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Junguiana

v.40-3, p.147-158

Entre a ordem e a desordem: leitura do


conto “O papel de parede amarelo” de
Charlotte Perkins Gilman

Marcia Moura Coelho*

Resumo Palavras-chave
O artigo parte de dois textos da escritora e literários. Afora o aspecto histórico e social, psicologia
Charlotte Perkins Gilman, o conto O papel de o artigo faz uma leitura psicológica do conto, analítica,
parede amarelo, de 1892 e o depoimento Por- ressaltando aspectos e temáticas conflitivas e literatura,
gênero, saúde
que escrevi O papel de parede amarelo, de 1913. símbolos alquímicos presentes nesta narrati-
mental,
Neste, a autora relata sua experiência prévia e va que, passados mais de um século, continua Charlotte
insatisfatória com um tratamento médico que nos assombrando. ■ Perkins
inspirou a criação do conto. A escolha desta Gilman.
narrativa literária se fez, não somente por suas
qualidades, como também pela intersecção com
o tema da desigualdade de gênero na saúde
mental e no tratamento dirigido à mulher, dire-
cionado pela ideologia de gênero. A partir do
contexto histórico, aponta-se o surgimento da
psicologia profunda e de perspectivas psicológi-
cas no tratamento das doenças mentais e a im-
portância do desenvolvimento do pensamento
junguiano em diálogo com outras áreas de co-
nhecimento, como estudos sociais, feministas

* Psiquiatra, membro analista da Sociedade Brasileira de


Psicologia Analítica de São Paulo (SBPA-SP) e filiada à In-
ternational Association for Analytical Psychology (IAAP).
e-mail: marciamcoelho@uol.com.br

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Entre a ordem e a desordem: leitura do conto “O papel de parede amarelo”


de Charlotte Perkins Gilman

Para as assombrações, desnecessária ricano, a autora escreveu o conto inspirada em


é a alcova, uma experiência pessoal prévia, conforme cons-
Desnecessária, a casa – ta em seu depoimento “Porque escrevi O papel
A mente tem corredores que superam de parede amarelo?” publicado em outubro de
Os espaços materiais. 1913 na revista The Forerunner, e que tratarei
Mais seguro é encontrar à meia-noite mais adiante.
Um fantasma, A limitação aos papéis sociais da mulher,
Que enfrentar, internamente, como filha – esposa – mãe, confinada ao mundo
Aquele hóspede mais pálido1 “do lar”, e a repressão social à expressão espon-
tânea de anseios que extrapolam essa limitação
Emily Dickinson (BENDER, 2007, p. 57).
podem levar ao enlouquecimento? A escolha
deste conto se faz aqui, não apenas por suas
qualidades literárias, mas também pela inter-
Introdução secção com o tema da desigualdade de gênero
Casarões antigos e isolados exercem um na saúde mental e no tratamento dirigido à mu-
estranho fascínio, permeiam o imaginário co- lher, direcionado pela ideologia de gênero. Afora
letivo e surgem como imagem recorrente em esse relevante aspecto histórico e social, meu
sonhos, pesadelos, livros e filmes carregados foco é a leitura psicológica do conto, ressaltan-
de mistério, suspense ou terror. Com o passar do temas e símbolos presentes nesta narrativa
dos anos, os elementos tipicamente fantasma- que passados mais de um século, continua nos
góricos e sobrenaturais dessas histórias trans- assombrando.
formaram-se, ganhando colorido psíquico e es-
paço interno na mente humana, de forma que
A mulher aprisionada
a “casa assombrada” divide protagonismo com
A narradora, uma jovem mulher, seu ma-
a personagem “assombrada” por seus demô-
rido John, sua cunhada e governanta Jennie,
nios e conflitos inconscientes, em luta consigo
seu bebê e a babá mudam-se temporariamente
mesmo, com o mundo ao redor e com o risco
para um casarão antigo e isolado, distante da
de enlouquecimento.
cidade. Ela sente-se doente e debilitada, tem
“O papel de parede amarelo”, conto publi-
um estranhamento com a casa que gera dúvi-
cado em 1892 pela norte-americana Charlotte
das quanto aos benefícios que a temporada de
Perkins Gilman, parte deste tema e sua leitura
verão nesse imóvel pode lhe proporcionar. Mas
permite mais que o desfrute de um bom conto
fica desarmada, de certa forma impotente dian-
fantástico, entrando também na seara da litera-
te das objeções de John, seu esposo e médico,
tura feminista ao introduzir questões importan-
descrito por ela como alguém extremamente
tes quanto ao papel social e ao “adoecimento
prático e racionalista, que não acredita que ela
mental” das mulheres. Escritora, jornalista e mi-
esteja doente:
litante do nascente movimento feminista ame-
Se um médico altamente conceituado,
1
One need not be a chamber to be haunted,/ One need not be
a house;/ The brain has corridors surpassing/ Material place./ o próprio marido da pessoa, garante a
Far safer, of a midnight meeting/ External ghost,/ Than an inte-
rior confronting/ That whiter host.
amigos e parentes que realmente não há

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nada demais com ela, só uma depressão A mulher aprisionada em papéis sociais,
nervosa-temporária – uma ligeira tendên- conjugais e psicológicos é o tema central do
cia histérica –, o que se há de fazer? (GIL- conto. A situação da personagem que vive
MAN, 2007, p. 19). simultaneamente maternidade e adoecimen-
to e os limites determinados como cuidados
A mulher tem recomendações explícitas para médicos são o adicional de impacto que de-
manter-se em casa, tomar vitaminas, fazer ca- limitam o tempo e o espaço da narrativa, in-
minhadas leves, manter repouso sem trabalhar tensificam as condições de sofrimento psí-
e sem dar tanta atenção à sua condição de do- quico da personagem/narradora, criando
ente. Ela está proibida de escrever, porém es- ritmo e tensão à narrativa. Em camadas de
creve às escondidas, pois gosta e presume que leituras, podemos extrair múltiplas nuances
“escrever aliviaria a pressão das ideias e des- e significados do conto e, como comenta-
cansaria”. Esses escritos furtivos dão corpo ao rei a seguir, alguns aspectos que considero
conto, narram em primeira pessoa a experiência importantes ressaltar.
da personagem não nomeada, em sua tempo-
rada de verão e “descanso” na casa, e assim, Submissão, impotência e anulação
como leitores, temos acesso ao ponto de vista Aspectos conflitantes surgem aos poucos e
da personagem em relação ao seu mundo inter- ganham força com a narrativa em primeira pes-
no e externo. A questão é que, desde o início, a soa. Lembremos que o conto é o diário proibi-
personagem sente-se desconfortável com a casa do da personagem sem nome e seu tom oscila,
e com as limitações do tratamento imposto, e a como que acompanhando ondas emocionais e
impossibilidade de diálogo associada ao estado estados de humor. Entre comentários ora impo-
de fragilidade do puerpério geram cada vez mais tentes e resignados, ora mais afiados e irôni-
angústia e inquietação. A temporada de três me- cos, vamos entrando no mundo de uma mulher
ses na casa, e particularmente, no quarto com o em grande carga de sofrimento, cujos anseios
papel de parede do título resulta em progressivo e opiniões são prontamente rechaçados pelo
agravamento do estado mental da protagonista, marido. Constela-se uma situação conflitan-
ao contrário da cura pretendida. te entre John, esposo e médico, racionalista e
A condição de submissão e aprisionamen- pragmático e a esposa, imaginativa e sensível.
to da personagem em um modelo patriarcal de Esta inicialmente tenta conversar, expor suas
comportamento conjugal e social é revelada impressões sobre seu tratamento, sobre a casa
em vários momentos do conto. Diante da in- e o quarto que gostaria de ocupar, sobre o que
capacidade do marido em escutar e valorizar intui ser o melhor para sua situação, enfim. Mas
suas queixas e preferências, um crescente so- não há espaço de diálogo nesse casal, regido
frimento, permeado de impotência, depressão pelo poder do esposo/médico, que tende a con-
e culpa, vai se instalando na narradora, como siderar a criatividade e imaginação da esposa
nos trechos seguintes: “John ri de mim, é claro, algo potencialmente patológico e que, com sua
mas isso já é esperado num casamento” (p. 19); lógica patriarcal, inibe e intimida uma possível
“Ele nem acredita que eu esteja doente! O que posição antagônica da esposa. Esta, por sua
posso fazer?” (p. 19); “John não sabe quanto eu vez, sofre com sua instabilidade emocional,
realmente sofro. Ele sabe que eu não tenho mo- sente-se impotente, tornando-se mais ambiva-
tivo para sofrer, e isso o satisfaz” (p. 21); “Claro lente em relação ao marido, o que propicia sen-
que é só nervosismo. Pesa tanto sobre mim o timentos de culpa e confusão; afinal como pode
fato de ser incapaz de cumprir meu dever de al- estar sendo cuidada com tanto carinho e ainda
guma maneira!” (p. 22). assim recusar?

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Às vezes eu sinto uma raiva irracional de fantilização da personagem, que se torna mais
John. Eu não costumava ser tão sensível. insegura e desorientada diante de um trata-
Acho que é por causa desse problema mento que a leva à anulação total – ela deve fi-
nervoso [...] Ele é muito cuidadoso e ca- car sem trabalhar, sem imaginar, sem escrever,
rinhoso, dificilmente deixa que eu fique sem se relacionar com outras pessoas externas
sem atenção especial. Eu tenho uma lista à casa.
de prescrições para cada hora do dia; ele
toma todo o cuidado comigo, o que faz O conflito no papel
com que me sinta ingrata por não valori- Afora a escrita proibida do diário e as frus-
zá-lo mais (p. 20). tradas tentativas de conversas com o marido,
a atenção da personagem dirige-se ao quarto
Seguindo assim, o conflito fica silenciado e a com o papel de parede amarelo. Ao passar ho-
esposa, intimidada: “É tão difícil falar com John ras deitada, pela fadiga crescente e estimula-
sobre meu caso, porque ele é tão sensato e me da pelo marido a dormir “tanto quanto possa”,
ama tanto” (p. 27). a personagem observa o papel, suas formas
É uma comunicação conjugal comum em si- desalinhadas, sua cor “repelente”. O que co-
tuações de duplo vínculo 2 e outros tipos de ma- meça como fantasia, algo que a faz se lembrar
nipulação psicológica, em que a voz dominante das brincadeiras infantis, cresce em intensida-
do esposo/médico vem permeada de ambigui- de, adquirindo um tom sombrio. A narradora
dades, duplas mensagens, ameaças sutis: passa a viver uma vida dupla, a esposa obe-
diente que cumpre as orientações do marido
John disse que se eu não melhorar mais médico sob a vigilância da cunhada, e, às es-
rápido, ele vai me mandar para o dr. Weir condidas, a mulher obcecada por um papel de
Mitchell no outono. Mas eu não quero ir parede amarelo. A duplicidade se manifesta
de jeito nenhum. Tive uma amiga que es- também no papel de parede, que se transfor-
teve sob os cuidados dele antes e me dis- ma conforme a luz do dia e da noite, sol e lua.
se que ele é como John e meu irmão. Até Ao luar, o arabesco florido do papel transfor-
pior! (p. 24). ma-se em grades que aprisionam a mulher por
trás do papel.
Confinada na casa, a esposa deve ficar no O papel de parede despertou a atenção da
tal quarto com o terrível papel de parede ama- personagem desde o começo da história, e po-
relo, que foi anteriormente quarto de bebê e de de-se observar uma transformação no papel e
brinquedos. Não pode ir à cidade nem receber na relação da personagem com ele, que se dá de
amigos. No feriado de 4 de julho, quando rece- forma dinâmica, não tão separadamente como
bem visitas, ironicamente o Dia da Independên- aqui descrevo, com aspectos que se interpene-
cia dos Estados Unidos, ela deve se resignar tram, simultaneamente – rejeição, atração, fu-
aos convidados do marido e não os que dese- são e revelação, destruição e libertação:
jaria rever. Há uma perda de autonomia e in-
a. Inicialmente há rejeição ao papel de pare-
2
O duplo vínculo é um dilema comunicativo devido à contra- de, aversão até – é interessante que a per-
dição entre duas ou mais mensagens. A tese introduzida pelo
antropólogo Gregory Bateson e equipe (1956), considera
sonagem se refere a ele com expressões
que, em condições recorrentes, tais padrões de comunicação mais ácidas e sarcásticas: o papel de pare-
e interação em relacionamentos familiares, podem ser fator
gerador de transtornos mentais, inclusive a esquizofrenia e de é descrito como “horrendo”, de uma cor
outras psicoses. Comunicação e linguagem passaram a ser “odiosa”, “repelente”, “doentia”, com um
objetos de estudo e de novas propostas terapêuticas na área
da saúde mental. desenho que é uma “tortura”. É como se

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todo seu potencial de revolta se concentras- A vida psíquica no papel


se contra o papel de parede. Mas também O papel propicia um campo de fluxo imagi-
nota algo estranho nele. nativo para a personagem em uma interação
b. Da estranheza surge interesse e atração, que reanima sua vida psíquica, de forma que
quando percebe que o papel tem um dese- a partir dessa fusão mulher – papel de parede,
nho de fundo, revelado por uma certa luz, as fronteiras entre mundo externo e interno tor-
e descobre “uma figura estranha e amorfa, nam-se mais permeáveis, menos nítidas e as
que parece caminhar às escondidas por trás imagens inconscientes da mulher ganham vida
desse desenho (padrão) idiota que aparece à por trás do papel de parede. Ela tentou lidar ob-
frente” (p. 24). jetivamente com sua situação incômoda, mas
os diálogos com o marido a deixaram exausta.
c. O movimento seguinte é de cumplicidade e
Em situações desse tipo, a tendência é de que
fusão, quando nota peculiaridades no papel
ocorra um refluxo, um recolhimento, a energia
que só cabem a ela decifrar, o que lhe deixa
psíquica volta ao inconsciente, como acontece
mais animada: “tem coisa nesse papel que
com o fluxo de um rio que segue seu curso e, ao
ninguém sabe e saberá, só eu” (p. 26). “Ago-
encontrar barreiras, retorna. Ocorre uma regres-
ra eu tenho alguma expectativa, algo para an-
são, mas a energia psíquica não se esgota, se-
siar, para observar. Estou comendo melhor, e
gue buscando caminhos, mesmo que por vias
ando mais calma” (p. 29).
tortuosas, perigosas e/ou doentias. A protago-
d. Revelação — A figura amorfa por trás do pa- nista encontra brechas para fantasiar livremen-
drão é uma mulher que durante o dia fica te no papel de parede, tentando manter-se viva.
“contida, quieta” e durante a noite rasteja E o papel de parede torna-se tela fértil para suas
por trás das grades do padrão de desenhos projeções. A linguagem do mundo inconsciente
do papel. Aos poucos, além de rastejar, essa é outra, simbólica, metafórica, revelando as-
mulher balança as grades. “Ela está o tempo pectos da vida interior da personagem, e o que
todo tentando trespassá-las” (p. 31). teria uma função decorativa transforma-se em
e. Destruição e libertação – o papel precisa ser prisão, em alusão direta ao papel decorativo (e
destruído para libertar aquela mulher que aprisionador) da mulher-esposa-mãe-do lar na
rasteja e toda uma legião de mulheres apri- sociedade patriarcal.
sionadas no papel. Ao não conseguir arrancar Podemos compreender alguns elementos
todo o papel, chega a pensar em pular da ja- do conto como símbolos do conflito vivido pela
nela pelo desespero, porém desiste. narradora, entre marido e esposa, masculino e
feminino e, ao mesmo tempo, como conflitos
Assim que a luz da lua bateu na parede entre consciente e inconsciente da personagem.
e aquela pobre criatura começou a raste- A luz da lua, com seu simbolismo ancestral liga-
jar e balançar o desenho, eu levantei e fui da ao feminino e ao inconsciente, e a luz do sol,
ajudá-la. Eu puxava e ela balançava, eu ao masculino e à consciência, fazem uma curio-
balançava e ela puxava, e antes do ama- sa dança de luz e sombra e participam das proje-
nhecer nós arrancamos metros e metros ções e revelações no papel de parede.
A sombra como duplo, inicialmente uma
de papel (p. 32).
“figura estranha e amorfa”, aos poucos se revela
Eu não gosto nem de olhar pela janela – prisioneira por trás do padrão externo do papel.
há tantas mulheres rastejando, e rastejam A figura arquetípica da sombra, aquilo que não
tão rápido. Será que todas elas saíram do está na consciência, que geralmente nos assom-
papel de parede como eu? (p. 33). bra e/ou provoca reações desagradáveis, apa-

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rece aqui como um duplo da personagem que a lando seu cheiro de enxofre, característico de
luz do dia revela uma mulher insatisfeita com as coisas em estado de putrefação, e associado
condições impostas de tratamento, mas esforça- ao perigo e ao mal. No simbolismo alquímico,
da ao nível do esgotamento mental, presa à per- aplicado aos processos psíquicos, esse “ama-
sona – o papel de esposa e mãe bem-adaptada relo enxofre” indica o apodrecimento da obra,
às convenções patriarcais. a putrefação que precede a morte. Em seus tex-
Interessante notar que a palavra inglesa pat- tos alquímicos, Jung considera que “o enxofre é
tern, utilizada pela autora no texto original, em uma substância espiritual ou anímica de impor-
algumas traduções em português: “desenho”, tância universal” (JUNG, 2012, par. 132). Mais
perdeu o duplo sentido que a palavra padrão interessante, ele fala de uma força inconsciente
traz: estampa do papel e condição da persona- impulsionadora na consciência, “que vai desde
gem aprisionada em um padrão social e em um o simples interesse até a possessão propria-
tratamento padronizado, repetido, coletivo, que mente dita” correspondente ao efeito inflamá-
segue regras sociais e médicas, mas não lhe ser- vel do enxofre:
vem. O duplo inconsciente, a mulher por trás do
padrão que é uma prisão, rasteja e submete-se [...] essa força é constituída, de uma par-
ao aviltamento da prisão no papel. E o padrão do te, pela vontade, que concebemos muito
papel de parede é torturante, impossível de ser melhor como um dinamismo subordina-
seguido ou decifrado, expressão aguda do con- do à consciência, e de outra parte, pelo
flito: “Ele bate na sua cara, joga você pra baixo e “estar-sendo-impelido”, que é uma mo-
pisa em cima. É como um pesadelo” (p. 28). tivação involuntária, ou um “estar-em-
O amarelo “doentio de enxofre” do papel -movimento”, que vai desde o simples
não é um amarelo vivo e brilhante, o que nos interesse até a possessão propriamente
leva a concluir que este padrão está estraga- dita. O dinamismo inconsciente poderia
do, envelhecido, com cheiro de podre: “A cor é corresponder ao sulphur (enxofre), pois o
repelente, quase revoltante, um amarelo sujo, “estar-sendo-impelido” é o grande misté-
reprimido, estranhamente desbotado pela len- rio de nossa vida humana, o cruzamento
ta deslocação da luz do sol. É de um laranja da nossa vontade consciente e de nossa
insípido e lúrido, em alguns lugares, e de uma razão, por uma entidade inflamável, que
cor doentia de enxofre em outros” (p. 21). Esse ora se manifesta como incêndio destrui-
amarelo “estranho” a faz pensar em “coisas dor, ora como calor a dispensar a vida
velhas e defeituosas, coisas amarelas e más” (par. 146).
(p. 30). O cheiro sutil e persistente exalado pelo
papel invade a casa, acompanha a personagem Os alquimistas consideravam o enxofre como
e lhe impregna o cabelo, deixando-a perturba- um dos atributos habituais do inferno e do dia-
da: “Com esse tempo úmido ele é medonho, bo, e Jung fala de uma natureza paradoxal do
e quando acordo de noite eu o sinto pairando enxofre e dos processos inconscientes de trans-
sobre mim. No começo ficava perturbada. Pen- formação, em que veneno e remédio podem se
sei seriamente em tocar fogo na casa – só para originar da mesma matéria.
atingir o cheiro” (p. 30). O desfecho do conto acontece no ápice de
Tais descrições assemelham-se ao proces- um processo em que a personalidade conscien-
so de apodrecimento, como o que observamos te da personagem se funde totalmente com seu
na natureza, nas folhas que passam por várias duplo inconsciente, em evidente surto psicótico.
tonalidades de amarelo até a sua decomposi- A destruição foi total? Haverá restauração do eu
ção. E o amarelo tão odiado do papel vai exa- consciente em novas condições?

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Para além da ficção: a história rologista, ele descreve seu método no livro “Fat
do tratamento and blood”, a terapia do descanso (rest cure),
O texto “Porque eu escrevi o papel de pare- que implicava repouso no leito, superalimenta-
de amarelo” foi publicado na edição de outubro ção, massagem e estimulação elétrica dos mús-
de 1913 da revista mensal The Forerunner, pro- culos. Weir Mitchell desenvolveu o método a par-
duzido pela própria Charlotte Perkins Gilman. tir de sua experiência como médico do exército,
Neste relato, a escritora conta ter procurado um tratando veteranos da Guerra Civil traumatiza-
“famoso especialista” em doenças nervosas no dos por ferimentos e/ou outras experiências na
terceiro ano de contínuo colapso mental com batalha e, posteriormente, passou a aplicá-lo em
tendências melancólicas. Ela afirma ter passa- doenças nervosas, como neurastenia e histeria.
do pela “terapia do descanso” prescrita por ele O diagnóstico de neurastenia surgiu na segun-
em 1887, e que este, ao percebê-la fisicamente da metade do século XIX, nos Estados Unidos,
bem, a enviou para casa “com o solene conse- e foi descrito por um neurologista novaiorquino,
lho de ‘viver a vida mais doméstica possível’, ‘ter que entendia a doença como uma exaustão ner-
apenas duas horas de vida intelectual por dia’ vosa em parte provocada pelo desgaste da vida
e, enquanto vivesse ‘nunca mais tocar em cane- moderna, em parte por predisposições orgâni-
ta, pincel ou lápis novamente’”3 (GILMAN, 2011). cas ou genéticas. A nova designação da doença
Após três meses obedecendo as instruções mé- atravessa o Atlântico e ganha a Europa, assim
dicas, relata ter chegado próxima da ruína men- como o tratamento proposto por Weir Mitchell.
tal e, seguindo sua própria percepção e com o Respeitado em seu tempo, ele realmente fez su-
apoio de uma amiga, abandonou o tratamento e cesso com seu método, que beneficiou muitos
retomou seu trabalho e a vida normal: “o traba- de seus pacientes, homens e mulheres, e teve
lho, no qual se encontram a alegria e o cresci- ampla aceitação, inclusive na Inglaterra, onde
mento e o serviço, e sem o qual a pessoa é um consta que seu método de rest cure foi aplicado
indigente e um parasita – e acabei recuperando no tratamento de Virginia Wolf, que também o
certa medida de poder” (GILMAN, 2011). detestou (STILES, 2012).
Ela descreve a satisfação de ter escrito o con- Independentemente dos prós e contras do
to com seus acréscimos ficcionais, revela, com método criado pelo Dr. Weir Mitchell, interessa-
bom humor, não ter tido alucinações ou qual- -nos aqui a diferenciação que ele fazia no trata-
quer objeção a suas “decorações murais” e afir- mento aplicado a homens e o aplicado a mulhe-
ma ter enviado o conto para o médico que quase res, prática que hoje seria considerada sexista.
a enlouqueceu. Sua satisfação cresceu ao saber Se para as mulheres a restrição de atividades
da valorização de seu conto por outros médicos era rígida e mesmo na alta, eram desestimula-
alienistas, e pela ajuda e estímulo que represen- das para a vida intelectual e profissional, os
tou para outras mulheres. Seu maior ganho, po- pacientes homens podiam escolher o método,
rém, foi saber anos depois que o célebre médico entre o Rest cure mais flexível ou West cure ou
admitiu para amigos ter alterado seu tratamento “Cura do Oeste”, que incluía viajar para o oes-
para neurastenia a partir da leitura do conto. te e envolver-se em atividades típicas da região
O famoso especialista que Charlotte Perkins e de cowboys: laçar gado, cavalgar, caçar em
Gilman procurou foi o Doutor Weir Mitchell, que companhia de outros homens. Beneficiaram-se
tem seu nome e sobrenome citado no conto desse método personalidades como o futuro
como ameaça sutil do marido John de levar a es- presidente dos EUA Theodore Roosevelt, o pintor
posa a ele caso ela não melhorasse logo. Neu- Thomas Eakins e o poeta Walt Whitman (STILES,
2012). Esse modelo gênero-divergente foi ampla-
3
Tradução do inglês feita pela autora. mente difundido no tratamento da neurastenia,

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que teve seu auge no final do século XIX e início tração e impotência à fúria para libertar a mu-
do século XX, e seguia uma ideologia patriarcal lher do papel. O papel velho e apodrecido fede
marcada pela vinculação da atividade intelectu- a enxofre e deve deixar de existir para que surja
al e do trabalho como atribuição dos homens e o novo. A mulher está aprisionada nos papéis
a vida familiar e doméstica como atribuição das e padrões sociais, sob a vigilância do marido e
mulheres (ZORZANELLI, 2010). da cunhada/governanta. E por ela mesma, em
O modelo médico mais mecanicista e organi- conflito com sentimentos e desejos dissonantes
cista era dominante nessa época, tanto em re- provavelmente pela internalização do modelo de
lação ao diagnóstico quanto ao tratamento das opressão social. O duelo inicial entre sombra e
doenças nervosas, e mesmo métodos como o do persona, ou entre as incômodas imagens proje-
Dr. Mitchell, considerados relativamente avança- tadas no papel de parede e a persona relativa-
dos para a época, ainda priorizavam o restabe- mente adaptada ao marido médico e aos papéis
lecimento físico e não psicológico. A psiquiatria sociais, transformou-se em aliança e defesa dos
dinâmica, como definida por Henri Ellenberger anseios libertadores vindos do inconsciente.
(1981) em seu clássico “A descoberta do incons- O papel é destruído, e dele saem inúmeras
ciente”, vai se estabelecer de forma mais consis- mulheres que rastejam e exploram o jardim, e
tente na virada do século XIX para o século XX, a narradora no quarto com o papel de parede
com as ideias de Pierre Janet, Freud, Jung e Adler, amarelo sente-se livre por “rastejar por aí como
segundo Ellenberger (1981). A partir daí, a cura eu quiser.” O rastejar, chocante e louco aos
pela fala, como ficou conhecida a psicoterapia, olhos da consciência, pode indicar regressão
tornou-se progressivamente um método de tra- a uma condição infantil ou, algo mais arcaico,
tamento reconhecido e difundido, tanto na Euro- animal, que no texto, vem junto da essencial li-
pa como nos Estados Unidos. Vale lembrar que berdade de escolha: “como eu quiser”. O final
em 1909, período situado entre a publicação do em aberto com o surto da personagem provoca
conto e o depoimento de Charlotte Perkins Gil- o suspense e nos inquieta. Não sabemos como
man, Freud e Jung participaram de palestras na a personagem evolui dessa crise. A regressão
Clark University, em Worcester, Massachusetts, psicótica indica o início de uma nova consciên-
junto do renomado William James, a convite de cia ou a desorganização mental estabelecida
Stanley Hall, o primeiro Presidente da American em forma de doença? A destruição do papel foi
Psychological Association (APA). remédio ou veneno?
A personagem escreve e dialoga consigo
Entre a ordem e desordem mesma, o que poderia fornecer um prognósti-
Voltando ao conto e ao desfecho da persona- co favorável para elaborações futuras. Dialogar
gem, então a loucura é a saída? A transgressão com as imagens do inconsciente, como Jung
desmedida? Em situações de conflito psíquico, propôs, poderia criar um caminho de compre-
o equilíbrio consciente/ inconsciente e a estru- ensão das imagens inconscientes para a cons-
tura da identidade consciente nos dão parâme- ciência com base em uma linguagem simbólica,
tros para avaliar as condições de suporte de uma mítico-poética. Em seu primeiro livro, Símbolos
crise. A capacidade para assimilar e encontrar da Transformação, publicado em 1912, um ano
sentido nos conteúdos que irrompem na consci- antes de Charlotte Perkins Gilman publicar seu
ência é fundamental na avaliação e repercussão depoimento, Jung analisa os escritos de uma
de um transtorno mental, e o ideal é que possa jovem norte-americana, Miss Miller, que havia
ocorrer com auxílio profissional. O surto que ir- sido tratada pelo médico Theodore Flournoy, e
rompe na personagem do conto é o portal para demonstra as bases do que posteriormente no-
uma possível saída do aprisionamento – da frus- mearia de arquétipos e de inconsciente coletivo.

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No livro, Jung formula sua compreensão psico- isso aliviaria a pressão das ideias e me fa-
dinâmica inclusive para casos graves, propondo ria relaxar (p. 23).
que a psicoterapia nesses casos poderia inibir
Eu fico cansada fazendo isso, acho que
ou diminuir a dissociação da psique, ou mes-
vou tirar um cochilo.
mo melhorar o prognóstico em casos limítrofes
(JUNG, 1995, par. 682). No epílogo do livro, Jung Não sei por que escrever isso.
afirma o quanto a assimilação do inconsciente
pode proteger contra o “perigoso isolamento” Eu não quero.
que sente alguém diante de uma “porção incom-
Eu não consigo.
preensível de sua personalidade”. O isolamento
pode levar à psicose e “quanto mais se alarga E eu sei que John acharia absurdo. Mas eu
a brecha entre consciente e inconsciente, tanto tenho que dizer o que sinto de alguma for-
mais iminente a cisão da personalidade” (JUNG, ma – me dá um alívio tão grande!
1995, par. 683).
Mas o esforço está ficando maior do que o
Essa compreensão vai depender da abertura
alívio (p. 25-26).
da consciência para assimilar e encontrar resso-
nâncias nos conteúdos inconscientes, tecendo
Da destruição do papel sufocante, surge a
então novos significados. Nessa perspectiva de
libertação de inúmeras mulheres que saem e
transformação, novas formas são criadas a partir
rastejam durante o dia, como crianças explo-
de antigas, a psique é um processo dinâmico em
rando um novo mundo, e a narradora rasteja
constante transformação e para se alcançar al-
passando por cima do marido que cai abatido
guma nova ordem, transita-se por uma situação
por sua “loucura”.
de desordem, criação-destruição-recriação – o
Podemos pensar o sexismo como um com-
processo de individuação passa por um ciclo de
plexo cultural em seus efeitos danosos à psique
morte e renascimento, a morte de um eu antigo
coletiva. Thomas Singer considera que o comple-
para um novo eu mais em harmonia com o Self.
xo cultural surge de experiências históricas “que
se enraizaram na psique coletiva de um grupo
Papel/papéis
e nas psiques dos membros individuais de um
A personagem tenta salvar-se pelo diálogo
grupo” (2019). Este complexo cultural continua
com o esposo/médico, infrutífero, e pela escrita
vivo e atuante “como uma sociologia interior” e
de um diário que imprime seu tom de isolamen-
expressa valores arquetípicos para a coletivida-
to e angústia crescente e dá forma ao conto. O
de (SINGER, KAPLINSKI, 2019). Infelizmente algo
conto “O papel de parede amarelo” expressa o
ainda cheira mal e nos acompanha na clínica, na
trabalho literário da autora em busca da criação
sociedade, no noticiário, como o cheiro de en-
de uma história de ficção baseada em sua expe-
xofre do papel de parede amarelo no conto. Há
riência pessoal. Ela tira a mulher do papel na fic-
algo de podre e estrutural no que se convencio-
ção e põe a mulher no papel pela escrita literária:
nou chamar de cultura do patriarcado, que como
um complexo vivo debate-se e não quer morrer.
Eu escrevo um pouco, a despeito deles,
A analista Demaris S. Wehr (2015), em seu livro
mas fico exausta por precisar ser tão dis-
“Jung and feminism: liberating archetypes”, afir-
simulada para não ter de enfrentar uma
ma que:
oposição feroz (GILMAN, 2007, p. 19).

Às vezes acho que se eu estivesse bem o sexismo e seu companheiro psicológi-


o suficiente para escrever um pouquinho co na mulher, a opressão internalizada,

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ainda são tão difundidos em nossa so- óricas vêm trazendo importantes contribuições
ciedade que qualquer teoria e política para o pensamento junguiano, em diálogo com
psicológica que não leve esses fatos em outras disciplinas.
consideração e se oponha a eles impla- No que diz respeito a desigualdades sociais
cavelmente não é uma terapia libertadora em questões de gênero, passado pouco mais
para as mulheres (p. 100). de um século, vivemos grandes transforma-
ções. O movimento feminista, que teve Charlot-
Muitos estudos têm sido realizados contra- te Perkins Gilman como ativa militante em sua
pondo as teorias feministas e o pensamento época, teve grandes e inquestionáveis conquis-
junguiano, e cito aqui o trabalho da analista tas, e o movimento de mulheres em defesa de
Susan Rowland, que trouxe preciosas revisões liberdade e direitos continua forte e necessário
da teoria junguiana tendo o feminismo e as diante de uma cultura patriarcal que apodrece,
questões de gênero como eixo, em seu livro mas não morre, persistindo em formas ainda
“Jung: a feminist revision” (ROWLAND, 2002). hoje grotescas e violentas.
Nesse livro, ela reitera que, mesmo consideran- O conto O papel de parede amarelo, de 1892,
do a herança de motivos patriarcais, a psique é e o texto Porque eu escrevi o papel de parede
arquetipicamente andrógina e inevitavelmente amarelo, de 1913, mostram que arte, ciência e
desafia o patriarcado. transformações sociais podem caminhar alinha-
das em fértil diálogo, como constata Charlotte
Conclusão Perkins Gilman em seu ensaio. Jung considerou
Retomando a questão inicial quanto às limi- a importância de uma função social da arte na
tações impostas pela cultura patriarcal como educação do espírito da época ao resgatar do in-
fonte de adoecimento mental, podemos concluir consciente coletivo imagens necessárias para a
que este é um fator presente na clínica, gerador consciência coletiva (1991, par. 130). Considero
de inúmeras situações de sofrimento, que vão a literatura, em sua força criativa e transforma-
desde quadros mais leves a traumas graves e dora, uma preciosa aliada na formação do ana-
surtos psicóticos. Novas formas de compreen- lista, estimulando a conexão com nossa comple-
são e tratamento para o sofrimento mental surgi- xa humanidade, antecipando e problematizando
ram desde o período descrito no conto e a escuta questões. O conto termina com um desfecho que
e o acolhimento da pessoa em sofrimento fazem, sugere a fúria destruidora dos papéis impostos
ou deveriam fazer, parte da assistência básica por uma cultura patriarcal e sexista que subjuga
a essas pessoas. Nos estudos e pesquisas em e aliena as mulheres. Fúria rebelde, determinada
saúde mental, especialmente nas escolas médi- a romper todos os papéis aprisionadores, mes-
cas, a interação com outros campos de estudos mo que o ato de libertação possa ser visto como
humanos, sociais e políticos é fundamental, in- loucura. Loucura essa que atende, neste caso,
clusive para evitar práticas discriminatórias em um propósito criativo, pois Charlotte Perkins
todos os níveis de atenção humana. No campo Gilman propõe a escrita como arma poderosa
da psicologia analítica, há muito por se fazer e para a luta. ■
repensar em um mundo em permanente mudan-
ça. Nesse sentido, novos estudos e revisões te- Recebido: 02/08/2022 Revisado: 03/12/2022

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Abstract
Between order and disorder: reading the short story “The yellow wallpaper” by
Charlotte Perkins Gilman
The article is based in two writings by Char- from the historical context, I point out the origin
lotte Perkins Gilman, the short story The yellow of depth psychology and of psychological per-
wallpaper, published in 1892, and the testimony spectives in the treatment of mental illnesses and
Why I wrote the yellow wallpaper, published in the importance of the development of the Jun-
1913. In the latter, the author reports her previ- guian thought in a dialogue with other areas of
ous unsatisfying experience with the medical knowledge, such as social, feminist, and literary
treatment which inspired the creation of the short studies. Apart from historical and social aspects,
story. This literary narrative was chosen, not only the article makes a psychological reading of the
due to its qualities, but also because of the in- short story, highlighting conflictive aspects and
tersection with the theme of gender inequality themes and alchemical symbols that are present
in mental health and in treatments directed to in the narrative which, even after over a century,
women, driven by gender ideology. Stemming still haunts us. ■

Keywords: analytical psychology, literature, gender, mental health, Charlotte Perkins Gilman

Resumen
Entre el orden y el desorden: la lectura del cuento “El empapelado amarillo”
de Charlotte Perkins Gilman
El artículo se basa en dos textos de la escri- texto histórico, se señala el surgimiento de la
tora Charlotte Perkins Gilman, el cuento El em- psicología profunda y las perspectivas psicoló-
papelado amarillo, de 1982 y la afirmación Por gicas en el tratamiento de la enfermedad mental
qué escribí El empapelado amarillo, de 1913. En y la importancia del desarrollo del pensamiento
este, la autora relata su experiencia previa e in- junguiano en diálogo con otras áreas del cono-
satisfactoria con el tratamiento médico, que ins- cimiento, como los estudios sociales, feministas
piró la creación del cuento. La elección de esta y literarios. Más allá del aspecto histórico y so-
narrativa literaria se hizo, no sólo por sus cua- cial, el artículo hace una lectura psicológica del
lidades, sino también por la intersección con el relato, destacando aspectos y temas conflictivos
tema de la desigualdad de género en la salud y símbolos alquímicos presentes en esta narra-
mental y en el trato dirigido a las mujeres, pau- ción que, después de más de un siglo, continúa
tado por la ideología de género. Desde el con- obsesionándonos. ■

Palabras clave: psicología analítica, literatura, género, salud mental, Charlotte Perkins Gilman

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