Você está na página 1de 12

Introdução à Identidade Hospitaleira e Cultura Assistencial

OS VALORES ESPIRITUAIS E RELIGIOSOS NO


BEM-ESTAR DAS PESSOAS COM DOENÇA MENTAL
(uma reflexão partilhada)

RESUMO:

 A aceitação dos doentes mentais ao longo da história;


 Noção de “valor” e esboço de classificação dos valores;
 Os valores espirituais e religiosos na pessoa com doença mental;
 O sofrimento como realidade inseparável da vida de um doente;
 Sensibilização aos «valores» dos agentes da saúde;
 As pessoas com doença mental na sua globalidade integrativa;
 O lugar na família na doença mental;
 A Esperança e o Amor - valores indispensáveis, especialmente na
relação com as pessoas com doença mental.

OS VALORES E A REALIDADE DAS PESSOAS COM DOENÇA


MENTAL

 Que valores possuem os doentes mentais?


 Que valores encontram as pessoas nos doentes mentais?
 De que meios poderão dispor os doentes mentais para se
valorizarem?

«Ninguém estima sem ser ou ter sido estimado por alguém»

Incentivar a informação construtiva para melhor formar a


sociedade relativamente às pessoas com doença mental.

1
Instituto S. João de Deus – Casa de Saúde do Telhal
Introdução à Identidade Hospitaleira e Cultura Assistencial

SENSIBILIZAÇÃO AOS VALORES ESPIRITUAIS E RELIGIOSOS AOS


AGENTES DA SAÚDE

 Porque esquecer os problemas humanos dos Colaboradores?


 Como pedir «humanidade» a pessoas que são, muitas vezes,
«desumanizadas» pela falta de participação?

«Ninguém dá o que não tem»

 Os Colaboradores necessitam de desenvolver:

a) Uma sólida formação específica no campo das relações


humanas.

b) Uma forte consciência da realidade deontológica;

c) Uma sensibilidade para os valores espirituais e religiosos.

BEM-ESTAR INTEGRAL DAS PESSOAS COM DOENÇA MENTAL

 Na sua globalidade bio-psico-socio-cultural e espiritual;


 É sempre possível o seu crescimento espiritual e a sua relação
transcendente com Deus;
 A valorização do sofrimento  A Esperança e a Caridade

2
Instituto S. João de Deus – Casa de Saúde do Telhal
Introdução à Identidade Hospitaleira e Cultura Assistencial

Nos tempos de hoje, numa sociedade secularizada como a nossa, a


assistência aos doentes - qualquer que seja o seu foro e na preocupação
permanente de lhes prestar um bem-estar integral – terá que abranger,
para além dos cuidados médicos tecnicamente indicados, os valores
espirituais e os valores religiosos, de acordo com as crenças de cada um,
num modelo de comunicação compreensivo e empático.

Assim entendido, a assistência espiritual e religiosa constitui, de facto, um


complemento indispensável nos cuidados de saúde, deverá ser
desenvolvida na estrito respeito pelo doente e seus familiares e poderá
iniciar-se antes e, muitas vezes, continuar após, ou concomitantemente, à
intervenção médio-psiquiátrica (atendendo que nos estamos a debruçar
de uma forma particular sobre a problemática da pessoa com doença
mental).

Antes de mais, parece oportuno evocar, ainda que muito sucintamente, as


vicissitudes por que têm passado os doentes mentais no decurso dos
séculos.

Como é do saber geral, a cultura de todas as épocas e lugares foi sempre


determinante na consideração das doenças mentais – foram as crenças
religiosas, as ideias filosófico-metafísicas, as organizações sociais, politicas,
económicas, etc…

Convém, também, ter presente que a atitude da sociedade para com os


doentes mentais preenche um atribulado capítulo da História da
Civilização. Atribuiu-se-lhes a designação de alienados – aqueles seres
privados do convívio, que perderam os direitos humanos porque a doença
lhes “consumiu” o espírito – atributo essencial do homem – em contraste
com a concessão de direitos e privilégios ao doente somático a quem era
prestada a maior atenção da sociedade, com o acesso a cuidados médicos
e familiares, facilidades na reinserção sócio-familiar e profissional.

Durante séculos, só por certos períodos, ou de maneira episódica, é que a


Medicina se ocupou do mundo da doença mental.

É certo que apareceram pessoas inconformadas e com uma intuição


genial, como São João de Deus. Conhecido como o Santo da Caridade, este
homem extraordinário compreendeu, com antecedência de séculos, que o
3
Instituto S. João de Deus – Casa de Saúde do Telhal
Introdução à Identidade Hospitaleira e Cultura Assistencial

doente é, acima de tudo, uma pessoa digna do nosso respeito, que os


doentes mentais são verdadeiros doentes, carecidos, portanto, de
tratamento e que a doença é um mal que abarca o homem na totalidade
do seu ser – corpo e alma.

O doente, por mais desprezível que fosse aos olhares dos homens, era,
para, ele, um filho de Deus, um irmão de Cristo, um outro Cristo, a quem
procurava minorar o sofrimento.

Mas S. João de Deus foi um homem de excepção!

Pode dizer-se, não obstante os excessos da época, que só depois da


Revolução Francesa e da difusão das ideias humanitárias é que o ambiente
social foi propício a uma atitude nova para com os doentes mentais;
contudo, ao longo dos séculos, tem sido necessária uma luta constante
contra a força da tradição, dos preconceitos e das práticas sociais.

Aceite a «loucura» como uma afecção da mente, uma doença, foi possível
então reivindicar direitos, mesmo os mais elementares, para os doentes
mentais. Têm direito a uma vida humana, ao conforto, ao afecto, aos
cuidados de saúde e a tudo quanto possa melhorar a sua situação. As
suas deficiências não podem limitar os seus direitos fundamentais.
Tenhamos presente o grande progresso do desenvolvimento da
humanidade no âmbito dos direitos do homem – foi o reconhecimento
efectivo da eminente dignidade do ser humano e, nomeadamente, do
doente mental.

A experiência quotidiana, porém, continua a ser confrontada com outras


realidades.

O mundo, nos tempos actuais, encontra-se invadido por consideráveis


progressos científicos e tecnológicos em quase todos os campos do saber
(nomeadamente na Medicina), permitindo avanços significativos, muito
importantes, especialmente no campo do diagnóstico e nas terapêuticas
de algumas doenças.

Porém, paradoxalmente, perante a tecnologia avançada, com a melhoria


quase generalizada dos meios de assistência técnicos e humanos,
constata-se, ainda algum processo de desumanização nos cuidados

4
Instituto S. João de Deus – Casa de Saúde do Telhal
Introdução à Identidade Hospitaleira e Cultura Assistencial

prestados aos doentes, complexo e difícil de determinar, com rigor, nas


suas causas.

Efectivamente, a tecnologia, mesmo contendo um potencial humanizante,


privilegia valores técnicos que são virtualmente opostos à concepção
global da pessoa. Há uma fascinação pelos valores materiais que abafam e
se sobrepõem aos valores espirituais.

O reconhecimento pela eminente dignidade do Homem pressupõe, antes


de mais, a consideração de uma escala de valores, e conhecer, aprender
uma outra dimensão: a dos valores não quantificáveis, os chamados
valores espirituais.

Aqui chegados, e ao reflectir sobre valores espirituais e religiosos no bem


estar integral da pessoa com problemas de saúde mental, parece-me,
também, oportuno analisar, ainda que de uma forma breve, o próprio
conceito de valor.

A noção de valor é uma noção complexa, visto que, se, por um lado, se
refere a algo específico («algo irredutível, novo e distinto dos restantes
âmbitos do ser» - na frase de Ortega y Gasset), por outro lado, não se
concebe sem o referenciar a outras categorias, como o bem, a justiça,
etc…

Rigorosamente falando, o valor é indefinível; pode-se apenas descrevê-lo


mais ou menos fielmente. Pode dizer-se, antes de mais, que o valor é um
aspecto do bem, tanto no plano fenomenológico, como no ontológico. O
que leva a concluir que a qualidade valorativa é distinta das outras
qualidades que se encontram nas coisas e que, portanto, o valor não
assenta sobre qualquer classe de objectos, mas sim sobre as qualidades
que têm o carácter de bem.

No sentido moderno do termo valor acrescenta, à referida noção de


aspecto do bem, a referência a um sujeito – o valor vale «para alguém».
Finalmente, tem uma exigência de realização – o valor merece existir.

Uma classificação e hierarquia de valores depende do facto que se tomar


como referência para as estabelecer. São, portanto, muito diversas as
apresentadas por filósofos e outros estudiosos.

5
Instituto S. João de Deus – Casa de Saúde do Telhal
Introdução à Identidade Hospitaleira e Cultura Assistencial

Sem nos debruçarmos sobre todas elas, vamos apenas referir aquelas que
são constantes nas classificações observadas e com base na relação dos
valores à pessoa humana:

VALORES GERAIS: como existência, individualidade, etc…

VALORES ESPIRITUAIS:  intelectuais - conhecimento, exactidão, etc…

 morais - liberdade, bondade, justiça, lealdade, solidariedade,


etc…
 estéticos - beleza, harmonia, etc…

VALORES RELIGIOSOS: como a santidade

Os valores espirituais estão ligados com a interioridade da pessoa,


enquanto pessoa. É nessa interioridade que se encontra o acolhimento e
culto àquilo que chamamos justo, belo e bom.

Os valores religiosos atingem o ser humano na sua relação com o


Princípio Supremo do valor. O homem é chamado a transcender-se.

A experiência confirma haver benefícios em considerar a pessoa doente


na realidade existencial, facilitando a abertura aos valores transcendentes
da vida, que a doença pode até ajudar a descobrir e vivenciar.

Sem dúvida que poderá constituir uma atitude religiosa a compreensão e


disponibilidades na escuta paciente, na procura de um sentido para a
psicopatologia presente, no relevo no amor fraterno alargado, que é o
essencial da mensagem cristã. Amor que não conhece discriminações, que
abrange as pessoas no seu existir, que tem a sua fonte em Deus que é,
essencialmente, Amor.

A dimensão religiosa na vida pode ser um poderoso auxiliar na tentativa


de resolução de situações patogénicas como, por exemplo: nalguns
conflitos conjugais, nalgumas fases de desestruturação familiar, em certas
formas de alcoolismo e de outras dependências, e também na própria
instituição e no meio familiar e social do doente.

Mas detenhamo-nos na análise da espiritualidade que também se


expressa pela religiosidade.
6
Instituto S. João de Deus – Casa de Saúde do Telhal
Introdução à Identidade Hospitaleira e Cultura Assistencial

A espiritualidade pode ser entendida como a crença num destino humano


que transcende a vida terrena e que, em consequência, se prolonga
depois dela.

O conceito de espiritualidade desenvolveu-se muito no campo das


psicoterapias, mercê da acção de Jung, de Victor Frankl e de outros…

A espiritualidade é um apoio da existência e constitui, efectivamente,


um momento terapêutico de grande valor em muitas manifestações da
patologia humana e, apesar da aparente absorção, pelas exigências
imediatistas da vida quotidiana, não é uma utopia; surge
espontaneamente, em certos momentos, como na hora do sofrimento e,
também, em momentos de alegria.

Bem sabemos, muitos de nós, da experiência clínica que, frequentemente,


o único antidoto seguro do suicídio, num depressivo grave, é a Fé,
enquanto expressão de espiritualidade. É uma necessidade, cada vez mais
evidente, com particular relevo no âmbito das doenças mentais,
atendendo às suas características peculiares, em que estão em jogo, muito
em particular, a personalidade da pessoa, os possíveis e diversos
«deficits» residuais, a autoconsciência de marginalização social ainda
existente, a relevância de factores familiares, sociais, etc…

Posto isto, ou seja, analisada em traços muito gerais, a noção de valor e


um esboço de tentativa de classificação de valores, com realce para os
valores espirituais e religiosos, é agora altura de, considerando a realidade
dos doentes mentais, reflectir sobre uns e outros.

Que valores têm os doentes mentais? Que são eles capazes de valorizar?

Há uma grande percentagem de pessoas com problemas de saúde mental


que têm consciência da sua identidade que eles pressentem, mais do que
compreendem, mal considerada, marginalizada.

Possuem também, quase sempre, uma certa noção do bem e do mal, o


que, consequentemente, conduz a uma relativa noção de culpa e,
também, de sentido de responsabilidade e de justiça.

7
Instituto S. João de Deus – Casa de Saúde do Telhal
Introdução à Identidade Hospitaleira e Cultura Assistencial

É frequente encontrar, em muitas pessoas com doença mental,


afectividade de níveis diversos, e observar a prática, sob várias formas, de
actos de solidariedade, reveladores, por vezes, de uma sensibilidade
extrema.

É ainda possível apreciar, nos doentes mentais, um sentido de


religiosidade, uma relação com Deus, muitas vezes expressa em actos de
culto, de celebração da sua fé.

Que valores encontram as outras pessoas nos doentes mentais? Que


entendem que pode ser neles valorizado?

Sem querer ser demasiado pessimista, e exceptuando aqueles que lidam


com eles, os conhecem e, fundamentalmente, os estimam, creio não
exagerar ao dizer que a sociedade poucos ou nenhuns valores encontra
nos doentes mentais. Considera-os, ainda, e apesar de tudo, seres à parte,
aos quais, quando muito, concede um fugaz sentimento de comiseração
ou de ambivalência.

Como esperar, portanto, considerações ou sugestões no sentido de uma


valorização acerca de alguém em quem mal se pensa?

Talvez esta atitude se deva, em parte, ao desconhecimento real das


situações; talvez fosse necessário incentivar a informação construtiva
para, depois, formar melhor a sociedade acerca destes doentes que são
parte integrante de um mundo a que todos pertencem. Eles têm grande
ânsia de compreensão, de estima, de aceitação, de reconhecimento da
sua identidade e de valorização pessoal, de relacionamento em plano de
igualdade e, muitas vezes, de viver em grupo. É importante referir que há
doentes que têm feito a descoberta de Deus apenas através do
comportamento de quem os assiste.

De que meios poderão as pessoas com doença mental dispor para se


valorizarem? – interrogamo-nos muitas vezes.

Não é fácil responder concretamente a esta pergunta, até porque as


possibilidades de valorização diferem de doente para doente.

8
Instituto S. João de Deus – Casa de Saúde do Telhal
Introdução à Identidade Hospitaleira e Cultura Assistencial

Contudo, há, desde logo uma que parece essencial se se tiver presente a
verdade da ideia a seguir expressa: «ninguém se estima sem ser ou ter
sido estimado por alguém».

Há, por isso, que utilizar todos os meios disponíveis com o objectivo de
desenvolver os sentimentos de auto-imagem positiva e de auto-estima
dos doentes.

Outra realidade, quase sempre inseparável da vida de um doente e que,


apesar de ser, em princípio, negativa, pode constituir um factor de
valorização; é o sofrimento…

A vida não foi dada ao homem para sofrer. Todo o sofrimento, incluindo a
doença, surge como um mal, um obstáculo ao desenvolvimento da vida.
Impossível de se lhe conhecer o porquê; permanece um mistério
intangível.

E, contudo, quem não sentiu já em si, ou naqueles que o rodeiam, o


trabalho «formativo» do sofrimento?

A doença pode ser ocasião de uma aprendizagem para o indivíduo,


podendo ajudá-lo a descobrir valores novos que o fazem progredir. A
busca de um sentido para o que está a viver e o apelo à transcendência
tornam-se mais agudos quando a pessoa passa por uma experiência de
doença ou de crise.

Se a pessoa orienta a sua vida por valores espirituais e, sobretudo,


religiosos, então tudo adquire um sentido, uma razão.

O sofrimento muda de aspecto desde que se reconhece que não é uma


realidade sem nome, mas uma pessoa de Deus operando, em nós e no
mundo, «grandes coisas». Nas palavras do Papa São João Paulo II: «o
sofrimento é daqueles pontos em que o homem está, em certo sentido,
destinado a superar-se a si mesmo e chamado, de modo misterioso, a
fazê-lo» (Salvifici Doloris).

No caso específico do doente mental, só em algumas circunstâncias é


possível esta compreensão do sofrimento. Mas, a todos aqueles que o
rodeiam, a dor pode permitir caminhos de valorização própria.

9
Instituto S. João de Deus – Casa de Saúde do Telhal
Introdução à Identidade Hospitaleira e Cultura Assistencial

Parece que o doente não traz nada de útil a uma sociedade consumista
que se guia, frequentemente, por critérios de produtividade e eficácia.
Alguém pode pensar – se se move somente numa dimensão quantitativa e
materialista – que um doente terá que ser suportado com resignação. E,
no entanto, a experiência confirma que, muitas vezes, o sofrimento pode,
para além do mais, constituir um factor de relativização das coisas, de
humanização e de solidariedade. Na valorização do sofrimento encontra-
se o único caminho para fugir da sua força demolidora…

Para além do que foi dito, é hoje indiscutível que a pessoa com doença
mental deve ser considerada na sua globalidade bio-psico-socio-cultural,
pelo que se impõe uma extensão alargada de cuidados diversificados às
famílias, à comunidade e, muito especialmente, àqueles que privam ou
trabalham nas instituições.

Como é natural, o centro de interesse de todos os cuidados, que se


desejam cada vez mais humanizados, é, necessariamente, o doente; mas
porque esquecer tão facilmente os problemas humanos do pessoal?

Como pedir «humanidade» a pessoas que são, muitas vezes,


«desumanizadas» pela falta de participação e insatisfação no trabalho?

«Ninguém dá o que não tem» - lembra, sabiamente, um ditado popular.

Consciente desta realidade, a Casa de Saúde do Telhal e os Irmãos de São


João de Deus, têm tomado iniciativas, visando a sensibilização aos valores
espirituais e religiosos. E, neste sentido, vem procurando junto dos seus
Colaboradores, desenvolver uma sólida formação específica no campo das
relações humanas e uma forte consciência da responsabilidade
deontológica.

Há, realmente a necessidade de uma pedagogia criativa que desenvolva


uma ética colectiva das relações e dos serviços, que esteja centrada nos
valores da pessoa. A começar pela lealdade institucional, a ajuda, o
apreço de todos os que trabalham na Instituição.

Um aspecto que é fundamental considerar, no que diz respeito às relações


humanas, não só para os doentes, como para os familiares (tendo em vista
os valores de que vimos falando), é o acolhimento. Pode ser – e é-o
muitas vezes – um momento decisivo, na sequência de cuidados em que
10
Instituto S. João de Deus – Casa de Saúde do Telhal
Introdução à Identidade Hospitaleira e Cultura Assistencial

há que polarizar acções, especialmente do ponto de vista psicológico. O


acolhimento humano é favorecido pela imagem de comunidade
terapêutica, que evoca colaboração, partilha, concórdia entre as pessoas.

A assistência ao homem doente mental na sua globalidade integrativa


constitui sempre um trabalho de extrema delicadeza, que pressupõe uma
especial e desenvolvida sensibilidade, um desmedido empenhamento
afectivo, sempre personalizado, pelo menos nalgumas fases, até porque
haverá sempre que atender ao grau das capacidades disponíveis dos
próprios doentes mentais.

É sempre possível encontrar meios para um crescimento espiritual e o


desenvolvimento de relações religiosos transcendentes, por mais
acentuado que seja o estado deficitário de alguns doentes e nem sempre
tão distantes do mundo real quanto se julga, pelo menos, de uma forma
permanente, constante.

Por fim, gostaria, de terminar esta reflexão que quis fazer convosco,
pondo em realce dois valores que, em especial na vida das pessoas com
doença mental e daqueles que as rodeiam, é fundamental cultivar
contínua e persistentemente. Refiro-me à esperança e à caridade.

Se a autêntica liberdade é um sinal excepcional da imagem divina no


interior do homem, a esperança encerra uma maravilhosa capacidade que
pode impulsionar o ser humano em busca de mais e melhor. Constitui
uma energia vital, indispensável ao seu desenvolvimento. As coisas que
esperamos e como as esperamos fazem parte do que somos.

Mas a esperança humana tem limites – espera na sua própria força que
não é, bem o sabemos, infinita.

A esperança sobrenatural confia no amor misericordioso de Deus.

«A passagem da esperança considerada como energia vital, inscrita na


natureza do homem, à esperança na acepção teológica do termo, indica a
gradual sobreposição da identidade cristã do indivíduo sobre a sua
identidade como homem».

O termo caridade adquiriu, infelizmente, com o correr dos tempos, uma


auréola bastante desagradável. A expressão «fazer caridade» é algo que
11
Instituto S. João de Deus – Casa de Saúde do Telhal
Introdução à Identidade Hospitaleira e Cultura Assistencial

distorce o verdadeiro sentido da palavra. Não de faz caridade; vive-se em


caridade.

Quando uso, portanto, aqui a palavra “caridade”, para designar um valor


que é considerado o primeiro e o mais importante na escala dos que aqui
são referidos, utilizo-o como sinónimo de «amor», um amor que
ultrapassa, de longe, o horizonte de uma ética filosófica ou de um simples
ideal filantrópico. Um amor que aceita o outro (qualquer outro), que
aceita encará-lo, que o respeita, na realidade total do seu ser.

Um valor no qual todos os outros estão contidos.

O Apóstolo S. Paulo, na 1ª Carta aos Coríntios, refere-se-lhe assim:

«A caridade é paciente, a caridade é benigna, não é invejosa; a caridade


não se ufana, não se envaidece, não é inconveniente, não procura o seu
interesse, não se irrita, não suspeita mal, não se alegra com a injustiça,
mas rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo
suporta.
A caridade nunca acabará. As profecias desaparecerão, as línguas
cessarão e a ciência findará… Permanecem a FÉ, a ESPERANÇA, e a
CARIDADE mas a maior das três é a CARIDADE!» isto é, o AMOR.

12
Instituto S. João de Deus – Casa de Saúde do Telhal

Você também pode gostar