A queda de Roma suscita indagações sobre a natureza mesma da civilização. Para o
professor Michael Rostovtzelf,ela representa uma lição e uma advertência: “Nossa civilização não durará a menos que seja a civilização não de uma classe ,mas das massas” . Estadistas ,filósofos da história e analistas do presente tem discutido frequentemente nossa época em termos do que ocorreu às civilizações do passado ,e a maioria dessas análises remontam ,cedo ou tarde ,ao caso sobre o qual dispomos de informação relativamente substância,ao declínio e queda do império romano.Em manifestações populares em jornais e revistas ,pelo rádio e televisão,essa preocupação tem sido expressada em termos de uma iminente Idade das trevas da barbárie,de uma nova agressão do oriente ao ocidente e um retorno ao despotismo e a escravidão. Nos últimos 50 anos ,guerras de carácter singular destrutivas ressaltaram e aventuraram os indícios do desequilíbrio social e moral.Homens preocupados falam de uma volta a barbárie e lembram o destino do brilhantismo grego e do poderio Romano. Há porém outro aspecto do declínio e queda ,e que tem sido em grande parte desprezado :a lenta e difícil emergência e ascensão da civilização cristã medieval, a primeira fase da civilização da Europa ocidental hoje transformada em problema. Rostovtzelf tinha razão,sem dúvida,sobre a lição e a advertência da queda de Roma ,mas seria oportuno considerar também como nossa própria civilização nasceu,quais eram seus objetivos, quais eram as condições em que então vivia,os obstáculos que superou e as qualidades e características que lhe deram vida e vigor . É dessas realizações e desse espírito que este livro se ocupa. Quando findou a civilização clássica e teve início a Idade Média muitas datas foram sugeridas. A deposição de Rómulo Augústulo em 476 foi durante muito tempo ,a favorita .No extremo oposto,alguns historiadores inglês levam o princípio da Idade Média até o período imediatamente anterior á conquista Normandia. Nem a procura de uma data exata nem a rejeição das datas tem muita importância em si.O começo da Idade Média foi realmente uma época de transição, mas de transição no sentido estrito e adequado, um período caracterizado por modificações excepcionalmente rápida e significativas e assinalando a passagem decisiva de um estágio para outro. A importância de quando teve início a Idade Média está na sua ligação inseparável com o por que e o como, e também com o que era exatamente a nova idade. É a qui que vemos a fusão mencionada acima.Naturalmente essa fusão torna impossível datar o início da Idade Média com uma precisão de calendário. É também que diferentes historiadores ,alguns considerando principalmente as inovações políticas ,outros dando maior peso a evolução religiosa, econômico,ou outra chegaram a diferentes datas. Felizmente, porém ,o suposto consenso não foi no final de contas tão geral ,e vários especialistas em economia,direito e filologia continuaram a fazer valiosos acréscimos ao conhecimento do período como um todo ,muitos deles alterando a interpretação histórica. Para que os vários especialistas se entendessem entre si ,foi necessário apelar para o historiador geral, com todos os riscos que lhe são inerentes. 2.O problema do início Medieval Há vários estágios no desenvolvimento medieval que se podem distinguir tão claramente entre si como dos estágios subsequente dos tempos modernos. O princípio da Idade Média assinala simplesmente o início de várias instituições básicas,ideias ,valores e modos de vida da nova civilização da Europa Ocidental, que se seguiram ao declínio de Roma no ocidente e novamente aqui os plurais são cabíveis. Há outro sentido no qual houve não uma idade média ,mas várias Idade médias:nas atitudes filosóficas em relação ao período. Para a Renascença, a Idade Média significou um período de barbárie, e crueza gótica. Pará um Voltaire ou um Bentham, à época medieval foi uma “Idade da fé,pelo que entendiam uma idade da superstição, que em sua sombria totalidade não valia nem um dia da luminoso época em que viviam . Alguns românticos ,rejeitando essa e outras opiniões “racionalistas” foram longe demais no sentido oposto, e passaram a considerar a Idade Média,apenas através de seus vitrais coloridos. Encontraram nela também o que buscavam, os pajens pitorescos, os cavaleiros de armaduras reluzentes envoltos em mantos negros como carvão, senhoras de alto coturno em palafréns brancos como leite, castelos ,torneiros, donzelas desgraçadas ,alegres padres e monges ,camponeses exóticos e um ou dois sarracenos cruéis. Tem havido outras formas de Idade Média, talvez menos interessante, mas refletindo com a mesma fidelidade os preconceitos, necessidades e erudição das épocas em que surgiram. A reação “cientifica “apresentou duas variedades principais ,ambas um tanto emocionais. Primeiro houve um sentimento de repulsa contra a ignorância e a superstição supostamente criadas por uma igreja autoritária, que foram mas porque retardaram o progresso da ciência expressão que para os cientistas naturais significa principal e quase exclusivamente o conhecimento da natureza. Houve outras opiniões sobre a Idade Média jurídicas,constitucionais,nacionais ,religiosa, mas provavelmente a mais construtiva e historicamente útil foi a económica.Os historiadores economia começaram a suspeitar, há mais de meio século, que informações importantes poderiam ser obtidas,em quantidades compensadoras, do exame do período e deste então muito trabalharam para mostrar a exatidão dessa suspeita. Podemos dizer, desde logo ,que a tese de Pirenne,que há vinte anos era amplamente adotada pelos historiadores da Idade média, não é hoje aceita por ninguém sem restrições importantes. Esse fato não destrói o valor da obra de Pirenne sobre o início do medievalismo. O `problema da Idade média pode ,por sua vez, ser melhor abordado por meio de um breve exame da famosa interpretação do começo do medievalismo, feita por Henri Pirenne ,e da posição que ela atualmente ocupa no quadro dos estudos sobre o assunto. A Galia continuava sofrendo um longo processo de transformação para tornar -se a França. Dúvidas e questões semelhante são provocadas pela afirmação de Pirenne de que não houve modificação fundamental na situação econômica do Ocidente romano antes dos sarracenos.Supostamente,antiga vida comercial continuou, sofrendo apenas uma redução devido à ‘barbarização’ dos costumes. O mesmo ocorreu com a agricultura, finanças, impostos e outros aspectos da organização econômica.Pirenne sustentava que ainda no século XVII nada indicava a morte da comunidade de civilização estabelecida pelo império Romano. O “novo mundo” não perderá o carácter mediterrâneo do mundo antigo. Outro ponto fraco,economicamente,na argumentação de Pirenne está na reduzida importância dada às modificações econômicas fundamentais na Galia,no período anterior ao domínio dos francos, principalmente à destruição generalizada do mercado dos produtos naturais da região. Devemos acrescentar de passagem que Pirene,repetidas vezes ,tal como nesse exemplo teve dificuldade com a escassez de informações existentes. Os dois problemas básicos ,políticos e econômicos,que Pirenne lutou em vão para resolver ,afirmando ousadamente que o velho sistema romano sobreviveu até a era Carolingia,surgem juntos ,como um monstro de duas cabeças,na forma dos Reis merovingios .Vendo neles a imagem dos imperadores romanos e bizantinos,Pirenne atribuiu-lhes coisas as mais extravagantes. Eram absolutos ,sendo muito poderosos tanto no sentido militar como ,possuidores de uma enorme quantidade de ouro,no financeiro. Além disso,os reis merovingios constantemente aumentavam sua fortuna de todas as formas possíveis ,inclusive aceitando enormes subsídios bizantinos, e como os imperadores de Bizâncio ,utilizavam liberalmente seu tesouro com objectivos políticos. Na realidade porém esses pequenos reis, notáveis pela sua ambição,parece não terem tido muito interesse em fomentar um comércio mais intenso com as terras do mediterrâneo oriental , possivelmente porque era muito mais simples e fácil aceitar subsídios. Outra razão para rejeitamos a alegação de riqueza e absolutismo feita em relação a esses monarcas é a de que lhes faltam tanto a visão política como o poder de manter o imposto territorial .Aceita-se de forma mais ou menos unânime que esse tributo seja a principal fonte de renda de uma sociedade agrícola, como a merovingios foi no início do século VI. Tal como os merovingios eram muito cegos para ver a importância do imposto territorial ,executar os serviços públicos que o justificam, supervisionar sua colecta e revê-los periodicamente para maior justiça e eficiência, também deixaram de compreender a natureza real de seu poder soberano. Essas imunidades sem dúvida ajudaram a realizar na pratica aquilo que nunca se realizará pela acção oficial:a abolição do imposto sobre a terra. Impõe-se naturalmente saber por que os reis se tornaram assim tolamente cegos a seus principais interesses. A resposta de Pirenne é que isso não ocorreu. A principal fonte de renda real ,insiste ele ,era a tributação do comércio que ,ao contrário do imposto da terra, era muito fácil de recolher e provocava pouca resistência. Pirenne enfraqueceu ainda mais sua argumentação ao praticamente dissociar a esfera política da econômica,embora ambas sejam inseparáveis nesta série de acontecimentos. Aos que abordaram o período merovingios através da história romana ,um dos aspectos mais perturbadores da explicação dada por Pirenne ao início medieval deve ser a reduzida importância atribuída às condições internas do império, que se modificação. A principal questão no actual contexto e a civilização romana sofreu um má modificação seria e significativa entre os séculos II e V da era cristã. Devemos concordar que a interpretação das causas que deram início à Idade Média depende naturalmente da forma pela qual se examinar a primeira fase daquela era. É realmente importante que entre os meios econômica e social das partes oriental e ocidental do império Romano fosse grande a diferença. A forma pela qual cada uma delas reagiu à rígida estabilização efectuada pelos imperadores do século VI basta para acentuar essa importância. O oriente tinha uma longa história de monopólio e controle helênico e gozava condições de relativa prosperidade. Ó oriente era mais urbano ,o Ocidente mais rural ,e o comércio e a indústria se basearam muito mais fortemente num do que no outro. A Galia sofrerá a guerra civil,a destruição de seus mercados, invasão, é o governo fraco incapaz dos merovingios.Foi antes a fraqueza e a ineficiência interna ,e o empobrecimento das mercadorias de exportação.Os Muçulmanos, na verdade, contribuíram mais tarde para a restauração do comércio entre o ocidente e o oriente tanto bizantinos como muçulmanos. A transformação, quando eclodiu ,correu porque os reis da nascente linhagem Carolingia,ao contrário dos merovingios,eram pobres.E eram pobres devido à queda das rendas comerciais que se seguiu à expansão sarracena e ao fechamento do Mediterrâneo. Tornar os sarracena indiretamente responsáveis pelo início do feudalismo medieval,de tal forma, é evidentemente errôneo.Dificilmente se concebe que os merovingios pudessem ter sido mais romanos de que os romanos mesmo. Outro aspecto da questão está relacionado com a muito celebrado “unidade do Mediterrâneo “.Segundo a argumentação de Pirenne, Bizânico impediu os sarracena, depois que estes transformaram o mediterrâneo num lago muçulmano, de dominar toda a região. Portanto, o velho mar romano tornou-se a fronteira entre o Islã e a Cristandade, e o ocidente foi separado do Oriente.Dessa forma ,o Islã rompeu a unidade que os invasores alemães haviam deixado intacto. A Bretanha, após as invasões germânicas ,diferia acentuada mente do resto da Europa, segundo Pirenne,pois ali começou a surgir um novo tipo de civilização, de carácter nórdico ou germânico. O estado romano desapareceu completamente e com ele seu ideal legislativo, sua população civil e sua religião cristã.E igualmente indefensável passar-se por sobre as actividades de outros monges Celtas, notadamente Columba e Columba o, no século VI,ou reduzir a importância da continuação do seu trabalho pelos eruditos, professores e missionários anglo-saxónicos do século VII e VIII, culminando na obra destacada de Bede, Bonifácio e Alcuíno. O problema é aqui mais ou menos idêntico, em proporções maiores,ao da Bretanha anglo-Saxónico questão essencial é saber se a transição intelectual para a Idade Média estava muito adiantada antes da penetração germânica dos séculos IV e V,para não falar da fase posterior da expansão Sarracena. Também Cassiodoro é afastado de cena bruscamente sua dedicação à vida religiosa em Viário e o patrocínio que dava aos monges são mencionados ,mas nada se diz de suas obras religiosas,ou de suas opiniões sobre a educação,ou ainda do seu verdade carácter. Pirenne menciona por exemplo que Cassiodoro desejava que seus monges reunissem todas as obras literárias da antiguidade Clássica , afirmação perfeitamente aceitam em si. O problema da transformação linguística apresenta muitas complexidades e dificuldades, é é perigoso generalizar sobre ele em apoio de uma tese . A opinião de Pirenne sobre o desenvolvimento linguístico era muito limitado. O que caracterizava os homens como mais ou menos “medievais” e se correlacionada em valores e perspectivas não era seu domínio da língua,mais aquilo que ,através dele ,expressavam. O Pirenne aplicou também o tratamento algo descuidado de Boécio à vida intelectual do período, como um todo.Acentuou certos tipos de evidências,notadamente as econômicas,a tal ponto que frequentemente deixou de perceber, em parte ou no todo ,a significação de aspectos importantes. Somente um leitor altamente imagino só poderia suspeitar, da leitura de Pirenne, que os século V eVI eram parte de uma Idade Patrística. Essas tendências também faz sentir seus efeitos prejudiciais na exposição que Pirenne faz de educação do século V ao VII. A essência da nova escola cristã, ou seja, medieval, está na língua íntima associação da instrução literária e educação religiosa, e na fusão dos ensinamentos mundanos e espirituais. Pirenne sustentava, porém ,que como os governantes alemãs empregam funcionários adminstrativos e judiciais ,devia ter existido escolas leigas para tais funcionários. O triunfo oriental na arte foi culturalmente uma evolução internamente isolada da realização artística clássica Greco-romano .A ascendência do gosto oriental na arte não foi ,portanto,apenas a continuação de uma velha tradição. Na realidade significou que uma modificação importante estava ocorrendo na parte ocidental do império, antes das invasões. Houve um acentuado movimento no sentido do primitivo, que Focillon atribui à influência alemã. Na arte ,como em outros setores, à explicação de Pirenne é lamentávelmente inadequada. É também bastante duvidoso que a “bizantinizacao”do ocidente se tenha feito planificada mente, como quer Pirenne, salvo pela rude interrupção dos sarracena. Terá o imperador agido de acordo com o “espirito mediterrâneo” de Pirenne, ou segundo um fantástico sonho de império. Qualquer que seja a resposta, na época os eslavos, búlgaros ,hunos ,avarios e persas lucraram muito com a malfadada aventura.