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Introdução à Identidade Hospitaleira e Cultura Assistencial

A COMUNICAÇÃO NO PROCESSO DE
RELAÇÃO DE AJUDA

A relação comunicativa exige sempre a presença de dois polos dialécticos,


que se impõem e se implicam mutuamente: o polo emissor, que transmite
mensagens, e o polo receptor, que capta e descodifica as mensagens; ou
seja, faz falta na relação alguém que fale e alguém que escute.

emissor receptor
D
C canal E
O SC
Mensagem D O
I D
que se F
código
I Reacção
deseja I F
C canal I
comunicar A C
Ç A
à Ç
O Ã
O
codificação descodificação

Feedback

contexto

Escutar e falar constituem, então, um processo circular e simultâneo, um


processo de feedback permanente entre emissor e receptor, em que
ambos os polos se verificam simultaneamente em cada um dos
comunicantes; ambos os comunicadores são emissores ao mesmo tempo,
ainda que o façam através de diferentes canais de comunicação. Nesta
relação dialéctica está-se constantemente a partilhar informação, tanto
verbal como não verbal, e, em consequência, cada um a afectar a outra
pessoa.

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1.1. ESCUTAR

Uma destreza que assume um papel fundamental em todo o processo de


comunicação e na relação de ajuda é a ESCUTA. Esta é uma destreza de
aparência modesta, mas muito mais difícil de realizar do que aquilo que à
partida se pode pensar, e de uma importância decisiva no êxito ou no
fracasso de uma qualquer comunicação.

Se a ESCUTA for deficiente, as etapas posteriores, em consequência disso,


não conseguirão ter consistência e ficarão reduzidas a meros jogos de
palavras, mais ou menos engenhosos, mas que, na realidade, resultam
vazios e estéreis.

Não apenas no campo profissional, mas também na vida familiar e


relacional, escasseia frequentemente a escuta autêntica: «Não me venhas
com desculpas», «esse é o teu problema»…, são frases que se ouvem com
frequência em ambientes onde existe algum grau de confiança suficiente
para nos livrarmos da “tarefa” de ter de escutar o outro. E evita-se o
mundo do outro, talvez por algum medo que o seu problema nos possa
tocar também a nós, nos possa incomodar, e não nos deixe continuar a ler
o jornal, a ver a televisão, a praticar o nosso passatempo preferido…:
porque escutar implica na realidade tornarmo-nos próximos e
vulneráveis à pessoa que nos fala e aos problemas que a preocupam. E
isto não se está sempre disposto a fazer.

Todos nós, nalgum momento da nossa vida, tivemos já a oportunidade de


experimentar a importância de poder falar com alguém, de sentir a
proximidade do outro…; e quando isso se realiza é como se se criassem
melhores condições que permitem aos pulmões continuar a respirar, ao
coração continuar a bater e à vida a adquirir sentido.

Em oposição, também todos nós pudemos já experimentar difíceis


sentimentos de solidão, de isolamento, de sensação de incomunicados…

Quando não temos a possibilidade de conversar com alguém quase que se


produz em nós uma sensação de profunda asfixia, de abandono, de
impotência, de desespero…

E, em rigor, Escutar não é esperar que o outro termine de falar!


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Com alguma frequência entendemos o acto de “escutar” como uma


espera obrigada, que fazemos enquanto o outro fala, até conseguirmos
“apanhar” a nossa vez.

Igualmente erramos quando consideramos o escutar apenas como fruto


de um processo natural, cuja destreza se alcança espontaneamente com a
maturidade dialógica do indivíduo. De acordo com esta concepção
reducionista escutar seria, então, tão fácil quanto qualquer um dos outros
processos naturais que um bébé começa a fazer sem ter necessidade,
sequer, de um treino prévio (respirar, dormir, crescer…)

Escutar não é apenas, sequer, uma questão de boa vontade nem apenas o
desejo de ouvir e de entender as palavras proferidas.

Escutar é muito mais que tudo isso!

É muito mais complexo!

Escutar implica uma disponibilidade e uma abertura completas para a


experiência do comunicante e da sua comunicação. E isto obriga a uma
entrega e a um compromisso muito sério por parte do receptor.

A escuta como atitude exige uma disposição pessoal do receptor –


decidida de modo livre - para se sintonizar com o núcleo mais pessoal e
mais íntimo da pessoa que com ele se comunica.

As qualidades básicas que constituem esta atitude de escuta são


frequentemente as mesmas que devem estar presentes ao longo de todo
o processo de comunicação e da relação de ajuda: a empatia, a
autenticidade facilitadora, a cordialidade e a valoração positiva do
comunicante, a concretização, a relação no momento.

A escuta como destreza interpessoal implica que ela seja observável, isto
é, que se concretize em comportamentos perfeitamente detectáveis que,
por si mesmos, contribuam para que a outra pessoa se sinta escutada;

Implica também que ela seja avaliável; se a escuta pode ser traduzida em
comportamentos, então que se possa verificar também se eles estão
presentes ou não.
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A Escuta pode ensinar-se e a escuta pode aprender-se!

Tudo o que aqui foi dito anteriormente permite-nos, então, chegar à


seguinte definição de escuta:

«A ESCUTA é a técnica de acolher a pessoa que nos fala e de


descodificar adequadamente a sua linguagem verbal e não verbal,
a fim de compreender os diferentes conteúdos da sua mensagem»

1.2. RESPONDER

Já que todo o comportamento é um acto de comunicação, podemos então


dizer que toda a palavra ou atitude que tomamos perante uma pessoa
tem também uma dimensão intencional que a faz igualmente ser
resposta.

As pessoas que fazem a experiência do sofrimento ou que estão doentes,


quando se decidem a falar com alguém sentem, com frequência, algum
medo de incomodar, de serem um peso, de roubarem tempo…; temem
que a outra pessoa pense que deveria dedicar esse tempo a outros
problemas mais importantes que os seus e com outras pessoas mais
agradáveis.

As respostas de apoio pretendem, então, dissipar esses medos,


manifestando um interesse activo pela comunicação.

E estas respostas de apoio querem basicamente demonstrar:

Atitudes de acolhimento: interesse pelo doente e pelos conteúdos


que comunica.

Este tipo de resposta expressa-se principalmente pela


linguagem não verbal: silêncio atento, movimentos corporais
(especialmente com a cabeça), direcção do corpo
(enquadramento dos ombros e inclinação para a frente),
expressão do rosto e contacto visual.

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Expressões de acolhimento: são expressões breves, que


frequentemente constam apenas de uma palavra (às vezes um
monossílabo) e que se podem intercalar nas pausas do
comunicante, para lhe expressar proximidade, interesse e
disponibilidade. Palavras como «compreendo…», «sim…», «
claro…», «certamente…», «mmhum…»… que são afinal tão
frequentes nas conversas entre amigos.

Estas respostas assumem um papel muito importante na


comunicação. Elas reforçam de sobremaneira o feedback de
que o doente tanto necessita para saber que o canal de
comunicação está aberto e de que aquela pessoa que o escuta
quer efectivamente compreendê-lo.

Estímulos de comunicação: Nalgumas situações a pessoa doente


parece estar com a “bateria fraca” e que tem necessidade de
um pequeno empurrão para que o motor da comunicação se
ponha em marcha.

Isso acontece com alguma facilidade no princípio da


comunicação. O doente, por exemplo, faz uma declaração de
como se sente em termos muito vagos, depois guarda silêncio
e parece que não se atreve a continuar. Talvez que perante
esta situação seja muito útil a utilização de alguns estímulos de
comunicação: «parece que isso é muito importante para si…»,
«quero poder ajudá-lo, mas não vejo com clareza o que espera
de mim…», «Se deseja falar sobre isso estou disposto a ouvi-
lo…». A ajuda que estes estímulos oferecem é apresentada, de
forma respeituosa, como uma insinuação para que ele não se
sinta intimidado e não se afaste do assunto que quer tratar.

Sem dúvida alguma, as respostas de apoio não conseguem – por si


mesmas - oferecer ao doente a segurança de que ele tem necessidade
para seguir em frente. A garantia que se lhe dá de que efectivamente foi
compreendido é feita através das respostas empáticas. Isto significa que
aquele que escuta deve ir expressando ao doente aquilo que entendeu da
sua própria comunicação.

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Estas dinâmica de escutar e responder, através da qual se vão eliminando


as diferenças entre o que o emissor quer dizer e o que o receptor
compreende constitui o processo básico da escuta activa.

Há respostas prejudiciais ou egocêntricas as quais não respondem, de


modo nenhum, ao mundo do outro, mas antes projectam o próprio
mundo daquele que escuta. São egocêntricas, porque a pessoa que escuta
se apresenta directa ou indirectamente como modelo do que é valido, do
que se deve fazer, do que se deve pensar, do que se deve sentir…
Consideram-se prejudiciais, não porque insultem o doente ou porque este
fique descontente, mas porque directa ou indirectamente transmitem
mensagens que baixam a sua auto-estima, porque se lhes nega ou se
duvida da sua capacidade de resolver os próprios problemas e não se
valoriza, de forma adequada, aquilo que ele pensa, aquilo que ele sente,
ou aquilo que ele faz… Tais respostas surgem, normalmente, misturadas
com atitudes que espelham tendências de dirigir ou de mandar, de
ameaçar, de chantagear, de moralizar, de culpabilizar, de julgar, de
elogiar inoportunamente, de insultar, de ridicularizar, de comparar com
outros…

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