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tão difícil?
FONTE: Por Alexandre da Silva, da UOL
20/07/2021
Imagem: iStock
Talvez uma das atividades mais difíceis para muitas idosas e idosos e
algumas pessoas que estão para envelhecer, ainda que não tão complexa,
seja pensar o seu próprio lazer.
Para essas pessoas, lazer é algo que nunca foi pensado, planejado ou dado
alguma importância. Entendendo que o Brasil envelhece de forma
acelerada e a expectativa de vida tende a crescer nos próximos anos,
talvez com um retardo decorrente da pandemia, o lazer passa a ser ainda
mais importante porque faz bem, melhora a possibilidade de criatividade,
traz bem-estar e reduz adoecimentos como transtornos mentais e
inatividade física.
Para muitas pessoas idosas, a palavra lazer chega a ser quase como um
insulto, como algo que não é para essa vida ou encarnação, mas que pode
ser pensado talvez para filhas, filhos, netas e netos, gerando um
autoimpedimento, quase uma autopunição.
“Ah, mas ela gosta de fazer isso!”, diria alguém. Mas o fato é que
aceitamos naturalmente que todas e todos possam estar descansando
enquanto nossa mãe ou avó ainda continua no fogão, picando alimentos,
montando os pratos ou lavando algumas “roupinhas” no tanque.
Já o homem velho sai mais cedo para buscar pão, para acompanhar netos
e netas nas atividades externas. “É lindo vê-los brincar!”, diriam outras
pessoas.
Sim, mas também deveria ser legítimo o idoso fazer o que quisesse
também e não ser delegado uma atividade que não traz mais prazer ou
que seja fisicamente desgastante e sem tantos sorrisos associados.
As pessoas idosas negras sabem bem o que isso significou para as suas
vidas e, de forma consciente ou não, ensinaram seus mais novos a fazer
o mesmo: trabalhar, trabalhar e, quando possível, estudar. Lazer? Nem
pensar!
E, mesmo quando essa pessoa idosa tem condições financeiras para fazer
o lazer, ou seja, que tem dinheiro acumulado e até uma casa no campo,
na praia ou em algum lugar, esse velho ou velha não se permite usufruir
de forma regular, como merecedora ou merecedor daquele lazer.
E, muitas vezes, fica mais fácil alugar esse imóvel. É um não lazer sem
fim e que se justifica como a herança que será deixada para as próximas
gerações, como uma proteção para que não sofram como eles quando
eram jovens.
Esse tem sido um dos focos dos meus estudos sobre envelhecimento.
Na pesquisa divulgada em 2018, com todas as comprovações estatísticas
que fiz, pessoas idosas pretas e pardas da maior capital do país não
tinham por hábito sair de casa para visitar amigos e tampouco receber
visitas em casa, o que seria uma forma barata e simples de lazer com
outras pessoas.
Essas pessoas idosas sempre trabalharam, mesmo doentes, para não ficar
devendo ou não ter onde dormir ou algo para comer.
O lazer pode ser, para muitas idosas e idosos, perda de tempo, algo de
menor relevância, que não gera rendimentos ou algum tipo de
produtividade, reforçando a manutenção de uma estrutura econômica que
falha ao reforçar estereótipos negativos da velhice e enaltecendo que é
algo para ser feito enquanto jovem, principalmente.
Da forma como se vive hoje no Brasil, há valores socialmente construídos
que impedem muitos velhos e velhas de sonhar e de contemplar
livremente o seu próprio lazer.