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O Eleito e o Amável Pastor

Sl. 23

Objetivo: Ensinar que a vida do cristão se aloja na moldura


desta peça poética com a mais acurada simetria.

Introdução: Nenhuma parte das Escrituras, com a possível


exceção da Oração do Pai Nosso, é mais conhecida do que ‘O
Salmo do Pastor’. Sua beleza literária e percepção espiritual
são insuperáveis.
Taylor1: ‘Ao longo dos séculos esse salmo tem conquistado
um lugar supremo na literatura religiosa do mundo. [...] Ele
pertence à classe de salmos que exalam confiança e
segurança no Senhor’.
Oesterley2: ‘Todo o salmo exala o espírito de calma, paz e
contentamento, decorrentes de sua fé em Deus, que o toma
um dos mais inspiradores do Saltério’.

Contexto: Usualmente Deus é referido nos salmos pelas


figuras do ‘rei’ ou ‘libertador’, ou ainda mais impessoal como
‘rocha’, ‘rochedo’, ‘cidadela’, ‘escudo’, etc. Neste Salmo, Davi
emprega a metáfora mais compreensiva e íntima que até aqui
se achou nos Salmos, a figura do pastor, que ao contrário de
distante e impessoal, vive com seu rebanho, sendo tudo para
ele: guia, médico e protetor.

Transição: a partir deste Salmo, gema da poesia hebraica,


quero compartilhar nesta oportunidade o tema: ‘O Eleito e
o Amável Pastor’.

1
Taylor, citado pelo Comentário Bíblico de Beacon, Vol. 03, pág. 151.
2
Ibidem. {Rev. William Oscar Emil Oesterley (Calcutá, 1866–1950) foi um teólogo da Igreja Anglicana e professor de Hebraico e
Antigo Testamento no King’s Colegge, em Londres, a partir de 1926. Seus muitos livros abrangem uma ampla gama de tópicos, desde
comentários bíblicos e doutrina cristã, judaísmo e o antigo Israel até assuntos mais gerais}.
[https://pt.wikipedia.org/wiki/W._O._E._Oesterley].
I – A Ovelha Peregrina, Sob o Cajado do Pastor.

1. Parece certo enquadrar este salmo sendo composto


quando Davi alcançou a posse pacífica do reino, vivendo
prosperamente e desfrutando de tudo quanto pudesse
desejar.

2. Embora a prosperidade seja uma cilada para muitos,


parece que Davi não se escorregou tão cedo deste tão alto
privilégio.
2.1 – A experiência de se afastar de Deus na
prosperidade é mais comum na história do que
normalmente se nota.
2.2 – Esta experiência se vê com frequência no círculo
vicioso que se apresenta no livro de Juízes.
2.3 – Prosperidade, apostasia, disciplina, clamor,
libertação.
2.4 – Não há nada em que os homens mais facilmente
caem do que na fraqueza de esquecer a Deus quando
se desfruta de paz e conforto.

3. O primeiro verso do Salmo introduz o cuidado do amável


pastor com seus eleitos, como suas ovelhas.
3.1 – Sl. 23.1 ‘O Senhor é o meu pastor; nada me
faltará’.
3.2 – ‘Não sentirei falta de qualquer coisa
indispensável’.

4. Sob o afetuoso cuidado do pastor (YHWH) Davi


desenrola sete expressões dessa atenção.
4.1 – ‘Não me faltará completa satisfação’.
a) Sl. 23.2a ‘Deitar-me faz em verdes pastos’.
b) Esta expressão fala, literalmente, de pastos de
capim macio e novo.
c) Dizem que as ovelhas nunca se deitam, até que
estejam satisfeitas.
d) Assim também cada necessidade espiritual é
suprida na vida do eleito.
e) A figura transmite um completo descanso na
satisfação proporcionada pelo cuidado vigilante
do grande Pastor.
f) Calvino3: ‘Davi, que excedia tanto em poder
quanto em riquezas, não obstante confessa
francamente não passar de uma pobre ovelha,
com o intuito de fazer de Deus o seu pastor’.
g) Que contraste com a agitação do mundo!

4.2 – ‘Não me faltará orientação’.


a) Sl. 23.2b ‘Guia-me mansamente a águas
tranquilas, ou águas de descanso’.
b) Continuando a ideia de provisão para as
necessidades do rebanho, o poeta acrescenta o
pensamento de orientação.
c) O pastor oriental não empurra ou impele, ele
sempre guia suas ovelhas.
d) Esse pensamento é concorde às palavras de Jesus:
‘as minhas ovelhas ouvem a minha voz e me
seguem’.
e) Derek Kidner4: ‘Deus não teria adotado um
rebanho, uma família, se não tivesse a intenção
de formar uma vinculação permanente entre Ele
e ela’.

4.3 – ‘Não me faltará restauração’.


a) Sl. 23.3a ‘Refrigera a minha alma’.
b) Isto significa que Ele me aviva, renova e refresca.
c) Esse é um tema recorrente do NT:

3
Calvino, João, Comentário Bíblico dos Salmos, Vol. 01, pág. 511, Ed. Fiel.
4
Kidner, Derek, Introdução e Comentário, Salmos, Vol. 01, pág. 129, Ed. Vida Nova.
II Co. 4.16 ‘O interior, contudo, se renova de dia
em dia’.
Ef. 4.23 ‘E vos renoveis no espírito do vosso
sentido’.
Cl. 3.10 ‘E vos vestistes do novo, que se renova
para o conhecimento’.
d) ‘Refrigera a minha alma’ é uma expressão que
pode retratar a ovelha desgarrada que é trazida de
volta, e emprega o verbo no original, cujo
significado é frequentemente ‘arrepender-se’ ou
‘converter-se’.
Os. 14.1-2 ‘Volta, ó Israel, para o Senhor, teu
Deus, porque, pelos teus pecados, estás caído.
Tende convosco palavras de arrependimento e
convertei-vos ao Senhor; dizei-lhe: Perdoa toda
iniquidade, aceita o que é bom e, em vez de
novilhos, os sacrifícios dos nossos lábios’.
Jl. 2.12 ‘Ainda assim, agora mesmo, diz o
Senhor: Convertei-vos a mim de todo o vosso
coração; e isso com jejuns, com choro e com
pranto’.
e) Essa é a graça que sustenta a alma.

4.4 – ‘Não me faltará instrução da justiça’.


a) Sl. 23.3b ‘Guia-me pelas veredas da justiça por
amor do seu nome’.
b) As ‘veredas da justiça’ são caminhos planos,
sendo que uma das funções das Escrituras é
‘instruir em justiça’ (II Tm. 3.16).
c) Deus não somente adverte contra o mal; Ele nos
guia nos caminhos da justiça.
d) Isso ocorre ‘por amor do seu nome’ provando o
tipo de Deus que Ele é.
e) O Deus, cujo nome é santo, quer que seu povo
também seja santo.
Lv. 19.2 ‘Fala a toda a congregação dos filhos
de Israel e dize-lhes: Santos sereis, porque eu, o
Senhor, vosso Deus, sou santo’.
f) O NT imprime o mesmo valor (I Pe. 1.14-16).

4.5 – ‘Não me faltará coragem diante do perigo’.


a) Sl. 23.4a ‘Ainda que eu andasse pelo vale da
sombra da morte, não temerei mal algum’.
b) Aqui está a certeza da ajuda no momento mais
difícil da vida.
c) A morte não é um adversário desprezível; pois a
Escritura nos diz que ela é o nosso último grande
inimigo.
d) Se Deus pode nos dar coragem neste momento,
como tem dado a tantos outros, é porque Ele pode
nos ajudar em qualquer situação.
e) As muitas ravinas na Palestina sugerem a
metáfora esposada neste verso; e pode-se aplicá-
lo em todas as facetas da vida, inclusive as mais
horríveis, sem a necessidade de temer o mal.
f) Mal é um termo amplo para se referir a qualquer
adversidade ou tipo de dano ou perigo que nos
possa sobrevir.
g) Se Deus está com os crentes, seus eleitos, então
por que devem temer?
Rm. 8.31 ‘Que diremos, pois, à vista destas
coisas? Se Deus é por nós, quem será contra
nós?’.

4.6 – ‘Não me faltará provisão divina’.


a) Sl. 23.4b ‘Porque Tu estás comigo’.
b) Este é o principal motivo para toda a confiança do
salmista e de todo peregrino eleito.
c) Há inúmeras promessas na Palavra de Deus de
que o Senhor não os desamparará nem os deixará.
d) Nessa presença há força, conforto, descanso e
esperança.
Is. 41.1-2 ‘Mas agora, assim diz o Senhor, que
te criou, ó Jacó, e que te formou, ó Israel: Não
temas, porque eu te remi; chamei-te pelo teu
nome, tu és meu. Quando passares pelas águas,
eu serei contigo; quando, pelos rios, eles não te
submergirão; quando passares pelo fogo, não te
queimarás, nem a chama arderá em ti’.
Hb. 13.5c ‘De maneira alguma te deixarei,
nunca jamais te abandonarei’.
e) Nesse ponto de êxtase poético somos levados à
adoração terna, grata e afetuosa para com nosso
pastor.

4.7 – ‘Não me faltará conforto na tristeza’.


a) Sl. 23.4c ‘A Tua vara e o Teu cajado me
consolam’.
b) O cajado do pastor tem duas funções:
b.1 – Ele é uma vara de proteção às ovelhas.
b.2 – Ele é um cajado no qual o pastor se apoia,
servindo para o seu conforto.
c) O ‘homem de dores’ sabe melhor que ninguém
como atender as necessidades do coração abatido.

5. O eleito de Deus, qual ovelha sob os cuidados do


Supremo Pastor, peregrina confiante em direção às
campinas eternas.

II – Provisões Oferecidas Pelo Amável Pastor.

1. A ideia do completo suprimento de cada necessidade


com a qual o salmo inicia continua controlando o seu
movimento, mas a comparação muda de ‘um Pastor’
para ‘um Anfitrião’.
2. Se você se firmar nas figuras de linguagem oferecidas
pode perceber a mudança de movimento ‘de um campo’
para ‘uma casa’.
2.1 – A figura de linguagem do pastor já serviu seu
propósito, e passa a ser substituída por uma de maior
intimidade.
2.2 – Na primeira metáfora, os eleitos foram
retratados como ovelhas.
2.3 – Nesta segunda metáfora, os eleitos, por sua vez,
são retratados como homens, com sua mesa, cálice e
casa e que recebem da provisão de Deus como o
Anfitrião.

3. Primeira provisão: ‘Preparas uma mesa perante mim


na presença de meus inimigos’.
3.1 – Diversas interpretações são oferecidas por
eruditos ao observar a riqueza do contexto pitoresco
do Salmo.
a) Uma mesa pode ser um platô no alto de uma
colina.
b) Uma mesa pode ser a suculenta pastagem aos
olhos de lobos e predadores mantidos à distância.
c) Exploro aqui a ‘mesa’ como sendo ‘aquela
apreciação pública que um rei oriental mostrava
àquele que desejava honrar de maneira
especial’5’.
3.2 – Hamã, inimigo gratuito dos judeus no período da
dominação medo-persa, se preparava para ver
Mordecai, seu rival, enforcado com pompas de
crueldade.
a) Certa noite, o rei Assuero, sem conseguir pegar no
sono, pediu que se lesse para ele, um pouco da
história registrada em sua biografia e descobriu
5
Comentário Bíblico de Beacon, Vol. 03, pág. 153.
que em certo motim levantado contra sua vida, a
pessoa que desbaratou o levante não foi
reconhecido e honrado.
b) Estando no pátio o ilustre assistente Hamã, o rei
manda-o entrar e lhe lança a seguinte pergunta:
Et. 6.6 ‘Que se fará ao homem a quem o rei
deseja honrar?’.
c) Hamã, pensando ser ele o dito que receberia as
honrarias do rei, faz sua proposta, ao que o rei lhe
ordena a oferecer com toda suntuosidade a
honraria a Mordecai.
d) No caso de Hamã e Mordecai, a mesa foi
metafórica apontando para uma honraria diante
do inimigo.
e) No caso do eleito de Deus para a vida eterna, o
inimigo (Satanás) também pode ver as honrarias
que são oferecidas ao redimido, sem que o
inimigo possa atingí-lo.

4. Segunda provisão: ‘Unges minha cabeça com óleo’.


4.1 – Seguindo na mesma linha interpretativa onde
Deus é o Anfitrião, tendo o eleito em sua mesa, como
seu convidado e protegido, a figura do óleo recebe
significativo valor.
4.2 – Aqui não está em voga o óleo da unção que era
usado para empossar um rei ou um sacerdote, porém
esse era um óleo perfumoso amplamente usado em
banquetes do Oriente antigo, como marca de
hospitalidade e favor.
a) Lc. 7.46 ‘Não me ungiste a cabeça com óleo,
mas esta, com bálsamo, ungiu os meus pés’.
b) A cabeça ungida com óleo é uma figura bíblica
comum para a abundância de alegria.
c) ‘O meu cálice transborda’ aponta para a fartura,
onde os cálices eram cheios dos melhores vinhos,
e não havia falta de acepipes (petiscos), visto
terem sido metaforicamente retratados como
transbordantes.
d) Champlin6: ‘O convidado podia ser um homem
perseguido. Seus inimigos estavam “do lado de
fora”, uivando como um bando de animais
selvagens. Mas quem se importava? Ele estava
com seu Hospedeiro, em meio à abundância,
plenamente protegido de qualquer coisa que
estivesse “lá fora”, neste mundo hostil’.
4.3 – Assim está o eleito de Deus, transbordante de
alegria, longe do alcance de seus inimigos, mas
protegido e seguro para a vida eterna.

5. Terceira provisão: ‘Bondade e misericórdia me


seguirão todos os dias da minha vida’.
5.1 – Em sua jornada para o Lar Eterno, os peregrinos
não viajam sozinhos, antes são acompanhados pela
Bondade e pela Misericórdia, até chegarem a habitar
na casa do Senhor, e isso para sempre.
5.2 – Ilustração7: ‘Os Cães do Pastor’.
Os cães eram importantíssimos nas lides do pastoreio.
Eles ajudavam a cuidar das ovelhas; proviam
disciplina; aumentavam a proteção. Um antigo
pregador notou a ausência de cães no salmo do pastor
e completou esse detalhe em seu sermão. O poeta fez
com que os fiéis cães do pastor fossem a bondade e a
misericórdia. Ele declarou: “O Senhor é o meu
pastor” e, mais do que isso, pois Ele tem ótimos cães
pastores chamados Bondade e Misericórdia. Eles vão
à frente das ovelhas e as seguem. Com eles e o Pastor,
até pobres pecadores como você e eu podemos esperar
chegar em casa, finalmente.

6
Champlin, Russel Norman, O VT Interpretado Versículo por Versículo, Vol. 04, Ed. Hagnos.
7
Champlin, Op. Cit.
5.3 – Dentro do ambiente histórico, Davi poderia se
referindo às suas frequentes visitas ao tabernáculo,
onde ele se entregava à adoração, ao louvor e à oração,
desfrutando de prazerosa espiritualidade.

6. Quarta provisão: ‘Habitarei na casa do Senhor para


todo o sempre’.
6.1 – Como uma aplicação, temos os deleites do Céu
de Deus, o eterno lar das almas remidas.
6.2 – O passado é uma profecia sobre o futuro, pois a
provisão e a alegria do passado predizem a mesma
situação, sob forma ainda mais gloriosa, quanto ao
futuro.
6.3 – Com isto em mente o eleito pode dizer
confiantemente: ‘continuarei a ter Cristo como meu
Pastor; serei Seu convidado nas Mansões lá do alto’.

Conclusão: Este salmo é pleno de esperança e alegria, e


aponta para a plenitude do que é ser alguém um homem
espiritual!
Desfrute de suas provisões nesta peregrinação.
Achegue-se ao Amável Pastor, o Deus trino, que com o precioso
sangue de Seu Filho Jesus, nos garantiu a entrada e vida eterna
em seu Reino.
Anele pela casa eterna, ‘onde todos cantaremos juntos, hinos
de louvor ao Senhor’.

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