ancestralidade há 1 ano. Além disso participa e propõe
espaços de discussão realizando trabalhos em parceria com os co-
letivos Praçarau, Fala Guerreira, Casa de Cultura Candearte, onde
realiza a produção cultural e a comunicação da casa e Cantinho de
Integração de Todas as Artes (CITA).
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18 19
Mão Preta O paletó na lavanderia do seu chefe,
O eletricista do abajur do seu escritório,
Tijolo posto Quem que cava a cova do seu velório?
Por ordem de um arquiteto, Contabiliza!
Mas o teto Se por um dia a mão preta, parasse
ele não sabe levantar. Se afasta-se dos serviços
Edifício enorme (Risos)
que de longe se enxergue Porque a gente movimenta esse lugar
quem ergue? Vivemos um crime social
Mão preta! E na moral
Escudo de preto Você não paga o meu salário, a movimentação do monetário
Na linha de frente dos palácios É o meu suor a percorrer
Ricaços curtem a festa que faz pagar
A desritmada dança e a segurança, quem faz? A casa grande entrará em choque
Mão Preta Quando em seus estoques
Quitutes, sobremesas, manjares não tiver mais Mão Preta
Quem é que fazes? Pra poder cuidar.
Mão Preta...
Experimenta por dona Bia na cozinha
não conseguiria
Mesmo sendo nutricionista
Especialista na cozinha
Mão Preta
O anel com pedra de diamante
Pro evento de debutante de sua filha
quem que extraíra?
Mão Preta
No minério seu império
Nada seria
Se lá na mina, na gruta
A luta para remover a pedra
na caverna escura
escura também a sua pele
Mão Preta
Quem que te leva em segurança,
Que pega as suas crianças,
Os filhos dos Bittencourt
Aqueles capeta
Seus caminhos quem conduz?
Mão Preta!
A engrenagem dos trilhos,
O alpiste dos seus passarinhos,
O depósito do seu cheque,
20 21
foto 03 Daniella Monteiro
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3 Jéssica Ruiz
Mulher, lésbica, militante LGBT e de direitos humanos, marxista e biólo-
ga marinha
Dois Rios: A circulação dos negros na Cidade do Rio
de Janeiro
A Cidade que vivemos é, essencialmente a que produzimos. A Cidade
que temos acesso é, essencialmente a que podemos consumir. No Brasil, his-
toricamente negros e negras sempre ocuparam o espaço público, como fa-
zedores da Cidade. Do trabalho braçal, que construiu, e ainda constrói, até
as tecnologias utilizadas. Os povos Banto e Yorubá trouxeram consigo, não
apenas mão de obra a ser escravizada, como técnicas de alvenaria, tecela-
gem, pesca e metalurgia. No entanto, a formação das Cidades Brasileiras é o
processo histórico de exclusão de negros e negras.
Daniella Monteiro É necessário retomarmos o pós-abolição, quando as teorias eugenistas
ainda apontavam negros como geneticamente inferiores. Ao passo que a for-
mulação do Pensamento Social Brasileiro, difundiu o mito da Democracia
Racial. Existia a construção de uma nova sociedade, desvinculada do status
de colônia, que fortalecia a independência do Brasil. E nesta, não cabiam
os negros. A mestiçagem, prova do convívio pacífico entre as raças, tinha o
propósito o branqueamento da população. As pesquisas desenvolvidas por
Antropólogos e Geneticistas nos Museus e Academia, estima que no século
XXI teríamos uma população 97% Branca; 3% Indígena e sem negros.
Não existiam políticas públicas de integração do negro na sociedade bra-
sileira. Foi negado o acesso a terra, ao trabalho formal da época e nenhuma
política de reparação ou indenização. Eram quase 200 mil descendentes de
africanos que não poderiam ser brasileiros. Para a nova e próspera nação, os
negros eram um problema e não pessoas com problema para serem integra-
dos.
No Rio, paralelo diversas obras de infraestrutura e urbanização do início
de século XX, destoava da crescente ocupação dos morros da Cidade. Com
os casarões sendo demolidos, dando espaço a grandes avenidas. Apagando
vestígios coloniais, a Cidade crescia e se dividia. De um lado a Cidade que
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não existia nos mapas, sem planejamento urbano e saneamento. Do outro, a las tem nome de nobres e escravistas. Embora a praça se chame Tiradentes,
Cidade planejada, a Capital do País, centro político e econômico. a estátua central é de D. Pedro I. O Museu do Negro, segue sendo o depósito
As favelas foram se desenvolvendo a partir do Centro da cidade, Provi- de uma igreja católica.
dência e Santo Antônio, local que foi demolido diversos casarões, diversas Produzimos uma Cidade que mascara os vestígios negros e higieniza a
famílias despejadas que não foram realocadas. Mas autorizadas em cons- sua circulação. Embora o Futebol seja um esporte popular no país, os Está-
truir suas casas nos morros, sem subsídios. E foram se desenvolvendo por dios viraram arenas que o trabalhador assalariado não consegue pagar. O
toda a zona sul, para que os trabalhadores morassem perto do seu emprego, Samba, que nasce nas favelas e toma as ruas no Carnaval, desfila na Sapucaí
mas não perto suficiente das elites. O Morro da Babilônia, Morro dos Ca- para a Elite. A festa mais importante da Cidade não é para os favelados e su-
britos, Morro do Pasmado, Santa Marta e Cantagalo. Com a expansão da burbanos que produzem o desfile nos barracões. Se o Metrô para acontecer
linha férrea, que na sua construção deslocava trabalhadores para o Subúrbio na Zona Sul, precisa da autorização dos moradores. Durante o ciclo de me-
e Baixada Fluminense. Morros como a Mangueira, Jacaré, Tuiuti, Salgueiro gaeventos foram removidas pela prefeitura mais de 4 mil famílias de modo
e Turano. compulsório.
Embora com toda a política eugenista do início do século XX, a mão de Negar o Direito a Cidade é negar Direitos. O direito de fazer e refazer a
obra negra nunca deixou de ser necessária. E a separação territorial, apenas cidade é, sobretudo, coletivo. Pois depende de um exercício de poder coleti-
garantiu uma periferia de direitos para uma parte invisível da Cidade. As vo. O Direito à Cidade não é um princípio da nossa Sociedade. A peneira dos
Favelas do Rio, sempre integraram a dinâmica da Cidade, sem realmente Direitos Sociais depende de que território estamos falando. Se entendemos
fazer parte dela. Para a negrada sair da favela, sempre houve uma roleta a educação como um direito básico, com a base de 200 dias letivos pautados
invisível. Se a mão de obra que constrói a cidade é negra, a sua arquitetura pela LDB, por que temos escolas na Cidade de Deus, Jacarezinho, Rocinha,
é branca. Os espaços de poder são brancos. Os prédios históricos do Centro Complexo do Alemão e Maré que chegaram a ficar 15 dias sem aula neste
do Rio, como o Biblioteca Nacional, a Câmara Municipal ou a Igreja da Can- ano? Nas manchetes, as Favelas só aparecem como territórios em guerra,
delária são de períodos da arquitetura datados e oriundos da Europa. Suas dominado pelo controle do tráfico.
pinturas internas, contam a formação de Sociedade pautada pelo escravis- A narrativa de guerra, legitima a violência do Estado, marcando o corpo
mo, extermínio dos povos originários e soberania da moralidade europeia. negro como matável e a favela como território inimigo da Cidade. Não exis-
Na Câmara dos Vereadores por exemplo, as pinturas no plenário são jus- te plano de habitação, urbanização ou mobilidade nas favelas. Mas existe
tamente das missões jesuítas aos povos indígenas. A Igreja da Candelária, plano de invasão. A polícia é a fração do poder público que pensa a favela.
mesmo de costa, é o ponto de fuga¹ da principal via da Cidade, numa região Estuda seus becos e vielas. Policias especiais como a BOPE, tem até plano de
que concentra 40% dos empregos da região metropolitana. Enquanto peças invasão pelas encostas. Mas até os dias de hoje, os Correios não conhecem
das religiões afro brasileiras foram quebradas e roubadas de seus templos, suficientemente bem os mesmos becos e vielas para fazer entregas de corres-
sendo escondidos em depósitos da polícia como “artefatos de Magia Negra”. pondência.
Apreendidos até os dias de hoje. O Ciclo de megaeventos promoveu profundas reformas estruturais na
Se olhamos para a Cidade do Rio e vemos marcas do período Colonial, Cidade. Foram gastos mais de 66 bilhões em obras. Mas nenhuma delas en-
mas não vemos as marcas da escravidão. É por que os negros foram margi- volveu o Saneamento básico das favelas, onde a coleta de lixo é precária, o
nalizados e apagados do processo de produção deste espaço. O espaço pú- esgoto a céu aberto e a água da torneira dificilmente é potável. Dados da
blico guarda a memória coletiva. A Cidade que temos acesso as ruas e esco- própria Secretaria Municipal de saúde apontam alastramento de epidemias,
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vermes e contaminação é 7 vezes maior para moradores de favela.
Operações como Verão Legal, que torna jovens negros suspeitos apenas
por estarem indo a Praia sem dinheiro. É o poder de consumo limitando os
espaços de circulação. Em uma Cidade que a passagem custa em média 1h
de trabalho
Entender a cisão da dinâmica entre a Favela e a Cidade, é entender como
o racismo perpetuou a Casa Grande x Senzala, mesmo após a Abolição. Em
uma Cidade densa como o Rio de Janeiro, a experiência urbana não é única,
mas para negros e negras, nossos corpos serão controlados e vigiados, crimi-
nalizando nossa experimentação da Cidade.
Lutar por uma Cidade de Direitos é assumir que o problema do negro
no Brasil, ainda é a luta pelo direito de existir. Precisamos nos debruçar em

foto 04
4
Políticas Públicas de urbanização, revitalização e mobilidade que priorize o
bem viver do povo negro.
¹ Ponto de Fuga: É o ponto localizado na linha do horizonte, para onde
todas as linhas paralelas convergem, quando vistas em perspectiva. Joselicio Junior - Conhecido como Juninho é Jornalista, Pós Gradua-
do em Mídia Informação e Cultura pelo CELACC- ECA-SP, militante
Bibliografia: da entidade do movimento negro Círculo Palmarino, atualmente
IV Dossie Megaeventos e Direitos Humanos no Rio de Janeiro. 2016 Presidente Estadual do PSOL - SP
HOBSBAWN, Eric John. A Era Do Capital 1848-1875; tradução
Luciano Costa Neto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2º ed. 1979.
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30 31
os canais judiciários, com grave dano à moral e para a seguran-
ça individual, não obstante a solicitude e a vigilância de nossa
polícia. Era aí que, quando a polícia fazia o expurgo da cidade,
encontrava a mais farta colheita”.
O relato de Washington Luiz nos permite fazer um paralelo direto entre
A RESISTÊNCIA NEGRA EM SÃO PAULO o projeto de urbanização da Várzea do Carmo em 1919, com o atual Projeto
Nova Luz. Em ambos, o objetivo é o mesmo: fazer uma limpeza racial/social,
A elite cafeeira paulista apresentou um projeto muito explícito na virada para abrir caminho para o “desenvolvimento”. Antes, um dos argumentos
do século XIX para o XX de transformar São Paulo numa capital europeia era o uso abusivo do álcool, os(as) negros(as) associados à criminalidade, va-
tanto do ponto de vista arquitetônico e urbanístico como no mercado de gabundagem, ou seja, uma vergonha para cidade e um país moderno. Hoje o
trabalho com estímulo ao fluxo imigratório para a substituição da mão de problema está ligado aos usuários de crack que representam o antagonismo
obra negra por italianos, principalmente. Os Barões organizaram os bairros da cidade vendida por João Dória em seu vídeo triunfal apresentado em suas
de Campos Elíseos, Higienópolis e Avenida Paulista para se abrigarem em viagens ao exterior: é necessário extirpar essa gente que atrapalha a cidade
grandes casarões. dos negócios, a cidade moderna.
A população negra, no pós abolição, se concentrou em casas coletivas A recente polêmica envolvendo a “Ração Humana” proposta por Dória
e com baixa infraestrutura na região da Barra Funda, Bexiga e Várzea do como a solução mágica para acabar com fome na cidade de São Paulo, até
Carmo, espaços de resistência quilombola urbana, base para formação de mesmo do país, é mais um capítulo da lógica elitista e desumanizadora, com
núcleos culturais que ficaram bastante conhecidos posteriormente como a depoimentos do tipo “pobre não tem hábito alimentar, pobre tem fome”.
formação das irmandades, cordões carnavalescos e posteriormente, escolas Se de um lado a elite paulistana se pautou pela exclusão da população ne-
de samba. No entanto, com a expansão do projeto higienista e desenvolvi- gra, a mesma buscou as mais variadas formas de sobrevivência econômica,
mentista esses territórios também passam a sofrer intervenções para expul- social e cultural. Já citamos acima as casas coletivas, os cordões, mas tam-
sar os “indesejáveis”. bém podemos citar nos anos 10, 20 e 30 a organização da Imprensa Negra,
Isso fica muito nítido no relato, em 1919, do Washington Luiz, ex- Secre- dos Clubes Negros e posteriormente da Frente Negra Brasileira, que o foi o
tário da Justiça e da Segurança Pública, então Prefeito de São Paulo e depois primeiro grande movimento social negro no pós abolição, essas ferramentas
presidente da república, sobre a Várzea do Carmo, hoje Parque Dom Pedro: foram fundamentais para trabalhar a autoestima, inserção no mercado de
“É aí que, protegida pelas depressões do terreno, pelas voltas e trabalho e construção de moradias populares.
banquetes do Tamanduateí, pelas arcadas das pontes, pela vege- Com a repressão da ditadura do Estado Novo houve um refluxo das ar-
tação das moitas, pela ausência de iluminação se reúne e dorme ticulações da comunidade negra se concentrando mais em atividade recrea-
e se encachoa, à noite, a vasa da cidade, em uma promiscuidade tivas como os bailes. Os bailes vão se transformando ao longo do anos e se
nojosa, composta de negros vagabundos, de negras edemaciadas tornam um grande fenômeno social de construção de identidade, tendo o
pela embriaguez habitual, de uma mestiçagem viciosa, de restos seu auge no final dos anos 70 e início dos anos 80.
inomináveis e vencidos de todas as nacionalidades, em todas as Os movimentos por direitos civis, e principalmente a cultura e musicali-
idades, todos perigosos. É aí que se cometem atentados que a de- dade estadunidense, tiveram um grande peso na formação do movimento
cência manda calar; é para aí que se atraem jovens estouvados e black em São Paulo com a formação do movimento hip hop.
velhos concupiscentes para matar e roubar, como nos dão notícia
32 33
A cultura hip hop foi um vetor muito importante de organização, articu- forma independente, o que proporcionou a construção de um circuito para-
lação, ocupação dos espaços públicos e até mesmo de denúncia das mazelas lelo à indústria cultural.
sociais que as periferias estavam passando. A ocupação do centro da cidade Nos anos 2000, novas articulações começam a surgir. Além da música,
para as batalhas de dança, a marcação das paredes com o grafite, passando a literatura começa a ganhar força, emergem as primeiras publicações de
pela organização das posses e chegando na potência e autenticidade da mú- literatura marginal que posteriormente ganhariam o nome de literatura pe-
sica rap, o hip hop representou um grito de uma juventude, de uma geração riférica. Organizam-se saraus realizados em bares, associações, grupos de
que saia da ditadura militar mas que ainda sentia as marcas do militarismo teatro, dança, música, coletivos literários, formando um verdadeiro circuito
na repressão policial, na violência brutal nas quebradas, a ausência do sanea- cultural periférico.
mento, da escola, do posto de saúde, o transporte precário. Chama a atenção nesse movimento, a apropriação de termos como “sa-
Essa geração, formada por jovens, na grande maioria, negros e morado- raus”.Termos esses que, costumeiramente eram restritos a círculos elitizados
res de bairros periféricos, exposta diariamente às tensões sociais provoca- da cultura, transformando assim, em cultura popular. Além disso, há um
das pelas profundas desigualdades sociais e vítima direta da violência do processo de disputa da hegemonia, com o centro, na construção de uma nar-
Estado, produziu como resposta ao descaso das autoridades, um discurso rativa em que o termo periférico, além de representar uma distância geográ-
contundente que escancarou um cotidiano massacrante e evidenciou as ma- fica, é também uma afirmação de identidade, de estilo de vida, de resistên-
zelas sociais, além de ter explicitado os conflitos raciais e colocado em xeque cia, de humanização das periferias e de contraposição à cultura hegemônica
a ordem social, produzindo assim um verdadeiro grito por uma sociedade do centro.
mais justa. A humanização se evidencia, quando pessoas da comunidade começam
60% dos jovens de periferia sem antecedentes criminais já sofre- a se apropriar desses espaços e passam a enxergar na poesia, na música, ou
ram violência policial. A cada 4 pessoas mortas pela polícia, 3 são em outras expressões culturais, um instrumento para falar do seu cotidiano,
negras, Nas universidades brasileiras, apenas 2% dos alunos são contestar a opressão de gênero sofrida no seu dia a dia, a violência policial,
negros. A cada 4 horas, um jovem negro morre violentamente em o transporte precário, a ausência de uma educação de qualidade, os conflitos
São PauloAqui quem fala é Primo Preto, mais um sobrevivente. raciais. Em seu manifesto da antropofagia periférica, Sérgio Vaz, fundador
(Racionais MC’s. Capítulo 4 Versículo 5. Sobrevivendo no infer- da Cooperifa, afirma que: “A periferia nos une pelo amor, pela dor e pela
no. 1998) cor” 9.
O surgimento do grupo Racionais MC’s (1988) foi um marco, pois in- A partir disso, também há um estímulo à leitura, a necessidade de apro-
fluenciou uma geração de jovens da periferia, construiu uma identidade de fundar o conhecimento, de conhecer mais a sua própria cultura. Esses ele-
resistência e de contestação do sistema que oprime as comunidades cotidia- mentos agregados, passam a construir uma identidade, um pertencimento
namente e explicitou as desigualdades de classe por meio da simbologia dos que desloca a visão de mundo desses ativistas.
manos e dos playboys8. Dos becos e vielas há de vir a voz que grita contra o silêncio que
A partir de então, vários outros grupos começaram a ganhar projeção e a nos pune. Eis que surge das ladeiras um povo lindo e inteligente
Cultura Hip Hop foi se ramificando pelo Brasil, se consolidando como um galopando contra o passado. A favor de um futuro limpo, para
movimento vivo de organização, reflexão e contestação. A apropriação das todos os brasileiros. A favor de um subúrbio que clama por arte
tecnologias também foi importante, pois permitiu o avanço da Cultura de e cultura, e universidade para a diversidade. Agogôs e tamborins
8 9
Manos é como os jovens de periferia se identificam e se relacionam e os playboys, ou sim- Disponível em: http://colecionadordepedras1.blogspot.com.br/2010/08/manifesto-da-an-
plesmente boys, é como eles denominam os jovens de classe média e da elite. tropofagia-periferica.html
34 35
acompanhados de vionos, só depois da aula10. cabe ocupação de praças, avenidas, etc. Neste sentido, para os que acreditam
No contexto mais recente, surgiram novas manifestações que trazem ca- em um mudança radical da sociedade brasileira, não podem ignorar a im-
racterísticas bastante interessantes como os Slam. Encontros de batalhas de portância e a necessidade da organização dos debaixo, tendo a cultura com
poesias que acontecem, na grande maioria das vezes, em espaços públicos um potente instrumento de construção de ideias e valores civilizatórios.
abertos, resgatando as ocupações feitas pelo movimento hip hop nos anos 80,
aglutinando muitos jovens com discursos muito afiados sobre o racismo, as Referências
questões de gênero, a luta LGBT, as profundas desigualdades sociais. Inter-
preto esse movimento como herdeiro direto do rap e da literatura periférica. DOMINGUES, Petrônio José. Uma história não contada: negro, racismo e
Outra expressão importante da cultura negra, também herdeira dos bai- branqueamento em São Paulo no pós-abolição. São Paulo: Editora Senac São
les black dos anos 70, mais que se desenvolveu mais nos morros do Rio de Paulo, 2004.
Janeiro e ganhou força em São Paulo recentemente é o Funk. Com uma varia- VÁRZEA DO CARMO LAVADEIRAS, CAIPIRAS E “PRETOS VÉIOS”
ção enorme de estilos, uma batida forte e envolvente que arrasta multidões, – http://www.energiaesaneamento.org.br/media/28677/santos_carlos_jose_
é um movimento importante que traz as suas contradições e polêmicas, mais ferreira_varzea_do_carmo_lavadeiras_caipiras_e_pretos_veios.pdf
que não pode ser ignorada e interpretada como uma expressão de uma ju- Documentário Mil Trutas, Mil Tretas – Racionais Mc’s – https://www.
ventude periférica. youtube.com/watch?v=slwalSi03g8
Juntando as irmandades, os cordões, as escolas de samba, os clubes ne- Blog Colecionador de Pedras http://colecionadordepedras1.blogspot.
gros, a imprensa negra, os bailes, o hip hop, os saraus periféricos, os slam, com.br/2010/08/manifesto-da-antropofagia-periferica.html
os fluxos de funk, as comunidades de samba, os terreiros de candomblé e
umbanda, o que todos possuem em comum?
Primeiro, mostram a importância das expressões culturais como uma es-
tratégia de organização e resistência da comunidade negra, formando uma
identidade, reciprocidade e até mesmo humanização, e relação de pertenci-
mento com algo, dentro de uma sociedade racista. Outro aspecto é a relação
com a cidade, seja no centro ou na periferia as ocupações dos espaços são
sempre conflituosas, contando principalmente, com a dura repressão do Es-
tado.
Os conflitos evidenciam a potência dessas manifestações culturais, pois
fogem da lógica, contrariam o status quo e aquilo que não é possível enqua-
drar, assimilar, cooptar e institucionalizar, causando ímpetos de repressão.
Não por acaso, as manifestações culturais negras são as mais reprimidas.Este
fato está associado há um projeto de poder, construído pela elite brasileira
que não quer se ver em risco, com a possibilidade da organização dos de-
baixo. Na cidade dos negócios, o direito a cidade é restrito e controlado, não
10
Idem.
36 37
Foto 05
38 39
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ia. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico. Integrante do Nú-
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e político,
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Brasilpoisou

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se
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BATALHAS DE MC’S E DIREITO À CIDADE: A EFERVES-


CÊNCIA DO HIP HOP NO GRANDE ABC PAULISTA
O Grande ABC é lembrado por ter sido o palco de grandes lutas da clas-
se trabalhadora que alteraram profundamente a História do país. A maior
concentração operária brasileira com montadoras multinacionais localizadas
nesta e empregando uma leva enorme de migrantes nordestinos é centro de
algumas das contradições mais profundas do Brasil.
Por ser um dos principais palcos de ação e disseminação do capital in-
fora
somentedele.seria
brasileira z
atual. possível
Quandotal se realização se os agrupamen-
indica um percentual de mu-
ternacional no país, esta região foi profundamente afetada pela crise eco-
lheres Sendo
tos humanos a cidade
que seapelo
responsáveis projeção
reúnem nas
sustento dacidades
sociedade
de em umeclo-
suasestivessem
famílias, de-
cal- nômica internacional iniciada ao final de 2007 e é uma das que mais sofre o
1
terminado
cados
de mais em uma espaço
bases solidárias
questão, a dade
, analisar promoção
presença
como dadialoga
a feminina
urbe justiça social,
no espaço
com a impacto da crise político-econômica aprofundada no país nos últimos anos.
com igualdade
urbano
presença deslocando-se
feminina deéoportunidades
de para
fundamental para
o trabalho, todosalém
para
importância
Elber Pergentino Almeida - Bacharel em Ciências e Humanidades
e todas.
dos
tendo As demissões nas montadoras e autopeças criou um grande contingente de
desempregados e uma juventude sem perspectiva de futuro no mercado de
Ora,
usos
em pela se aque
lutaopara
tradicionais.
vista
UFABC alcançar um
desempenho das patamar
inúmerasmais equilibra-
funções, mãe,
trabalho da região.
do de
companheira,condições
A mulher é, no vida2 –em
de Brasil,
profissional, nanúmeros,
em diferentes
cidade e nomaioria.
áreas,
campo É-atem
solicitaci- Além do desemprego, o déficit habitacional, o transporte público de pés-
dadã
dasido quedos
cidade
um mais ocupa desafios
a mobilidade
grandes ose espaços, produzindo
a acessibilidade,
brasileiros, queou
oenvolvendo não,
requer sima qualidade e as filas na saúde são problemas agudos. Não por acaso
ocirculando,
livre transitar
permitir habitando,
da mulher,
a participação interferindo,
inclusivevoluntaria
democrática para
na ou sobre
o trabalho,
discussão invo- a o MTST realizou uma ocupação no dia 01/09/2017 que em uma semana já
luntariamente,
possibilidade
as intervenções depor meio de
e acessar
políticas sua presença
serviços
públicas feitas na
públicos emeconstrução
eprivados,
para tais apresentou 6 mil moradores.
Neste meio, nasce um movimento crescente de ocupação de praças da
esítios,
manutenção
lazer eque diráda
cultura semsociedade
garantir que,brasileira.
cerceamento, muitas
especialmente, Entredasaosvezes
eleitores,
mulher pro-
te-
cidade, protagonizado por jovens de periferia, em sua maioria negros, mui-
as
vocado
nha mulheres
vozpeloativatambém
receio
e decisivaà são maioria,
suanesseintegridade comfísica.
processo odeTribunal
Para Supe-
produção quedo a tos desempregados ou trabalhadores de serviços precarizados, desassistidos
rior
cidade
espaço Eleitoral,
seja em 2014,
funcional
urbano. registrando
à mulher é preciso77.459.424
que elaeleitoras
perceba pelas políticas públicas governamentais. O movimento Hip Hop, com o des-
aem face
presença de feminina,
Ao falar 68.247.598
da presença oeleitores
queda envolvedo sexo
mulher no masculino
permitir
âmbito das4parti-
sua .deci-
Na taque das batalhas de MC’s.
cipação
sões sobre
perspectiva nosodaespaços
uso decisórios
e a ocupação
democracia, pelo sobre
que se odeve
método desenho,
dar à o
quantitativo usodee
cidade,
O que são as batalhas?
ocupação
não se destaca
participação, da cidade.
a tal imperativo
explicação paratão somente relacionado
a ausência das mulhe-
res As cidades
à segurança
nos espaços têm uma significativa
e integridade
políticos, partilhando relação
física e psicológica
do debate com o usoa
feminina,
sobre As batalhas de MC’s são eventos em que um MC enfrenta o outro no im-
ecidade
a ocupação
mas o queque
daeimportância elaodevemundo
de tal masculino
questão
e pode parafaz
ofertar, delas. Foram
o fortalecimen-
não se sustenta, proviso. Os organizadores das batalhas ligam as caixas e colocam um beat de
idealizadas
to do Estadoeassim
fragilizando erguidas
democrático dentro dessade
garantidor
a possibilidade perspectiva,
da igualdade
um em sem
futuro estável, que rap, em cima deste beat os desafiantes soltam rimas e ao final de cada round
40 41
a plateia decide quem foi melhor gritando ou levantando as mãos. Assim, quecimento, além de criarem novas como as UPP’s no Rio de Janeiro.
realizam-se eliminatórias até uma final da qual sai o vencedor da edição da Não é diferente quando o assunto é cultura. Muitos conhecem a história
batalha. Este tipo de evento possui circuitos regionais e um nacional, que da perseguição governamental que vem desde o Brasil colônia a manifes-
mobilizam milhares pelo país promovendo a cultura da rinha de MC’s. tações culturais negras, como a capoeira e as religiões de matriz africana.
As batalhas remetem à raiz do Hip Hop, em que as brigas de gangue de Também ficou recentemente revelada a espionagem e sabotagem promovida
Nova Iorque começaram a ser substituídas pelas batalhas de break dance e pela ditadura militar a eventos como os Bailes Soul cariocas na década de
de rimas. Isso possibilitou uma inversão da lógica de enfrentamento, trans- 70, que reuniam milhares de negros e fortaleciam a identidade desta maioria
formando os combates mortais em arte, o que elevou a auto-estima de mi- vítima do racismo. Não podia ser diferente com as rodas de rima do movi-
lhões de moradores dos guettos do mundo todo nas últimas décadas. mento Hip Hop.
Algumas contam com o público de algumas dezenas, outras com cente- Além do racismo institucionalizado, há também outra tendência da nova
nas e em algumas ocasiões milhares. A batalha de rap com maior público do configuração do capital: o empreendedorismo urbano, ou empreendimen-
grande ABC Paulista é a Batalha da Matrix, que conta com uma média de 500 tismo urbano, como aponta o geógrafo britânico David Harvey. Com a nova
pessoas por edição. A mais antiga da região é a Batalha da Central no centro configuração do capital transnacional e o estabelecimento de grandes fundos
de Diadema, que já possui mais de 5 anos. financeiros altamente voláteis em busca de quantias de lucros rápidas e cada
As batalhas iniciaram nas regiões centrais das cidades, como é o caso das vez maiores, a tendência por mercantilizar o espaço urbano se tornou maior,
duas citadas acima e de outras: Batalha da Galeria em São Caetano, Batalha com o surgimento das “cidades negócio” e do gerenciamento urbano.
das Pistas em Mauá, Batalha da Palavra em Santo André , Batalha Clandesti- Neste sentido, os prefeitos são vistos como gestores de um negócio – a
na em Ribeirão Pires etc. O período de surgimento e estabelecimento destas própria cidade - em busca de novos investimentos para este. Assim, praças,
batalhas foi o mesmo da explosão das manifestações contra o aumento da parques, vias, complexos, arranjos produtivos, áreas de preservação etc., são
tarifa que cobriram o país em 2013, demonstrando que sua existência, cons- vistos como mercadorias.
cientemente ou não, está ligada com a demanda popular pelo direito ao uso Com essa tendência se fortalecendo a cidade passa a estar cada vez mais
da cidade. acessível apenas para aqueles que podem pagar por ela, com espaços cada
Tal direito é negado ao conjunto da população trabalhadora e pobre, o vez mais privatizados e transporte público a preços exorbitantes. Neste ideal
que ficou claro na reação policial e governamental às manifestações daquele de cidade, não cabe um tipo de evento que inverte a lógica ao colocar popu-
ano. Direito duas vezes negado quando o sujeito que o reivindica é o povo lação pobre no espaço público, podem exercer sua cultura sem o pagamento
negro da periferia. As batalhas de MC’s são frequentadas majoritariamente de taxas.
por este público, devido à tradição do Hip Hop em basear boa parte de seu Repressão às batalhas no grande ABC paulista
ideal na luta contra o racismo. Desde seu surgimento as batalhas de MC’s do ABC sofrem repressão
No Brasil, nós possuímos uma polícia notadamente racista, que mata constante. Alguns casos ficaram famosos, como a repressão ocorrida no iní-
mais negros do que brancos, enquadra preferencialmente indivíduos suspei- cio de 2016 na Batalha da Matrix, que dispersou o evento a partir da ação da
tos “da cor padrão” e tem em seu histórico repressão à resistência do povo PM, repercutindo na grande imprensa e fazendo o governo municipal da
negro. Os governos de todos os níveis também reproduzem um racismo que época, até então do Partido dos Trabalhadores, a recuar.
está arraigado em nossa sociedade, ao não promover políticas públicas que Na segunda metade daquele mesmo ano, com o agravamen-
compensem séculos de escravidão e de políticas racistas como a do embra- to da crise social e a disparada no índice de desempregos, demis-
42 43
sões em massa, desmantelamento da saúde e educação públicas etc., investigado pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Hu-
houve um disparo no crescimento do movimento das batalhas de mana (Condepe). Podemos encontrar na internet inúmeros vídeos com re-
MC’s. No Grande ABC Paulista, surgiram dezenas de batalhas nes- gistros destas ações policiais, incluindo agentes sem identificação na farda,
te período, desta vez a maior parte localizada na periferia, coincidência? agressões físicas, dispersão de pessoas da praça mesmo após fim do evento e
Certamente não. Após anos de existência, as batalhas de MC’s localizadas desligamento da caixa de som etc.
no centro criaram um público da qual saíram indivíduos mais ativos, muitos Mesmo assim, a resistência desta juventude continua, com a denúncia
criando grupos de rap, tornando-se beatmakers etc. Outros, passaram a pro- persistência dos diversos casos de abuso das autoridades. As batalhas de
mover suas próprias batalhas em seus próprios bairros. MC’s no Grande ABC Paulista e no Brasil já mostraram serem um fenômeno
Além disso, com o agravamento da crise social a juventude, principal- que veio para ficar.
mente a negra da periferia, passou a demandar cada vez mais espaços gra-
tuitos para expressão cultural. E a gratuidade aqui inclui a impossibilidade
de muitos pagarem o transporte público, que em uma cidade como São Ber-
nardo possui uma passagem de R$4,20, o que só é driblado com as populares
“multas”, cada vez mais complicadas de serem realizadas graças ao investi-
mento feito pelas prefeituras e empresas de transporte no controle do fluxo
de passageiros, com o objetivo de maximizar os lucros destas últimas.
Há quase 30 batalhas de MC’s só nesta região, como podemos observar
no mapa disponível em:
https://goo.gl/MjsV2g
Com o fortalecimento destes eventos, e outros como os da cultura Sound-
sistem, prefeituras e câmaras de vereadores, aliados à imprensa local, visam
criar condições para seu estancamento. Uma delas é o fortalecimento das
Guardas Civis Municipais, em especial de suas “tropas de elite”, como a
ROMU de São Bernardo do Campo, com armamentos equiparáveis a alguns
batalhões de Polícia Militar.
Outros tipos de medidas são os projetos de lei que visam criminalizar
eventos de rua, a partir da câmara de vereadores. Um exemplo é o Projeto
de Lei nº38/2013 de São Bernardo do Campo, que cita o Funk como objeto de
criminalização, mas que em verdade ataca todo tipo de evento independente
de rua. Outra política que visa controlar o uso desses espaços é o programa
Praça Parque da atual prefeitura, que coloca cercas e portões nestes locais.
Todo esse conjunto de políticas visa fechar o cerco contra as batalhas de
MC’s e outros eventos de rua. Neste ano, ocorreram diversas ações policiais
contras as batalhas das cidades do grande ABCDMRR, o que passou a ser
44 45
foto 06
46 47
6 Luciana Araújo
Luciana Araújo é jornalista formada pela Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ), com formação extensiva em gênero, sexuali-
dade, políticas e performatividade pela FFLCH/USP, atua na Marcha
das Mulheres Negras em São Paulo.
O DIREITO À CIDADE NÃO EXISTE PARA MULHERES E
NEGROS
Convidada pelo IBDU para escrever sobre a necessidade de encarar o de-
bate sobre o direito à cidade sob uma perspectiva de gênero e raça (à qual
acrescento também a imprescindível e indissociável perspectiva de classe) a
primeira questão que me veio à cabeça é que são tantos os temas que essa
discussão envolve que teria que sacrificar alguns para acomodar o artigo no
espaço oferecido.
Enfrentamento à violência sexista e do Estado contra o povo preto e pe-
riférico, que fez subir 54% a taxa de assassinatos de mulheres negras entre
2003 e 2013 e mata um jovem negro a cada 23 minutos11.
Acesso à saúde integral e coletiva, numa perspectiva de prevenção e não
Luciana Araújo é jornalista formada pela Universidade do Es- somente medicalizadora e “curativa”, especialmente às políticas específicas
tado do Rio de Janeiro (UERJ), com formação extensiva em para a população negra, mulheres e LGBTQI+ (lésbicas, gays, bissexuais, tra-
gênero, sexualidade, políticas e performatividade pela FFLCH/ vestis, transgêneros, queers, intersexuais e toda a diversidade sexual e de
identidade de gêneros existente).
USP, atua na Marcha das Mulheres Negras em São Paulo.
Proteção à infância e adolescência e assistência às famílias de crianças e
jovens em situação de conflito com a legislação, com políticas que assegurem
atendimento sem apartar as famílias.
Garantia do direito à moradia numa cidade que tem um déficit habitacio-
nal de 6 milhões de moradias – mais da metade desse número em função da
alta proibitiva dos aluguéis impulsionada pela bolha imobiliária especulati-
va – e mais de 6 milhões de imóveis vazios12, incluindo imóveis de proprie-
dade da União, estados e municípios.
11
Dados do Mapa da Violência 2015 consultados em 20/10/2017 <http://www.brasil.gov.br/
defesa-e-seguranca/2015/11/mulheres-negras-sao-mais-assassinadas-com-violencia-no-bra-
sil> e da CPI do Senado sobre o Assassinato de Jovens <https://www12.senado.leg.br/noti-
cias/arquivos/2016/06/08/veja-a-integra-do-relatorio-da-cpi-do-assassinato-de-jovens>.
12
Dados da Fundação João Pinheiro disponíveis na publicação DÉFICIT HABITACION-
AL NO BRASIL 2015, consultados em 20/10/2017 <http://www.fjp.mg.gov.br/index.php/
docman/cei/723-estatisticas-informacoes-3-deficit-habitacional-16-08-2017versao-site/file> e
do Censo 2010, conforme publicado pelo Portal Brasil e consultado também em 20/10/2017
<http://www.brasil.gov.br/governo/2010/12/numero-de-casas-vazias-supera-deficit-habita-
48 cional-do-pais-indica-censo-2010>. 49
Vagas em creches para as quase 80% das crianças de 0 a 3 anos não atendi- Importante lembrar que 80% dessas mulheres são negras e a maioria ab-
das no direito constitucional à educação infantil13 e políticas que combatam soluta vive nos estados do Nordeste do país.
de fato a evasão escolar que bateu em 11% no ensino médio14 (cujas causas Atendimento garantido àquelas que necessitam de abortamento previsto
são a imposição da necessidade de contribuir no sustento das famílias, falta em lei e descriminalização da prática a fim de não impor a maternidade num
de transporte, de um adulto que leve as crianças à escola, distância, falta de país em que uma mulher é estuprada a cada 11 minutos16, sendo que mais da
professores, metodologias arcaicas de ensino e o racismo institucional que metade delas são negras17.
desqualifica, prejulga e afasta as crianças e jovens negras e negros do am- Além do fato óbvio para quem quer fazer seriamente o debate de que
biente escolar). preservativos e métodos contraceptivos falham – além de constantemente
Direito ao deslocamento nas cidades, hoje cerceado pelas altas tarifas e faltarem no SUS. Enquanto esta realidade não mudar, dificilmente reverte-
péssima qualidade dos transportes – considerados os trajetos das linhas, remos o fato de que 1 em cada 5 crianças nascidas no país é filho de mães
quantidade de veículos inversamente proporcional à superlotação e a ‘cultu- adolescentes18.
ra’ de violência sexista que propicia os assédios e condições de manutenção A lista é cansativa. Mas avaliados os dados globais tem-se uma medida
do sistema. estatística de como o direito à cidade é uma falácia para a maioria feminina
Saneamento básico para a metade da população brasileira que não tem e negra no Brasil de 2017. Somados aos problemas estruturais o desemprego
acesso à coleta de esgoto15. Políticas públicas de garantia dos direitos sexuais que afeta quase 13 milhões de brasileiras e brasileiros fruto da crise econô-
e reprodutivos para as vítimas de violência obstétrica e que evitem a mor- mica em curso e o fato de que outros 40 milhões vivem de bico no mercado
talidade materna causada em sua maior parte no Brasil por desassistência. por informal completam o quadro que penaliza majoritariamente mulheres
Acesso a benefícios sociais (o nome inscrito na seguridade social brasilei- negras e pobres.
ra já é em si uma negação de direito) que efetivamente possibilitem o susten- Ao contrário, o que o Estado brasileiro oferece é a precarização ampliada
to das mulheres cujos filhos foram afetados pela síndrome congênita do zika das condições de trabalho por meio da Lei 13.429/2017 (e trabalho terceiriza-
vírus na epidemia dos últimos dois anos, cujo “fim” foi decretado sem que do em situação precária e sem direitos também é uma questão de mulheres
elas tivessem assegurado o tratamento multidisciplinar exigido pela condi- e em sua maioria negras), da reforma trabalhista e da ameaça de mudanças
ção de saúde das crianças, acesso a programas de planejamento familiar que na regulamentação da previdência e da seguridade social. Além do congela-
não se resumam à esterilização forçada, contraceptivos de longa duração, mento por 20 anos do orçamento do SUS quando 7 em cada 10 usuários são
etc. negras e negros.
13
Na mais rica capital do país, cujo prefeito tomou posse já lançando-se
Dado do relatório produzido pela fundação Abrinq, “Desafios na Infância e na Adolescên-
cia no brasil: Análise Situacional nos 26 Estados Brasileiros e no Distrito Federal”, de 2012, pré-candidato à Presidência, a política de enfrentamento à violência contra
consultado em 20/10/2017 em <https://www.pastoraldacrianca.org.br/a-insercao-das-crian-
cas-na-creche/a-situacao-das-creches-no-brasil>.
14
Dado do Censo Escolar 2014/2015 produzido pelo Instituto Nacional de Estudos e 16
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)/Ministério da Educação (MEC) publicados Dado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgado em 2016.
pelo portal G1/Educação consultado em 20/10/2017 <https://g1.globo.com/educacao/noticia/ 17
De acordo com a Nota Técnica do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) –
abandono-no-ensino-medio-alcanca-11-do-total-de-alunos-apontam-dados-do-censo-escolar. Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde, consultada em 20/10/2017
ghtml>. em <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/140327_notatecnicadi-
15
Dado do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS)/Ministério das est11.pdf>
18
Cidades divulgados pelo portal G1, consultado em 20/10/2017 em <https://g1.globo.com/ http://m.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/02/1862231-uma-em-cada-cinco-criancas-nasci-
economia/noticia/saneamento-melhora-mas-metade-dos-brasileiros-segue-sem-esgo- das-no-pais-e-filha-de-adolescente.shtml
to-no-pais.ghtml>.
50 51
a mulher teve o orçamento reduzido19 e a secretaria responsável extinta. As ria do povo que luta cotidianamente para sobreviver neste solo nada gentil.
crianças foram proibidas de repetirem refeições nas escolas. A mais recente Garantir um projeto de acesso pleno e efetivo à cidade – com direito sociais,
invenção do gestor é a distribuição de um composto ultraprocessado e lio- ambientais, de lazer e interação com a natureza.
filizado produzido com alimentos vencidos ou às vésperas do vencimento
com isenção fiscal para a empresa distribuidora e “nebulosas transações”
denunciadas por vereadores e ativistas de direitos humanos. O grafite e os
grafiteiros foram criminalizados – mais uma preocupação para as mães ne-
gras que não dormem enquanto os filhos não chegam na cidade cuja PM
estadual é uma das que mais matam no mundo. Usuários de substâncias
psicoativas – um terço dos quais são mulheres que chegaram à Cracolândia
fugindo de violências domésticas, abusos sexuais intrafamiliares e abando-
no – passaram a ser enxotados de forma desumana. E já está em marcha o
plano de colocar a cidade à venda beneficiando a especulação imobiliária e
destituindo ainda mais a população de direitos.
Analisar globalmente essa realidade – e pensar ainda que para além dos
problemas listados acima há as dificuldades vividas por mulheres quilom-
bolas, ribeirinhas e indígenas – pode contribuir um pouco para que aqueles
que discutem um projeto alternativo de país e a efetividade do conceito de
Nação no país que só assegurou o direito ao voto para sua maioria popula-
cional em 1985 compreendam porque há índices menores de mobilização
que os necessários para enfrentar a realidade de retrocessos que assola o
país. Ou ainda para contribuir na explicação do crescimento do ‘mercado
da fé’ no pós redemocratização do país, comandado cada vez mais por ex-
poentes de fundamentalismos religiosos que cavalgam o processo de crise
política, social, econômica e institucional em curso e se apresentam como
“alternativas”.
Para a maioria da população brasileira a cidadania é um conceito muito
distante. Especialmente a ‘cidadania’ que teve como pilar estruturante na
Constituição de 1988 o acesso ao mercado de trabalho formal.
Ou os setores progressistas da sociedade brasileira compreendem a es-
truturalidade do racismo no Brasil, sua relação indissociável da condição de
gênero e centralidade para qualquer projeto que emancipe a classe que vive
do trabalho, ou será impossível constituir um projeto que encante a maio-
19
https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/gestao-doria-corta-verba-de-atendimento-a-mul-
heres-vitimas-de-violencia-domestica.ghtml
52 53
Foto 07
54 55
7 Pela População Negra do Entorno do DF: Quem se
sente responsável? Reflexões sobre problemática
ausência de Políticas de Públicas para o DF e Entor-
no.
O Distrito Federal e o Entorno compõem uma das três Regiões de Inte-
gradas de Desenvolvimento (RIDE) do país e também configuram entre as
14 Regiões Metropolitanas do país. Por meio de legislação, há determinações
para seus membros para que haja de fato essa integração para alcançar o
Desenvolvimento.
A AMB é formada pelos municípios goianos de Águas Lindas de Goiás,
Alexânia, Cidade Ocidental, Cristalina, Formosa, Luziânia, Novo Gama,
Wendy Silva de Andrade, bacharela em Ciência Política pela Univer- Padre Bernardo, Planaltina, Santo Antônio do Descoberto e Valparaíso de
sidade de Brasília, mestranda em Gestão Pública pela Universidade
Goiás. Estes municípios guardam intensa relação econômica e social com
Estadual de Goiás; também membro da Ubuntu: Frente Negra de
Ciência Política da UnB, atua na formação política em busca da o Distrito Federal e a Capital Federal. Tal relação também existe em função
reorientação dos povos em Diáspora africana, com base na filoso- da criação da Capital Federal que atraiu pessoas de diversas regiões do país
fia Ubuntu e recuperação da autonomia, ascensão e autoestima da em busca de uma vida melhor no Distrito Federal à época de sua expansão
população negra. habitacional ocorrida em meados de 1999-2003.
A ausência de política habitacional estimulou a vinda dessas pessoas que,
outrora eram indesejadas pelos idealizadores da Capital que tinha como pre-
visão populacional apenas 500 mil habitantes. Hoje, com cerca 3 milhões de
habitantes, o Distrito Federal não abarca a demanda populacional que cha-
mou para si. As populações passaram a ocupar e habitar as regiões de seu
Entorno, o qual é o nome reconhecido para a região.
Tidas como cidades dormitório, as cidades da Área Metropolitana de Bra-
sília (AMB) são menos desenvolvidas economicamente e sua população, usa
significativamente os serviços públicos do DF, haja vista a precarização dos
municípios. Um reflexo desse baixo desenvolvimento é o alto índice de vio-
lência e baixo índice educacional da AMB.
Dentre as regiões metropolitanas existentes, esta é a que apresenta maior
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desigualdade entre o município-pólo e a periferia. O PIB dos da periferia atual institucionalidade e a pactuação federativa vigente (Azevedo & Alves,
corresponde apenas a 6,5% contra 93,5% do DF (Codeplan, 2009 apud Aze- 2012, pp. 95).
vedo & Alves, 2012, pp.91). Assim, à luz de Guerreiro Ramos e Achille Mbembe, pretende-se argu-
A também Região Integrada de Desenvolvimento Econômico (RIDE) pos- mentar como o Estado se torna negligente por falta de políticas públicas
sui alguns impasses que postulam que a não pode ser considerada uma re- mais incidentes e como essa violência é normalizada na sociedade.
gião metropolitana, os quais são os critérios de diversificação de funções que Em Guerreiro Ramos, é afirmada que há na sociedade uma “patologia do
ela não possui, e pela sua acumulação de capital em apenas um ponto do ‘branco’ brasileiro”, o qual atribui toda a situação de problemática racial ao
território da RIDE, no caso Brasília|DF. negro. O que dialoga com Achille Mbembe que acrescenta que ao racismo é
Na região metropolitana em questão, há a concentração espacial da po- aliado para a normalização do estigma e desqualificação do Negro sem uma
pulação, atividades econômicas, produção e consumo de massa. As funções justificativa objetiva.
de capital que desencadearam as demais funções de forma a tornar a AMB A temática racial que é transversal à economia. O cerne de raça e classe se
uma metrópole. Em sua especificidade as funções centrais não se espalham dá mutuamente. Porém, a lógica racista não é apenas uma “questão social”.
pelo território, suas atividades não se desconcentram, ficam restritas à cida- Logo, é necessário analisar o racismo vigente para além disso. Pois, a igual-
de-pólo e Capital Federal, Brasília; e a gestão desse território, RIDE-DF|En- dade de classes não leva ao desaparecimento do mesmo (Mbembe, pp. 72).
torno, deixou de criar mecanismos que estimulem esta desconcentração. As Assim, revela-se imprescindível entender o funcionamento das estruturas
funções polarizadoras não estão voltadas a um mercado contínuo e não há que corroboram para manutenção desse sistema, bem como de seus aliados;
compromisso com uma área de mercado local ou regional, assim também, com vista a tentar, quiçá, superar a existência do mesmo. O processo racial
a dinâmica imobiliária residencial de supervalorização e especulação no tem reflexos na sociedade brasileira, com sua negação da cor; no sistema de
Distrito Federal formou a periferia (FERREIRA, Ignez Costa Barbosa (1999) securitização, com o biopoder no combate aos corpos negros; e na população
apud Azevedo & Alves, 2012, pp.91). A RIDE é mecanismo institucional cria- negra, com sua estigmatização.
do no âmbito do governo federal com o objetivo de promover maior gover- Dos autores escolhidos para a argumentação até aqui levantada, traz-se
nabilidade e melhora dos índices de desenvolvimento. Achille Mbembe (2014) que discorre sobre a ideia de Negro criada pelo Oci-
Porém, desde a sua criação, é perceptível a ação pouco efetiva dos entes dente e o processo dos povos em diáspora até os dias de hoje. O autor dá
municipais, estaduais e federais membros das RIDE para reverter a situação conta do processo de subjugação do Negro, a busca do mesmo por identi-
e índices de desenvolvimento. Do perfil populacional dos habitantes do ter- dade e a sua posterior frustração ao passo que lhe é negada a liberdade de
ritório em questão, não há diferença com a situação do país; o maior índice ter a própria essência. De forma que fica atado ao perfil excludente que dele
de violência incide sobre a população jovem e negra. O adendo é que, dos criaram. O que pode refletir na situação da população da AMB, a qual tem
municípios entes da RIDE, três estão entre os 100 mais desiguais e violen- maioria negra associado ao passado baby boom que hoje está refletido na
tos do país. Uma ação conjunta deve ser dada para que haja uma estrutura alta taxa demográfica de jovens, porém em grande parte sob alto grau de
administrativa de maior autonomia que amplie a participação social e dos vulnerabilidade social.
prefeitos dos municípios. Esta subárea da RIDE deve encontrar um desenho Patologia do “branco” e enclausuramento do Negro Guerreiro Ramos
institucional que a pactue territorialmente, além de mecanismos como os já (1982) atribui essa narrativa depreciativa e mentirosa sobre os negros como
citados, bem como mecanismo financeiro de forma compatível com a dinâ- uma patologia do “branco” brasileiro, e não mais, como um problema dos
mica e problemática que se coloque de forma contundente para desafiar a negros que recorrentemente se discursava. O “branco” postula informações
58 59
mal formuladas verbalmente sobre o negro que, mesmo inadequadas e en- 1982, pp. 221).
ganosas, um dia foram consideradas ciências no âmbito da Antropologia e A exemplo, a estatística oficial do IBGE, em 1940, ao recensear a popula-
Sociologia (Ramos, 1982, pp. 215). ção entre “branca”, “preta” e “amarela” ou um traço (-) notou uma grande
Somado a isso, a estética do “branco”, critério dominante na sociedade inclusão de pardos entre os brancos e uma menor fração de pretos entre os
brasileira reflete-se em um comportamento de superioridade que justificava pardos. Logo, uma tendência ao clareamento (Ramos, 1982, pp. 221).
a relação servil (Ramos, 1982, pp. 216). Ramos não se utilizou da literatura Revela-se um desejo fictício de superioridade. Tanto o é que há protesto
brasileira produzida sobre relações raciais, uma vez que essas mais confun- quando identificados enquanto negros, ao ponto de exibirem sua “brancu-
dem do que explicam. A respeito da patologia social é convencionado que a ra” com origens enobrecedoras para “proclamar anéis, decoração da casa,
mesma equivale a um desequilíbrio da sociedade com o estado natural em constituição do nome, estilo linguístico”; ao ponto de quererem descobrir
perturbação. A mesma é uma extensão do biológico (Novicow apud Ramos, suas origens europeia e ignorarem a origem africana (Ramos, 1982, pp. 226).
1982, pp. 217). O desajustamento do “branco” é tamanho que o mesmo não gosta da afir-
Segundo Durkheim (1950), citado por Ramos, o estado o que é conside- mação de que o Brasil é de mestiços. O ideal de brancura acaba por enfraque-
rado normalidade é relativo a uma dada fase da sociedade. A depender do cer a integração social dos elementos que constituem a sociedade europeia
momento algum ato pode ser dado como normal ou anormal. (Ramos, 1982, (Ramos, 1982, pp. 230-231).
pp. 218 – 219). A exemplo, justamente a questão racial, que é processo oriun- Era perceptível a crueldade, má fé e intenção “cismo genética” a respeito
do de uma época em que havia justificativa, explicação e aceitação para do- dos negros no Brasil. Uma vez que imputaram processos semelhantes aos
minação e subjugação dos negros. À época essa justificativa era dada como aplicados aos judeus. Uma estratégia para minar nas pessoas negras o senti-
o normal dentro da sociedade. Há controvérsias se não é assim até os dias mento de insegurança (Ramos, 1982, pp. 231).
atuais, mas nas leis vigentes nos dia de hoje, a igualdade é princípio e o anor- Essa idealização da brancura reflete-se na baixa integração social de seus
mal passa a ser o racismo que outrora não era crime, mas uma regra. elementos, onde, segundo o autor, é temporário e não será obstáculo ao pro-
Para perpetuar seu poder, a minoria colonizadora promoveu sua domi- cesso social. Pelo método indutivo, o autor conclui que o “problema do ne-
nação por meio de valores estéticos e costumes. De forma que garantiu o gro” se revela uma patologia social do branco que, enquanto minoria letrada
poder em sólidos pilares com duração garantida (Ramos, 1982, pp. 219). Para que criou o problema. Logo, é preciso reexaminar as condições raciais no
Mbembe (2014), essa dominação estética também pode chegar à eugenia ge- Brasil a partir de uma posição étnica autêntica. Esta é possível a partir do
nética de melhoramento que exclui os fenótipos negros. O pensamento de país e suas pautas de evolução sem imitar as práticas de sociólogos de outros
raça também passou a colonizar a questão do genoma. Por meio de pesqui- países (Ramos, 1982, pp. 235-236).
sas para atribuir a origem de doenças a certas raças, ou mesmo nos discursos Depreende-se de Ramos (1982) e Mbembe (2014) a existência da questão
de sobre escolhas reprodutivas onde há a seleção de embriões, sem impedi- biopolítica neste e a biológica naquele. Da biológica, Springer (apud Ramos,
mentos de haver um futuro em que se faça um controle de ‘qualidade’ para pp. 220), também tratou o tema da patologia social como uma enfermidade
impedir o nascimento das raças “indesejáveis” (Mbembe, 2014, pp. 45-46). que foge à norma. A mesma pode presidir a estrutura dos superorganismos.
Ramos ainda determina que essa patologia do “branco” se revela na de- Quanto a biopolítica, explica-se ser o “de controlo das pessoas e a tomada de
claração de cor das pessoas. Que, as que tem pigmentação mais clara se auto poder sobre um corpo biológico múltiplo em movimento”, sendo ela conse-
avaliam contra sua condição étnica objetiva. Esse desequilíbrio é o que o au- quência das transformações do modo de produção capitalista, sistema que
tor considera de patológico no país (Ramos, outrora teve sua existência apoiada na superioridade racial (Mbembe, 2014,
60 61
pp. 46). Do enclausuramento do Negro, ou sua estigmatização, foi feito o história tinha uma base única e os únicos resultados possíveis eram a li-
uso de pseudojustificações de estereótipos e domesticações psicológicas (Ra- berdade ou a escravatura. Assim, junto a esse advento das classificações dos
mos, 1982, pp. 220). Esse enclausuramento significa uma forma de curiosi- seres, passa-se a indicar no que um se difere do outro (Mbembe, 2014, pp.
dade com efabulação que incide sobre os outros, a ponto de transpor o que é 38). A raça não existe do ponto de vista antropológico ou genético. Porém, é
acreditável ou inacreditável. Logo, essas classificações eram construídas com uma ficção útil para desviar a atenção de outras lutas mais verossímeis ou-
preconceitos ingênuos e sensualistas com simples qualificações que podiam trora. Postulou- se a existência de uma superioridade racial onde o ocidente
ser boas ou ruins (Mbembe, 2014, pp. 38-39). se colocou como o lugar onde havia direitos e humanidade. Apenas no oci-
As qualificações ruins eram atribuídas ao Negro, o qual era representado dente se deu a concepção de cidadão com direitos civis e privados para seu
como uma figura pré-humana incapaz de superar a sua animalidade. Tais pleno desenvolvimento. A concepção de que eram civilizados, a crença da
qualificações, aliadas ao imperialismo, são captadas e apreendidas pelo pen- não humanidade das pessoas que viviam em África, fez criar fábulas e cren-
samento ocidental, de forma que aos poucos foi desligando qualquer possi- ças imaginárias no erudito e no popular. Ao passo que até os estudos mais
bilidade de conhecer profundamente do que se falava (Mbembe, 2014, pp. objetivos para conhecer o outro, estavam recheados de narrativas que faziam
39). o Negro ser visto como brutal (Mbembe, 2014, pp. 25). Com relação à beleza,
o mesmo se sucede. Cada raça se considera como a mais bela e se orgulha do
Reflexo na sociedade da ‘branquitude’ no Brasil que a distingue de outras raças. Quando uma raça se vê obrigada a ter outra
como superior e mais desenvolvida, o amor à própria raça desaparece e à
Para Ramos, é evidente que há uma perturbação psicológica do brasilei- própria beleza também (Ramos, 1982, pp. 219).
ro em sua autoavaliação estética. Uma vez que, o próprio IBGE declara e,
nota que o número apurado de “brancos excede sensivelmente o que o que Reflexo no Sistema de Segurança do Estado
constaria de uma classificação realizada conforme critério objetivo” (Ramos,
1982, pp. 221). A cor escura ocupa o pólo negativo. O padrão branco de es- A questão social é processo oriundo de uma época em que havia a justifi-
tética social se desenvolveu quando o oposto deveria ter ocorrido. As mino- cativa de dominação e subjugação dos negros. À época essa justificativa era
rias “brancas” tentam esconder as origens raciais. Tornam-se mais brancos e dada como o normal dentro da sociedade. Onde também convergem Mbem-
querem se tornar se aproximar da estética europeia (Ramos, 1982, pp. 226). be e Foucault sobre os corpos Negros a serem combatidos, cuja presença
A Europa, por sua vez, se inscreveu, ao longo do séc. XVII, numa posição é tida como o normal e desejável dentro da esfera e estrutura do Estado.
de comando com relação ao resto do mundo. O horizonte espacial europeu Assim, o conceito de raça foi útil para dar nome aos que não eram euro-
se alarga justamente por este deter o controle sobre a imaginação cultural e peus. O que o autor diz que chamamos de ‘estado de raça’ diz respeito a
histórica (Mbembe, 2014, pp. 37). À época também surgiam discursos sobre um estado de degradação da essência dessas humanidades não-europeias
a natureza, forma e especificidades dos seres vivos e com os seres humanos que eram tidas como menores. Há a ideia de fóssil apresentada por Foucault
a regra também foi aplicada. Populações foram classificadas em termos de ((2000)) citado por Mbembe, em que seu significado condiz com “aquilo que
espécies, gêneros ou raças numa linhagem vertical (Mbembe, 2014, pp. 37). deixa substituir as semelhanças através de todos os desvios que a natureza
Em paradoxo, as pessoas e as culturas também começam a ter suas indi- percorreu”. E também a ideia de monstro, que “narra, como em caricatura a
vidualidades encerradas em si. Cada comunidade passava também a ser um gênese das diferenças” (Foucault, As palavras e as Coisas, (2000), p.216 apud
corpo coletivo e único, cuja Mbembe, pp. 39-40). Na classificação das classes, espécies e gêneros o Negro
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na sua obscuridade representa a sintetização destas significações. Logo, ele obrigação de fornecimento aos ditos ‘cidadãos’. Que, em sua maioria negros,
não existe enquanto Negro, uma vez que sua figura é produzida e reprodu- não têm espaço ou estrutura para exercer a plena liberdade cidadania, uma
zida. Sua figura é produzida enquanto um corpo de exploração com vínculo vez que são apenas corpos tidos como inimigos do Estado que precisam ser
de submissão, onde era colocado nas plantações para obtenção do máximo combatidos. A tendência do negro é de se desvencilhar do corpo por não ter
de rendimento (Mbembe, pp. 39 -40). sua identidade reconhecida pelos ditames sociais do biopoder, é reflexo do
Raça e racismo se revelam no trabalho que este tem em relegar a um rosto racismo que incide permanentemente com inovações tecnológicas.
humano para segundo plano e cobri-lo com um véu. No lugar de rosto, uma
fantasia, um simulacro. Essa atribuição é produzida e institucionalizada, a BIBLIOGRAFIA
indiferença e o abandono justificados. O Outro é violado, ocultado e con-
Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil , acessado em 06/07/17, às
denado à morte de maneira aceitável (Mbembe, pp. 64- 74). Em Foucault,
17h;
raça e racismo “é a condição de aceitabilidade da condenação à morte numa
AZEVEDO, H. L.; ALVES, Adriana Melo . RIDEs: por que criá-las? Geo-
sociedade de normalização”. “A função assassina do Estado só pode ser ga-
grafias (UFMG), v.
rantida, funcionando o Estado no modo de biopoder, através do racismo.
8, p. 87-101, 2012.
” (Foucault, (2006) pp.227-8, apud Mbembe, pp. 64-74). O que condiz com
MBEMBE, Achille. Crítica da Razão Negra. Introdução; Capítulo01, 2014.
a postura do Estado de abandono da região objeto da questão de violência
RAMOS, Guerreiro. Patologia Social do Branco Brasileiro. Introdução à
emergente, e a ausência de ações para a melhoria da RIDE.
Sociologia Crítica
Aquele o qual a raça é atribuída é passivo de tê-la presa em sua silhueta,
no Brasil, 1982.
de modo a
desconsiderar sua essência, fazendo com que, segundo Fanon ([1952]2008),
“uma das razões para desgostar da sua vida será habitar essa separação
como se fosse o seu verdadeiro ser, odiando aquilo que é, para tentar ser
aquilo que não é” (Fanon apud Mbembe, pp.11;25).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A temática abordada pode ser utilizada para entender melhor a interação
de raça e racismo, principalmente no âmbito da Ciência Política, Ciências
Sociais, Comunicação e Jornalismo. Áreas as quais podem corroborar ou
combater os discursos que por hora influenciam para a manutenção de um
sistema racista que se reflete nos moldes institucionais do Estado.
Ao passo que essas inovações podem exercer controle e vigilância, tam-
bém pode exercer opressão extensiva e também deixar à própria sorte o espa-
ço que poderia ter sua presença para além da vigilância e opressão. O poder
público do Estado tende apenas à vigilância, e deixa à parte o que lhe seria
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8 CORPO NEGRO E GORDO BÓIA NO MAR
Moreno? Moreno, claro. Foi dessa forma que me enxerguei e me identi-
fiquei durante muito tempo na minha vida. Quando pequeno, filho de mãe
solo, nascido em Florianópolis-SC, logo cedo eu ouvi de pessoas do meu
convívio e família que “esse aí não tem pai”, que “o pai dele é negão”, que
“você não precisa conhecer seu pai”. Ao mesmo tempo em que me tratavam
dessa forma, parte dessas pessoas eram aquelas que ajudavam minha mãe
com o que podiam para que eu tivesse uma infância com comida, escola e
moradia. Lembro de nos verões, a cor da minha pele ser sempre uma ques-
tão pautada por minha família. Ouvia-os falando da inveja da minha pele ao
mesmo tempo que ouvia conselhos para “não fazer serviço de preto”. A pele
Lucas Ferrazza é Cozinheiro e Produtor Cultural. Atualmente cursa
clara e o cabelo liso sempre foram fatores que privilegiaram minha inserção
Tecnólogo em Gastronomia pelo IFSC, em Florianópolis, sua cidade
no ambiente familiar, no ponto em que este ambiente parece responder a um
natal. Em suas lutas, está a constante resistência do corpo negro,
comportamento de nossa sociedade quando, sabendo quem é negro, o reco-
gordo e gay.
nhece como o tal apenas quando lhe é conveniente.
Quando minha cor começou a ser de fato uma questão para mim, lembro
de chegar à conclusão, junto de minha mãe, que eu era pardo. Ou então, mo-
reno. Negro era uma palavra que nunca deixaram se aproximar de mim. E
o que era ser pardo? E porque minha mãe é branca e eu sou pardo? Quando
eu me deparei com esses tipos de questões, lembrei-me da única foto do meu
pai que minha mãe havia me mostrado quando eu tinha sete anos. Lembro
que a foto ficava dentro de um envelope, dentro de uma lata, no fundo do
armário. E a foto era de uma expressão muito séria. Era um tabu para mim.
Recordo-me de ter sonhos constantes com meu pai mesmo sem conhecê-lo,
a expressão daquela foto nunca saiu da minha cabeça. Eu andava na rua e
sempre ficava olhando para homens negros, imaginando como seria o meu
pai. Até porque, pelo que ouvia, essa era a única certeza que eu tinha dele:
meu pai é preto.
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Somente aos treze anos minha mãe me contou como e quando a história anos, entrei na Universidade do Estado de Santa Catarina e no meu segundo
dela se cruzou com a do meu pai. Ela tem um irmão que estava preso em um ano cursando Teatro, fui convidado por uma professora para assumir uma
presídio em Florianópolis, na mesma época que meu pai também estava pre- bolsa de um projeto de extensão que ajudava na pesquisa e produção do
so. Eles se conheceram dentro do ambiente penitenciário e quando meu pai “Coletivo NEGA - Negras Experimentações Grupo de Artes”. Fiz parte do
foi solto, eles se relacionaram, tendo como consequência a gravidez. Meu pai coletivo por alguns meses e logo depois abandonei a universidade por uma
não quis assumir e sugeriu que ela abortasse. Minha mãe escolheu assumir a não identificação com o curso. Ao entrar no Coletivo me questionava a res-
gravidez sozinha. E quando digo sozinha, não ignoro todas as ajudas e amor peito dos motivos pelos quais a bolsa foi oferecida a mim e este processo de
que a nossa família sempre nos deu, mas digo sozinha, assumindo o papel questionamento foi muito importante para meu reconhecimento enquanto
de Mãe, e exclusivamente Mãe, sofrendo todos os preconceitos por ser mãe pessoa negra. No Coletivo, acima de compreender como o racismo sempre
solo, colocando um filho homem no mundo. esteve presente dentro da minha vida, conviver com outras pessoas pretas
Minha mãe sempre foi muito verdadeira comigo e escolheu os momentos foi crucial para eu entender quem eu sou no mundo.
que julgou achar mais adequado para que eu soubesse sobre minha origem Depois de largar a universidade, fui morar em São Paulo. Este foi um pe-
por parte de pai. No entanto, o meu contexto social foi impregnado de atitu- ríodo muito importante, onde, morando longe do meu contexto social, tive
des que sempre me distanciaram disso. Convivi durante muito tempo com uma série de gatilhos em relação aos preconceitos vividos até então, prin-
pessoas que eram contra eu conhecer meu pai. Eu cheguei a concordar com cipalmente situações familiares que foram apagadas e revividas posterior-
isso ao mesmo tempo em que não compreendia nada. Ao mesmo tempo em mente. Foi nessa fase que eu convivi, de fato, com pessoas pretas que foram
que eu “me identificava” como moreno e pardo, cresci com o mundo falando fundamentais para o meu processo de reconhecimento. Diferentemente de
que eu não deveria nunca ser como meu pai: negro. Florianópolis, em São Paulo, além de conviver, eu enxergava diariamente
Com 16 anos fui morar e estudar no Rio de Janeiro e foi com essa idade muito mais pessoas negras. E conviver com e enxergar outras pessoas ne-
que conheci meu pai, quando ele foi me visitar na escola. Nos abraçamos, gras, sem dúvida, fortalece-nos e encoraja-nos a nos ver de uma maneira
conversamos e foi mais leve do que eu pensava que seria. E é muito estranho mais sincera. Não à toa nós, pretos e pretas, fomos histórica e sistematica-
você reconhecer a sua face e o seu corpo em outra pessoa, aquele que falaram mente induzidos a não conviver com os nossos para que nossa luta seja sem-
pra você nunca ser igual. De todos os filhos, eu sou o mais parecido fisica- pre enfraquecida enquanto grupo, por uma sociedade não nos aceita fortes e
mente com ele. E esse detalhe fez abrir um grande vazio dentro de mim. Esse constantemente planeja o nosso extermínio.
vazio era o motivo de eu ser moreno, claro. Não. Esse vazio era o motivo do Após me entender verdadeiramente como uma pessoa preta instantanea-
meu pai ser negro e grande parte das pessoas quererem negar essa realidade mente comecei o processo de identificação como uma pessoa gorda, da mes-
para mim: uma criança que é negra, de pele clara, e cresceu dentro de um ma forma, dolorida, através de gatilhos e traumas e coisas que a gente vai
contexto social branco, que a vida inteira me considerou como moreno para engavetando e uma hora ressurge. Anteriormente, além de moreno, nunca
que eu fosse inserido e aceito num ambiente em que eu era a exceção, por ra- me tratavam como uma pessoa gorda. Eu era sempre aquela pessoa que os
zões de embranquecimento e por não assumirem que dentro de sua família amigos falavam “mas eu não te vejo como gordo”. E foi nos meus relaciona-
havia uma pessoa preta. mentos com outros homens que eu me deparei com a não aceitação do meu
O processo de embranquecimento em que vivi interferiu muito no meu corpo como ele era. Era comum sair com meus amigos para festas e não con-
convívio com pessoas negras, estive sempre condicionado a ter amigos bran- seguir me aproximar de pessoas que me despertavam interesse. Era comum
cos durante toda a infância e adolescência. De volta a Florianópolis, com 18 me olharem com cara de nojo, bem como sempre foi comum ficar com alguns
70 71
homens gays que pediam para que tudo acontecesse no privado. Foi muito uma série de imposições que colocam na nossa cabeça. E saímos de casa
comum marcar encontros com caras que eu não conhecia e me perguntarem: com medo de como vão nos reparar. A gente escolhe aquela roupa que faz
“Moreno claro ou escuro?”, ou então ser convidado a me retirar da casa de as pessoas nos olharem menos, mas ainda assim bufam no ônibus quando
algumas pessoas com o argumento de: “Desculpa, mas não vai rolar. Eu não sentamos ao lado. Acham que somos sujos e fedidos porque suamos mais.
gosto de gordinhos”; “Não rola cara, você não me avisou que você era as- Muitos fetichizam nosso corpo por mera diversão, para depois falar que
sim”. estamos exagerando.
Eu deveria, então, comunicar a todas as pessoas que eu sou gordo, gay e Faz seis meses que eu voltei a morar em Florianópolis. Sou cozinheiro e
preto? estudo Gastronomia no Instituto Federal de Santa Catarina. Voltei para a ci-
Sempre me escondi atrás de roupas escuras, com mangas e que não mar- dade pelo motivo de estudo e hoje reencontro aqui todas as feridas que esses
cassem minhas coxas, minha bunda e meus peitos. Não conseguia andar na processos causaram dentro de mim, só que agora, fazendo sentido.
rua sem camiseta e suportar olhares e piadas sobre ser um homem que tinha Historicamente, Florianópolis, tem uma trajetória baseada na ideologia
peitos ou que tinha dobras na barriga e uma bunda grande. E mesmo assim, do embranquecimento que, anos depois da abolição da escravatura, a partir
o mundo sempre me obrigou a deixar claro para todos o que eu sou. Na esco- da década de 20, através de reformas “urbanísticas e sanitárias”, expulsou
la, colegas já me tiraram a camiseta a força no vestiário para que eu mostrasse para os morros toda a população negra que vivia em cortiços no centro da
minha barriga e eles pudessem rir da minha cara. E pessoas agem dessa for- cidade. A maior parte da população negra ainda resiste nos morros. A maior
ma porque outras pessoas permitem que elas façam isso. Tem gente que acha parte dos terreiros, estão no morro. E todas essas comunidades do maciço
feio andar com gente gorda, quem dirá sentir amor e se relacionar por uma dos morros sempre foram (e ainda são) esquecidas pelo governo. Demorou
pessoa gorda e preta. A paixão é seletiva, sim. Somos motivos de piadas por setenta anos para ter água encanada nos morros depois da criação do primei-
ser quem somos. E, sofremos por achar que somos estranhos e que o nosso ro reservatório de água da cidade, que, ironicamente, ficava em cima de um
corpo está errado e que precisa ser mudado. E esse sofrimento aumenta cada dos morros principais da mesma. Temos áreas nos morros em que ainda não
dia mais entre os jovens, principalmente entre os jovens negros. Em nossa possuem coleta de lixo. A maior parte das pessoas negras na cidade ocupam
sociedade, meu corpo não é um corpo desejado, está longe de ser bem visto, empregos de baixa renda. A mão-de-obra do centro histórico da cidade é
é um corpo que fede, que não transa, que não combina basicamente com preta. O mercado público da cidade era um ponto de encontro e convivência
nada – eu fui ensinado a pensar isso tudo de mim porque pessoas pensam negra e agora, depois de uma reforma, tornou-se um ambiente voltado para
isso de mim. Essa é a sociedade que se diz avançar no combate do racismo, a classe média branca. E esse ritmo continua da mesma forma, só que para
gordofobia e homofobia, mas que não aceita um corpo negro, gordo e gay. pior.
Ser gordo é uma coisa de louco, parece que você é o sinônimo da ansieda- O Estado aplica a cultura de marginalização dos morros e regiões perifé-
de. Se alimentar na frente de outras pessoas então, é um verdadeiro desgaste. ricas pregando o esquecimento (e negando a existência) da população pre-
A sensação é de que você tá fazendo a coisa errada o tempo todo. Te olham ta, enquanto dificulta os acessos básicos a saúde e educação. Mais do que
como se você comesse apenas por ansiedade e nunca por necessidade. Te isso, o Estado trabalha todos os dias para colocar em prática o extermínio
questionam muito mais o que e porquê você está comendo. Nós, pessoas da população preta. De acordo com o Atlas da Violência 2017, a cada 100
gordas, convivemos diariamente com pessoas que reclamam de estarem pessoa mortas no Brasil, 71 são negras. Os números atuais do genocídio de
como nós somos. A gente se retrai muito e não se sente livre nem mesmo jovens homens negros são comparados a taxas de mortalidades em períodos
para expor as nossas angústias ao mundo. Culpamo-nos diariamente por de guerra. E as pessoas não conseguem falar sobre isso. Não falam porque
72 73
não se identificam com as pessoas que estão morrendo. Não falam por que, que eu esteja completamente satisfeito com o meu corpo como ele é e onde
de certa forma, compactuam com a ação genocida que o Estado aplica contra ele está. Essa angústia faz parte de mim. Mas, o amor que eu tenho pelo meu
o povo preto. corpo é uma prática que venho tentado retomar todos os dias quando con-
Estar inserido dentro de um ambiente que nega o tempo todo a nossa sigo me enxergar. E não é fácil. É um misto de não pertencimento com um
existência, condiciona-nos facilmente a imaginar-nos como um erro, um es- sentimento de esquecimento que me coloca numa posição muito solitária. Eu
torvo. O reconhecimento da pessoa preta enquanto o que ela é no mundo nado contra a solidão. No entanto, é dessa forma que o mundo espera que eu
é fundamental para seguir em busca das feridas que precisam ser curadas. reaja. O mundo não quer que estejamos preparados e fortalecidos para isso.
Sabendo que no contexto da população negra a necessidade de cura é coleti- E compreender isso é também compreender a necessidade que o meu corpo
va. Curar os nossos para que a gente crie e retome mais ambientes que sejam tem de resistir a tudo isso. Nossos corpos precisam resistir a essa invisibili-
nossos. dade e mostrar que existimos. E, se a sociedade quer que eu continue a me
As pessoas pretas que vivem aqui em Florianópolis são grandes símbolos esconder, a sociedade vai ter que aceitar, de uma vez por todas, meu corpo
de resistência. Estas pessoas resistem em uma das capitais mais conservado- preto e gordo boiando no mar.
ras do país. Aqui a intolerância ecoa pela natureza e pelo falso encanto de ser
uma cidade paradisíaca em que você encontra liberdade. A liberdade aqui é
para turista ver e consumir. O plano diretor da cidade ignora a localização
da população negra e visa estabelecer facilidades voltadas unicamente para
uma elite branca. A cidade que é tida como um ótimo destino para o público
LGBT+, registra um aumento considerável nos índices de estupros e espan-
camentos em pessoas lésbicas, gays e transsexuais. A estrutura do comércio
da cidade está voltada para um público que não gosta de ser gordo. O go-
verno nega a existência e presença da população preta ao mesmo tempo que
foca na realização de ações e eventos de origem italiana, açoriana e germâni-
ca, com o argumento de preservação da cultura local, dando “visibilidade”
para nós pretos apenas no carnaval (mas que sofre grandes cortes de inves-
timento anualmente), com a participação das escolas de samba, quase todas
oriundas das comunidades do maciço dos morros; e no dia 20 de novembro,
dia da Consciência Negra, em que a cidade parece fazer lembrar da nossa
existência.
As pessoas te olham estranho quando você é preto e diz que é daqui –
de Florianópolis. As pessoas não te aceitam, fazem você se questionar sobre
sua existência nesse local, colocando como regra a existência, de fato, só de
pessoas brancas. Eu nasci aqui e já fui embora da cidade duas vezes em mo-
mentos em que me senti verdadeiramente expulso. Mas, expulso por quem?
O que eu fiz de errado? Eu apenas nasci aqui. O mundo ainda não permite
74 75
76 77
9 PELO DIREITO DE SOBREVIVER A CIDADE
Em 2014 ouvi pela primeira vez o termo “direito à cidade”, através da
repercussão dos movimentos pela ocupação do Cais José Estelita em Recife,
cidade vizinha à minha, Jaboatão dos Guararapes. Na época, eu tinha 16
anos e tudo naquele discurso me parecia revolucionário. Descobri não só que
era um direito do povo decidir de que maneira a cidade deveria funcionar,
mas também tomar decisões sobre a sua estética.
Acompanhei de perto e mergulhei naquele mundo lúdico até que toda a
magia fosse se rompendo aos poucos. Fui percebendo que, apesar do acesso
ao Cais ser absurdamente difícil pra quem vinha da minha cidade, os ônibus
para Jaboatão voltavam lotados de pessoas que saiam daqui para brigar pe-
Letícia Carvalho, 20 anos, Pernambucana. Ativista feminista negra perifé- los espaços de lazer em Recife, que por ser capital, é muito mais amparada.
rica, ilustradora, integrante e fundadora do coletivo Faça Amor, Não Faça
Inspirada pelo movimento, decidi fazer o mesmo por minha cidade. Criei
Chapinha e estudante de Pedagogia em educação do campo na UFPE
o Ocupe Jaboatão, mobilizei grupos e página no Facebook, Instagram, entre
diversas ações físicas. Descobri coletivos de Jaboatão, descobri minha cidade.
Mas as pessoas não se interessaram da mesma maneira, os eventos eram
sempre muito esvaziados. Comecei a me perguntar por que o Ocupe Estelita
que lutava por espaço de lazer numa cidade cheia de espaços de lazer, onde
as pessoas da Região Metropolitana vão para desfrutar desses espaços por
não terem em suas cidades, ganhou uma visibilidade e empatia tão grande,
enquanto as lutas de ocupação por moradia eram menosprezadas. Comecei
a me perguntar quem estava à frente daquele movimento. Eram pessoas, em
sua maioria, homens, brancos de classe de média.
Passei a militar por minha cidade através do meu coletivo, o “Faça amor,
não faça chapinha”, meus amigos e eu criamos o sarau JaboArt, entrei no
Coletivo de Mulheres do Jaboatão e conheci os diversos grupos de hip-hop,
compostos por jovens negros periféricos, que são marginalizados na cidade
e se tornaram pra mim, grandes referências de aprendizado e fortalecimento.
78 79
Em dezembro de 2016, me reuni com alguns integrantes desses coleti-
vos para planejar alguma ação de incidência política que despertasse outros
jovens. No final da reunião, fomos até a praça no centro da cidade treinar
break, já que a Casa da Cultura onde aconteciam os treinos estava fechada.
Éramos todos jovens e negros, e fomos observados por um grupo de poli-
ciais militares que faziam uma blitz na pista ao lado. Quando o nosso treino
acabou e nos organizamos pra sair, fomos abordados por aqueles policias,
que nos revistaram fazendo comentários racistas e, após não encontrarem
nada que pudesse nos incriminar - eu carregava apenas uma apostila de po-
líticas públicas - os policiais começaram a nos agredir verbalmente dizendo,
entre outras coisas:
“Você acha que entende de leis? Você não entende nada de leis! Eu sou a

10
lei!”.
Respondi dizendo que sabia o quanto aquele procedimento era irregular,
e então mostraram um pacote de maconha e uma pequena pedra de crack
no bolso e disseram ter encontrado no chão perto de mim. Meu namorado
questionou a acusação e foi agredido no rosto com um tapa. Gritei o quanto Bruna Tamires é escritora, desenhista e gestora. Deu vida à Ma-
aquilo era absurdo e criminoso e levei também um tapa no rosto acompa- lokêarô, por onde ela assina seus escritos, desenhos e Zines. Está
nhado por vários xingamentos misóginos. Depois de sermos extremamente sempre nas ruas, as vezes em casa.
humilhados, eles nos liberaram.
Atos e ações foram feitos enquanto ao meu caso. Fomos perseguidos. Fi-
zemos a denúncia e foi arquivada. Não houve empatia e comoção nacional.
Depois de passar por tudo isso me pergunto: como debater direito à cidade
quando falamos de pessoas negras, principalmente mulheres negras? Como
lutar pela estética da cidade quando ainda lutamos para que nossa estética
seja aceita e que não seja atrativo para a polícia? Como lutar pela construção
de espaços de lazer quando sequer temos o direito de transitar pelos poucos
espaços que temos? Como lutar por segurança se sofremos violência dos di-
tos “agentes de segurança”?
Enquanto os ricos lutam por pistas mais largas para seus carros e uma
cidade que atenda à suas expectativas de estética, estamos lutando por pas-
sagem mais barata para andarmos em transportes lotados e perigosos, lutan-
do para que a cidade nos reconheça como parte dela, estamos lutando para
sobreviver a forma opressora que as cidades estão organizadas.
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82 83
preciso voltar antes que a segurança para mulheres esteja pior que o nor-
mal. E no meio de todos estes processos, eu enfrento burocracias e impasses
decorrentes da minha condição de cidadã paulistana negra, jovem e pobre.
Nem todas as pessoas reconhecem o fato da cidade não ser dividida entre
todos de forma igual. Geralmente, é quem sofre que sente. Quem não sofre
A AUTONOMIA SELETIVA DA CIDADE DE SÃO PAULO desconhece, pensa que sabe, mas não sabe de nada. A experiência de ser uma
jovem negra e de periferia na cidade de São Paulo, por exemplo, é um caso
Poucas mulheres negras vivem a liberdade na cidade de São Paulo. Isso que merece atenção quando se trata de limitação de autonomias. Isso por três
por diversos motivos, a começar pela passagem de três e oitenta. A liberdade premissas: o homem achar que mulher deve ter dono, a sociedade achar que
na cidade tem a ver com mobilidade, acesso, possibilidade e segurança, coi- mulheres negras não têm família e o Estado ainda considerar que pessoas
sas que os governos devem prover e a sociedade precisa acreditar que todas negras são meio-cidadãs.
as pessoas merecem. São milhares de jovens negras que saem de casa todos os dias e enfren-
Você, leitor ou leitora, não terá aqui a sua inteligência desconsiderada. tam a selva de São Paulo sozinhas. Elas vão de tênis, mochila, levam água,
Confio que, com tantas informações já recebidas nesta publicação e em mui- blusa de frio... Todo o kit para sobreviver ao dia a dia e, mesmo assim, nada
tas outras, nós não precisamos retomar o beabá das estatísticas sobre desi- é garantido. Sair de casa já é uma complexidade. Em relação aos transportes
gualdades entre negros e brancos, ricos e pobres, homens e mulheres, pes- -apesar das leis municipais que permitem que os ônibus façam paradas fora
soas e pessoas. Vamos falar sobre autonomia, a aptidão ou competência para do ponto no período noturno - não asseguram nossa segurança na volta para
cada um gerir sua vida. a casa. Sampa é uma cidade onde quem tem, tem, e quem não tem dinheiro
São Paulo é uma cidade solitária e perigosa. Também é uma cidade que para pagar seu carro/táxi/uber, que volte pra casa enquanto o metrô e trem
acolhe como pode todos os seus milhões de habitantes. Ela carrega a ilusão estiverem ativos e as ruas não estiverem vazias.Depois de determinado horá-
de ser a filha mais velha, a locomotiva de país, o arrimo da família. Ela carre- rio, todos os lugares se tornam mais agressivos para mulheres. E para as mu-
ga a brutalidade do concreto, da indústria, da correria que atropela e não vê lheres negras principalmente, cuja condição humana é mais reduzida pelo
no meio da rua as pessoas estiradas. Ela passa sem saber se estamos vivas ou racismo. Iluminação urbana, meios de transporte, machismo, o caos causado
mortas. Ela não vê, ou não quer ver, seus problemas, e por isso se mascara, pela ausência de políticas públicas que considere as desigualdades. É tene-
se esforçando para ser linda no meio do lodo e da miséria. Ela só tem essas broso viver a rua quando ela determina que o seu corpo é de propriedade de
ideias porque foi criada numa autonomia seletiva, que protegeu bandeiran- todos. Todos ou ninguém. Desconsiderado, descartável, objeto.
tes, massacrou povos nativos, escravizou africanos e formou imigrantes eu- A questão que fica é: como levamos essa onda de restrição de entrada e
ropeus para o individualismo e a ignorância do mérito sem mérito. Vivemos saída, de possibilidades, de segurança e dignidade?
assim, numa cidade que deu autonomia a partir de uma classificação por Minha sugestão, não imposição, é: vamos levando de leve para não en-
raça, por gênero e por classe. louquecer.
Às cinco e meia eu me preparo para sair às seis e pegar o trem. Preciso E quem desconhece a nossa realidade, lida como para não fazer pataqua-
cruzar a cidade, chegar na zona leste, ter a minha aula e depois ir para o meu das? Estude, escute e abra caminhos.
trabalho no centro. Quando a vontade é grande, bate sete horas e eu fico um Um salve para todas as jovens negras vivas nas ruas das grandes cidades.
pouco mais na cidade para me divertir com minhas amigas. O mesmo aos
finais de semana, quando saio em busca de lazer, eu viajo pela cidade, mas
84 85
86 87
11so ao

O dia 8da
a presença
discriminação.
de reflexão
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O CENTRO E A TERRITORIALIDADE NEGRA NA CAPI-


TAL PAULISTA
A área central da cidade de São Paulo demonstra aspectos ímpares tra-
tando-se da sua formação. Sua morfologia reúne a combinação de variadas
épocas e distintas legislações, o que contribui para a caracterização do seu
tecido urbano atual. Detém de forte infraestrutura, além de contar com uma
multiplicidade de núcleos comerciais tão antigos quanto vigorosos, serviços
fora dele.seria
somente
brasileira z
atual. possível
Quandotal se realização se os agrupamen-
indica um percentual de mu-
e equipamentos capazes de atrair um grande número de visitantes à cida-
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sociedade
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cal- de. Entretanto o centro já sofreu intensa desvalorização. Por volta de 1950,
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terminado
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presença
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com a houve abandono por parte das elites, o que fez com que deixasse de ser um
com igualdade
urbano
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para
importância
Elky Araújo - Graduanda em Arquitetura e Urbanismo pela Univer-
e todas.
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Ora,
usos
em se São
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tradicionais.
vista alcançar um
desempenho das patamar
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sidade Judas Tadeu.
recorte em seu tecido, colaborando para transformação da paisagem urbana.
do de condições
A mulher
companheira, é, no vida2 –em
de Brasil,
profissional, nanúmeros,
em diferentes
cidade e nomaioria.
áreas,
campo É-atem
solicitaci-
Somente mais tarde, com início da década de 90 por meio de ações como
dadã
dasido quedos
cidade
um mais ocupa desafios
a mobilidade
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a acessibilidade,
brasileiros, queou
oenvolvendo não,
requer a Operação Urbana Centro (Lei 12.349 de 6 de junho de 1997), que visa a
ocirculando,
livre transitar
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o trabalho,
discussão invo- a melhoria e revalorização a fim de atrair investimentos e reverter o processo
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as intervenções depor meio de
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políticas sua presença
serviços
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públicos emeconstrução
eprivados,
para tais de degradação do Centro, esse quadro tende a mudar. Temos então a região
central, mais especificamente os distritos da Sé, como recorte adotado para
esítios,
manutenção
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cultura semsociedade
garantir que,brasileira.
cerceamento, muitas
especialmente, Entredasaosvezes
eleitores,
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te-
os estudos e análises a fim de se obter uma leitura dinâmica dessa localidade.
as
vocado
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e decisivaà são maioria,
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integridade comfísica.
processo odeTribunal
Para Supe-
produção quedo a Este trabalho parte da busca pela compreensão da existência de núcleos
rior
cidade
espaçoEleitoral,
seja em 2014,
funcional
urbano. registrando
à mulher é preciso77.459.424
que elaeleitoras
perceba que possuem sua composição urbana, econômica e artística entrelaçada ao
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presença de feminina,
Ao falar 68.247.598
da presença oeleitores
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permitir
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sua .deci-
Na enredo da população negra na cidade de São Paulo, atendo-se às particula-
cipação
sões sobre
perspectiva nosodaespaços
uso decisórios
e a ocupação
democracia, pelo sobre
que se odeve
método desenho,
dar à o
quantitativo usodee
cidade, ridades e manifestações culturais à medida que se vivencia as transforma-
ções morfológicas do lugar. Diante desse contexto de mudanças, é possível
ocupação
não se destaca
participação, da cidade.
a tal imperativo
explicação paratão somente relacionado
a ausência das mulhe-
compreender a desapropriação e a dispersão como fenômenos urbanos que
res As cidades
à segurança
nos espaços têm uma significativa
e integridade
políticos, partilhando relação
física e psicológica
do debate com o usoa
feminina,
sobre tecem a dinâmica da cidade. Desse modo, a realidade faz-se questão a partir
ecidade
a ocupação
mas o queque
daeimportância elaodevemundo
de tal masculino
questão
e pode parafaz
ofertar, delas. Foram
o fortalecimen-
não se sustenta, do momento em que se propõe uma discussão sobre uma região cuja sua
idealizadas
to do Estadoeassim
fragilizando erguidas
democrático dentro dessade
garantidor
a possibilidade perspectiva,
da igualdade
um em sem
futuro estável, que história tem valor significativo e atrelado ao espaço e as transfigurações ter-
ritoriais.
88 89
Posteriormente a Abolição da escravatura, no comando do prefeito Antô- pluralidade da capital. Desse modo, julga-se importante também olhar para
nio da Silva Prado (1899 - 1911), o poder público juntamente a elite paulista- esses elementos que fazem da cultura afro latente, o que significa a busca
na liderou uma acentuada reorganização territorial na cidade de São Paulo, do reconhecimento de parte expressiva da história e da contribuição da po-
consequentemente a ativa redefinição social e racial que culminou no des- pulação negra na cidade, bem como compreender o quanto e como suas
locamento da população negra remanescente da escravidão da área central manifestações são representativas. Tem-se um conjunto cultural importante
para zonas mais afastadas. Houve uma espécie de limpeza do Centro Velho, marcando e enriquecendo a região central da maior cidade do país. A Aca-
repelindo os indivíduos que estavam instalados ali. demia Paulista de Letras; Igreja Nossa Senhora da Achiropita; Igreja Nossa
Com a redefinição do espaço urbano que ocorreu Senhora da Boa Morte; Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos;
com a abolição da escravidão, a imigração maciça de eu-
Igreja Santa Cruz dos Enforcados; Largo São Francisco são exemplos dessas
ropeus e a dinâmica da economia do café, novos territó-
rios negros foram estabelecidos: nos porões e cortiços do expressões.
Centro Velho, sobretudo no sul da Sé, na área que não “Uma história de vida não é feita para ser arquivada ou guardada numa
foi objeto de muitas remodelações, na região do Lavapés gaveta como coisa, mas existe para transformar a cidade onde ela flores-
(contígua ao sul da Sé) e nos campos do Bexiga. Surgiu
ceu”.21
também um núcleo novo na Barra Funda. (ROLNIK,
1997, p. 75). Por fim, não se trata apenas de uma região administrativa, mas sim de um
Percebe-se que ainda hoje essa segregação espacial que envolve a popula- lugar regado a experiências urbanas e formação de identidade. Diante disso,
ção negra é dilacerante e gradativa. Temos isso quando analisamos a paisa- considera-se de extrema importância para a comunidade e para a cidade, de-
gem da cidade de São Paulo e no momento em que consultamos informações monstrar a presença e as influências de uma coletividade negra em espaços
oficiais, como por exemplo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Esta- de expressão deste grupo, sua ativa participação ao longo da história e seus
tística, e relacionamos com a espacialidade urbana. Com base no IBGE, hoje reflexos no presente.
temos a população negra concentrada nas periferias. Como em todo o Brasil,
na metrópole paulista a marginalização do contingente negro também está REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
relacionada a segregação social, compondo então as camadas mais pobres.
Todavia, esse assunto pouco a pouco vem sendo debatido através de pesqui- BOSI, Ecléa. O Tempo Vivo da Memória: Ensaios de Psicologia Social. São
sas que tratam sobre raça e espaço urbano. Não eram apenas as moradias Paulo: Ateliê Editorial, 2003
que indicavam a presença dos negros por aquelas bandas. Suas manifesta- DOMINGUES, Petrônio. Uma História Não Contada: Negro, Racismo e
ções culturais deixaram marcas caracterizando essa territorialidade negra, Branqueamento em São Paulo no Pós-Abolição. Ed. Senac, 2005. FERNAN-
como conta a o historiador Petrônio Domingues no livro “Uma História Não DES, Florestan. Brancos e negros em São Paulo. Global Editora, 1955.
Contada – negro, racismo e branqueamento em São Paulo no pós-abolição”: ROLNIK, Raquel. A cidade e a Lei: Legislação política urbana e território
“Os negros eram organizados, tinham clubes, sociedades beneficentes, grê- na cidade de São Paulo. São Paulo: Studio Nobel: Fapesp, 1997, 3º ed.
mios literários, jornais, grupos teatrais, escolas experimentais e artísticas”20 ROLNIK, Raquel. Territórios Negros nas Cidades Brasileiras, in Revista
Dentre as maiores formadoras da identidade brasileira, a cultura afro é de Estudos Afro-Asiáticos, nº 17, Rio de Janeiro, 1989.
elemento recorrente no cotidiano da cidade de São Paulo. Exerce grande in-
fluência cultural através de manifestações e expressões que evidenciam a
20 21
DOMINGUES, Petrônio. Uma História Não Contada: Negro, Racismo e Branqueamento BOSI, Ecléa. O Tempo Vivo da Memória: Ensaios de Psicologia Social. São Paulo: Ateliê
em São Paulo no Pós-Abolição. Ed. Senac, 2005 Editorial, 2003.
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natural
dadosque
da sua
são
econômico.
possuem
deas

comum.
às demandas
cidades
Infelizmente
idade,

que
sociedade,

representa
era
debate
teriam
conflitantes
o desenvolvimento
reconhecimento
cidades e as

à cidadeuma
ignorada
escolhas
da diversidade
mulheres

ou
comono
relações
historicamente
o espaço denão,
serviços,
necessita
do todos
governo
concepção,
responsáveis
Para
expectativa
e as

pelo
não
equivalendo

e,
internacional
inserida
e seudeepapel
sobre
em um
no século
pelo
tanto,
individuais

trabalho
os segmentos
federal
poder
garantindo
sustento
de vida
mulheres,
é o aque

importante
portanto,
para todos edesconsi-
3
é preciso
51,4%
ede
seseja

que envolve
que contexto
forma
dia-a-dia
seriam
e interesses
convivência
socialcomo
peloque
direito
e econômico,
XXI
ser reconhecida
, as
público de

todas
e função
da socie-
acessados.
empodera-
humana
protagonista
têm uma
e circulação
sociais
mulheres
37,3%
77 falar
coletivas
apresenta,
que
(setenta
danopopulação

dataé
social,
difu-
reclama
Brasilpois

que
o aces- na
for-
fizes-
e político,
assim maior
das
e es-
ou

a
se
e
fora
somentedele.seria
brasileira z
atual. possível
Quandotal se realização se os agrupamen-
indica um percentual de mu-
lheres Sendo
tos humanos a cidade
responsáveisque seapelo projeção
reúnem sustentonasdacidades
sociedade
de suasestivessemem umeclo-
famílias, de-
cal-
1
terminado
cados
de mais em uma espaço
bases solidárias
questão, a dade
, analisar promoção
presença
como dadialoga
a feminina
urbe justiça social,
no espaço
com a
com igualdade
urbano
presença deslocando-se
feminina deéoportunidades
de para o trabalho,
fundamental para todosalém
para
importância
Naná Prudencio, fotógrafa e produtora audiovisual, graduada em
e todas.dos
tendo
emOra,
usos
Artes seVisuais
aque
lutaeoAudiovisual,
tradicionais.
vista para alcançar
desempenho um
das patamar
pesquisadora inúmeras mais
do retrato equilibra-
funções,
cotidiano mãe,
negro
donas Aperiferias
de
companheira,condições
mulher das
é, cidades
de Brasil,
no vida
profissional, de2 São
–ememPaulo,
na Embue das
números,
diferentes
cidade Artes
maioria.
no áreas,
campo e solicita
Taboão
É-atem ci-da
Serra. Naná, já foi dançarina de cultura afrobrasileira, articuladora
dadã
dasido
em quedos
cidade
um
ONGs mais
e ocupa desafios
a mobilidade
grandes
arte-educadora ose espaços,
nas produzindo
a acessibilidade,
brasileiros,
áreas de artes queou
oenvolvendo
visuais, não,
requer
integrante
o do
livrecoletivo
circulando,
permitir DicampanaFotoColetivo
habitando,
transitar da mulher,
a participação interferindo, e também
inclusive
democrática para
na diretora
voluntaria fotógrafa
ou
o trabalho,
discussão invo-
sobre ae
asproprietária
luntariamente,
possibilidade
intervenções na produtora Zalika Produções.
depor meio de
e acessar
políticas sua presença
serviços
públicas feitas na
públicos emeconstrução
eprivados,
para tais
esítios,
manutenção
lazer eque diráda
cultura semsociedade
garantir que,brasileira.
cerceamento, muitas
especialmente, Entredasaosvezes
eleitores,
mulher pro-
te-
as
nhamulheres
vocado vozpeloativatambém
receio
e decisivaà são maioria,
suanesse
integridade comfísica.
processo odeTribunalPara Supe-
produção quedo a
rior
cidade
espaço Eleitoral,
seja em 2014,
funcional
urbano. registrando
à mulher é preciso77.459.424
que elaeleitoras
perceba
aem face
presença de feminina,
Ao falar 68.247.598
da presença oeleitores
queda envolve do sexo
mulher no masculino
permitir
âmbito das4parti-
sua .deci-
Na
cipação
sões sobre
perspectiva nosodaespaços
uso decisórios
e a ocupação
democracia, pelo sobre
que se odeve
método desenho,dar à o
quantitativo usodee
cidade,
ocupação
não se destaca
participação, da cidade.
a tal imperativo
explicação paratão somente relacionado
a ausência das mulhe-
res As cidades
à segurança
nos espaços têm
e integridadeuma significativa
políticos, relação
física e psicológica
partilhando do debate com o usoa
feminina,
sobre
ecidade
a ocupação
mas o queque
daeimportância elaodevemundo
de tal masculino
questão
e pode parafaz
ofertar, delas.
o fortalecimen-
não Foram
se sustenta,
idealizadas
to do Estadoeassim
fragilizando erguidas
democrático dentro dessade
garantidor
a possibilidade perspectiva,
da igualdade
um em sem
futuro estável, que
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REALIZAÇÃO

APOIO

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