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ZEHNDER A.J.B. (1978). Ecology of methane formation.

In: Microbiology of Water


Polluti-
on, by Mitchell, Wiley Interscience Pub., pp. 349-376.

ZEHNDER AJ.B., INGVORSEN K. & MARTI T. (1982). Microbiology of methane bacte-


ria. Anaerobic Digestion 1981, Elsevier Biomedical Press, Amsterdam, The
Netherlands.

Reatores anaeróbios

CAPÍTULO 3

Biomassa nos sistemas anaeróbios

3.1 INTRODUÇÃO

Qualquer processo biológico de tratamento é considerado econômico se puder


ser operado a baixos tempos de detenção hidráulica e a tempos de retenção de-sóli-
dos suficientemente longos para permitir o crescimento de microrganismos Este foi

por muitos anos o maior problema da digestão anaeróbia, uma vez que o tempo de
retenção de sólidos não podia ser controlado independentemente da carga hidráuli-
ca. Dessa forma, os microrganismos envólvidos no processo, com baixas taxas de
crescimento, necessitavam de tempos de retenção extremamente longos e, conse-
quentemente, de reatores de grandes volumes. O desenvolvimento dos processos
anaeróbios de alta taxa resolveu esse problema, uma vez que tais processos são ca-
pazes de propiciar o desenvolvimento de grandes quantidades de biomassa, de ele-
vada atividade, que pode ser mantida nos reatores mesmo quando operados com
baixos tempos de detenção hidráulica. Se for garantido o contato suficiente entre a
biomassa e os compostos orgânicos, elevadas cargas podem ser aplicadas ao siste-
ma.

/ 3.2 RETENÇÃO DE BIOMASSA


NOS SISTEMAS ANAERÓBIOS

3.2.1 Preliminares .

As células microbianas existem numa ampla faixa de tamanhos, formas e fases


de crescimento, individualmente ou agregadas em várias microestruturas. Estas con-
dições têm um significado prático na digestão anaeróbia, uma vez que é provável
que a forma de biomassa tenha um efeito significativo na sobrevivência do organis-
mo e na transferência de nutrientes e, consequentemente, na eficiência global do
processo de digestão anaeróbia.

A formação de uma estrutura particular de células agregadas depende de diver-

* sos fatores, incluindo a faixa de tamanho das células dentro da população


microbia-

na e a localização de cada célula individual em relação às outras e ao meio de


cres-
cimento, por exemplo, na interface gás/líquido. A retenção de biomassa de elevada

Biomassa nos sistemas anaeróbios 79


às ap: a
| atividade nos processos anaeróbios de alta taxa depende de uma série de fatores e
| mecanismos, conforme discutido nos ítens seguintes.

|
!

3.2.2 Retenção por adesão

Os habitats de microrganismos em sistemas aquosos, como os digestores anaeró-


bios são bastante diversos, de forma que a sobrevivência e o crescimento destes
depende de fatores como a temperatura, disponibilidade de nutrientes e estratifica-
ção. Os organismos muitas vezes superam a instabilidade do ambiente em que vi-
vem pela adesão a uma superfície. Às capacidades adesivas das bactérias são excep-
cionais. Suas estruturas superficiais par ecem permitir alguma forma de controle
So-
microscópicas garantem que estas estejam
pouco sujeitas às forças de cisalhamento que ocorrem naturalmente no méio.

Esta forma de imobilização de microrganismos, através da adesão, pode se dar


em superfícies fixas, como nos processos anaeróbios de leito estacionário (ex.:
filtro
2 anaeróbio), ou em superfícies móveis, como nos processos anácróbios de leito ex-

pandido e fluidificado. A Figura 3.1, a seguir, ilustra a for mação de biotilme


aderido

a um meio suporte.

Biofilme aderido

Meio Suporte

Fig. 3.1 Retenção de biomassa por adesão

3.2.3 Retenção por floculação

A floculação tem um significado prático no tratamento de esgotos, uma vez que

as microestruturas floculadas podem ser facilmente separadas da fase líquida por

sedimentação. O fenômeno da floculação é de particular importância nos processos


de dois estágios e também nos reatores anaeróbios de fluxo ascendente e manta de
lodo. O crescimento bacteriano em flocos não é necessário para a remoção eficiente
de substrato, mas é essencial para garantir um efluente com baixa concentração de
sólidos suspensos.

80 Reatores anaeróbios

3.2.4 Retenção por granulação

No que se refere ao tratamento de esgotos, o fenômeno da granulação (formação


de grânulos) parece se restringir aos reatores anaeróbios de fluxo ascendente com
manta de lodo (UASB) e, em menor escala, aos filtros anaeróbios / Isso, geralmente,
associado ao tratamento de despejos ricos em carboidratos e ácidos voláteis.

Os mecanismos que controlam a seleção e formação de grânulos estão relaciona-


dos a fatores físicos, químicos e biológicos, incluindo (Lettinga et al. 1980;
Hulshoff
Pol et al., 1984; Wiegant & Lettinga, 1985,):
as características do substrato (concentração e composição);

a compressão gravitacional das partículas de lodo e a taxa superfical de liberação


de biogás;

as condições ideais para o crescimento das bactérias metanogênicas, como a pre-


sença de cátions bivalentes;

* a velocidade ascencional do líquido através do leito de lodo.

Particularmente importante é a velocidade ascencional do líquido, que proporci-


ona uma constante pressão seletiva sobre os microrganismos, que passam a aderir-se
uns aos outros levando à formação de grânulos que apresentam boa capacidade de
sedimentação. Os grânulos geralmente apresentam uma aparência bem definida,
podendo ter vários milímetros de diâmetro e se acumular em grandes quantidades
no reator. À configuração granular apresenta diversas vantagens do ponto de vista
de
engenharia (Guiot et al., 1992): /

os microrganismos usualmente se apresentam densamente agrupados;

a não utilização de meios suporte inertes propicia um aproveitamento máximo do


volume reacional do reator;

* a forma esférica dos grânulos proporciona uma relação máxima microrganismo/


volume;

os grânulos apresentam excelentes propriedades de sedimentação.

Na estruturação da biomassa em grânulos, as diferentes populações bacterianas


parecem se agrupar seletivamente em camadas superpostas, a exemplo do modelo
proposto por Guiot et al. (1992) para a difusão de substrato e de produtos (Figura
3.23

Biomassa nos sistemas anaeróbios 81


SUBSTRATO

Acidogênicas
Redutoras de Sulfato
Methanosarcina sp.
Met. hidrogenotróficas

Acidogênicas
Met. hidrogenotróficas

Methanosaeia

Fig. 3.2 Estrutura de arranjo bacteriano no grânulo (Guiot et al., 1992)

3.2.5 Retenção intersticial

Este tipo de imobilização de biomassa ocorre nos interstícios existentes nos mei-
os suportes estacionários, como é o caso dos reatores anaeróbios de leito fixo. As
superfícies do material suporte servem de apoio para o crescimento bacteriano ade-
rido (formação do biofilme), enquanto os espaços vazios existentes no material de
empacotamento são ocupados por microrganismos que crescem dispersos.

Retenção intersticial

Fig. 3.3 Retenção intersticial de biomassa

3.3 AVALIAÇÃO DA MASSA MICROBIANA

A determinação da biomassa em digestores anaeróbios apresenta duas dificulda-


des principais:

* em alguns sistemas, as bactérias encontram-se aderidas a pequenas partículas


iner-
tes;

82 Reatores anaeróbios

* a biomassa geralmente está presente como consórcio de diferentes tipos morfoló-


gicos e fisiológicos.

A determinação da biomassa e da composição microbiana geralmente requer a


extração, o isolamento e a separação dos constituíntes bioquímicos que são
específi-
cos de um determinado grupo de microrganismos. Os componentes celulares que
mudam rapidamente de natureza, após a morte da célula, podem ser utilizados, por
exemplo, para a estimativa da biomassa viável.

Embora existam diversas metodologias para se avaliar a quantidade e a atividade


da biomassa em digestores anaeróbios, na maioria das vezes estas são sofisticadas e
não podem ser adotadas como parâmetro de controle e monitoramento de reatores
operando em escala plena, notadamente se considerados os recursos laboratoriais
existentes em nosso país. Dessa forma, a avaliação da quantidade de biomassa é
usualmente feita através da determinação do perfil de sólidos, considerando-se que
os sólidos voláteis sejam uma medida da biomassa presente nos reatores (massa de
material celular). As amostras de lodo coletadas em diferentes níveis do reator são
analisadas gravimetricamente e os resultados são expressos em termos de gramas de
sólidos voláteis por litro (2SVT/L). Estas medidas de concentração de sólidos volá-
teis (efetuadas para cada um dos pontos de amostragem de lodo ao longo da altura
do reator), multiplicadas pelos volumes correspondentes a cada zona amostrada,
fornecem as massas de microrganismos ao longo do perfil do reator. O somatório
das quantidades de biomassa em cada zona equivale à massa total de sólidos no
reator, conforme mostrado no Exemplo 3.1.

Exemplo 3.1

Determinar a quantidade e a concentração média de biomassa em um reator


anaeróbio, sabendo-se:

* volume total do compartimento de digestão: Vag = 271 mº;

º volume do compartimento de decantação: Vaec = 50 m';

* volumes correspondentes à cada zona amostrada, conforme indicado na


figura abaixo (V, a Vs);

º concentrações de lodo em cada zona amostrada, conforme indicado na


figura abaixo (Cj a Cs).

Biomassa nos sistemas angeróbios 83


Solução:

1. Cálculo da quantidade de biomassa (M) em cada zona do reator:


Zona 1: Mj = CjxV;=50,2kSVImxs5mi= 276] kgSVT
Zona 2: My = Co x.V> = 42,5 kgSVT/m) x 52 m' = 2210 kgSVT
Zona 3: My; = Cyx V;= 25,1 keSVI/m' x 54 nº = 1355,4 kgSvVT
Zona 4: My = Cyx Vs = 10,5 kgSVT/m'x50m= 525 kgSVT
Zona 5: Ms= CoxV5= 70kgSVTm x60m) = 420 kgSVT

2: Cálculo da quantidade de biomassa no compartimento de digestão (Md):


Mis =M;+ Mo, + Ms + My + Ms = = ford ,4 kgSVT

3. Cálculo da concentração média de biomassa no compartimento de


digestão (Cd)
Ca = MuVa = 7271,4 kgSVT/ 271 mê = 26,8 kgSVT/mi, ou
26.800 mgSVT/L, ou 2,68%

4. Cálculo da concentração média de biomassa no reator (CE):


Assumindo-se que a quantidade de biomassa no compartimento de
decantação é desprezível, se comparado ao compartimento de digestão,
tem-se que M, = M,

Ci=MyV.= 7.271,4 kgSVI/(271 + 50) mº = 22,65 kgSVT/mê, ou


22.650 mgSVI/L, 0U 2,27%

Vi=55mº- C4=50,2 gSVT/L

Reatores anaeróbios

34 AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE MICROBIANA

3.4.1 Preliminares

Nos últimos anos. com o desenvolvimento dos processos anaeróbios de alta taxa,
& com o aumento do conhecimento da microbiologia e bioquímica do processo, tem-
se observado uma utilização crescente da digestão anaeróbia pára o tratamento de
uma diversidade de efluentes líquidos. No entanto, o sucesso de qualquer processo
anaeróbio, especialmente os de alta taxa, depende fundamentalmente da manuten-
cão, dentro dos reatores, de uma biomassa adaptada, com elevada atividade microbi-
ológica, e resistente a choques. Para que essa biomassa possa ser preservada e
moni-
torada, tornou-se imperativo o desenvolvimento de técnicas para a avaliação da ati-
vidade microbiana de reatores anaeróbios, notadamente das bactérias metanogêni-
cas.

Nesse sentido, foram propostos diversos métodos para avaliar a atividade micro-
biana anaeróbia, a partir da caracterização da atividade metanogênica específica

(AME). No entanto, a precisão de várias metodologias foi considerada duvidosa ou


demasiadamente sofisticada para a reprodução em laboratórios. Outro problema iden-
tificado refere-se à dificuldade, ou mesmo impossibilidade, na obtenção de lodo
anaeróbio em quantidade suficiente, a partir de reatores em escala de laboratório.
para o desenvolvimento de testes convencionais.

Uma análise preliminar dos trabalhos já desenvolvidos na área indica que alguns
métodos utilizados para a avaliação da AME são grosseiros ou imprecisos, enquanto
outros são caros ou sofisticados em demasia. O método simplificado desenvolvido
por James et al. (1990), a partir de uma adaptação de funcionamento do respirôme-
tro Warburg, foi sem dúvida uma contribuição valiosa, mas como os próprios auto-
res atestaram, um sucesso maior dependia da automação do sistema de medição de
gases e da otimização do sistema'de monitoramento do teste como um todo. Nesse
sentido, o trabalho desenvolvido por Monteggia (1991), incorporando manômetros.
com sensores elétricos para o monitoramento contínuo da produção de biogás, cons-
tituiu-se num aprimoramento importante para o teste de AME.

Recentemente, foram apresentadas algumas inovações em relação ao sistema de


medição de gases, substituindo os manômetros convencionais por transdutores de
pressão. À incorporação destes dispositivos facilitou sobremaneira a detecção dos
diferenciais de pressão no interior dos frascos de reação e de controle,
permitindo,
ainda, o envio de impulsos elétricos para um terminal de computador (Cohen, 1992).

3.4.2 Importância do teste de AME

A avaliação da atividade metanogênica específica de lodos anaeróbios tem se


mostrado importante no sentido de classificar o potencial da biomassa na conversão
de substratos solúveis em metano e gás carbônico. O teste de atividade microbiana

Biomassa nos sistemas anaeróbios 85


pode ser utilizado, como uma análise de rotina, para quantificar a atividade
metano-
gênica de lodos anaeróbios ou, ainda, numa série de outras aplicações, conforme |
referenciado a seguir:

* para avaliar o comportamento de biomassas sob o efeito de compostos potencial-


mente inibidores;

para determinar a Ra relativa de compostos químicos presentes em.


efluentes líquidos e resíduos sólidos: 2

rejeitos industriais;

para monitorar as mudanças de atividade do lodo, devido a uma possível acumula-


ção de materiais inertes, após longos períodos de operação de reatores;

para determinar a carga orgânica máxima que pode ser aplicada a um determinado

tipo de lodo, proporcionando uma aceleração do processo de partida de sistemas


de tratamento;

para avaliar parâmetros cinéticos. Hi

3.4.3 Descrição sucinta do teste de AME

Na prática, o teste de AME consiste em se avaliar a capacidade das bactérias


metanogênicas em converter substrato orgânico em metano e gás carbônico, Dessa
forma, a partir de quantidades conhecidas de biomassa (2SVT) e de substrato (SDQO),
e sob condições estabelecidas, pode-se avaliar a produção dé metano ao longo do
período de teste. A AME é então calculada a partir das taxas de produtividade máxi-
ma de metano (mLCH,/gSVT.h ou gDQOcwy'gSV Td). A conversão mLCH, em
gDQOcus é feita de acordo com as Equações 2.15 e 2.16, apresentadas no capítulo 2.

Para o desenvolvimento do teste, são necessários:

lodo anaeróbio que se deseja avaliar a AME;

substrato orgânico (usualmente se utiliza o acetato de sódio);

solução tampão e de Mbludisa des per Quadro 3.1);

frascos de reação;

dispositivo controlador de temperatura (banho-maria, estufa, sala aclimatizada


etc):
dispositivo de mistura (agitação) da amostra de lodo;

dispositivo de medição da produção de gases, ao longo de um período de tempo


determinado. A medição da produção de gases pode ser avaliada de diferentes
maneiras, cada uma com suas vantagens e desvantagens:

- através de deslocamento de água (ver Fig. 3.4);

- através de mini-manômetros (leitura visual ou com sensores elétricos);

- através de transdutores de pressão etc.

36 Reatores anaeróbios
1

para estabelecer o grau de degradabilidade de diversos substratos, notadamente de

Quadro 3.1 Solução tampão e de nutrientes

! Concentraçã
: KH,PO, 1500 mg/L Tampão
1 KHPO, 1500 mg/L
/ NH,Cl 500 mg/L | Macronutriente
Na,S.7H,0 50 mg/L
FeCl,.6H,0 2000 mg/L
ZnCl, 50 mg/L
j CuCl,.4H,0 30 mg/L
, 2 MnCl,.2H,0 500 mg/L Micronutriente
(NHg)s.M0;0,,4H,0 50 mg/L
AICls ' 50 mg/L
CoCl,.6H,0 2000 mg/L
HCI (concentrado) tmL

Nota: No momento de zação das soluções, adicionar Iml. da solução 2 por litro da
solução 1, perfa-
zendo uma solução única que deverá ser adicionada ao frasco de reação.

'

Embora existam diferentes formas de se proceder o desenvolvimento dos testes


de AME, foi estabelecido recentemente no âmbito do PROSAB (Programa de Pes-
quisa em Saneamento Básico - Tema 2), o seguinte protocolo para o teste:

determinar a quantidade de sólidos voláteis presentes no lodo a ser analisado


(gSV'T/L);
colocar às quantidades pré-estabelecidas de lodo nos frascos de reação, prefereh-
cialmente 12 a 24 horas antes do início do teste, visando a adaptação do mesmo às
condições do teste. Usualmente tem-se utilizado frascos de reação de 250 a 500
mL e temperatura de 30ºC para:o desenvolvimento do teste;

adicionar aos frascos de reação quantidades determinadas da solução tampão e de


nutrientes, a fim de se obter concentrações finais da mistura (lodo Sp solução +
substrato) em torno de 2,5 eSV'T/L. O volume final da mistura deverá ocupar entre
70 e 90% do volume do frasco de reação;

antes de se adicionar o substrato, deve-se proceder a purga do oxigênio presente:


no head space do frasco, utilizando-se nitrogênio gasoso (pressão de 5 psi,
duran- .
te 5 minutos);

adicionar o substrato aos frascos de reação, nas concentrações desejadas (usual-


mente tem-se trabalhado com concentrações variando de 1,0 a 2,5 sDQO/L);
ligar o dispositivo de mistura dos frascos de reação;

registrar os volumes de biogás produzido, em cada intervalo de tempo, ao longo do


período de teste (mlL/h). A determinação da concentração de metano no biogás po-
derá ser feita por cromatografia ou, eventualmente, pode-se absorver o gás carbônio
presente no biogás, através de sua passagem em solução alcalina (ex.: NaOH a 5%).

Biomassa nos sistemas anaeróbios 87


Garrafa com
solução de NaOH

Biogás

Frasco de
Reação

Proveta
Graduada

Fig3.4 Aparato para medição de biogás


(Adaptado de van Haandel & Lettinga, 1984)

88

Exemplo 3.2

Determinar os principais parâmetros necessários ao desenvolvimento de um


teste de AME de um lodo anaeróbio, considerando-se:

número de frascos de reação: 4;

temperaiura de desenvolvimento do teste: 30ºC;

volume de cada frasco de reação: 250 mL;

volume total da mistura ( lodo+solução+ substrato): 200 mL

(20% de head-space);

concentração do lodo anaeróbio a ser testado: 3% (30 gS VEL);


concentração de lodo na mistura (lodo+solução+ substrato o 2,5 PSTV/L;
concentrações de DOO testadas (gDQO/L): L,O (frasco 1),

1,5 (frasco 2), 2,0 (frasco 3) e 2,5 (frasco 4),

Solução:
* Determinação do volume de lodo a ser adicionado em cada frasco, a fim

de se obter a concentração final na mistura (lodo+solução+ substrato)


igual a 2,5 gSVT/L:

Viodo = (Vis. X Conc. mistura)/Conc. lodo = (200mL x 2,5gSVT/L)Y


30gSVT/L = 16,7 mL

Reatores anaeróbios

º Determinação da massa de microrganismos em cada frasco:


Miodo = Viodo X Conc. lodo = 16,7mL x 0,030gSVT/mL = 0,50] gSVT

* Determinação do volume de substrato a ser adicionado em cada frasco,


a fim de se obter as concentrações finais de 1,0, 1,5, 2,0 e 2,5 gDQO/L
Considerando a aplicação de solução de acetato de sódio com concen-
tração de 100 gDQOO/L, tem-se:

- frasco 1 (1,0 gDQOO/L):


Voubst = (Conc.mistura x Vis: )/ Conc. DQO solução
= (1,0 mgDO0/mL x 200 mL) / 100 mgDQO/mL = 2 mL
- frasco 2 (1,5 gDOO/L):
Voubse = (1,5 mgDOO/mL x 200 mL) / 100 mgDOO/mL = 3 mL
- frasco 3 (2,0 gDQO/L):
Voubss = (2,0 mgDOO/mL x 200 mL) / 100 mgDQ0O/mL = 4 mL
- frasco 4 (2,5 gDQO/L):
Voubsr = (2,5 mgDOO/mL x 200 mL) / 100 mgDQO/mL = 5 mL

Determinação do volume de solução tampão e de nutrientes:


Sabendo-se que o volume total da mistura foi estabelecido em 200 mL, o
volume de solução tampão e de nutrientes pode ser obtido subtraindo-se
do volume total os volumes de lodo e de substrato, já calculados (vide
quadro a seguir).

1 30 16,7 2 181,3 200 0,501 25 10


2 30 18,7 3 180,3 200 0,501 25 15
3 so 16,7 4 179,3 200 0,501 25 2,0
4 30 16,7 5 178,3 200 0,501 25 25

Uma vez definidos os parâmetros preparatórios para o teste, conforme qua-


dro acima, deve-se proceder de acordo com o protocolo de desenvolvimento
do teste, descrito no item 3.4.3. O monitoramento contínuo da produção de
metano nos frascos de reação possibilita a obtenção de dados que correlaci-
onam tempo x produção cumulativa de CH A representação gráfica desses
dados permitem a obtenção de curvas semelhantes às apresentadas na Figu-
ra 3.5, abaixo, uma para cada um dos frascos de reação (1 a 4).

Biomassa nos sistemas anaeróbios 89


Determinação da produção teórica de metano, a partir da quantidade de
substrato (gDQO) adicionada em cada frasco:
De acordo com as Equações 2.15 e 2.16 (capítulo 2) tem-se:
K(t) = (PKR (273+1)) = (1 .64)(0,08206 .(273+30)) = 2,57gDO0/L
Vem = DOO cma /K(1) =
- frasco 1: 2mL x100 mgDOO/mL = 200 mgDOO =
Vcns = 200mgDQO /2,57mgDQO/mL=77,8mL
- frasco 2: 3mL x100 mgDQO0O/mL = 300 mgD0OO &
Vera = 300mgDOO /2,57mgDQO/mL=116,7mL
- frasco 3: 4mL x100 mgDQOO/mL = 400 mgDQo
Vem = 400mgDOO /2,57mgDOO/mL=155,6mL
- frasco 4: 5mL x100 mgDOO/mL = 500 mgDOO >
Vcs = 500mgDOO /2,57mgDQO/mL=194,6mL

A determinação da atividade metanogênica específica é feita a partir da ava-


liação da inclinação do trecho reto da curva de produção de metano (trecho
de inclinação máxima). A inclinação fornece então a taxa de produção de
metano (ex.: mLCH 4h) que, dividida pela quantidade inicial de biomassa
presente no frasco de reação (no exemplo, Mjdo = 0,501 gSVT), leva à atividade
metanogênica específica do lodo (mLCH /gSVT h). Usualmente faz-se a cor-
respondência do volume de metano em massa de DOO convertida em CH
(DQOcrs), conforme detalhado no capítulo 2 (Equações 2.15 e 2.16), de
forma a possibilitar que aAME seja expressa em termos de gDOOcpd'gSVT d.

Na Figura 3.6 são mostradas as curvas de atividade metanogênica em cada


um dos frascos, obtidas fazendo-se o cálculo da atividade para cada interva-
lo de tempo, e não apenas para os trechos onde a taxa de produção de meta-

no é máxima.
º Determinação do percentual de substrato convertido em metano:

- frasco 1: 75 mL/77,8mL =96%

- frasco 2: HOmL/116,7mL = 94%


- frasco 3: 150 ml/155,6mL = 96%
- frasco 4: 185 ml/194,6mL = 95%

De acordo com a Figura 3.6, as atividades máximas foram de aproximada-


mente 0,8, 1,0, 1,1 e 1,2 gD0O cnygSVTd, para os frascos 1, 2,4€e 3, respec-
tivamente. No exemplo em questão, o lodo anaeróbio mostrou sua maior ativi-
dade para uma concentração de substrato igual à 2,0 gDOOY/L (frasco 3), Esta
deve então ser considerada a atividade metanogênica específica do lodo em
questão. O cálculo mais preciso das atividades deve ser feito a partir dos tre-
chos de inclinação máxima (Figura 3.5), conforme explicado anteriormente.

3.4.4 Avaliação automatizada da AME

Recentemente foi desenvolvido no DESA/UFMG uma instrumentação que con-

Fim E siste de um respirômetro automatizado destinado à avaliação da atividade


microbia-
= 160 a ao + . . a
Es E se 3 E) na anaeróbia (Chernicharo et al., 1997). Na sua implementação foram
observados os
É É rs É | É seguintes aspectos principais, conforme representação esquemática
apresentada na
E Ds a à
Em a ce Figura 3.7:
54 E E E g Do) o Eai
É ol ssa DO Ê ' * incorporação das vantagens e da simplicidade das metodologias de
avaliação da
Ê À E à Ê Ê A :
po E CORO o E Ã CEE PE atividade microbiana através da produção de gases;
Tempo (horas) Tempo (horas) utilização de dispositivos automatizados para a
medição, armazenagem e libera-
Fiz 3 50 este de AME ip 3.6 Teste de AME ção de gases; o ;
Resultados de produção cumulativa de CH; Resultados de atividade metanogênica *
utilização de um microcomputador para controle dos equipamentos de medição,

bem como para avaliação e reprodução, na tela do vídeo, das curvas de evolução

* Determinação da quantidade de substrato convertida em metano: da atividade


microbiana.

De acordo com as curvas da Figura 3.5, foram as seguintes as produções


totais de CH, ao término do teste, em cada um dos frascos:

- frasco 1: Vems = 75 mL

- frasco 2: Vens = 10 mL :

- frasco 3: Vcns = 150 mL


- frasco 4: Vcns = 185 mL

Reatores anaeróbios Biomassa nos sistemas anaeróbios 91


LEGEN

1 Frasco de controle

2 Frasco de reação

3 Banho-maria com placa


agitadora

4 Controlador de
temperatura

5 Motor para acionamento


da placa agitadora

6 Transdutor diferencial de
pressão

7 Válvulas solenóides

8 Recipiente de coleta de
biogás

9 Interface de controle

10 Microcomputador

Fig. 3.7 Representação esquemática da instrumentação

No respirômetro automatizado, cada frasco de reação (2) é conectado a um reser-


vatório para acumulação de gases (8) e a um transdutor diferencial de pressão (6).
Com o início do processo de degradação do substrato, a pressão positiva provocada
pela produção de gases no interior de cada um dos frascos de reação é comparada,
continuamente, com a pressão no interior do frasco de controle (1). Quando esse
diferencial de pressão, em quaisquer dos frascos de reação, atinge um valor pré-
estabelecido, o software de controle instrui a interface do computador (9) para
des-
ligar o motor da placa agitadora (5) e, em seguida, fazer a leitura das pressões
dife-
renciais em cada um dos frascos. Essa pressão diferencial corresponde à produção
efetiva de biogás, descontados os efeitos das mudanças externas de temperatura e
pressão.

Após a leitura das pressões diferenciais, a interface de controle emite um sinal


elétrico para a abertura da válvula solenóide (7) do frasco de controle, proporcio-
nando que a pressão atmosférica seja reestabelecida no interior do mesmo. Em se-
guida, são enviados sinais elétricos para a abertura das válvulas solenóides dos
fras-
cos de reação, visando o reestabelecimento da pressão atmosférica também no inte-
rior dos mesmos. O fechamento automático das válvulas solenóides é efetuado quando
o transdutor diferencial de pressão acusa o equilíbrio entre as pressões dos
frascos
de reação e de controle. Terminado o ciclo de registro de pressões, abertura e
fecha-
mento de válvulas, o motor da placa agitadora é novamento acionado, reiniciando-se
o processo.
A pressão no interior dos reservatórios de gases é mantida abaixo da pressão
atmosférica, a fim de permitir o esvasiamento dos gases dos frascos de reação.

Com o resgistro da produção do biogás através dos transdutores diferenciaiais de

92 Reatores anaeróbios

pressão, em intervalos regulares de tempo, faz-se então a conversão em volume de


biogás produzido, através da seguinte expressão:

V = apl (3.1)

onde:

V = volume de biogás produzido (mL):


K = constante do frasco (mL/psi);

P = pressão diferencial (psi).

Constante do frasco: consiste, basicamente, de um fator de calibração que pos-


síbilita a determinação do volume de gás produzido, a partir dos diferenciais de
pressão registrados. O enfoque teórico para a avaliação da constante do frasco é
bem documentado em Umbreit et al. (1964) e James et al. (1990).

O gás acumulado nos reservatórios (8) é então analisado para determinação do


teor de metano e gás carbônico, possibilitando assim a avaliação da taxa de produ-
ção de metano (através do trecho de inclinação máxima da curva de produção de
metano - Figura 3.5) e, consequentemente, da atividade metanogênica específica,
conforme detalhado no exemplo 3.2.

3.4.5 Considerações finais sobre o teste de AME

Embora o teste se constitua num instrumento bastante útil, seus resultados de-
vem ser utilizados ainda com reservas, uma vez que inexiste uma padronização in-
ternacionalmente aceita para o mesmo. Dessa forma, as diferentes metodologias e
condições de experimentação podem conduzir a resultados de AME também dife-
rentes, difíceis de serem comparados entre si. Nesse sentido, entende-se que os re-
sultados obtidos com o teste representam muito mais as atividades metanogênicas
específicas relativas, e não as absolutas. Todavia, ainda que os resultados sejam
rela-
tivos, para determinadas condições de teste, estes são muito importantes para o
acom-
panhamento e avaliação dos reatores anaeróbios.

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