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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ

COMUNICAÇÃO SOCIAL - RÁDIO, TV E INTERNET

O Grande Gatsby: Uma Análise Videográfica

ALESSA BASTOS
BRENDA EVARISTO
HELENA RADLER
MARIA LUIZA ARAÚJO

Resumo

O presente artigo compreende e analisa os recursos cinematográficos presentes na mise-en-scène


e na montagem de uma sequência do filme O Grande Gatsby (2013), dirigido por Baz
Luhrmann. Ao se entender as camadas de sentido da obra, a análise fílmica é feita ao
identificar-se convenções e linguagens presentes que compõem a narrativa e estabelecem
sentidos. Para tal, recorremos aos principais teóricos que discutem esses princípios: Amiel
(2010), Bordwell (2008), Eisenstein (2002), Leone (2005), Mascelli (2010), Murch (2004), Zettl
(2011), Vanoye e Goliot-Lété (2009), Nogueira (2010) e Noxon (1964).

Introdução

O Grande Gatsby (1925), romance de F. Scott Fitzgerald, ganhou sua quarta adaptação para o
cinema em 2013; desta vez, pelas mãos de Baz Luhrmann, roteirista, diretor e produtor
australiano. Luhrmann ficou conhecido por filmes como Romeu e Julieta (1996), Moulin Rouge:
Amor em Vermelho (2001), Austrália (2008) e Elvis (2022).
Atuando na direção e no roteiro - junto a Craig Pierce - de O Grande Gatsby (2013), Baz
Luhrmann conseguiu transmitir sua característica colorida e hiperbólica para o romance de
Fitzgerald.
No filme, Nick Carraway (Tobey Maguire) se muda para o lado da casa do milionário misterioso
Jay Gatsby (Leonardo Di Caprio). Nick começa a sentir grande admiração por seu vizinho,
mesmo após se tornarem amigos. Ao descobrir que Gatsby tem uma paixão antiga por sua prima
Daisy Buchanan (Carey Mulligan); Nick busca uma forma de reaproximá-los, mesmo sabendo
que Daisy era casada com seu velho amigo Tom Buchanan (Joel Edgerton), pois percebia a
infelicidade da prima. Nick se encontra no meio de um fogo cruzado, e todos terão que lidar com
as consequências.
Para analisar um filme, deve-se estar pronto para desconstruí-lo minuciosamente para alcançar
camadas mais profundas das produções, como apresentado por Vanoye e Goliot-Lété (2009):
analisar um filme ou um fragmento é [...] decompô-lo em seus elementos constitutivos. É
despedaçar, descosturar, desunir, extrair, separar, destacar e denominar materiais que não se
percebem isoladamente “a olho nu”.
A cena escolhida para essa análise tem 7 minutos e 19 segundos de duração e é um momento
importante para o desfecho do filme: o momento em que Nick chama Daisy para tomar um chá
em sua casa, quando na verdade estava chamando-a para reencontrar Gatsby. Na sequência
pode-se observar a transformação glamourosa feita pelo milionário no jardim e na casa de Nick;
também observa-se os sentimentos dos atores em tela, e a apreensão do público que anseia junto
a Gatsby com a chegada de Daisy. Essa estética cheia de cores e a valorização da mise-en-scène
foram os motivos que levaram à escolha da cena; para Bordwell (p.36), em seu sentido técnico,
pode-se considerar que a mise-en-scène é tudo aquilo que faz parte do quadro, do que é filmado:
cenário, iluminação, figurino, maquiagem e atuação dos atores; além disso, ele evidencia a
importância da mesma na construção narrativa da história.
Para além da mise-en-scène, uma categoria de suma importância para atribuir sentido e ritmo aos
filmes, é a montagem. É ela que vai organizar, ou desorganizar, os planos para criar a narrativa e
oferecer para o público como ele deve enxergar aquela história. E Nogueira (2010, p.94)
reconhece a importância discursiva da montagem ao afirmar que: a montagem é, portanto, a
organização discursiva de acontecimento ou ideias através da escolha e combinação dos planos,
tendo em vista determinados propósitos e efeitos discursivos, sejam eles retóricos, dramáticos,
éticos ou estéticos.
Portanto, a análise será feita de elementos desses dois pilares: a mise-en-scène e a montagem;
para tal, serão utilizados teóricos influentes acerca dessas especificidades, como: Murch (2004),
Bordwell (2009), Vanoye e Goliot-Lété (1992), Nogueira (2010), Leone (2005), Amiel (2010),
Eisenstein (2002), Mascelli (2010), Zettl (2011) e Noxon (1964).

Análise da mise-en-scène na sequência


Em O Grande Gatsby, a mise en scène é muito usada para mostrar algumas características da
história, como romance, magnificência, um ar lúdico e fantasioso, da mesma forma que é usada
para evidenciar a personalidade e status econômico do protagonista Jay Gatsby. A sequência
escolhida acontece em dois ambientes da propriedade alugada por Nick Carraway, sendo uma
área externa e uma interna. Dentre as cenas da sequência, foram escolhidas para análise: A
reforma do jardim e chegada de Gatsby, a espera de Jay e Nick na sala e o reencontro de Daisy e
Gatsby, por serem cenas que ressaltam características que constituem a identidade do filme.
A sequência do jardim se inicia em plano conjunto zenital com uma elipse temporal de uma
fonte sendo reformada por trabalhadores de Gatsby para recepcionar a chegada de Daisy na casa.
Podemos ver o antes e depois nas imagens 1 e 2.

Imagem 1 Imagem 2

Pode-se dizer que a passagem de tempo no primeiro take serve para demonstrar ao espectador
não somente o poder aquisitivo de Jay, levando em consideração o fato de ter pessoas
disponíveis para uma grande reforma em um curto espaço de tempo, mas também sua
determinação em criar o ambiente ideal para o reencontro com sua amada. Rapidamente seus
trabalhadores reconstroem todo o cenário reformulando a paisagem visual externa do local,
podando as árvores, reformando e colocando vasos de flores enormes, deixando tudo mais
colorido, elegante e arrumado.
A mise-en-scène tem o poder de somar significados ao longe através do cenário, da música, das
cores e da luz segundo Bordwell (2008). Na chegada de Gatsby, o jardim é ambientado em
plano geral e nota-se que está chovendo, há diversos guarda-chuvas pretos com homens guiados
por Jay levando buquês e comidas a serem colocados para enfeitar a sala de Nick. A iluminação
da cena é fundamental para a construção da simbologia do momento retratado, todo o cenário
ganha uma atmosfera mais nebulosa (imagem 3) escura e fechada por ser um momento de
grande tensão. Em seguida, o plano se fecha em plano médio longo enquanto Nick e Jay
conversam e é possível ver a expressão de apreensão e a ansiedade do protagonista (imagem 4)
com o grande momento que se aproxima.
Imagem 3 Imagem 4

No momento seguinte a cena é modificada, nos fazendo chegar na parte interna da casa de Nick
– o foco da sequência vai para a sala de estar e a partir desse momento os objetos cênicos e a
atuação dos atores revelam que os personagens estão passando por um momento de tensão.
Quando a cena se inicia, é evidenciado um relógio antigo de madeira em um plano detalhe
(Imagem 5). Em seguida, o quadro abre para um plano geral, mostrando o interior do cômodo
que seria uma sala comum se não fosse pela quantidade enorme de buquês de flores, mais um
elemento que a mis-en-scène traz refletindo a personalidade extravagante de Gatsby. Além disso,
nela conseguimos perceber dois grandes bolos, inúmeros doces e petiscos nas mesas, postas
como se fossem receber uma quantidade razoável de pessoas sendo que serão apenas Nick,
Gatsby e Daisy, no que seria apenas um chá da tarde. Ao longo dos takes podemos observar a
mensagem subliminar por trás do relógio que é exibido em tela em vários momentos enfatizando
a tensão, agonia e ansiedade que compõem a cena.

Imagem 5

O relógio ressaltado pela mise-en-scène tem uma conotação expressiva usada para contextualizar
a ansiedade de Gatsby causada pela espera de Daisy. Em tela, acontece uma sobreposição de
planos que fica entre o relógio em plano detalhe e Gatsby em primeiro plano, interligada ao
zoom in a montagem sobreposta é utilizada com maestria juntamente a recursos sonoros de
batidas de relógio para alongar a situação e enfatizar o incômodo de Gatsby com a hora
passando. A narrativa do filme retrata muito a questão do tempo, o tempo perdido, e o que fazer
com ciclos que já se fecharam. Com a intensificação do barulho do ponteiro, o espectador sente a
emergência de Jay com a expectativa do reencontro, ou seja, ele deseja voltar no tempo e trazer a
sensação e o momento que viveu no passado no qual ele e Daisy estavam apaixonados e juntos.

Com o desenrolar da cena temos a esperada chegada de Daisy. Bordwell (2008) afirma que a
mis-en-scène aparece através de elementos essenciais para ambientar a narrativa, esses
elementos têm grande poder no processo de imersão do espectador, podendo atuar não somente
através do cenário e do som como foi exemplificado, mas também pela iluminação, figurino e as
cores, que têm papéis fundamentais para formação da dramaticidade da narrativa. Ao Daisy
entrar na casa e se encaminhar para a sala, nota-se surpresa e felicidade em seu tom de voz
fazendo com que o espectador pense que a mesma está olhando para Gatsby, o momento é
quebrado uma vez que Nick entra no cômodo e percebe que Jay não se encontra, momentos
depois ouvimos batidas na porta de entrada e o protagonista que havia saído devido ao seu
nervosismo entra encharcado pela chuva se direcionando para a sala, o diretor afirma que nesse
momento todo o público já sabe que o protagonista e Daisy vão se encontrar, portanto a
preocupação era procurar a atenção do espectador retirando Gatsby do local de surpresa. A partir
dessa cena, podemos identificar uma mudança na perspectiva dramática da sequência,
evidenciada no momento em que Gatsby, no cômodo, olha para Daisy que se encontra em plano
americano, centralizada no ambiente e a luz do sol entra pela porta da varanda em sua direção
(imagem 5) traçando sua silhueta, nesse momento é como se a presença dela fosse parte de um
sonho sendo realizado, demonstrando um novo conjunto de emoções sentidas por Jay.

“ Na cena de reencontro de Gatsby e Daisy, apesar do cenário chuvoso, a luz


do momento emite-se de Gatsby e de seus sonhos, e o figurino é o que
confirma isto, pois seu terno é branco, sua camisa é da cor azul claro, seu
colete é um tom dourado e sua gravata é dourada, seus sapatos são um
mocassim bicolor, branco com marrom e nesta ocasião é evidente a associação
entre luz e Gatsby. A sala em que se encontram está repleta de flores brancas e
doces em tons pastel, afirmando o visual sobre aquele momento mais
importante do que a própria sequência de diálogos.’ (A ANÁLISE… s.d., p.
8)

Na sequência, temos um plano americano do protagonista também centralizado no ambiente,


seguido por um zoom in, que fica intercalando entre o casal, a cena revela o tão esperado
encontro dos dois.
Imagem 5 Imagem 6

Imagem 7 Imagem 8

Por último podemos observar o epílogo da sequência que se inicia com um plano geral da frente
da casa, cortando para uma chaleira apitando e em seguida o chá sendo levado por Nick. Após o
ápice da tensão ter passado na cena anterior é construído um momento em que o relógio entra
em questão novamente, a tensão se reduz drasticamente devido a sua queda e se inicia uma
conversa relativamente constrangedora entre os três personagens até o momento em que o dono
da casa decide sair, na sequência dessa ação Jay o acompanha nos levando ao momento decisivo
em que Nick o convence a voltar para sala e conversar com Daisy.
No final, é possível observar que O Grande Gatsby possui muitos detalhes trabalhados na
mise-en-scène que compõem diversos sentidos na narrativa e constroem o estilo do filme, como
a simetria, os personagens sempre se encontrando em destaque, centralizados ou emoldurados, a
encenação por meio de expressões faciais e troca de olhares, o estilo exuberante, exagerado e
fantasioso como em um sonho, além da utilização da iluminação que sutilmente gera grandes
significados no inconsciente do espectador.

A construção da sequência a partir da montagem

As escolhas cinematográficas que caracterizam a montagem da sequência colaboram para a


concretização dos objetivos pretendidos pela articulação mise-en-cênica. Pautada na teoria de
Bordwell (2008), entendemos a montagem da obra como um todo sendo uma montagem
narrativa (ou em continuidade), definida pelo autor como uma estratégia que assegura a
continuidade narrativa através da ordenação de planos que contam uma história com coerência e
clareza e que permitem que espaço, tempo e ação fluam ao longo desta série de planos. Já
levando em consideração os ensinamentos de Eisenstein (2002), pai da montagem que ditou toda
a produção hollywoodiana, estamos lidando com uma montagem tonal, em que o ritmo da ação,
da trilha e o tom da cena direcionam os cortes.
Os planos na sequência escolhida seguem a modalidade de relação de coesão, que, segundo
Nogueira (2010), é uma modalidade que consiste em privilegiar a contiguidade entre os planos.
Para tal, faz-se necessária a articulação da planificação, que considera as relações de altura e
largura no exercício da alternância entre as escalas de planos, dos mais descritivos aos mais
expressivos. Para Nogueira (2010), numa montagem narrativa a mudança entre planos de escalas
diferentes que mostram uma mesma ação deve ser progressiva, ou seja, deve recorrer a planos
intermediários que suavizam a mudança de percepção entre dois planos de escalas nitidamente
distintas. Essas relações ficam evidenciadas no decorrer da sequência, pois o desenrolar da
narrativa para além da mise-en-scène é percebido através de um conjunto de planos articulados e
formadores de uma totalidade, associados aos cortes, raccords e trilha sonora. Ademais, os
elementos gráficos ritmo, espaço, tempo e vetor estão à serviço do cineasta através da técnica de
montagem. Para Bordwell (2008), no sistema clássico de continuidade o tempo e o espaço são
organizados segundo o desenvolvimento da narrativa. Para apresentar a história se manipula o
tempo, de modo em que a montagem apoie e sustente essa manipulação temporal. Em o Grande
Gatsby, a temporalidade trabalhada é ficticiamente os anos 1920 (o que a mise-en-scène
evidencia), mas a montagem da sequência apresenta a perspectiva de fatos correntes, condizentes
com o tempo presente – o montador desenvolve os acontecimentos da história em uma ordem
1-2-3. Desse modo, não existem muitos saltos temporais, com exceção nos momentos de elipse e
paralelismo que serão esclarecidos à frente. Bordwell (2008) indica ainda que o ritmo
cinematográfico, para além da montagem, deriva do movimento na mise-en-scène, da posição e
do movimento da câmera, do ritmo do som e do contexto geral, mas depende consideravelmente
do padrão de extensões (duração) dos planos escolhidos na montagem. O elemento espaço, por
sua vez, através das diversas angulações de câmera, “coloca a montagem num lugar
privilegiado”, segundo Leone (2005, p.27).
O primeiro bloco se inicia com os três primeiros takes da sequência analisada, os quais exibem a
fonte de água do jardim do personagem Nick, num plano conjunto e ângulo zenital,
acompanhado de uma trilha sonora não-diegética dinâmica em conjunto com sons diegéticos (de
inchada na terra, cortador de grama, pessoas trabalhando, coisas sendo arrastadas) para
ambientar o jardim e dar a sensação de mudança, de movimento e assim apresentar os
trabalhadores reformando a fonte. Há três momentos que transacionam suavemente entre si: o da
fonte sem estar restaurada, o da fonte já restaurada e o do trabalhador realizando o acabamento
final da fonte. Para isso, foi utilizada uma elipse temporal como recurso de montagem. Segundo
Bordwell (2008), ela é um tipo de montagem em que se pode alterar a duração dos
acontecimentos da história, apresentando uma ação de tal maneira que ela possua menos tempo
de tela do que teria de fato. A combinação de takes têm duração de tempo de 7 segundos, e junto
com a mise-en-scène evidenciam a quem assiste a dinamicidade de movimentos acontecendo no
ambiente e deixam marcada a considerável passagem de tempo que ocorreu, o que estabelece a
leitura de que algo grandioso está acontecendo. Em seguida, o mapa mental da sequência é
estabelecido com a figura do Nick sendo introduzida e a ambientação do espaço jardim, com os
trabalhadores em plano geral.

Imagem 9 Imagem 10

Segundo Zettl (2011), o mapa mental é a estratégia utilizada para mostrar onde as coisas estão –
é quando vemos um pouco da cena total no espaço da tela, apresentando os personagens, o
espaço e a temporalidade. Ele apresenta de maneira didática o ambiente, localizando o público
com uma espécie de introdução à sequência. Ainda, o manuseio adequado dos vetores de índice
(index) no cinema e na sequência possuem um papel importante na preservação do mapa mental.
Os vetores presentes no vídeo analisado desempenham um papel significativo no sentido de
obter e preservar a continuidade dos takes e em manter intacto o mapa mental do espectador
dentro e fora do espaço da tela. Estes recursos são forças gráficas com direção e magnitude
(força), que dividem-se: vetor gráfico, criado por linhas ou elementos que posicionados sugerem
uma linha; vetor de índice, formado por alguém observando ou algo ou alguém apontando para
uma direção específica; e vetor de movimento, gerado por algo que se move na tela ou que é
percebido como se movendo.
A imagem seguinte é do Nick (ainda desarrumado pois provavelmente tinha acabado de acordar)
abrindo a porta de casa e se deparando com o alvoroço que está acontecendo em seu jardim – um
plano de reação que em poucos segundos consegue transmitir ao espectador a confusão do
personagem ao assistir o momento. Este take é suturado ao seguinte através de um raccord, que
Nogueira (2010) define como um recurso que assegura a continuidade dos planos ao estabelecer
relações perceptivamente lógicas entre eles. De acordo com Amiel, (2010) o princípio da junção
em montagem narrativa consiste na operação necessária dos raccords. O raccord presente é o de
olhar, posto que o Nick olha para os trabalhadores em movimento no jardim e o take seguinte
apresenta justamente o que ele está olhando – estratégia que se repete nos próximos takes. O
raccord de olhar é uma técnica muito utilizada durante toda a sequência, uma vez que vários
diálogos estão presentes no trecho, fazendo com que o montador empregasse o recurso como
convenção de montagem de diálogo.

De olhar: Trata-se de um dos dispositivos de continuidade mais importantes na


montagem convencional. Ocorre em duas situações: através da articulação entre a linha
do olhar de uma personagem num plano e a direcção do olhar de outra personagem num
plano seguinte; através da articulação do olhar de alguém num plano e do objecto
contemplado num plano seguinte (NOGUEIRA, 2010, p.142).

Em seguida, o montador segue a regra dos 30º ao fazer uso de um raccord de eixo, que combina
um plano de Nick, em altura de ângulo plongée, a quase 90º da linha frontal do nariz do
personagem com outro em um ângulo intermediário entre o frontal e o lateral. Segundo Nogueira
(2010), a regra dos 30º estipula que entre dois planos de um mesmo assunto ou personagem cada
posição da câmera (que determina o eixo visual do plano) deve variar pelo menos 30º, de modo a
evitar um corte perturbador.

Imagem 11 Imagem 12

Já no momento crucial em que Gatsby chega, há um raccord de direcionalidade entre um plano


em que ele e seus funcionários vão da direita à esquerda do quadro e outro em que continuam
com a mesma direção, reforçando a percepção de continuidade. O primeiro take, em plano geral,
pode ser considerado o plano guia de toda a ação, que Leone (2005), define como uma tomada
mais aberta que determina e organiza a direcionalidade de uma sequência.
Imagem 13

Percebe-se também a presença do vetor de movimento com o raccord de movimento em que as


figuras estão caminhando num take e a ação continua no próximo. Bordwell (2008) indica que o
raccord de movimento é uma ferramenta tão poderosa que cria continuidade espacial e temporal.
Em seguida, é trabalhado um plano de reação do personagem Nick (já arrumado e dentro de
casa, o que indica a passagem de tempo) quando o mesmo se depara com a cena – o operador de
câmera utiliza um movimento dolly in para aproximar ainda mais a figura do personagem e
revelar sua expressão surpresa num plano muito aproximado. Em sequência, Nick abre a porta e
o protagonista chega até a entrada – o raccord de olhar está presente. Quando os funcionários
entram na casa, vemos outros raccord de movimento e raccord de eixo com a mudança de um
plano narrativo para descritivo – a posição da câmera muda, resultando numa visão de outro
ângulo da continuidade da ação, em que o movimento de andar dos trabalhadores prossegue num
enquadramento mais alargado. O raccord de eixo se perpetua durante o diálogo dos personagens
na porta. As posições relativas no quadro permanecem consistentes, visto que a continuidade
espacial é respeitada pela regra dos 180º: quando o cineasta respeita o eixo de ação que
determina um meio círculo (ou área de 180º), onde a câmera pode ser colocada, explica
Bordwell (2008).

Imagem 14 Imagem 15

Apesar do comprometimento evidente em manter-se a continuidade característica da montagem


narrativa, acontece um erro de raccord no momento em que o Gatsby vira a cabeça no plano
conjunto, mas é mostrado virando a cabeça novamente no plano médio, o que quebra a
compreensão de fluidez.
Já dentro da casa, na sala de estar, fez-se uso de uma elipse temporal com a imagem e som do
relógio de sala de Nick num plano de pormenor, indicando passagem de tempo, além da
presença de linhas horizontais e verticais (nas paredes e janelas) como vetores gráficos. Através
de um pullback (recurso oposto do cut in), a imagem do relógio depois é vista em plano
conjunto, com Gatsby, Nick, e o cenário ao redor. Esta estratégia consegue estabelecer sentidos
entre os planos em razão de o público conseguir atribuir significação ao relógio (com o plano
expressivo), ao mesmo tempo em que ele é situado no ambiente quando a imagem é recuada.
Vale salientar que o relógio tem grande importância como recurso visual e sonoro, pois ele é
utilizado para expressar o sentimento de ansiedade de Gatsby na sequência e seu som se torna
responsável por ditar o ritmo de determinados takes. É uma cena marcada por uma composição
cenográfica bastante simétrica, tornando as imagens mais harmoniosas e equilibradas.

Imagem 16 Imagem 17

Na cena, percebemos a técnica cinematográfica “eye trace” quando Nick observa Gatsby, desvia
o olhar e depois olha novamente, conduzindo o espectador a olhar na mesma direção e a crer que
essa repetição de olhar significa algo. No caso, Nick fita Gatsby pois o percebe ansioso,
inquieto, em pé (enquanto ele está sentado), e quem assiste pode chegar à mesma conclusão ao
seguir o rastro do olhar do escritor. O eyetrace é um dos principais vetores de índice descritos
por Zettl (2011), aqueles formados por alguém observando ou apontando em uma direção
específica. Walter Murch (2004) atribui 7% de importância à linha do olhar para que um corte
seja considerado perfeito. Segundo essa regra, o editor precisa cortar as cenas levando em
consideração em qual lugar os olhos do espectador estarão no momento.
Em seguida, é inserido um diálogo entre a dupla em que os raccord de plano e contraplano e a
técnica BAC estão presentes. Segundo Bordwell (2008), o padrão plano/contraplano ou
campo/contracampo acontece quando primeiro é mostrada uma extremidade da linha de 180º,
depois a outra: são planos espelhados do eixo de ação. Neste sentido, a técnica BAC é viável
nesse tipo de convenção, principalmente pois ela é uma estratégia muito utilizada em diálogos.
Trata-se de enquadrar personagens em um plano (A) e contraplano (B), mais fechados, e depois
colocá-los juntos no mesmo quadro, num plano mais aberto.

Figura 18 Figura 19

Figura 20

Para Marcelli (2010), intercalar essas cenas mais fechadas com mais abertas dá ao editor mais
opções de cortes ao editar a sequência, de forma que ele pode “abrir” o filme sempre que quiser
situar novamente o cenário para o espectador, e depois “fechá-lo” de novo para enfatizar alguma
coisa – neste caso, os personagens.
O montador decidiu, em sequência, empregar um take em plano geral de 12 segundos, duração
consideravelmente maior do que as que estavam sendo utilizadas na sequência – em média, entre
1 a 5 segundos. Como, no trecho, Gatsby pergunta ao Nick o que ele achou da decoração do
ambiente, a escolha por um take nessa duração é completamente proposital para que o público
contemple o cenário junto com os personagens, associando as falas com o eyetrace deles em
direção ao ambiente ao redor. Cria-se uma conjuntura propícia para o espectador perceber a
extravagância presente no quadro. Ao ajustar a duração dos planos em relação com outros
planos, o cineasta está controlando o potencial rítmico da montagem.
Em seguida, uma montagem métrica se faz presente, pois o som do relógio marca as mudanças
de cortes de planos alternados entre si: o plano do relógio indicando a passagem da
temporalidade, de Gatsby com expressão nervosa e de Nick observando, reforçando a tensão
existente com a adição do zoom in. Sobre montagem métrica, Eisenstein (2002) afirma:

O critério fundamental desta construção são os comprimentos absolutos dos


fragmentos. Os fragmentos são únicos de acordo com seus comprimentos, numa
fórmula esquemática correspondente à do compasso musical. A realização está na
repetição desses “compassos” (EISENSTEIN, 2002, p.79)
Com o desenrolar da narrativa, Gatsby se cansa e mostra querer desistir do encontro com Daisy,
e com uma combinação de raccord de movimento, de eixo e de direcionalidade, percebe-se um
deslocamento fluido quando ele se levanta e deixa o quadro. No entanto, o protagonista para de
andar, em choque (um plano de reação), ao ouvir a buzina do som do carro de Daisy indicando
que ela chegou, momento marcado pelo raccord sonoro J CUT, que assinala o começo do 2º
bloco. A técnica se trata de quando o áudio de uma cena posterior começa a ser reproduzida
antes de sua imagem, como uma introdução ao corte. A cena segue com Nick saindo da casa
para receber Daisy, enquanto Gatsby está do lado de dentro, visivelmente apreensivo. Neste
momento existe uma montagem paralela, a qual intercala duas cenas diferentes: a cena 1 do
ambiente do jardim, com Nick e Daisy, e a cena 2 de dentro da casa, com Gatsby. A montagem
paralela consiste em “editar paralelamente dois ou mais acontecimentos num padrão alternado.”
(MASCELLI, 2010, p. 177). Através dessa estratégia de montagem, pode-se perceber a
progressão da ansiedade de Gatsby avançando conforme a chegada de Daisy se aproxima. Daisy
chega e adentra o corredor da casa, cenário que pode ser considerado uma terceira cena, de
transição. Quando chega na entrada da sala, a emoção se intensifica quando se pensa que Daisy
vê o ex amado, a partir de sua expressão surpresa contemplada no plano de reação. Nick reage
positivamente enquanto a ouve falar, acreditando que a mesma se referia à Gatsby, quando na
verdade falava das flores que compõem o espaço. Deste modo, fez-se uso de um take de 10
segundos que, com um movimento de dolly in trazendo o rosto de Nick para um primeiríssimo
plano, evidencia sua expressão confusa ao perceber que a prima não falava de Gatsby. Desta
forma, Nick se dirige à sala e se depara com Daisy sozinha. Os raccord’s de olhar e movimentos
de câmera fazem uma relação entre os olhos de Nick e o que ele vê: o rapaz varre a sala com o
olhar à procura do vizinho e os planos se articulam para indicar que está havendo essa busca,
fazendo com que o espectador acabe procurando Gatsby junto com ele.
A seguir, percebemos outro raccord sonoro J Cut quando Gatsby bate na porta de entrada.
Quando Nick vai abri-la, um dolly in em direção à Gatsby que vai enquadrá-lo num plano muito
aproximado revela seu estado molhado. O segmento de planos e contraplanos alonga a exibição
do estado do protagonista e a confusão presente em Nick, tornando evidente a quem assiste a
caoticidade da circunstância.
Figura 21 Figura 22

Quando Gatsby entra, temos um take contínuo dele numa visão frontal, sem corte, para
evidenciar suas ações de respirar ofegante, suspender o movimento, pausar, olhar para o chão,
ajeitar o paletó, e arrumar o cabelo dos dois lados. Este plano sequência aponta a diversidade de
ações que demonstram como este é um momento grandioso para Gatsby. Numa definição
clássica, Gerald Noxon considera que, mais que uma unidade quantitativa de tempo-espaço, o
plano-sequência possui “importantes indicações de natureza qualitativa no que se refere a
valores dramáticos e funções narrativas” (NOXON, 1964, p. 70).
Finalmente, no tão aguardado momento em que eles se encontram, existem alguns recursos que
destacam o potencial dramático da situação. A cena conta com uma montagem sobreposta, que
através da repetição de planos muito parecidos entre si, esticam a ação de um olhar para o outro,
reforçando o sentimentalismo envolvido. E uma vez que a iluminação permanece praticamente
inalterada durante todo o trecho analisado, o raccord de luz em Daisy quebra a continuidade da
luz para mudar a atmosfera da sequência. O zoom in extremamente lento nos personagens
desaceleram o ritmo da sequência e exibem planos de reação ao aproximar os enquadramentos.
Estas escolhas foram aplicadas com a intencionalidade de se priorizar o primeiro critério que
define um bom corte, segundo Murch (2004): refletir a emoção do momento.
Com o fim da cena, se encerra o 2º bloco. O 3º bloco inicia com outra atmosfera, a partir do
raccord sonoro J Cut, em que o som de chaleira é ouvido sobreposto à imagem da casa do lado
de fora, em plano geral. A sequência dá segmento com Nick trazendo uma bandeja com chá aos
convidados – no início do take, o plano é de pormenor focado na bandeja, o qual vai abrindo
para um plano conjunto do cenário com a presença dos três personagens: um plano de
estabelecimento. Gatsby está em pé ao lado do relógio, Daisy está sentada e Nick serve o chá, no
meio deles, em pé. Neste momento, há uma construção de olhares entre o casal que logo Gatsby
quebra, desviando o olhar ao perceber que Daisy viu que ele a olhava. Esta construção é
evidenciada através dos raccord’s de olhar e eye trace dos personagens, denotando o
constrangimento e tensão presentes. O nervosismo de Gatsby o leva a derrubar o relógio,
movimento que aparece coeso entre os planos ao fazer-se uso do raccord de movimento e de
eixo. A reação de Daisy é ilustrada através da relação de plano e contraplano. Nos próximos
takes, os personagens dialogam constrangidamente e bebem chá quando novamente é empregada
a técnica BAC fazendo correlação entre plano, contraplano e plano master. Então, novamente a
montagem sobreposta se faz presente: combinou-se vários planos expressivos, focados em cada
um dos personagens em zoom in, que se intercalam alongando a situação, o que manifesta a
percepção de tensão e constrangimento crescentes na cena. O ápice do momento é quando, no
final da montagem, o plano se aproxima mais do rosto de Nick e ele, insatisfeito com a situação,
se levanta e dá uma desculpa para deixar a dupla a sós. Gatsby, nervoso, vai atrás do vizinho
com movimentos que transacionam através do raccord. Por fim, eles dialogam na porta entre
planos e contraplanos; o raccord de eixo também está presente, para conseguir ilustrar tanto a
parte de dentro da casa, como o que se consegue ver da parte de fora, atrás de Gatsby,
estabelecendo a relação entre os dois ambientes desenvolvida durante toda a sequência.

Figura 23 Figura 24

Quando Gatsby decide voltar à sala, é mostrada a visão de Nick sobre Gatsby. O protagonista,
agora mais confiante, volta para o lugar através do raccord de movimento, recurso que foi
abundantemente empregado durante toda a sequência, acentuando noções espaciais de
continuidade.
.
Considerações Finais

O presente artigo teve o intuito de analisar e desconstruir as camadas mise-en-cênicas e de


montagem de uma amostra do filme O Grande Gatsby (2013). Através dos olhares dos autores e
do entrelaçamento de teorias e recursos aprimorados pelos mesmos, pôde-se fazer uma análise
satisfatória do produto selecionado.
O filme escolhido traz uma estética atual para sua cronologia; ambientada em 1920 mas trazendo
recursos que nos remetem ao ritmo frenético dos dias atuais. Para isso, foram utilizadas técnicas
de montagem para representar esse dinamismo. Na história, aparentemente dramática,
percebe-se que por mais sobreposições de planos ou de takes sem diálogo com foco nas
expressões dos personagens, o ritmo do filme permanece com uma atmosfera alegre e exagerada
no estilo de Baz Luhrmann. O diretor e roteirista do filme já havia feito produções com as
mesmas estratégias de mesclar textos clássicos com o glamour e a “pressa” contemporânea. Para
isso, Nogueira (2010) evidencia a importância da escolha e combinação de planos para criar
efeitos narrativos, como também foi discutido por Leone (2005) que afirma que: entendendo a
montagem como uma modalidade fundamental para a narrativa, ela estabelecerá uma
interdependência de todas as expressões ao agir, através do corte, como transformadora das
materialidades.
Visto isso, todo o trabalho de mise-en-scène, elaborado para caracterizar o mundo hiperbólico de
Gatsby, foi potencializado por uma montagem bem estruturada que fez com que o espectador se
sentisse encantado, comovido e até ansioso para ver como seria o encontro de Gatsby com sua
amada.

Referências

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Gatsby - behind the scenes HD. 1 video (7:50 min). Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=DlVd_JvhW9c. Acesso em: 03 Maio 2023
BORDWELL, D. Figuras traçadas na luz. Campinas, SP: Papirus Editora, 2008.
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UNICAMP, 2013.
ANALISE da obra literaria, O Grande Gatsby, do autor F. Scott Fitzgerald. s.d. Disponível em:
https://conic-semesp.org.br/anais/files/2014/1000017455.pdf. Acesso em: 3 de maio 2023
AMIEL, Vincent. Estética da montagem. Lisboa, Edições Texto e Grafia, 2010;
BORDWELL, David; THOMPSON, Kristin. A arte do cinema: uma introdução. Campinas-SP,
Editora da Unicamp e Editora da USP, 2013;
EISENSTEIN, Sergei. A forma do filme. Rio de Janeiro, Editora Jorge Zahar, 2002.
LEONE, Eduardo. Reflexões sobre a montagem cinematográfica. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2005;
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Summus Editorial, 2010;
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Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2004;
NOGUEIRA, Luís. Planificação e Montagem. Coleção Manuais de Cinema III, LabCom Books,
Covilhã-PT, 2010.
ZETTL, Herbert. Manual de produção de televisão. São Paulo: Cengage Learning, 2011;
NOXON, Gerald. Algumas Observações Sobre a Anatomia Do Plano Geral: Um Extrato de
Algumas Origens Literárias do Cinema Narrativa Sendo a Primeira de Uma Série: Três Estudos
Sobre Cinema. O Jornal da Sociedade de Cinematologistas. vol. 4/5, p. 70 - 80, 1964.

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