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Revue franco-brésilienne de géographie / Revista franco-brasilera de geografia
2 | 2008 :
Número 2
L A L
Resumos
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“Observe a história geográfica que nós ensaiamos de promover e de batizar como Geohistória”
(Braudel, 1951,p.486). De acordo com a data da citação, 1951, a obra que marca a história
geográfica de Fernand Braudel, na qual ele julga lançar sua contribuição à Geohistória, é a
primeira edição de O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Época de Felipe II (1949).
Reconhecido pelos historiadores, é neste livro que o autor desenvolve uma nova concepção de
tempo, uma “dialética da duração” (Braudel, 1972, p. 10 e insere seu conceito que revoluciona a
epistemologia da História do século XX: a “longa duração”.
A “longa duração”, a “dialética da duração”, no estudo da História, que até então se atentava
quase exclusivamente ao “tempo breve”, surge em O Mediterrâneo com um significado preciso:
trata-se do “tempo geográfico” (Braudel, 1983, p. 26). Mesmo assim, pouca atenção se tem dado à
concepção de espaço de Fernand Braudel, bem como às suas relações com os geógrafos
fundadores da disciplina.
Este artigo visa recuperar um debate que por tanto tempo se deu no interior da Geografia: o do
determinismo. Visa ainda restabelecer e ajudar a esclarecer as relações entre Fernand Braudel,
Vidal de La Blache e Lucien Febvre, bem como a concepção de espaço do primeiro. Trata-se de
uma comparação bibliográfica, bem como o histórico de suas produções, de três obras dos
autores de referência: O Mediterrâneo, de Braudel ; Princípios de Geografia Humana, de Paul
Vidal de La Blache ; e A Terra e a Evolução Humana, de Lucien Febvre. Além disso, produziu-se
um gráfico com a sistematização das principais referências teóricas de Fernand Braudel,
perseguidas em todas as notas da primeira parte de O Mediterrâneo. O resultado é a influência
incontestável de Vidal de La Blache na obra capital do grande historiador do século XX.
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03/06/2019 Fernand Braudel e Vidal de La Blache : Geohistória e História da Geografia
Géohistoire, est la première édition de “La Méditerranée et le Monde Méditerranéen à l’époque
de Philippe II” (1949). Reconnu des historiens, c’est dans cet ouvrage que l’auteur développe une
nouvelle conception du temps, une “dialectique de la durée” (Braudel, 1972, p. 10) et introduit le
concept qui révolutionna l’épistémologie de l´Histoire du XXe siècle : la “longue durée”.
La longue durée, la dialectique de la durée, dans l’étude de l’histoire qui jusqu’alors se souciait
exclusivement du “temps bref”, surgit dans “La Méditerranée” doté d’un sens précis : il parle d’un
“temps géographique” (Braudel, 1983, p. 26). Malgré cela, on porta peu d’attention à la
conception de l’espace de Fernand Braudel, tout comme aux relations qu’il entretenait alors avec
les géographes fondateurs de la discipline.
Cet article a pour ambition de réhabiliter un débat qui fut longtemps très actif dans le monde de
la géographie : celui du déterminisme. Il s’agit de rétablir et de clarifier les relations entre
Fernand Braudel, Vidal de la Blache et Lucien Febvre. Il s’agit enfin de mettre en lumière la
conception de l’espace selon Fernand Braudel.
Fernand Braudel and Vidal de La Blache: “geohistory” and History´s Geography. “Think about
the geographical history which we have tried to promote and have called geohistory” (Braudel,
1951). According to the quotation dated of 1951, the first edition of “The Mediterranean and the
Mediterranean Word in the Age of Philip II” is a book which is considered a landmark in Fernand
Braudel´s geographical history. That book is considered his great contribution to Geohistory.
Recognized by historians, in The Mediterranean the author develops a new time conception, the
“dialectic of the duration” and inserts his conception which revolutions the epistemology’s history
of the XXth century: “the long duration”.
The “long duration” is his History main thesis. Up to it, historians considered only the short time.
In The Mediterranean, the “long duration” has a special meaning: the ‘geography time’. However,
not much attention has been given to Fernand Braudel’s concept of space and to his relations
with the geographers who founded the Geography science.
This article wants to recuperate a debate, which for a long time was present in the Geography
science: the determinism. It also wants to restore and help clarify the relations between Fernand
Braudel, Vidal de La Blache and Lucien Febvre, besides Fernand Braudel’s conception of space.
The method adopted is a comparison of three books of those three authors: The Mediterranean,
The Principles of Human Geography andA Geographical Introduction to History. Moreover, a
graphic was made which systematizes Fernand Braudel’s main theoretical references, which
could be observed in the notes of the first part of the Mediterranean. As a result, Vidal de La
Blache’s influence in Fernand Braudel’s work is uncontestable.
Entradas no índice
Index de mots-clés : déterminisme, géohistoire, longue durée et l’espace
Index by keywords : determinism, Geohistory, long duration, space
Índice de palavras-chaves : determinismo, espaço, geohistória, longa duração
Texto integral
1 Não passou desapercebida a relação de Braudel com a Geografia. Ainda que raros,
alguns debates foram notáveis. Em 1989, Yves Lacoste organizou o livro Ler Braudel
que continha seu artigo “Braudel geógrafo”. O autor não busca entender a qualidade de
Braudel como grande historiador, mas propõe uma questão : seria Braudel também um
geógrafo ? Não se tratava de revisar a grande tese de Braudel, formalizada em 1958 no
artigo “A Longa Duração”, nove anos após a edição de sua obra maior, O Mediterrâneo,
na qual ele traça a história do mar Mediterrâneo no século XVI. Naquele texto Fernand
Braudel aponta a necessidade de uma “inversão de pensamento” pelos historiadores e
que “torna-se indispensável uma consciência nítida desta pluralidade do tempo social
para uma metodologia comum das ciências do homem”(Braudel, 1972, p. 10 e 11).
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03/06/2019 Fernand Braudel e Vidal de La Blache : Geohistória e História da Geografia
“Convém, uma vez mais, medir essas distâncias hostis, pois é no interior destas
dificuldades que se estabelecem, crescem, duram e evoluem as economias-mundo.
Precisam vencer o espaço para dominá-lo e o espaço nunca deixa de se vingar, de
impor novos esforços” (Braudel, 1998, 3v. p. 17)
5 Em Identidade da França, sua última grande obra, composta por 3 (três) volumes, o
primeiro é intitulado Espaço e História e o terceiro capítulo do mesmo : “Teoria a
Geografia inventado a França ?” (Braudel, 1989, p. 221). Em 1985, ano de sua morte,
são as seguintes palavras proferidas no “Centro de Encontros de Châteauvallon”, nas
Jornadas Fernand Braudel, num debate com o geógrafo Étienne Juillard sobre o
‘determinismo’:
“Sin embargo, voy a tener com Etienne Juillard tal querella que lê pido no
responderme. Muchos geógrafos, entre ellos Pierre Gourou, al qual queremos el
uno y otro, consideramos como vos, mi querido Etienne, que el espacio contiene
una experiencia humana muy variable. Entonces, retiran la experiencia humana y
se oldivan del espacio. Los acuso de desespacializar la historia. Poniendo las cosas
en su lugar, tengo el sentimento de devolver a la geografia sus antigos derechos, se
llame o no determinismo.” ( Braudel, 1996, p. 255).
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03/06/2019 Fernand Braudel e Vidal de La Blache : Geohistória e História da Geografia
“Há necessidade de expor longamente sua dívida em relação à geografia, ou à
economia política, ou ainda à sociologia ? [refere-se à História]. Uma das obras
mais fecundas para a história, talvez mesmo a mais fecunda de todas, terá sido a
de Vidal de La Blache, historiador de origem, geógrafo de vocação. Diriam de bom
grado que o Tableau de la geographie de la France, publicado em 1903, ao umbral
da grande história da França de Ernest Lavisse, é uma das maiores obras não
apenas da escola geográfica, mas também da escola histórica francesa.” (Braudel,
1992, p. 50).
Gráfico 1
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“[...] e repitamos com Durkheim- desta vez sem reservas nem limitações : não há
dúvida de que as influências geográficas estão longe de ser desprovidas de
importância ; ‘mas não parece que tenham o tipo de preponderância que se lhes
atribui... Entre todos os traços constitutivos dos tipos sociais não há nenhum, que
nós saibamos, que eles possam explicar’. E acrescenta : aliás, como seria isso
possível, ‘uma vez que as condições geográficas variam de lugar para lugar,
enquanto se encontram tipos sociais idênticos (abstração feita das alterações
individuais) nos mais diversos pontos do globo ?’” (Febvre, 1954, p. 448)
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A década da Geografia
18 A década de 20 parece ter sido um momento muito singular para a geografia
francesa. Ambos os livros, A Terra e a Evolução Humana, de Lucien Febvre, e
Princípios de Geografia Humana, de La Blache, foram publicados muito próximos,
1921 e 19224. No entanto, Lucien Febvre não cita, não faz referência a Princípios de
Geografia Humana. Ocorre que este foi o único livro teórico de Vidal de La Blache,
inacabado pela surpresa da morte e editado por Emmanuel De Martone. A leitura de O
Mediterrâneo de Braudel, além de mostrar que Vidal de La Blache é o autor mais citado
da primeira parte, aponta que é a obra Princípios que o historiador mais valoriza
(LIRA, 2007, 4ª rel). Mas Lucien Febvre, ao redigir sua obra, não teve contato com esta
outra, tendo como principal material de consulta os artigos publicados na revista
Annalles de Geographie5. Porém, o próprio Emmanuel De Martone nos indica a
originalidade do livro frente aos escritos anteriores de Vidal de La Blache:
19 Isso nos é bastante importante. Foi o conteúdo dos tópicos “As Formas de
Civilização” e “a Circulação” e também a Introdução, “Significado e Objeto da Geografia
Humana”, com os quais Lucien Febvre não tomou contato ao escrever a obra a Terra e
a Evolução Humana. A julgar pela obra de Braudel, cujo centro da análise histórica se
colocou na possibilidade da “Circulação” estes podem ser justamente os componentes
mais importantes da obra vidaliana, diferentemente do que se costuma a apreender de
Vidal de La Blache, cuja ‘suposta’ atenção é dado ao que é’ fixo’.
20 Assim, é neste momento, enquanto a Geografia Francesa não possui um suporte
teórico-metodológico reunido, que a disciplina começa a sofrer críticas da Sociologia,
que fundava a Morfologia Social. Críticas que são principalmente para Raztel, mas que
procedem, como Febvre bem nota, como se toda a teoria e a produção geográfica,
pudesse se resumir à escola alemã.
21 Assim, o primeiro esforço pessoal de sistematização da ciência geográfica francesa,
publicado e editado pelo próprio autor, de vem de Lucien Febvre, um historiador que
responde a um debate que não nasceu da Geografia, mas da Sociologia. Adepto de uma
escola historiográfica que prezava pela união entre a história e a geografia, que,
segundo seus escritos, tem como principal expoente Michelet, Febvre se vê obrigado a
fazer este primeiro esforço teórico, mas acaba por colocar questões que, como o livro
teórico de Vidal de La Blache esclarecerá pouco mais tarde, não fazem parte dos
fundamentos da geografia francesa, mesmo que ele entenda ser um de seus
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03/06/2019 Fernand Braudel e Vidal de La Blache : Geohistória e História da Geografia
A partir destas informações podemos pensar que esta é uma citação em que se
busca o geógrafo essencialmente como fonte de dados. De fato, mas além disso, é
preciso lembrar que nesta altura do texto de Fernand Braudel, ele engendra uma
discussão sobre qual a verdadeira característica da montanha mediterrânica, se
seriam elas pobres ou pouco povoadas. Neste aspecto, o autor concorda com Vidal
de La Blache: são essencialmente lugares dispersos. Essa abordagem conduz a um
questionamento de extrema importância: qual o valor da geografia na análise da
realidade? As unidades geográficas teriam como principal diferença entre si a
variedade dos fenômenos humanos que comportam ou a expressão de um
fenômeno geográfico permanente? Fernand Braudel aposta na última resposta,
como dá a entender no diálogo acima citado com Etienne Juliard, e entende que a
principal interferência da geografia na análise da realidade é quanto à
permanência e à possibilidade de circulação.
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03/06/2019 Fernand Braudel e Vidal de La Blache : Geohistória e História da Geografia
25 Quase toda esta citação ele retira do livro do geógrafo. Este, ao comparar as
montanhas do Mediterrâneo às montanhas do Oriente, entende que, apesar do relativo
isolamento das montanhas do Mediterrâneo em relação à planície, elas permanecem
em relação, ao contrário do que ocorre no Oriente, onde essas unidades existem
separadamente (La Blache, s/d, p. 232).
26 Esta é outra idéia bastante cara a Braudel que se encontra também em Vidal de La
Blache : a noção de que espaços que divergem entre si também se complementam. Num
raciocínio bastante geográfico, tanto Braudel como La Blache não concebem o espaço
unicamente por suas características diferenciadas, mas também do ponto de vista das
comunicações.
27 Assim, “a totalidade das vantagens não ocorre em cada cantão” (Braudel, 1983, p. 53)
e segundo Braudel, é isso que está na base da circulação ser entendida como motor da
história. O pão de castanhas, “pão de árvore”, segundo La Blache, é um alimento
precioso em Cevenas e na Córsega, por exemplo : “Há montanhas de castanheiros
(Cevenas, Córsega) onde o precioso pão de castanhas, ‘pão de árvore’ [referência a La
Blache] (Braudel, 1983, p. 53), de amendoeiras, como as que Montaigne viu à volta de
Lucques em 1581, e as das zonas altas de Granada” (Braudel, 1983, p. 53). Ainda que o
historiador não tenha citado o geógrafo relacionando-o diretamente a esta noção
fundamental das trocas, não é de pouca importância que tenha inserido uma citação de
La Blache neste ponto.
28 No livro Princípios de Geografia Humana, esta concepção aflora justamente quando
La Blache discute a formação de núcleos segundo o tipo agrícola que predomina, ao
dizer que os estabelecimentos humanos cristalizam-se obedecendo à atração de certas
condições propícias, onde encontram garantia de segurança. Ou seja, os homens, para
se manterem vivos, precisam se especializar em determinadas culturas, pois nenhum
meio pode lhes oferecer todas. Neste ponto, no entanto, não há referência ao comércio,
mas “as linhas de contato”, “que são o comentário flagrante da força de atracção que os
mantém unidos” (La Blache, s/d, ed. Port., p. 238). Ou seja, é pela troca, para satisfação
das necessidades, que se formam linhas de contato que os mantém agregados. Esta é
uma força que, assim com entende Braudel, está acima do domínio dos homens.
29 E da mesma forma que versa sobre as montanhas, as planícies também é tema de
Vidal de La Blache. Esta é uma oportunidade para notar, que, de fato, a oposição
montanha e planície, tanto para La Blache como para Braudel, se assenta na diferença
de circulações que as duas estruturas geográficas permitem.
“estes pequenos meios, todavia, não poderiam bastar para tudo. Se Cartago,
isolada no ‘mar da Sicília’ ; se Marselha, na extremidade do mar Tirreno ; se,
muito mais tarde, Génova conseguiram desempenhar um tão grande papel, foi por
terem sabido resolver, como observou Vidal de La Blache, o grande problema das
navegações para o Oeste, submetidas ao vento de Leste, o perigoso Levante, e ao
mistral” (Braudel, 1983, p. 143).
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“Assim, na evolução das comunicações, obstáculo material não mais que relativo.
Este cede perante a necessidade de ligar grandes mercados produtores, de
aperfeiçoar a aparelhagem econômica de um estado. Quer isto dizer que estejam
suprimidos os obstáculos físicos ? De forma alguma. É mesmo significativo que as
aberturas das montanhas por longos túneis nos tenham posto diante de um perigo
que as estradas de antanho desconheciam- o da erupção das águas interiores.” (La
Blache, s/d, ed. Port. p. 303)
49 Podemos perceber também uma referência dada à circulação, assim como uma noção
de extrema importância que o aproxima muito de Fernand Braudel : que a geografia é a
responsável por essa diferença de “fusos históricos”, para usar a expressão do
historiador, a diferença entre os progressos diferenciados das civilizações. Podemos
antever, por isso, uma concepção de história próxima entre os autores, pois nos indica
que Vidal de La Blache pode ser, mais do que uma referência do ponto de vista da
geografia mas também de uma “filosofia de história”, como indicou Fernand Braudel já
na citação sobre o Tableau de Géographie.
50 Esta filosofia da história seria, portanto, é aquela em que há uma propriedade
geográfica considerada sistematicamente na observação do mundo, com a qualidade
que lhe é própria, sendo a circulação o centro da observação, causadora de fusos
históricos diferenciados pelas permanências que engendra. No fundo, trata-se de
reconhecer a verdadeira contribuição de Vidal de La Blache para sua época e para as
ciências humanas de ontem de hoje:
“Ritter inspira-se também nestas idéias no seu Erdkund, mas fá-lo mais como
geógrafo. Se, por uns restos de prevenção histórica, atribui uma acção especial a
cada grande individualidade continental, a interpretação da natureza continua a
ser para Ritter o tema primordial. Pelo contrário, à maioria dos historiadores e
dos sociólogos a Geografia não interessa senão a título consultivo. Parte-se do
homem para chegar ao homem ; representa-se a Terra como a ‘cena em que se
desenrola a actividade do homem’, sem refletir que a própria cena tem vida. O
problema consiste em dosear as influências sofridas pelo homem, em aceitar que
um certo gênero de determinismo actuou no decurso dos acontecimentos da
História. Assuntos sem dúvida sérios e interessantes, mas que para serem
resolvidos exigem um conhecimento simultaneamente geral e profundo do mundo
terrestre, conhecimento que não foi possível obter senão recentemente” (La
Blache, s/d, ed. Port. p. 25).
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03/06/2019 Fernand Braudel e Vidal de La Blache : Geohistória e História da Geografia
“Há regiões que a população ocupa poderosamente e onde parece ter utilizado,
mesmo com excesso, todas as possibilidades de espaço. E outras há onde é
diminuta e disseminada, sem que, aliás, razões de solo ou de clima justifiquem tal
anomalia. Como explicar estas desigualdades senão por correntes de imigração,
originadas em tempos anteriores à História e cujos rastos só a Geografia pode
ajudar-nos a encontrar ?” (La Blache, s/d, ed. Port.p.33).
54 Isso porque, se hoje vimos, apesar das tantas movimentações ocorridas ao longo da
história, que as sociedades e civilizações estão associadas segundo distintivos comuns,
“tal é a força moldadora que prevaleceu sobre as diferenças originais e as combina
numa adaptação comum” (La Blache, s/d, ed. Port. p. 35), e isso não significa que o
homem não tenha uma ação sobre os meios. Assim, Vidal de La Blache introduz o
homem como um “fator geográfico” e este é o segundo fundamento de sua geografia.
55 Percebemos, portanto, que os fundamentos da geografia lablachiana são os mesmos
fundamentos da geohistória. Nesta fase da geografia, liderada por La Blache, muita
coisa está sendo inovada. Nesta mudança, a necessidade de incluir a natureza, através
da chave do ‘meio”, e desenvolver seu conceito, é o que está em jogo para os geógrafos
em geral. A lição que Fernand Braudel aceita não é nada mais do que a importância do
Meio à história dos homens, um meio com uma forma-conteúdo específico, de
obstáculo, de segregação, de diferenciação e unidade, regiões, e que a geografia deve
passar a desenvolver esta relação, sob uma ótica específica, a da Unidade da Terra,
onde o homem está integrado profundamente e não pode livrar-se dela.
O Possibilismo
56 De fato, o princípio da “Unicidade da Terra” busca definir que tudo aquilo que é
geográfico estará preocupado com relações. Isso é um ponto importante. Porém Febvre
inverte o foco das regiões para o seu interior e não para as relações entre elas, como o
objetivo final da Geografia. O “possibilismo”, ao cobrar maior rigor histórico dos
geógrafos, para que não atentem contra as várias possibilidades históricas através de
um determinismo estreito, ao se transpor para o espaço, torna-se uma compilação das
possibilidades presentes de uma determinada região, tendo em vista manter aberta às
possibilidades do futuro histórico (Febvre, 1954, p. 564).
57 Para exemplificar, ao falar sobre as montanhas, Braudel e La Blache se colocam a
questão, se a verdadeira característica da montanha mediterrânica seria a pobreza ou o
escasso povoamento. Neste aspecto, eles respondem da mesma forma : são
essencialmente lugares dispersos, de forma a se concluir que as unidades geográficas
têm uma propriedade permanente : a possibilidade de circulação entre elas.
58 Lucien Febvre não chega à mesma conclusão. Na verdade, diz o contrário.
Exatamente no tópico em que discute o valor das montanhas, planaltos e planícies,
entendendo-os como ponto de apoio aos homens, encontra um critério de riqueza e
pobreza “geográficos” e de possibilidade de instalação dos agrupamentos humanos. O
primeiro deles é que “haja um suporte zoológico suficiente sobre o qual possa
fundamentar-se convenientemente uma existência fixa e garantida[...]” (Febvre, 1954,
p. 572) ; o outro é que “seja possível tirar facilmente partido dos recursos naturais
assim postos à disposição das sociedades humanas[...]” (Febvre, 1954, p. 572).
59 E conclui simplesmente que é preciso levar em conta os dois fatores juntos, mas
principalmente o segundo, ou seja, a possibilidade do homem intervir e “que as
sociedades vegetais e animais possam ser modificadas pelo homem em seu benefício e
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03/06/2019 Fernand Braudel e Vidal de La Blache : Geohistória e História da Geografia
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2007
M Bertrand, Bibliographie des travaux de Lucien Febvre, Paris, Armand Colin, 1990.
Notas
1 Segundo Paul Claval, foram os historiadores da Escola dos Annales, em especial Fernand
Braudel, quem fez a melhor recuperação e inovação do pensamento lablachiano. Em O
Mediterrâneo Fernand Braudel “rediscovered Vidal de la Blache’s most valuable intuitions and
he gave a most searching geographical introduction to Mediterranean civilization”. (CLAVAL,
1984, 236)
2 Na dedicatória de O Mediterrâneo Braudel escreve: “A Lucien Febvre, sempre presente, em
testemunho de reconhecimento e filial afeição” (Braudel, 1966).
3 Yves Lacoste também notou a ausência de Lucien Febre nos trabalhos de Braudel, e declara, ao
seu estilo: “Sem dúvida, não querendo fazer polêmica com o ‘patrão’, ele fingiu ignorar esse livro
maior, mas perigoso, que, ao contrário dos outros livros de Lucien Febvre, realmente não figura
na bibliografia do Mediterranée.” (LACOSTE, 1989. P.194).
https://journals.openedition.org/confins/2592 14/15
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Autor
Larissa Alves de Lira
Estudante de graduação da Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, Departamento de Geografia. Pesquisadora FAPESP, 2005-2007.
lara_lira@hotmail.com
Direitos de autor
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