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274 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

É o caso da Itália, que reconhece aos descendentes de seus nacionais a


cidadania italiana. Os brasi leiros descendentes de italianos que adquirirem
aquela nacionalidade não perderão a nacionalidade brasileira, uma vez que se
tratà de meio reconhecimento de nacionalidade originária italiana, em virtude
de vínculo sanguíneo (terão eles dupla nacionalidade).

b) imposição da lei estrangeira: imposição de naturalização, pela norma


estrangeira, ao brasi leiro residente em Estado estrangeiro, como condição
para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis.

Nessa hipótese, o brasileiro não perde a nacionalidade brasileira porque a


aquisição da segunda nacionalidade não se deu em razão de ato volitivo, de
manifestação de vontade sua, mas sim de imposição do Estado estrangeiro.
O brasi leiro não possuía a intenção de abdicar da nacionalidade brasileira,
mas, por força da norma estrangeira, vê-se praticamente obrigado a adquirir
a nacionalidade estrangeira, por motivos de trabalho, acesso aos serviços
públicos etc.

7. DIREITOS POL(TICOS

7.1 . Noções

Na precisa definição do Professor José Afonso da Silva,

os direitos políticos positivos consistem no conjunto de normas


que asseguram o direito subjetivo de participação no processo
político e nos órgãos governamentais. Eles garantem a partici­
pação do povo no poder de dominação política por meio das
diversas modalidades de direito de sufrágio: direito de voto nas
eleições, direito de elegibilidade (direito de ser votado), direito
de voto nos plebiscitos e referendos, assim como por outros
direitos de participação popÚlar, como o direito de iniciativa
popular, o direito de propor ação popular e o direito de organizar
e participar de partidos políticos.

Nos termos expressos da Constituição Federal, a soberania popular será


exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com igual valor
para. todos e, nos termos da lei, mediante plebiscito, referendo e iniciativa
popular (CF, art. 1 4).
São esses, portanto, os direitos políticos expressamente consignados na
Carta da República de 1 98 8 :
Cap. 3 • PRINCIPIOS. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 275

a) direito ao sufrágio;
b) direito ao voto nas eleições, plebiscitos e referendos;
c) direito à iniciativa popular de lei.

Confonne se viu no conceito acima transcrito, o Professor José Afonso


da Silva inclui, ao lado desses direitos, os direitos políticos à propositura da
ação popular e à organização e participação de partidos pol íticos.

7.2. Direito ao sufrágio

O direito ao sufrágio é materializado pela capacidade de votar e de ser


votado, representando, pois, a essência dos direitos pol íticos. O direito ao
sufrágio deve ser visto sob dois aspectos: capacidade eleitoral ativa e capa­
cidade eleitoral passiva.
A capacidade eleitoral ativa representa o direito de votar, o direito de
alistar-se como eleitor (alistabilidade).
A capacidade eleitoral passiva consiste no direito de ser votado, de
eleger-se para um cargo pol ítico (elegibilidade).
O direito ao sufrágio poderá ser: universal ou restrito.
O sufrágio é u n iversal quando assegurado o direito de votar a todos os
nacionais, independentemente da exigência de quaisquer requisitos, tais como
condições culturais ou econômicas etc.
O sufrágio será restrito quando o direito de votar for concedido tão so­
mente àqueles que cumprirem determinadas condições fixadas pelas leis do
Estado. O sufrágio restrito, por sua vez, poderá ser censitário ou capacitário.
O sufrágio censitilrio é aquele que somente outorga o direito de voto
àqueles que preencherem certas qualificações econômicas. Seria o caso, por
exemplo, de não se pennitir o direito de voto àqueles que auferissem renda
mensal inferior a um salário mínimo.
O sufrágio capacihírio é aquele que só outorga o direito de voto aos indivíduos
dotados de certas características especiais, notadamente de natureza intelectual.
Seria o caso, por exemplo, de se exigir para o direito ao voto a apresentação de
diploma de conclusão do curso fundamental, ou médio ou superior.
A Constituição de 1 98 8 consagra o sufrágio un iversal, não exigindo para
o exercício do direito de voto a satisfação de nenhuma condição econômica,
profissional, intelectual etc.
A vigente Carta Política i mpõe, ainda, que o voto direto seja periódico
e secreto. Em respeito à determinação constitucional de que o voto seja
secreto, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional artigo de
lei que estabelecia a obrigatoriedade de i m p ressão do voto nas eleições a
partir de 20 1 4 (art. 5 .0 da Lei 1 2.034/2009).
276 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO · Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Para a Corte Excelsa, a previsão de impressão afronta o segredo do voto,


que é direito constitucional fundamental do cidadão, destinado a garantir a
i nviolabilidade do querer democrático do eleitor e a intangibilidade do seu
direito, que deve estar imune a qualquer fonna de pressão. Assinalou-se que
a impressão poderia favorecer a coação de eleitores, por possibi litar que se
vincule o voto a eventuais compromissos espúrios. Destacou-se, ademais, a
i nc idência do pri n cípio de p roibição de retrocesso político, que assegura
ao cidadão o direito de não aceitar regressão em conquistas históricas que
se lhe tenham sido acrescentadas ao cabedal constitucional de prerrogativas
da cidadania.
Enfim, conforme enfatizou a Ministra Cármen Lúcia, "o segredo do
voto constitui conquista impossível de retroação", e a quebra desse direito
fundamental, com a impressão do voto, configuraria afronta à Constituição e
violação à liberdade de escolha do cidadão, haja vista que "não é l ivre para
votar quem pode ser chamado a prestar contas do seu voto, e o cidadão não
deve nada a ninguém, a não ser a sua própria consciência". 140

7.3. Capacidade eleitoral ativa

A capacidade e leitoral ativa é a que garante ao nacional o direito de


votar nas eleições, nos plebiscitos ou nos referendos.
No Brasil, a aquisição dessa capacidade dá-se com o alistamento realizado
perante os órgãos competentes da Justiça Eleitoral, a pedido do interessado
(não há inscrição de oficio no Brasil). É , pois, com o alistamento eleitoral
que o nacional adquire a capacidade eleitoral ativa (capacidade de votar).
Ademais, a obtenção da qualidade de eleitor, comprovada por meio da
obtenção do título de eleitor, dá ao nacional a condição de cidadão, tomando-o
apto ao exercício de direitos políticos, tais como votar, propor ação popular,
dar início ao processo legislativo das leis (iniciativa popular) etc.
Entretanto, a obtenção do título de eleitor não pennite ao cidadão o exer­
cício de todos os direitos políticos. O gozo integral de tais direitos depende
do preenchimento de outras condições que só gradativamente se incorporam ao
cidadão. É o que acontece, por exemplo, com o direito de ser votado (capaci­
dade eleitoral passiva), que não é adquirido com o mero alistamento eleitoral.
Assim, ao alistar-se, o cidadão passa a atender apenas uma das condições
para a aquisição da capacidade eleitoral passiva (elegibilidade). O simp les
alistamento não lhe garante, necessariamente, a capacidade eleitoral passiva
(de ser votado), pois, conforme veremos adiante, para ser elegível o cidadão
dependerá do preenchimento de outras condições.

"º ADI 4.543/DF, rei. Min. Cármen Lúcia, 06. 1 1 .20 1 3.


Cap. 3 • PRINCIPIOS. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 277

Enfim, todo elegível é ob rigatori a m e n t e eleitor; porém, n e m todo eleitor


t:· elegível.
Em outras palavras: todo aquele que possui a capacidade eleitoral
passiva (elegibilidade) possui, também, a capacidade eleitoral ativa (alistabi­
lidade). Porém, nem todo aquele que dispõe da capacidade eleitoral ativa é
detentor da capacidade eleitoral passiva. Por exemplo, o analfabeto e o menor
entre dezesseis e dezoito anos possuem a capacidade eleitoral ativa (alistabi­
lidade); porém, não dispõem da capacidade eleitoral passiva (elegibilidade).
O alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os maiores de
dezoito anos e facultativos para os analfabetos, os maiores de setenta anos
e os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.

A Constituição brasileira não permite o al istamento dos estrangeiros e,


durante o serviço militar, dos conscritos.
O Professor A lexandre de Moraes sintetiza as características do voto
conforme garantido na vigente Consti tuição:

a) direito político subjetivo (que não pode ser abolido, sequer por emenda à
Constituição, por força do art. 60, § 4.0, l i , da CF);
b) personalidade (só pode ser exercido pessoalmente, não há possibilidade de
se outorgar procuração para votar);
c) obrigatoriedade formal do comparecimento (ressalvados os maiores de se­
tenta anos e os menores de dezoito anos, é obrigatório o comparecimento
às eleições, sob pena do pagamento de multa);
d) liberdade (comparecendo ás eleições, o cidadão é livre para a escolha do
candidato, ou, se desejar, para anular o seu voto ou votar em branco);
e) sigi losidade (o voto não deve ser revelado nem por seu autor, tampouco
por terceiro fraudulentamente);
t) direto (os elei tores elegerão, no exercício do direito de sufrágio, por meio
do voto, por si, sem intennediários, seus representantes e governantes);
g) periodicidade (a Constituição, ao consagrar o voto como c láusula pétrea,
no seu art. 60, § 4.0, l i , garante a periodicidade de sua mani festação, as­
segurando, com isso, a temporalidade dos mandatos no nosso Estado);
h) igualdade (o voto de cada cidadão tem o mesmo valor no processo eleitoral,
i ndependentemente de sexo, cor, credo, idade, posição intelectual, social ou
econômica - "um homem, um voto").

Cabe destacar que, no nosso Estado democrático de Direito, ainda existe


uma hipótese de eleição indireta para governante. Cuida-se do disposto no art.
8 1 , § 2 .º, da Constituição Federal, segundo o qual, se houver vacância dos
cargos de Presidente e Vice-Presidente da República nos dois últimos anos
do mandato, haverá eleição para ambos os cargos, pelo Congresso Nacional,
em trinta dias depois da última vaga, na forma da lei.
278 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO · Vicente Paulo & Marceto A/exandn'no

7 .4. Plebiscito e referendo

A Constituição Federal prevê que uma das formas de exercício da sobe­


rania popular será a realização de consultas à população, por meio de ple­
biscito e referendo (CF, art. 1 4), que deverão ser autorizados pelo Congresso
Nacional (CF, art. 49, XV).
Plebiscito e referendo são consultas formuladas ao povo para que delibere
sobre matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa
ou administrativa.
O plebiscito é convocado com an terioridade a ato legislativo ou admi­
nistrativo, cabendo ao povo, pelo voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha
sido submetido.
O referendo é convocado com posterioridade a ato legislativo ou
admin istrativo, cumprindo ao p ovo a respectiva ratificação ou rejeição.
A distinção entre os institutos é feita levando-se em conta o momento
da mani festação dos cidadãos: se a consulta à população é p révia, temos o
plebiscito; se a consulta à população sobre determinada matéria é pos t e r i o r
à edição de um ato governamental, temos o referendo.

7.5. Capacidade eleitoral passiva

Assim como a capacidade eleitoral ativa diz respeito ao direito de votar


(alistabi lidade), a capacidade eleitoral passiva diz respeito ao direito de ser
votado, de ser eleito (elegibil idade).
Conforme vimos anteriormente, no Brasil a elegibilidade não coincide com a
alistabil idade (não basta ser eleitor para ser elegível; nem todo eleitor é elegível) .
É verdade q ue a condição de eleitor é indispensável para ser alcançada
a condição de elegível (todo elegível é eleitor; não há elegível que não seja,
também, eleitor). Porém, não basta ser eleitor para ser elegível, porquanto
é exigido o cumprimento de outros requisitos para a elegibilidade.
Assim, para que alguém possa concorrer a um mandato eletivo nos Po­
deres Executivo ou Legislativo (ser elegível), é necessário o cumprimento de
alguns requisitos gerais, denominados cond ições de elegi biliclacle, e a não
incidência em nenhuma das inelegibilidades, que consistem em impedimentos
à capacidade eleitoral passiva.
As condições de elegibilidade são as seguintes:

a) nacionalidade brasi leira ou condição de equiparado a português, sendo que


para Presidente e Vice-Presidente da República exige·se a condição de
brasileiro nato (CF, art. 1 2, § 3 .0);
b) pleno exercício dos direitos políticos (aquele que teve suspensos ou perdeu
seus direitos políticos não d i spõe de capacidade eleitoral passiva);
Cap. 3 • PRINCIPIOS. DIRE ITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 279

c) alistamento eleitoral (comprovado pela apresentação do título de eleitor,


regularmente inscrito perante a Justiça Eleitoral);
d) domicílio eleitoral na circunscrição (o eleitor deverá ser domicil iado no
local pelo qual se candidata, pelo período mínimo exigido pela legislação
eleitoral subconstitucional);
e) idade mínima, que deverá ser verificada tendo por referência a data da
posse 141 (e não a data do a l istamento ou do registro), sendo as seguintes:
trinta e cinco anos, para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da Re­
públ ica e senador da Repúbl ica; trinta anos, para os cargos de Governador
e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal; vinte e um anos, para
os cargos de deputado federal, deputado estadual ou distrital, Prefeito, Vice­
-Prefeito e juiz de paz; dezoito anos, para vereador;
f) fi l iação partidária (não se admite, no Brasil, a denominada candidatura
autônoma ou avulsa, sem fi liação a partido político).

Em relação aos partidos políticos, dispõe a Constituição que é livre a criação,


fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania
nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais
da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: (a) caráter nacional;
(b) proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo
estrangeiros ou de subordinação a estes; (c) prestação de contas à Justiça
Eleitoral; (d) funcionamento parlamentar de acordo com a lei (CF, art. 1 7).
É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura
interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o
regime de suas col igações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre
as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo
seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.142
Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma
da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral (CF, art.
1 7, § 2.0).
Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso
gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei (CF, art. 1 7, § 3 .0).
É vedada a utilização pelos partidos políticos de organização parami litar
(CF, art. 1 7, § 4.º).
Por fim, além do cumprimento das condições de elegibilidade, para que
o cidadão possa ser eleito é indispensável que ele não se enquadre em ne­
nhuma das hipóteses de inelegibilidade, a seguir comentadas.

"' Lei 9.504/ 1 997, art. 1 1 . § 2.0.


"' CF. art. 1 7 , § 1 .0, com a redação dada pela EC 52/2006.
280 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO · Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

7.6. I nelegibilidades

A inelegibil idade consiste na ausência de capacidade eleitoral passi va,


incidindo como impedi mento à candidatura a mandato eletivo nos Poderes
Executivo e Legislativo.

A própria Constituição Federal estabelece certas h ipóteses de i ne l egibi­


l idade (CF, art. 1 4, §§ 4 . 0 ao 7 .º). Porém, essas hipóteses de inelegi b i l i dade
constitucionalmente previstas não são exaustivas (numerus clausus), porque
a Constituição expressamente permite que lei complementar venha a esta­
belecer outras hipóteses de inelegib i lidade (CF, art. 1 4, § 9 .º).
A doutrina distingue as hipóteses de inelegibilidade em absoluta e relativa.

16. 7. Inelegibilidade absoluta

A inelegi b i l idade absol uta impede que o cidadão concorra em qualquer


e leição, a qualquer mandato eletivo.
São os seguintes os casos de inelegibil idade absol uta:

1 ) os analfabetos, que, embora possam alistar-se e votar (capacidade eleitoral


ativa), não dispõem de capacidade eleitoral passiva (não poderão ser eleitos);
2) os não alistáveis, uma vez que a elegibilidade tem por pressuposto a al is­
tabi lidade, isto é, para ser elegível é imprescindível ser, antes, al istável;
logo, os estrangeiros e os conscritos, durante o período do serviço mi litar
obrigatório, são não alistáveis e, como tais, inelegíveis.

As hipóteses de inelegibilidade absoluta, em virtude de sua natureza excep­


cionalíssima, somente podem ser expressamente estabelecidas na Constituição
Federal, sendo inconstitucionais quaisquer leis tendentes a ampliar esse rol .

16.2. Inelegibilidade relativa

A inelegibil idade relativa, ao contrário da inelegibil idade abso luta, não


está relacionada com a condição pessoal daquele que pretende candidatar-se.

A inelegibil idade relativa consiste em restrições i mpostas à el egi b i l i da­


de para alguns cargos eletivos, em razão de situações especiais em que se
encontra o cidadão-candidato no momento da eleição.
A i nelegibi lidade relativa poderá decorrer: ( l ) de motivos funcionais;
(2) de motivos de casamento, parentesco ou afinidade; (3) da condição de
m i l itar; (4) de previsões em lei complementar.
Cap. 3 • PRINCIPIOS. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 281

7.6.2. 1 . Motivos fu ncionais

Di spõe a Constitu ição Federal que "o Presidente da República, os Go­


vernadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver
sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para
um único período subsequente" (CF, art. 1 4, § 5.º).
Percebe-se, assim, que o legislador constituinte, ao passar a permitir a
reeleição para u m ú nico período s u bseq u e n te, está vedando a reeleição para
um terceiro mandato sucessivo.
Impende destacar que a Constituição Federal não proíbe que uma mesma
pessoa venha a exercer a chefia do Executivo por mais de duas vezes (três,
quatro, cinco vezes); o que se veda é a eleição sucess iva ao terceiro mandato
para o mesmo cargo. Logo, uma pessoa pode vir a exercer um terceiro mandato
eletivo para o mesmo cargo, desde que não sej a su cessivo. Assim, após o
exercício de dois mandatos sucessivos de Presidente da República, Governador
de Estado ou do Distrito Federal ou de Prefeito, há obrigatoriedade de um
intervalo d e um período para que s e possa candidatar a o m esmo cargo.
Cabe destacar, também, que a Consti tuição Federal não exige a deno­
minada dcsincompatibil ização do Chefe do Poder Executivo que pretenda
candidatar-se à reeleição, isto é, não se exige que o Chefe do Executivo
renuncie, ou que se afaste temporariamente do cargo, para que possa can­
didatar-se à reeleição.
Logicamente, nada obsta que o Chefe do Executivo solicite ao Poder
Legislativo uma licença para poder concorrer à reeleição, ou mesmo que
ele renuncie com esse objetivo; não há inelegibilidade nessas situações.
Enfim, a Constitu ição não exige a desincompatibilização para a candida­
tura à reeleição; porém, nada impede que o Chefe do Executivo opte por
"desincompatibilizar-se".
Ainda a respeito dessa hipótese - possibi lidade de reeleição do Chefe
do Executivo para um único período subsequente -, destacamos os seguintes
pontos:

a) o Vice-Presidente da República, os Vice-Governadores e os Vice-Prefeitos


poderão, também, ser reeleitos para os mesmos cargos, por um único período
subsequente;
b) o Vice-Presidente da República, os Vice-Governadores e os Vice-Prefeitos,
reeleitos ou não, poderão candidatar-se ao cargo do titular, mesmo tendo
substituído este no curso do mandato;
c) não pode o Chefe do Executivo, que esteja exercendo o segundo mandato
eletivo (por reeleição), renunciar antes do término desse com o intuito de
pleitear nova recondução para o período subsequente (reeleição para um
terceiro mandato subsequente);
282 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

Nessa situação, a renúncia, evidentemente, será plenamente válida. Po­


rém, não terá o condão de afastar a inelegibi lidade para um terceiro mandato
subsequente, sob pena de completa fraude ao disposto no art. 1 4, § 5 .º, da
Constituição Federal.

d) não pode aquele que foi titular de dois mandatos sucessivos na chefia do
Executivo vir a candidatar-se, no período subsequente (terceiro período),
ao cargo de vice-chefia do Executivo;

Essa vedação decorre do próprio texto constitucional, que estabelece que


o Vice-Presidente substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder­
-lhe-á, no caso de vaga (CF, art. 79). Essa mesma regra é aplicável às esferas
estadual, distrital e municipal, no tocante ao respectivo Chefe do Executivo
local. Observe-se que, se fosse possível àquele que já exerceu duas chefias
sucessivas do Executivo candidatar-se ao cargo de vice na terceira eleição
subsequente, estaria aberta uma via para, indiretamente, a mesma pessoa lo­
grar o exercício de três mandatos sucessivos (bastaria, por exemplo, o titular
renunciar, com a consequente assunção da titularidade pelo vice), implicando
fraude ao disposto no art. 1 4, § 5.º, da Constituição Federal.

e) não poderá aquele que foi titular de dois mandatos sucessivos na chefia
do Executivo candidatar-se, durante o período i mediatamente subsequente,
à eleição prevista no art. 8 1 da Constituição Federal, que determina que,
vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente, far-se-á nova eleição
direta, noventa dias após a abertura da última vaga, ou eleição indireta
pelo Congresso Nacional, trinta dias depois de aberta a última vaga, se
a vacância ocorrer nos últimos dois anos do mandato presidencial;

O motivo dessa vedação é o mesmo, qual seja, a vedação constitucio­


nal de exercício de mais de dois mandatos eletivos sucessivos na chefia do
Executivo (CF, art. 1 4, § 5 .0).

t) não pode o prefeito que já esteja exercendo o segundo mandato sucessivo


candidatar-se novamente ao cargo de prefeito, ainda que, dessa vez, em
município d i ferente;

Sabemos que o instituto da reeleição guarda relação não somente com o


postulado da continuidade admin istrativa, mas também com princípio re­
p u bl icano, que impõe a temporariedade e a alternância no exercício do poder,
visando a impedir a perpetuação de uma mesma pessoa ou grupo no poder. Em
razão desta última restrição (necessidade de respeito ao princípio republicano),
a reeleição para a chefia do Executivo é permitida uma única vez, restando
vedada a terceira eleição não apenas no mesmo município, mas em qualquer
outro município da Federação. Vale dizer: o cidadão que exerce dois mandatos
Cap. 3 • PRINCIPIOS. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 283

consecutivos como prefeito de determinado mumc1p10 fica i nelegível para o


cargo de prefeito em q u a l q u er o u tro m u n icípio el a Federação.
Com efeito, a j urisprudência do STF n ão a d m i te terceiro m a n d a to con­
sec u tivo ele prefeito, a i n d a que cm m u n icípios d istin tos. Assim, um prefeito
que já foi reeleito isto é, já está no seu segundo mandato consecutivo - em
-

determinado município (Município "A") não pode transferir seu domicílio elei­
toral e concorrer ao cargo de prefeito em município diverso (Município "B"), a
fim de exercer um terceiro mandato consecutivo. Para o STF, a inelegibilidade
prevista no art. 1 4, § 5 .º, da Constituição Federal impede essa hipótese - proíbe
o assim chamado p refeito i t i n e rante ou p refeito profissiona l. 143

g) na hipótese de ocorrer a vacância definitiva do cargo de Presidente da Re­


públ ica, Governador ou Prefeito, o vice assumirá efetiva e definitivamente
o exercício da chefia do Executivo, e somente poderá candidatar-se a um
único período subsequente.

Na h ipótese de o vice exercer efetiva e definitivamente a chefia do


Executivo, em função de vacância definiti va, esse mandato (decorrente da
substituição) deverá ser considerado como o primeiro, para fins de reeleição,
permitindo-se somente a candidatura a um único período subsequente, sob
pena de infringir a vedação do art. 1 4, § 5 .0, da Lei Maior.
Diversa é a candidatura do Chefe do Executivo para o u t ros ca rgos, cuja
regra está fixada no art. 1 4, § 6.0, da Carta Federal, nos seguintes termos:

§ 6 .º Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da Re­


pública, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os
Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis
meses antes do pleito.

São, pois, inelegíveis para concorrerem a ou tros cargos, o Presidente da Re­


pública, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos que não
renunciarem aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito. Essa inele­
gibilidade aplica-se a qualquer outro cargo eletivo, inclusive a suplente de senador.
O Vice-Presidente da República, o Vice-Governador e o Vice-Prefeito
poderão candidatar-se a outros cargos, preservando os seus mandatos respec­
tivos, desde que, nos seis meses anteriores ao pleito, não tenham sucedido
ou substituído o titular.
Da mesma fonna, o STF admitiu a elegibilidade de ex-prefeito do muni­
cípio-mãe que, renunciando seis meses antes do pleito eleitoral, candidatou-se
a prefeito do município desmembrado. 1•14

"' RE 637.485/RJ, rei. Min. Gilmar Mendes, 0 1 .08.20 1 2 .


' " RTJ 1 1 2/79 1 .
284 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

7.6.2.2. Motivos d e casamento, parentesco o u afinidade

D ispõe a Constituição Federal que (art. 1 4, § 7.º):

§ 7.0 São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o côn­


juge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau
ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de
Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem
os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito,
salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.

Essa hipótese é denominada i ne l eg i b i l id a d e refl e x a , porque incide sobre


terceiros.
Observa-se que a inelegibilidade reflexa alcança, tão somente, o território
de j urisdição do titular. Assim, temos:

a) o cônjuge, parentes e afins até segundo grau do Prefeito não poderão


candidatar-se a vereador ou Prefeito do mesmo M unicípio;
b) o cônjuge, parentes e afins até segundo grau do Governador não poderão
candidatar-se a qualquer cargo no Estado (vereador, deputado estadual, deputa­
do federal e senador pelo próprio Estado e Governador do mesmo Estado);
e) o cônjuge, parentes e afins até segundo grau do Presidente da Repúbl ica
não poderão candidatar-se a qualquer cargo eletivo no País.

Cabe ressaltar que se aplicam as mesmas regras àqueles que tenham


substituído os Chefes do Executivo dentro dos seis meses anteriores ao
p leito eleitoral.
Essa inelegibilidade não se aplica à viúva do Chefe do Executivo, visto
que, com a morte, dissolve-se a sociedade conj ugal, não mais se podendo
considerar cônjuge a viúva.145
Porém, a inelegibilidade reflexa alcança a pessoa que vive maritalmen­
te com o Chefe do Poder Executivo, ou mesmo com seu irmão (afim de
segundo grau), pois a Constituição Federal estende o conceito de entidade
fami l iar (CF, art. 226, § 3 .º).
Essa inelegibil idade alcança, ainda, o casamento religioso, uma vez que
esse tem relevância na esfera da ordem j urídica, j ustificando a incidência da
inelegibilidade reflexa. 146
Importante, ainda, é anotar o entendimento do Supremo Tribunal Federal
segundo o qual nem mesmo a dissolução da relação conjugal, quando ocorrida

"s TSE, Rec 1 0.245.


"' RE 1 06.043/BA, rei. Min. Djaci Falcao, 09. 03. 1 988.
Cap. 3 • PRINCIPIOS. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 285

no curso do mandato, tem o dom de afastar a inelegibilidade reflexa ora em


foco. Tal orientação está consolidada na Súmula Vinc ulante 1 8, abaixo transcrita:

1 8 - A dissolução da sociedade ou do vínc ulo conjugal, no


curso do mandato, não afasta a inelegibilidade prevista no § 7.º
do artigo 1 4 da Constituição Federal.

Entretanto, esse enunciado da Súmula Vincu lante 1 8 do STF não se


a p l ica aos casos de extinção do vínculo conj ugal pela morte de um dos
cônj uges. 147
Na hi pótese de criação de município por desmembramento, o parente do
prefeito do município-mãe não poderá candidatar-se a Chefe do Executivo
do município recém-criado. 148
Porém, por disposição expressa da Constituição Federal, a inelegibilidade
reflexa não é apl icável na hipótese de o cônjuge, parente ou afim já possuir
mandato eletivo, caso em que poderá candidatar-se à reeleição, ou seja, can­
didatar-se ao mesmo cargo, mesmo que dentro da circunscrição de atuação do
Chefe do Executivo. É o caso, por exemplo, de parente ou afim de Governador
de Estado, que poderá disputar a reeleição ao cargo de deputado ou de senador
por esse Estado, se já for titular desse mandato n essa mesma j u risdição.
No entanto, conforme leciona Alexandre de Moraes, caso o parente ou afim
seja titular do mandato de deputado ou senador por outro Estado e pretenda,
após transferir seu domicílio eleitoral, disputar novamente as eleições à Câmara
dos Deputados ou ao Senado Federal pelo Estado onde seu cônjuge, parente
ou afim até segundo grau sej a Governador de Estado, incidirá a inelegibilida­
de reflexa (CF, art. 1 4, § 7.º), urna vez que não se tratará juridicamente de
reeleição, mas de uma nova e pri meira eleição para o Congresso Nacional
por uma nova circunscrição eleitora l .
Faz-se oportuno examinar outra relevante hip ótese de afastamento da
aplicação d a inelegibilidade reflexa, em decorrência de interpretação do Tri­
bunal Superior Eleitoral - TSE, referendada pelo Supremo Tribunal Federal
- STF, conforme a seguir exposto.
Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, se o Chefe do Executivo renunciar
seis meses antes da eleição, seu cônjuge, parentes ou afins até segundo grau
poderão candidatar-se a todos os cargos eletivos da circunscrição.
Anote-se que nessa hipótese - renúncia do Chefe do Executivo até seis
meses antes da eleição - fica totalmente afastada a inelegibilidade refle­
xa. Exemplificando, i rmão do Governador de Estado poderá candidatar-se
a deputado federal, senador da República, deputado estadual, Prefeito ou

" ' RE 758.461/PB, rei. Min. Teori Zavascki, 22.05.2014.


"' RE 1 58 . 31 4-2, rei. Min. Celso de Mello, 1 5. 1 2. 1 992.
286 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

vereador, desde que haj a renúncia do Governador ao seu mandato nos seis
meses anteriores ao pleito eleitoral.
Ademais, segundo orientação do Tribunal Superior Eleitoral, o cônjuge,
os parentes e afins são elegíveis até mesmo para o próprio cargo do titular
(chefe do Executivo), quando este tiver d i reito à reeleição e ho u v e r re­
n u nciado a té seis meses a ntes do pleito eleitora l .
O raciocínio seguido pela corte eleitoral é que, se ao titular do cargo
seria permitido um mandato a mais, não se poderia vetar a possibilidade de
os parentes concorrerem a esse mesmo cargo, em caso de renúncia do titular
no tempo hábil.
Essa tese foi referendada pelo STF, com vistas a harmonizar o § 7.0 do
art. 1 4 com o novo sistema jurídico imposto pela EC 1 6/ 1 997, que passou
a permitir a reeleição do chefe do Executivo. 149
Assim, por exemplo, a esposa do Chefe do Executivo Estadual poderá
candi datar-se ao cargo de Governador do mesmo Estado quando o seu marido
tiver direito à reeleição (quando estiver cumprindo o primeiro mandato),
desde que haja renúncia deste até seis meses antes do pleito. Essa situação
ocorreu concretamente, nas eleições para Governador do Estado do Rio de
Janeiro em 2002. O então Governador ("Garotinho"), que tinha direito à
reeleição, afastou-se do cargo nos seis meses anteriores ao pleito eleitoral,
para assegurar a legitimidade da candidatura, para o período subsequente,
de sua esposa, que veio a ser eleita Governadora do Estado ("Rosinha").

7.6.2.3. Condição de mil itar

O militar é alistável, podendo ser eleito (CF, art. 1 4, § 8.º). Porém, é


vedado ao militar, enquanto estiver em serviço ativo, estar filiado a partido
político (CF, art. 1 42, § 3.º, V).
Assim, em face da vedação à fi liação partidária do militar, o Tribunal
Superior Eleitoral firmou entendimento de que, nessa situação, suprirá a
ausência da prévia filiação partidária o registro da candidatura apresentada
pel o partido político e autorizada pelo candidato.
Atendida essa formalidade, o militar alistável é elegível, atendidas as
seguintes condições:

a) se contar menos de dez anos de serviço, deverá afastar-se da atividade;


b) se contar mais de dez anos de serviço, será agregado pela autoridade su­
perior e, se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação, para a
inatividade.

"9 R E 344.882/BA. rei. Min. Sepúlveda Pertence. 07.04.2003.


Cap. 3 • PRINCIPIOS. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 287

7.6.2.4. Previsões e m lei com plementar

A Constituição Federal deixa expresso que as hipóteses de inelegibilidade


relativa previstas no texto constitucional n ã o são exaustivas, podendo ser
criadas outras, desde que por meio de l e i co m p l e m e n t a r n a c i on a l, editada
pelo Congresso Nacional.
É o que dispõe o art. 1 4, § 9 .º, verbis:

� 9.0 Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibi­


lidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a pro­
bidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato
considerada vida pregressa do candidato, e a normal i dade e
legitimidade das eleições contra a influência do poder econô­
mico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na
administração direta ou indireta.

Para que sejam estabelecidas novas hipóteses de inelegibilidade relativa,


portanto, é exigida a edição, pelo Congresso Nacional, de lei c o m p l e m e n t a r
(emenda à Constituição Federal também poderia fazê-lo); caso s e pretenda
estabelecer outras hipóteses de inelegibil idade relativa por qualquer outro meio
(lei ordinária federal, leis estaduais, distritais ou municipais, Constituições
estaduais, ou leis orgânicas de municípios ou do Distrito Federal), haverá
flagrante inconstitucionalidade.
Com fundamento nesse dispositivo constitucional, a Lei Complementar
641 1 990 estabeleceu casos de inelegibil idade. Posteriormente, novas hipóteses
de inelegibil idade foram acrescentadas pela Lei Complementar 1 3 5/20 1 O,
norma que restou nacionalmente conhecida como l .ei da F i c h a Li m p a .

Em síntese, a Lei d a F i c h a L i m p a estabelece cinco grupos de inele­


gibil idades, a saber: ( 1 ) condenações j udiciais (eleitorais, criminais ou por
improbidade administrativa) proferidas por órgão colegiado; (2) rejeição
de contas relativas ao exercício do cargo ou função pública; (3) perda de
cargo (eletivo ou de provimento efetivo), incluindo-se as aposentadorias
compulsórias de magistrados e membros do Ministério Público e, para os
militares, a indignidade ou incompatibilidade com o oficialato; (4) renúncia
a cargo político eletivo d iante da iminência da instauração de processo ca­
paz de ocasionar a perda do cargo; e (5) exclusão do exercício de profissão
regulamentada, por decisão do órgão profissional respectivo, por violação de
dever ético-profissional.
A Lei d a F i c h a L i m p a foi obj eto de relevante controvérsia j urídica, por
entenderem alguns que parte de seus comandos violaria princípios consti­
tucionais, tais como o da presunção da inocência (ao considerar inelegíveis
288 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO · Vicente Paulo & Marcelo Alexanddno

aqueles que tenham sido condenados em decisão proferida por órgão judicia l
colegiado, independentemente do trânsito e m julgado) e o da i rretroatividade
da lei (por alcançar condutas praticadas em data anterior à sua vigência).
Entretanto, em julgamento histórico, o Supremo Tribunal Federal fi rmou en­
tendimento de que a Lei da Ficha L impa é compa tível com a Const i t u ição
e pode ser aplicada a atos e fatos ocorridos a n teriormente ao i n k i o d e
sua vigência.150

7 .7. Privação d o s d i reitos políticos

O cidadão pode, em situações excepcionais, ser privado, definitivamente


ou temporariamente, dos direitos políticos, o que i mportará, como e fe i to
imediato, na perda da cidadania política.
A privação definitiva denomina-se perda dos direitos políticos.
A privação temporária denomina-se suspensão dos direitos polí ticos.
A Constituição Federal não permite, em nenhuma h ipótese, a cassação
dos direitos políticos. A vedação expressa à cassação de direitos políticos tem
por fim evitar a supressão arbitrária, normalmente motivada por perseguições
ideológicas, dos direitos políticos, prática presente em outros momentos,
antidemocráticos, da vida política brasileira.
Essa matéria está disciplinada no art. 1 5 da Lei Maior, que dispõe:

Art. 1 5. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda


ou suspensão só se dará nos casos de:
1 cancelamento da naturalização por sentença transitada em
-

julgado;
li - incapacidade civil absoluta;
III condenação criminal transitada em j u lgado, enquanto
-

durarem seus efeitos;


IV recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação
-

alternativa, nos tennos do art. 5.0, VIII;


V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4.0•

A Constituição Federal não i ndica, entre os i ncisos do art. 1 5 , quais são


os casos de perda e quais os de suspensão. Para o Professor A lexandre de
Moraes, temos o seguinte:

'50 ADC 29/DF, rei. Min. Luiz Fux, 09. 1 1 .20 1 1 ; ADC 30/DF, rei. Min. Luiz Fux, 09. 1 1 .201 1 ; ADI
4.578/DF, rei. Min. Luiz Fux, 09. 1 1 .2 0 1 1 .
Cap. 3 • PRINCIPIOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 289

a) são hipóteses de perda dos direitos políticos os casos previstos nos incisos
1 e IV do art. 1 5 da CF (cancelamento da naturalização por sentença transi­
tada em j ulgado; recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação
alternativa, nos termos do art. 5 .0, VIII);151
b) são hipóteses de suspensão dos direitos políticos os casos previstos nos
incisos I I , I l i e V do art. 1 5 da CF (incapacidade civil absoluta; condenação
criminal transitada em julgado, enq uanto durarem seus efeitos; improbidade
administrativa, nos termos do art. 37, § 4.0).

Ocorrendo uma das h ipóteses previstas na Constituição Federal, ense­


j adoras da perda ou da suspensão dos direitos políticos, o fato deverá ser
comunicado ao j uiz eleitoral competente, que adotará as medidas cabíveis
para que o respectivo nome não conste da folha de votação no pleito eleitoral.
O nacional que tiver seus direitos políticos afastados, por perda ou sus­
pensão, poderá, assim que cessados os motivos que ensejaram tal privação,
pleitear perante a Justiça Eleitoral a regularização de sua situação política.

7 .8. Princípio da anterioridade eleitoral

Nos termos do art. 1 6 da Constituição, com a redação dada pela EC


4/ 1 993, "a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de
sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até 1 (um) ano da
data de sua vigência", norma conhecida como "princípio da anterioridade
eleitoral", ou "princípio da anual idade" em matéria eleitoral.
Com base nesse dispositivo constitucional, o Supremo Tribunal Federal
dec larou a inconstitucionalidade do art. 2 .0 da Emenda Constitucional 5 2, de
08.03.2006, no tocante à determinação de aplicação da regra i ntroduzida por
essa emenda (fim da verticalização nas coligações partidárias) às eleições
de 2006. 152 Entendeu o Tribunal que a aplicação imediata dessa nova regra,
introduzida pela EC 52/2006, afrontaria o princípio da anterioridade da lei
eleitoral, gravado como cláusula p ét rc a pela atual Constituição, por "repre­
sentar uma garantia individual do cidadão-eleitor, detentor originário do poder
exercido pelos representantes eleitos e a quem assiste o direito de receber, do
Estado, o necessário grau de segurança e de certeza j urídicas contra alterações
abruptas das regras inerentes à disputa eleitoral". E i nteressante notar que .ó
texto constitucional, no citado art. 1 6, apenas impediria, literalmente, que tµÍia
; :: ''.1)

1 5' Ressaltamos, porém, que a Lei 8.239, de 04. 1 0 . 1 99 1 , ao regulamentar a prestaç� � !� W ; f.�
nativa ao serviço militar obrigatório, determina que a recusa ou cumprimento inG91DR!�!o
do serviço alternativo implicará hipótese de suspensão dos direitos pollticos (e não p�rda,
como entende a doutrina). ..;,:�i.í:fÁ:I. : ·.

"' ADI 3.685, rei. Min. Ellen Gracie, 22.03.2006. 1-.1:!if,.h$.S ·.·· •
290 DIREITO CONSTITUCIONAL DESCOMPLICADO • Vicente Paulo & Marcelo Alexandrino

lei pretendesse alterar, com menos de um ano de antecedência das eleições,


o processo eleitoral a elas aplicável. O Supremo Tribunal Federal, entretanto,
não se ateve à literalidade do dispositivo constitucional, e entendeu que nem
mesmo uma emenda à Constituição pode afastar a incidência do princípio
da anterioridade eleitoral, ainda que fosse para excluir uma única eleição da
obrigatoriedade de sua observância (na espécie, as eleições de 2006).
Por força desse entendimento do Supremo Tribunal Federal, a inovação
trazida pela Emenda Constitucional 52/2006 (afastamento da obrigatoriedade
de adoção da verticalização nas coligações partidárias, estabelecida no art.
1 7, § 1 .0, da Constituição Federal) só pode produzir efeitos depois de um
ano da sua promulgação, não se aplicando às eleições de 2006.
A chamada verticalização (afastada pela EC 52/2006, para futuras elei­
ções) exigia a v inculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual,
distrital ou municipal, isto é, as coligações realizadas pelos partidos políticos
no âmbito nacional (para as eleições nacionais) deveriam ser obrigatoriamente
observadas pelos mesmos partidos políticos nas eleições estaduais, distritais
e municipais. Essa regra de verticalização, repita-se, deixou de ser apl icável
para os pleitos posteriores às eleições de 2006, por força da nova redação
do § l .º do art. 1 7 da Carta Política, abaixo transcrito:

§ 1 .0 É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir


sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar
os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais,
sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em
âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus
estatutos estabelecer normas de disciplina e fidel idade partidária.

Ainda sobre as garantias constitucionais incidentes no processo eleitoral,


entende o Supremo Tribunal Federal que a Constituição da Repúbl ica alberga
urna norma implícita, derivada do postulado da segu ra nça j u rídica, que pode
ser traduzida como princípio da a n teriorid ade ou a n u alidade em relação
à alteração da j u risprudência do Tribunal S u perior Eleitoral (TSE). Por
essa norma, as decisões do TSE que, no curso do pleito eleitoral (ou logo
após o seu encerramento), impliquem mudança de j urisprudência (e, portanto,
repercutam sobre a segurança j urídica), não têm apl icabilidade imediata ao
caso concreto (que deu ensej o à mudança de entendimento do TSE) e somente
terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior. 1 53

"' RE 637.485/RJ. rei. Min. Gilmar Mendes, 01 .08.2012.

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