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Sugestões para o módulo Comunicação e expressão do bloco Aprender a ser

A teoria da comunicação no ambiente carcerário


Esse é um texto de formação. Foi pensado para o monitor de educação que
necessita de subsídios para a sua prática docente já que o ambiente da prisão é muito
pobre nesse sentido. Não é necessário que seja aplicado em sala de aula em sua
íntegra, mas tem como objetivo auxiliar você, monitor de educação, a ter à sua
disposição um “baú de ideias” que possa ser usado quando for preciso.
Quando pensamos na teoria da comunicação tradicional, aquela que
aprendemos na escola, na faculdade e na maioria dos livros e revistas sobre o
assunto, temos o seguinte esquema:

Fonte: https://www.prestus.com.br/blog/canais-de-comunicacao/. Acesso em 25.03.2024.

Os elementos acima descritos compõem, todos eles, fatores essenciais para que
uma pessoa se comunique com outra ou outras. Você é o emissor: fala, escreve,
gesticula, assume alguma posição corporal ou produz determinada feição facial e
aquele ou aqueles que lhe observam “lêem” aquilo que você quis transmitir, seja qual
for o canal que você se utilizou para isso. Se você é o receptor, a mensagem recebida
nem sempre é clara, você pode não entendê-la de forma completa ou parcial. Se o
código utilizado for o idioma alemão e você não tem a mínima ideia de como se
expressar nele, nada será entendido. Se as circunstâncias nas quais a mensagem foi
enviada não forem favoráveis, você entenderá menos ainda. Por circunstâncias
queremos dizer, por exemplo, o assunto do qual se fala: você está assistindo uma
palestra sobre física nuclear, mas não conhece nada sobre o assunto, certamente
sairá frustrado dessa experiência. Outro exemplo: você está em uma clínica de
tratamento de pessoas com sérios problemas psíquicos. Um paciente chega perto de
você e afirma ser Vladimir Putin e declara que a guerra contra a Ucrânia acabará
amanhã. Você entende perfeitamente a mensagem, mas não pode dar crédito a ela,
sua “leitura” será bem diferente da mensagem recebida. Finalmente, se pondo
novamente no lugar do emissor, seria muito importante você ter um retorno, um
feedback da mensagem enviada, para saber que você foi compreendido. Comparando
aquilo que foi compreendido por seu interlocutor com aquilo que você quis dizer, será
fácil saber se você conseguiu se comunicar, ou não.
Olhando para todos esses elementos e pensando em sua complexidade, em um
exercício de imaginação, não seria admirável que duas pessoas escolhidas ao acaso,
vivendo em tempos e lugares diferentes pudessem estabelecer comunicação plena e
efetiva? Haveria diversas barreiras que impediriam que isso acontecesse. Com o
passar do tempo essa comunicação poderia melhorar, dependendo das diferenças
entre essas pessoas e do esforço de ambas as partes. Imagine um homem da Idade
Média tentando se comunicar com um indígena brasileiro do século XX, não seria
interessante?
Sempre que a comunicação é prejudicada por algum motivo, dizemos que a
mensagem apresenta ruídos, falhas, defeitos que são inerentes e que podem ter
origem no emissor ou mesmo no canal, no meio no qual a mensagem foi emitida, isso,
é claro, partindo-se do princípio que o receptor está preparado para compreender a
mensagem caso ela não sofresse nenhuma interferência. A rigor, ruído na
comunicação é qualquer coisa que a dificulte ou a impeça. Os ruídos costumam
ocorrer também devido a fatores culturais, pessoais e emocionais. Apenas para citar
alguns podemos enumerar os seguintes exemplos: o preconceito a respeito de
qualquer coisa, impede nossa compreensão de alguma mensagem se ela for contra
aquilo que de antemão pensamos ou temos opinião; as diferenças culturais podem
também atrapalhar já que determinados trejeitos, falas e gestos têm significado distinto
em culturas diferentes; os estados emocionais e psíquicos tais como raiva, apatia,
ansiedade etc. impedem que estejamos receptivos à mensagem enviada.

https://medium.com/teorias-comunicacao/problemas-ru%C3%ADdos-e-fofocas-fe93aa66ddbd. Acesso em 25.03.2024.

https://brainly.com.br/tarefa/24415940. Acesso em 25.03.2024.

Agora, vamos pensar no ambiente em que estamos, o ambiente da prisão. Será


que a teoria da comunicação se aplica aqui também? O que você acha? Quais são as
características da comunicação no ambiente carcerário? Existe emissor e receptor?
Existe o código, a mensagem, o canal, o referente e o feedback? Existem ruídos e
falhas? Quais são eles?
Uma coisa que com certeza não é igual à maioria dos ambientes é o código
utilizado por aqueles que estão na prisão. O uso de gírias é algo recorrente e muitas
delas não seriam compreendidas por pessoas que não têm contato com esse
ambiente. Mas, assim como em qualquer lugar do mundo, a prisão é um lugar em que
a comunicação não depende apenas dos elementos presentes na teoria apresentada
no início dessa aula. A comunicação é muito mais complexa do que isso e envolve
muitos outros aspectos. No contexto da vida ela se reveste de muitos nuances que
nem sempre nos damos conta, mas que, não obstante, afetam profundamente nossa
existência. Vamos conhecer alguns deles?
- A quem damos ouvido? Quem tem autoridade para falar sobre determinados
assuntos? (Credibilidade e autoridade)
- É possível ler as pessoas? (Os estereótipos)
- Os diversos tipos de discurso: religioso, musical, regional, judiciário, funcional
etc. Como é a nossa comunicação com cada um deles? (A adequação da linguagem)
- Os meios de comunicação e a questão do convencimento. (Ideologia e
alienação)
- A comunicação e a independência de pensamento. (Autonomia)
De todos os seres viventes do planeta, somente o ser humano é capaz de
elaborar uma linguagem, construir um idioma e realizar a comunicação com seus
semelhantes, com todas as complexidades que lhe são próprias. O homem é um ser
social, necessita viver em sociedade para que possa exprimir as características de sua
própria natureza. A linguagem é algo que nos torna profundamente humanos e nos
distingue do resto do mundo. Em outras palavras, você sabe que é você porque é
capaz de elaborar uma linguagem em seu pensamento e expressá-la por qualquer
meio que deseje quando é de sua vontade ou quando isso é possível.
Agora que você está familiarizado com o assunto, que tal pensarmos em
maneiras de aplicá-lo em sala de aula?
Uma das maneiras bastantes efetivas de se passar um conteúdo para os alunos
é através de dinâmicas que através de ações simples podem imprimir naquele que
dela participa uma retenção mais duradoura e produtiva no sentido de sua utilização
prática na vida.
Dos cinco itens citados acima podemos, com cada um deles, estabelecer um
diálogo em classe de forma que possam ser melhor trabalhados.
Item 1: A quem damos ouvido? Quem tem autoridade para falar sobre
determinados assuntos? (Credibilidade e autoridade)
A ideia aqui é levar os alunos a perceberem a questão da autoridade e da
credibilidade dos discursos em nossa vida social. Quando estamos doentes, vamos a
um médico, é ele quem pode dizer o que há de errado conosco e prescrever um
tratamento para isso. Da mesma forma, quando se trata de religião, as pessoas
costumam procurar um padre, um pastor, um guia espiritual etc. Um cientista é a
pessoa habilitada para falar sobre os assuntos de sua área de estudo e assim
acontece nos mais diversos campos de nossa vida, mas será que aquilo que todas
essas pessoas dizem é necessariamente verdadeiro? Como podemos ter certeza se
nada ou pouco conhecemos sobre o assunto que estamos procurando resposta? Uma
boa prática é sempre ter em mente a questão da razoabilidade. Quanto mais uma
ideia se afasta daquilo que é razoável, maior cautela devemos ter na verificação de
sua veracidade. Como receptores de uma mensagem é importante que tenhamos
sempre um filtro e no caso de dúvida é interessante termos uma segunda, terceira ou
mesmo uma quarta opinião a respeito do assunto sobre o qual queremos nos informar.
Item 2: É possível ler as pessoas? (Os estereótipos)
Muitas vezes quando somos apresentados a uma pessoa, imediatamente
definimos se ela nos é simpática ou não. Quem nunca experimentou aquela sensação
que nos faz pensar “Não fui com a cara daquele sujeito...”? Essa concepção inicial
nem sempre se confirma e muitas vezes, aquela pessoa que a princípio não
gostamos, se torna um grande amigo em nossa vida. A questão dos estereótipos
(modelos pré-concebidos que existem em nosso interior) dificulta a comunicação e nos
alerta que ela depende, em parte, de fatores sociais, emocionais e culturais. Por isso é
importante que a nossa leitura do mundo e das pessoas seja a mais imparcial
possível, que não produzamos ruído. Uma das coisas que mais atrapalha a
comunicação é a questão do preconceito. É ele que faz com que não sejamos
capazes de sermos receptores, quando somos preconceituosos colocamos uma
barreira entre o emissor e o receptor, um ruido tão poderoso que deforma totalmente a
mensagem enunciada.
Item 3: Os diversos tipos de discurso: religioso, musical, regional, judiciário,
funcional etc. Como é a nossa comunicação com cada um deles? (A adequação da
linguagem)
O ambiente da prisão é rico na questão da diversidade dos discursos. No espaço
do cárcere temos pessoas que possuem grande diversidade de crenças, de gostos, de
preferências, de pensamento, de atitudes, de posturas etc. Isso é próprio da sociedade
em que vivemos e qualquer que seja o lugar em que estejamos, sempre haverá essa
diversidade. Somos seres de linguagem e costumamos adequá-la às atividades que
exercemos em nossa vida, seja no trabalho, em nossa vida social ou familiar.
Você já notou que pessoas que exercem a mesma atividade costumam ter uma
jeito parecido na hora de se expressar? Observe os pastores evangélicos que atuam
na prisão, eles não têm jeito parecido para prender nossa atenção? Observe a
entonação de voz que a maioria deles utiliza. Quando você, por algum motivo, precisa
falar com um agente de segurança do presídio, já percebeu que a maioria deles tem
um jeito parecido de se expressar? E as pessoas que como você estão em situação
de privação de liberdade, não existe uma linguagem, uma maneira de se expressar
comum à maioria dessas pessoas? Se quisermos nos comunicar com eficiência com
todas as pessoas com as quais temos contato em nossa vida, devemos ter em mente
que devemos adequar nossa linguagem ao ambiente no qual estamos inseridos.
Assim, para cada situação, para cada circunstância, é preciso uma linguagem
apropriada. Isso não significa que devemos imitar ou nos expressarmos da mesma
maneira que nosso interlocutor, mas que entendamos suas características para que a
mensagem enunciada seja por nós compreendida.
Item 4: Os meios de comunicação e a questão do convencimento. (Ideologia e
alienação)
A comunicação é uma das grandes ferramentas daqueles que querem te
convencer de alguma coisa. As grandes empresas gastam fortunas para tentar
convencer você a adquirir seus produtos através da publicidade. Da mesma forma,
quando se fala em política, a questão é levada muito a sério. Partidos políticos
investem muito dinheiro para promover seus candidatos a algum cargo público, na
esperança de ganhar seu voto. Por trás de cada campanha publicitária, seja ela de
que natureza for, há sempre a questão do convencimento, da ideia de que o que está
sendo mostrado vai trazer algum bem, alguma vantagem para você. Acontece que,
como todos sabemos, isso nem sempre é verdade, ou melhor, pode ser, já que muitas
pessoas, desavisadas, aceitam ideias como se fossem suas. O nome disso é
alienação. A alienação pode ser de natureza artística, cultural, social, política, moral,
religiosa, enfim, de qualquer área da existência humana. Quando uma pessoa se torna
alienada, entende que somente aquilo que ela considera verdadeiro deve ser levado
em conta e qualquer coisa que contrarie isso está necessariamente, errada. A
alienação é “irmã” da ideologia. Quando pessoas alienadas se reúnem em torno de
uma ideal, costumam criar um conjunto de ideias e de comportamentos que justificam
suas ações nos meios social, familiar e individual.
Item 5: A comunicação e a independência de pensamento. (Autonomia)
Se nesse momento de nossa conversa tivermos formado um conceito mais claro
sobre o que é a comunicação, suas características e dificuldades, será fácil
verificarmos a importância de termos um pensamento próprio a respeito de todas as
mensagens que recebemos em nosso dia a dia, seja qual for o meio que as
recebamos. Já vimos o quanto é importante a ausência de ruídos para a devida
compreensão da mensagem, de forma que, enquanto emissores nos esforcemos para
bem realizá-la. Já temos também a competência, enquanto receptores, de podermos
identificar esses ruídos, seja no emissor, seja no canal no qual a mensagem é
enviada.
Ter autonomia de pensamento nos dias de hoje, no mundo em que vivemos, no
ambiente da prisão ou em meio à sociedade é, de certa forma, nos tornarmos mais
donos de nosso próprio destino. Compreender melhor o processo da comunicação
humana é tomar posse de um conhecimento de grande valor para nossa vida.
Sugestão de oficina sobre o tema Comunicação e expressão
Título da oficina: Jardim de ideias
Essa é uma oficina que pode ser feita no começo ou no final da aula, ou ainda
entre uma aula e outra, caso o assunto se estenda.
Objetivo: Promover a reflexão sobre a importância de formar e expressar
opiniões próprias.
Materiais: Papel, caneta, fita adesiva e cartões com citações famosas, ditados ou
opiniões populares. Exemplos: “Deus é brasileiro”, “Antes tarde do que nunca”,
“Rouba, mas faz”, “Cada macaco no seu galho”, “Filho de peixe, peixinho é”, “Pau que
nasce torto nunca se endireita”, “No final das contas, não são os anos de sua vida que
contam. É a vida em seus anos”. (Abraham Lincoln), “A vida é a arte do encontro,
embora haja tanto desencontro pela vida.” (Vinicius de Moraes), etc.
Duração: Aproximadamente 30 minutos.
Passos:
1. Introdução (5 minutos):
• O facilitador introduz o tema, destacando como é fácil seguir a multidão e a
importância de ter uma voz própria.
• Explica que o objetivo da dinâmica é refletir sobre o valor de pensar de forma
independente.
2. Jardim das Ideias (15 minutos):
• Os participantes são divididos em pequenos grupos.
• Cada grupo recebe cartões com citações e opiniões populares.
• Eles devem discutir se concordam ou não com cada uma e por quê.
• Em seguida, cada grupo escolhe uma citação com a qual discorda e prepara
um argumento original contra ela.
3. Plantando novas Ideias (5 minutos):
• Os grupos colam seus cartões em uma parede ou quadro, criando o “Jardim
das Ideias”.
• Um representante de cada grupo compartilha a citação escolhida e apresenta o
argumento contrário elaborado pelo grupo.
4. Reflexão (5 minutos):
• O facilitador conduz uma discussão aberta sobre o exercício.
• Perguntas como “Como se sentiram desafiando uma ideia popular?” e “Qual a
importância de ter seu próprio ponto de vista” podem ser feitas para estimular o
diálogo.
5. Conclusão:
• A dinâmica termina com uma reflexão sobre como o pensamento próprio
contribui para a diversidade de ideias e a inovação.
• O facilitador enfatiza que, embora seja importante ouvir os outros, também é
crucial avaliar informações e formar opiniões próprias.

Bibliografia
Ruídos na comunicação: o que são, tipos e como evitá-los. Disponível em
<Ruídos na comunicação: o que são, tipos e como evitá-los (approach.com.br)>
Acesso em 26.03.2024.

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